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O clientelismo em decorrência da distribuição discricionária de cargos comissionados.

Um ato de improbidade que ofende o princípio da moralidade administrativa

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Agenda 10/04/2011 às 16:40

3.das formas de ingresso no serviço público NA CRFB/88

Diferentemente das constituições anteriores, a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 nos trouxe um capítulo dedicado exclusivamente à Administração Pública, em que apresenta todos os regramentos a ela atinentes, inclusive no que diz respeito às formas de acesso aos cargos públicos.

Além de enumerar, no caput do artigo 37, os princípios que regem a Administração Pública, a CRFB/88, no inciso I do mesmo artigo, com a leitura dada pela Emenda Constitucional nº 19 de 1998, estatui que os "cargos, empregos e funções públicas são acessíveis aos brasileiros que preencham os requisitos estabelecidos em lei, assim como aos estrangeiros, na forma da lei". Trata-se do princípio da acessibilidade aos cargos e empregos públicos, o qual é, porque não dizer, uma expressão do princípio da isonomia, previsto no artigo 5º da Carta Magna.

Assim, ao estipular a ampla acessibilidade aos cargos públicos, o legislador constituinte pretendeu evitar distinções e discriminações no seu provimento, promovendo a igualdade na sua distribuição. Foi então, por essa razão que o legislador constitucional referendou a regra do concurso público, o que se encontra no inciso II, do mesmo artigo da CRFB/88, a saber:

Art. 37. [...]

II- a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração. (Grifo nosso)

Além disso, não se pode deixar de lembrar o que defende o doutrinador Hely Lopes Meirelles (2007, p. 436), para quem o instituto do concurso público é a forma idônea de se prevenir abusos na distribuição de cargos, promovendo a moralidade, eficiência e o aperfeiçoamento do serviço público. Constate-se em suas palavras:

O concurso é o meio técnico posto à disposição da Administração Pública para obter-se moralidade, eficiência e aperfeiçoamento do serviço público e, ao mesmo tempo, propiciar igual oportunidade a todos os interessados que atendam aos requisitos da lei, fixados de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, consoante determina o art. 37, II, da CF. Pelo concurso afastam-se, pois, os ineptos e os apaniguados que costumam abarrotar as repartições, num espetáculo degradante de protecionismo e falta de escrúpulos de políticos que se alçam e se mantêm no poder leiloando cargos e empregos públicos. (Grifo nosso)

Nesta senda, percebe-se que o legislador constituinte atribuiu caráter de regra geral à investidura em cargo ou emprego público através de concurso público, valorizando assim a meritocracia. Esta, por sua vez, é bem ilustrada na doutrina pátria, como se vê nas palavras que seguem:

O princípio da acessibilidade aos cargos e empregos públicos visa essencialmente realizar o princípio do mérito que se apura mediante investidura por concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração (art. 37, II). (SILVA, 2007, p. 679, grifo nosso)

Ante o exposto, é de se perceber que o instituto do concurso público situa-se como meio hábil à garantia da isonomia, à medida que permite a ampla acessibilidade aos cargos, os quais podem ser pleiteados em iguais condições pelos candidatos. No pensamento de Celso Antônio Bandeira de Mello (2009, p. 277-279)

O que a Lei Magna visou com os princípios da acessibilidade e do concurso público foi, de um lado, ensejar a todos iguais oportunidades de disputar cargos ou empregos na Administração direta e indireta.

[...]

Os concursos públicos devem dispensar tratamento impessoal e igualitário aos interessados. Sem isto ficariam fraudadas suas finalidades. Logo, são inválidas disposições capazes de desvirtuar a objetividade ou o controle destes certames. (Grifo nosso)

Além disso, figura também amparado no princípio da moralidade, valorizando ainda o mérito, antes de tudo. Isto é o que se depreende do pensamento de Conceição Jorge Pinto (2009), a saber:

Com base no princípio da moralidade administrativa, pode-se verificar se o concurso foi realizado dentro da estrita legalidade, sem a incidência de favorecimento e ou de perseguições pessoais. E por fim, o princípio da competição, que constitui a própria essência do concurso público, um certame onde candidatos procuram alcançar a melhor classificação, demonstrando através de provas, a sua superioridade em conhecimento diante dos outros concorrentes, o seu mérito para o desempenho do cargo para o qual se candidatou. (Grifo nosso)

Ademais, deve-se mencionar que, apesar de preconizar o concurso público como regra geral, o inciso II estabelece uma ressalva: as nomeações para cargos em comissão, os quais são declarados em lei de livre nomeação e exoneração. Dessa forma, estabelece a Lex Mater que é possível a investidura em cargos públicos sem o crivo do concurso público, bastando apenas a edição de uma lei em sentido estrito em que se declare os cargos de livre nomeação e exoneração, sem estipular maiores critérios para a sua elaboração. De outra banda, o inciso V do mesmo artigo preleciona que

Art. 37 [...]

V - as funções de confiança, exercidas exclusivamente por servidores ocupantes de cargo efetivo, e os cargos em comissão, a serem preenchidos por servidores de carreira nos casos, condições e percentuais mínimos previstos em lei, destinam-se apenas às atribuições de direção, chefia e assessoramento.

Com isso, temos que a Carta Política nos trouxe, com o advento da Emenda Constitucional nº 19/1998, escassos e vagos elementos limitadores à nomeação de cargos em comissão e funções de confiança, já que são muito genéricos os requisitos que devem ser cumpridos pela lei que criar cargos em comissão, ou seja, para editá-la é apenas necessário estabelecer as parcelas atinentes aos servidores de carreira e às pessoas não concursadas e estabelecer os casos e as condições em que a administração poderia se valer dessa forma de provimento funcional.

Assim, ao não estabelecer critérios mais definidos na criação dos cargos que prescindem de concurso público, o legislador abriu um enorme leque de possibilidades de utilização mal intencionada deste dispositivo. Sobre o assunto versado, interessantes são as palavras do já mencionado doutrinador José Afonso da Silva (2007, p. 679), a saber:

Deixa a Constituição, porém, uma grave lacuna nessa matéria, ao não exigir nenhuma forma de seleção para a admissão às funções (autônomas) referidas no art. 37, II, ao lado dos cargos e empregos. Admissões a funções autônomas sempre foram fonte de apadrinhamentos, de abusos e de injustiças aos concursados. As funções de confiança, previstas no art. 37, V, como os cargos em comissão (também de confiança), destinados apenas às atribuições de direção, chefia e assessoramento, não comportam concurso público, estatuindo-se apenas que aquelas sejam exercidas por servidores ocupantes de cargos efetivos, e estes preenchidos por servidores de carreira nos casos, condições e percentuais mínimos previstos em lei. (Grifo nosso)

Não obstante a possibilidade de nomeação de cargos em comissão sem prévio concurso público, há também outra hipótese de acesso a cargos públicos que não se submete à regra do certame: é o caso das contratações para o atendimento de necessidade temporária de excepcional interesse público, prevista no inciso IX do artigo 37. Por esse dispositivo, a Administração Pública vê-se autorizada a, por meio de lei, contratar em caráter temporário, desde que seja premente a necessidade temporária de excepcional interesse público. Assim, havendo contingências que transpassem a situação de normalidade, cujo atendimento reclama satisfação imediata e temporária, e que, devido ao seu caráter incomum, eventual, transitório e urgente, enseje a desnecessidade de concurso público, a Administração Pública pode editar lei com escopo de atender a tais necessidades, nomeando empregados temporários sem prévio concurso público.

Não restam dúvidas de que a possibilidade de contratação em caráter temporário nos casos e condições supra mencionados é necessária e importante, ao mesmo tempo em que é nobre o objetivo que possui, o de dar celeridade e eficiência à Administração Pública nos casos em que se aplica. Entretanto, ainda assim os administradores públicos têm se utilizado deste dispositivo como forma de burlar a obrigatoriedade dos concursos públicos, favorecendo interesses privados em detrimento do interesse público.

Por tudo o que foi exposto, após esta breve análise acerca das formas de acesso a cargos, empregos e funções públicas no ordenamento jurídico brasileiro atual, é incontestável o instituto do concurso público como meio idôneo de garantir a isonomia, a impessoalidade e a moralidade nas formas de ingresso dos administrados nos cargos públicos. Por outro lado, resta evidente que a Lei Maior, ao abrir exceções a esta regra geral, apresenta-se por demais vulnerável e lacunosa, abrindo possibilidades de distribuição discricionária de cargos sem a sua efetiva necessidade. Esta desnecessária distribuição discricionária de cargos em comissão, assim como desnecessárias contratações em caráter temporário que temos observado com bastante freqüência em todas as esferas de poder, têm se mostrado totalmente lesivas aos princípios da impessoalidade e moralidade administrativa, em detrimento do interesse público, levando ainda à improbidade e à má administração da máquina pública.

É, pois, nesse diapasão que surge a figura do clientelismo, cujo conceito e características ver-se-ão no capítulo seguinte.


4.O Clientelismo

4.1.conceito e características

O significado de clientelismo, tema principal deste estudo, está intimamente ligado à idéia de favorecimento, cujo conceito é oriundo do campo da ciência política. Consiste numa prática eminentemente política, através da qual alguém em posição politicamente destacada concede benefícios a outrem, em posição politicamente inferior, recebendo uma contrapartida de interesse particular como forma de retribuição ao que lhe foi concedido. Dessa forma, o clientelismo na Administração Pública ocorre quando um administrador público, utilizando-se do aparelho estatal ou de meios de burla à estrita legalidade, concede benefícios diversos a certo indivíduo ou a certo nicho social, visando à satisfação de interesses não condizentes com o interesse público.

Assim, pode-se dizer que o aparelho estatal é utilizado como meio de troca numa relação de dois pólos: de um lado, o administrador público, ou alguém inserido dentro da Administração Pública, com objetivos de cunho pessoal ou particular, utiliza a máquina pública para oferecer concessões, isenções, facilidades a outrem que figura no outro pólo da relação, e que, por sua vez, retribuirá de alguma forma o benefício recebido.

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Robert Kaufman (1977, apud CARVALHO, 1997) elucida brilhantemente o que vem a ser o clientelismo, afirmando que "indica um tipo de relação entre atores políticos que envolve concessão de benefícios públicos, na forma de empregos, benefícios fiscais, isenções, em troca de apoio político, sobretudo na forma de voto".

Quadra salientar que, o clientelismo, no sentido de troca política, sempre se manteve presente na história do nosso país, quer mais intensamente, quer de forma mais amena. Por outro lado, paralelamente à incidência do clientelismo nas mais diversas épocas do nosso itinerário histórico, observou-se também a incidência de outros fenômenos semelhantes, como é o caso do coronelismo, do mandonismo e do patrimonialismo, cujos conceitos são geralmente mais conhecidos. Ademais, apesar de semelhantes, esses conceitos não nos interessam, pois é o conceito de clientelismo que mais se adéqua às práticas observadas no cenário político dos dias atuais, e, por essa razão será utilizado neste estudo.

Esta forte incidência do clientelismo no campo político recente, em sobreposição a outros fenômenos outrora observados no Brasil – a exemplo do coronelismo e do mandonismo – é corroborada nas palavras de José Murilo de Carvalho (1997), cujo pensamento é expresso a seguir, in verbis:

Os autores que vêem coronelismo no meio urbano e em fases recentes da história do país estão falando simplesmente de clientelismo. As relações clientelísticas, nesse caso, dispensam a presença do coronel, pois ela se dá entre o governo, ou políticos, e setores pobres da população. Deputados trocam votos por empregos e serviços públicos que conseguem graças à sua capacidade de influir sobre o Poder Executivo. Nesse sentido, é possível mesmo dizer que o clientelismo se ampliou com o fim do coronelismo e que ele aumenta com o decréscimo do mandonismo. (Grifo nosso)

Ressalte-se ainda, que no clientelismo, como já afirmado anteriormente, os dois pólos da relação de troca encontram-se em situação de poder desigual, e, no caso do clientelismo dentro da Administração Pública – também chamado por alguns autores de clientelismo político ou burocrático – a parte mais poderosa é o Estado, como defende Carvalho (1997):

Ora, qualquer noção de clientelismo implica troca entre atores de poder desigual. No caso do clientelismo político, tanto no de representação como no de controle, ou burocrático, para usar distinção feita por Clapham (1982), o Estado é a parte mais poderosa. É ele quem distribui benefícios públicos em troca de votos ou de qualquer outro tipo de apoio de que necessite. (Grifos acrescidos)

Interessante ainda é trazer à colação a abordagem de Luiz Henrique Nunes Bahia (2003, p. 127), em sua obra O poder do clientelismo – Raízes e Fundamentos da Troca Política, obra esta que traz um estudo pormenorizado, com comparações entre diversos autores, sobre as origens e características dos fenômenos clientelísticos. Para este autor, o clientelismo, por ele chamado de troca política, é uma prática inerente ao contexto da atividade política, estando, por isso, sempre presente na história política das sociedades. Apresentando pensamento de Robert Kaufman (1974), o referido autor afirma que:

A relação clientelística é ainda aqui tratada como tipo especial de permuta "de dois", individualizada pelas seguintes características;

a)a relação ocorre entre atores de poder e status desiguais;

b)é baseada no princípio da reciprocidade, isto é, uma forma de troca interpessoal auto-regulável;

c)a relação é particularista e privada, ancorada apenas levemente na legislação púbica e nas normas comunitárias.

[...]

O conceito de clientelismo propicia a relação entre os tipos de poder, já que inclui a idéia de hierarquia que permite intensos conflitos na base da pirâmide e a permanência dos indivíduos sob um só patronus.

Ainda em elucidação ao que defende o autor estrangeiro, ele faz uma diferenciação entre os sistemas de larga-escala clientelistas e outros tipos de coletividade de larga-escala, fazendo menção a mais algumas importantes características da troca política, como se constata abaixo:

No clientelismo, 1) a autoridade baseia-se na capacidade de controlar recursos materiais escassos e na capacidade de usar estes recursos na troca com os seguidores. Diferenciam-se ainda das demais formas de autoridade por ser personalista (sem contrato legal); 2) cada um dos membros na coletividade clientelista possui objetivos particulares; 3) as relações são verticais e os membros quase não se conhecem (o vínculo é só com o patrão). A verticalidade torna a relação clientelista menos estável que as demais. (BAHIA, 2003. P. 128, grifo nosso)

Dessa forma, ficam mais uma vez evidenciados alguns traços da atividade política clientelística, como por exemplo, a busca por objetivos particulares. A relação vertical é outro ponto que merece destaque: numa relação clientelística dentro da Administração Pública, a relação de vínculo ocorre do administrado, beneficiado com algo, para com o Administrador público, o qual é retribuído pelo benefício concedido.

Nesse contexto, a nomeação de servidores sem concurso público, nas diversas esferas de poder, mesmo que temporariamente, vem sendo utilizada como meio de troca clientelística. Tem-se observado com freqüência a incidência de administradores públicos que, visando interesses diversos do interesse público, conseguem fazer surgir a edição de uma lei ou até mesmo utilizam a justificativa da necessidade temporária de excepcional interesse público para nomear servidores sem o crivo do concurso. Dessa forma, cargos públicos se tornam moeda de troca de benefícios, em que de um lado figura a Administração Pública, por meio de seu administrador, o qual concede o acesso a um cargo público sem a devida necessidade; e de outro lado figura o particular, que recebeu um benefício (neste caso, o cargo público), ainda que sem méritos, e que o retribuirá de alguma forma, mormente através do voto.

Acerca disso, nesta troca política em que o voto – neste caso chamado de voto de mercadoria – é utilizado como meio de permuta, prática bastante freqüente nas pequenas cidades de interior, encontra-se também a figura do "cabo eleitoral", o qual atua como mediador da troca de benefícios. Essa temática é também abordada por Bahia (2003, p. 147). Veja-se

O político costuma atribuir à sua mediação política a realização, pelo Estado, de um serviço público. Nestes casos, um deputado "presta" serviços aos beneficiados que, na sua maioria, não o requisitaram e nem tem como o retribuí-lo, a não ser com seus votos. Finalmente, a referida "mediação" acaba por ter propósitos particulares. (Grifo nosso)

Em suma, observa-se que os agentes políticos distribuem empregos à população, umas vezes em troca de votos, outras vezes em troca de apoio político ou outra retribuição distinta do interesse público. Em tese, a idéia de "dar emprego à população" pode figurar como um objetivo legítimo, entretanto, tal noção cai por terra quando se percebe que os cargos geralmente são criados sem necessidade, para serem ocupados geralmente por pessoas totalmente despreparadas, gerando, assim, a ineficiência do serviço público, além de estampar o total descaso para com o erário, já que rios de dinheiro são gastos para custear altas folhas de pagamento decorrentes de tais práticas clientelistas.

Nesse sentido, é de se dizer que as práticas clientelísticas de distribuir discricionariamente cargos públicos em troca de retribuições alheias ao interesse público ferem, veementemente, aos princípios da isonomia, da moralidade e da impessoalidade, princípios estes constitucionalmente previstos como norteadores da Administração Pública, podendo ainda ser configurado como ato de improbidade administrativa.

Todavia, até que se possa demonstrar que a distribuição discricionária de cargos se deu de forma ilegal e mal-intencionada há de se percorrer um longo caminho, em que as chances de comprovar a má-intenção são difíceis. Para tanto, entende-se que é meio idôneo para obstar tais práticas a Ação de Improbidade Administrativa, com fulcro na Lei 8.429, de 02 de junho de 1992, para a qual foi reservado um capítulo ao final deste trabalho. Por fim, entende-se que o caminho mais curto a coibir tal prática é a edição de uma lei geral que regre, de forma limitadora, as condições a serem observadas pelos administradores públicos na nomeação de servidores sem concurso público. Com isto, se poderá prevenir, com maior amplitude, condutas desta natureza, que proporcionam a corrupção.

4.2.Casos sugestivamente clientelístico nos dias atuais.

Diante do conceito e das características do clientelismo, facilmente se percebe que, ao nosso redor, são bastante freqüentes as práticas clientelísticas, em qualquer das esferas de poder – federal, estadual e municipal – envolvendo, sobretudo, agentes políticos ligados ao poder executivo, assim como agentes políticos ligados ao poder legislativo.

Nesse contexto, imprescindível se faz trazer à colação alguns casos atuais, observados na mídia, que, sugestivamente, se enquadram em tal conceito e características, configurando, assim, práticas clientelísticas. Apenas para exemplificar, serão apresentados dois casos, um no âmbito do poder executivo federal e outro no âmbito do poder legislativo federal.

De acordo com notícia veiculada através do sítio eletrônico do Programa CQH – Compromisso com a Qualidade Hospitalar – entidade mantida pela Associação Paulista de Medicina e pelo Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo - o número de cargos comissionados criados pelo governo federal até julho de 2007 já era 7,6 vezes maior em relação ao primeiro mandato do presidente Lula. (COMPROMISSO COM A QUALIDADE HOSPITALAR, 2007).

Segundo a referida notícia, que também foi veiculada no jornal Folha de S. Paulo de 27 de agosto de 2007, a média mensal de novos empregos decorrentes da criação de cargos comissionados saltou de 23,8 para 179,7 de janeiro a julho de 2007. Tais dados foram divulgados através da Nota Informativa nº 304/07 de 16 de agosto de 2007, proveniente do Ministério do Planejamento, em resposta a requerimento do Deputado Federal Fernando Coruja.

Menciona ainda, tal notícia, que, de acordo com informações do Partido dos Trabalhadores, cerca de cinco mil cargos de confiança federais são ocupados por filiados, os quais são obrigados a contribuir com uma parte do salário, o "dízimo", para o partido. Com isso, a receita do partido com esse tipo de contribuição teria aumentado 545% no primeiro governo Lula, chegando a 2,88 milhões em 2006.

Diante do caso em tela, percebe-se que há, sem sombra de dúvidas, um crescimento exacerbado da criação de cargos comissionados, os quais são preenchidos sem concurso público. Concomitantemente, há também uma superelevação da receita do Partido dos Trabalhadores proveniente do dízimo partidário. Logo, é de se inferir que a ocupação de cargos de confiança tem sido utilizada como meio de troca, em que a retribuição ao emprego dado é o pagamento mensal de uma quantia – que pode chegar até dez por cento do salário – ao partido político. Eis então uma prática sugestivamente clientelística.

Importante destacar que a figura do dízimo partidário existe, e inclusive é prevista nos estatutos de alguns partidos políticos. Logicamente o nome utilizado não é este, mas, tal figura pode ser verificada em alguns partidos à medida que os seus estatutos estipulam um percentual diferenciado para a contribuição dos detentores de cargos de confiança. Em suma, enquanto o estatuto atribui o percentual de 10% aos filiados que possuem cargos comissionados, atribui o percentual de 2% aos demais, exemplo este que é similar ao que está previsto no estatuto do Partido Republicano Brasileiro. Confira-se:

Art. 50 – Constituem os recursos financeiros do Partido:

I - contribuições obrigatórias dos filiados detentores de mandato eletivo e ocupante de cargos de confiança indicados pelo Partido;

[...]

§ 1o - O órgão de execução estabelecerá, em seu nível, o valor das contribuições de seus filiados, obedecendo aos seguintes limites:

I - de 5% a 10% sobre os rendimentos dos filiados detentores de mandato e ocupantes de cargos de confiança indicados pelo Partido;

II - até 2% (dois por cento) dos rendimentos dos demais filiados. (Grifo nosso)

Em alguns casos, a situação chega ao absurdo de obrigar aos filiados ocupantes de cargos comissionados a fornecer dados de suas finanças pessoais, obrigar a autorizar o débito em sua conta corrente, além de obrigar o parlamentar do partido a realizar a arrecadação daqueles que nomeou para cargos de confiança, submetendo-o a duras penas se não fazê-lo. É o que se observa no estatuto do Partido dos Trabalhadores, cujo excerto se transcreve abaixo, com destaques acrescidos:

Art. 171. Filiados ocupantes de cargos executivos ou parlamentares deverão efetuar uma contribuição mensal ao Partido, correspondente a um percentual do total líquido da respectiva remuneração mensal, conforme tabela progressiva a que se refere o artigo 173 deste Estatuto.

[...]

§ 3º O detentor de cargo ou função no Executivo ou Legislativo deverá autorizar o departamento financeiro da fonte pagadora a fornecer todas as informações ao Partido, bem como fornecer à tesouraria do Partido cópia dos contracheques e cópia de leis ou decretos referentes à sua remuneração.

§ 4º A contribuição financeira deve ser feita obrigatoriamente através de débito automático em conta corrente ou em consignação à Secretaria de Finanças da instância correspondente, mediante autorizações escritas:

[...]

§ 5º: O filiado parlamentar, além da contribuição mensal individual, ficará responsável pela arrecadação mensal das obrigações estatutárias de seus assessores e cargos de confiança ocupados por filiados, assegurando o valor mínimo equivalente a 5% (cinco por cento) do total das verbas recebidas para a lotação do gabinete.

[...]

§ 7º: O descumprimento do disposto neste artigo sujeita o filiado parlamentar inadimplente às seguintes medidas disciplinares: suspensão do direito de voto e das atividades partidárias; desligamento temporário de sua bancada com substituição pelo suplente do Partido; suspensão ou perda de todas as prerrogativas, cargos e funções que exerça em decorrência da representação e da proporção na respectiva Casa Legislativa; negativa de legenda para disputa de cargo eletivo, ou ainda à penalidade de expulsão, quando se tratar de infrator reincidente reiterado. (Grifo nosso)

Ante o exposto, a exemplo do § 5º retro, percebe-se que há, incontestavelmente, a utilização de cargos comissionados como meio de troca política em que o ocupante do cargo vê-se obrigado a retribuir a benesse recebida com sua contribuição compulsória mensal. Isto é constitucionalmente inadmissível, pois, além de espancar os princípios constitucionais, fere também a liberdade individual e é uma prática totalmente diversa do interesse público.

O dízimo partidário, como observado neste caso, já foi analisado judicialmente, por meio de consulta realizada pelo Deputado Federal Eduardo da Costa Paes ao Tribunal Superior Eleitoral, a qual recebeu o nº 1.135. Em seu voto, que integra o acórdão do TSE de nº 22.025-DF, publicado no Diário de Justiça em 25/07/2005, o relator, Exmo. Ministro Marco Aurélio Mendes de Farias Mello, corrobora este pensamento:

Logo, sob o ângulo estritamente constitucional e diante dos interesses maiores da administração pública, surge com extravagância ímpar previsão, no estatuto do partido político, que acabe por direcionar a escolha do ocupante do cargo ou do detentor da função de acordo com a filiação partidária para, em passo seguinte, fixar-se contribuição que somente no plano formal pode ser vista como espontânea.

[...]

[...] se a pessoa está procurando a fonte do próprio sustento e da respectiva família, tenderá a filiar-se a certo partido, detentor indireto do poder, para, em passo seguinte, sucumbindo ante a força da necessidade de optar, vir a emprestar aquiescência – que digo compulsória – a desconto de determinado valor em benefício do partido a que se faz vinculado até mesmo sem o respaldo do próprio convencimento.

Mais do que isso, afigura-se latente o abuso do poder de autoridade. A razão é muito simples. Ou bem o pretendente ao cargo de confiança ou à função comissionada concorda em se filiar e contribuir, ou acaba não logrando a ocupação do cargo ou o desenvolvimento da função, a fonte da subsistência referida. Em última análise, em razão da mesclagem dos interesses em jogo – do partido e daquele que, mediante a respectiva bandeira, foi eleito para o cargo de chefia maior do Executivo, e aí passam a confundir-se –, haverá o conseqüente abuso do poder de autoridade, a menos que nos imaginemos em outro contexto que não o nacional. Perpetrado o abuso de autoridade, desviando-se, sob o ângulo da finalidade, dinheiro público, segue-se a existência de parâmetros a evidenciar outra forma de abuso, que é a do poder econômico, situando-se partidos políticos em patamares diferentes. (Grifo nosso)

Resta, pois, comprovada a finalidade clientelística desta abominável prática.

Passando ao âmbito do Poder Legislativo Federal, há um caso sugestivamente clientelístico e que tomou grandes proporções na mídia nacional. Trata-se do escândalo dos atos secretos, que envolveu o Senado Federal no início de 2009.

Reportagem do jornal O Estado de S. Paulo, veiculada através de seu sítio eletrônico na internet em 10/06/2009, dá conta de que levantamento feito por técnicos do Senado detectou cerca de 300 atos administrativos não publicados, que foram utilizados para nomear parentes, criar cargos e aumentar salários, produzindo gastos desnecessários. A descoberta dos atos secretos se deu em decorrência das investigações sobre o então diretor-geral do Senado, Agaciel Maia, o qual era o principal articulador e responsável por distribuir favorecimentos a apadrinhados políticos dos senadores, sob a forma de cargos, aumento de salários, criação de diretorias de fachada, etc. Foi então o estopim para uma imensa crise que se instaurou na Instituição.

O desencadear das descobertas foi se intensificando, ao ponto de ultrapassar 900 atos secretos praticados desde 1995, conforme noticiado no mesmo jornal em 13 de agosto de 2007, em sua versão online.

Nesse contexto de atos não publicados, outra reportagem do jornal O Estado de S. Paulo, assinada por Rodrigo Rangel e Leandro Colon (2009), veiculada em 16 de julho de 2009 em sua versão online, traz o fato que se considera o clímax daquela crise: a nomeação do namorado da neta do então Presidente do Senado, José Sarney.

Segundo a referida notícia, as investigações da Polícia Federal durante a operação batizada de Boi Barrica constataram, através de escutas telefônicas autorizadas pela Justiça, que o Senador José Sarney, assim como seu filho, Fernando Sarney – então secretário parlamentar do gabinete do Senador Epitácio Cafeteira, aliado de Sarney – negociaram com Agaciel Maia o preenchimento de vaga que "pertencia à família" pelo namorado da neta do Presidente do Senado. O próprio Sarney aparece nas conversas telefônicas, recebendo orientações para enviar o currículo de Henrique Dias Bernardes, namorado de sua neta, para que fosse nomeado por meio de ato secreto.

A fim de melhor entender os fatos, examine-se o disposto num trecho da reportagem:

Tudo começa quando Maria Beatriz Brandão Cavalcanti Sarney, filha de Fernando Sarney, telefona para o pai, interessada em nomear, no Senado, uma pessoa que, segundo a Polícia Federal, seria o namorado dela. A nomeação seria feita na vaga de um outro agregado do clã, Bernardo Brandão Cavalcanti Gomes, irmão de Beatriz por parte de mãe, que já estava pendurado na folha de pagamento do Senado desde 2003 e tinha pedido demissão.

Com o argumento de que a vaga pertencia à família, a neta do presidente do Senado se articulou para colocar no lugar Henrique Dias Bernardes. Ela se mostrou esforçada. Depois de ligar para o pai, fez a conversa chegar ao gabinete do avô.

O próprio Sarney aparece nas conversas. Recebeu orientação para que enviasse o currículo de Henrique Bernardes a Agaciel. Deu certo. O meio-irmão de Beatriz fora exonerado em 25 de março de 2008. Em 10 de abril, saiu a nomeação de Bernardes por meio de um ato secreto assinado por Agaciel.

Bernardes foi nomeado como assistente parlamentar 3 na Diretoria-Geral do Senado, mesma vaga na qual o meio-irmão da moça passou cinco anos recebendo R$ 2,7 mil. (RANGEL; COLON, 2009,grifo nosso)

Como se não bastassem esses fatos vergonhosos supra mencionados, os favorecimentos e troca de benefícios ultrapassam as dependências do Senado Federal, atingindo outras entidades, a exemplo do que se observa na reportagem veiculada no jornal O Estado de S. Paulo, em sua versão online veiculada em 26 de outubro de 2009, em que se revela ação da família Sarney no setor elétrico, influindo na nomeação de apadrinhados políticos no âmbito da Eletrobrás. Confira-se no excerto extraído da reportagem:

Em uma gravação mostrada pelo jornal Sarney orienta o filho a arranjar emprego para aliados na cúpula da Eletrobrás, vinculada ao Ministério das Minas e Energia, pasta dirigida pelo ministro Edison Lobão, amigo do senador. Outra interceptação revela Fernando comunicando que após concretizadas as nomeações indicadas pelo pai ele iria "atacar" os apadrinhados para liberar recursos de patrocínio a entidades privadas ligadas à família Sarney. (AGÊNCIA ESTADO, 2009)

Por tudo o que foi exposto, fica plenamente evidenciado que é muito freqüente em nosso país a distribuição discricionária de cargos comissionados e funções de confiança, os quais muitas vezes são prescindíveis, sendo ocupados por pessoas geralmente desqualificadas, servindo apenas como meio de favorecimento pessoal dos agentes políticos, em detrimento do interesse público. Nesse diapasão e diante dos exemplos supra mencionados, exsurge sólida a idéia de desrespeito aos princípios constitucionais da Administração Pública, sobretudo ao princípio da moralidade administrativa, gerando ainda graves prejuízos ao erário, ou seja, improbidade administrativa.

4.3.A discricionariedade administrativa nos atos clientelísticos

Em tudo o que foi abordado anteriormente, muito se falou na caracterização da nomeação discricionária de cargos como prática clientelista, mas, o que se deve dizer se a própria Constituição permite tal prática? É certo que o texto constitucional permite a nomeação de cargos sem concurso público, entretanto, se o Administrador o faz, é no campo da discricionariedade.

Na classificação dos atos administrativos, tem-se observado que a doutrina mantém, entre outras classificações, a diferenciação entre atos vinculados e atos discricionários. Enquanto os atos vinculados devem atender, sem reservas, a todos os requisitos e condições a lei os impõe, os atos discricionários podem ser praticados com certo espaço de liberdade por parte do Administrador, o qual fará, a seu juízo, a análise da oportunidade e conveniência de praticá-lo, dentro dos limites legais. Esta diferenciação é bem elucidada nas palavras de Hely Lopes Meirelles (2007, p. 168-169), para quem

Atos vinculados ou regrados são aqueles para os quais a lei estabelece os requisitos e condições de sua realização. Nessa categoria de atos, as imposições legais absorvem, quase que por completo, a liberdade do administrador, uma vez que sua ação fica adstrita aos pressupostos estabelecidos pela norma legal para a validade da atividade administrativa.

[...]

Atos discricionários são os que a Administração pode praticar com liberdade de escolha de seu conteúdo, de seu destinatário, de sua conveniência, de sua oportunidade e do modo de sua realização.

Assim, os atos discricionários "seriam os que a Administração pratica com certa margem de liberdade de avaliação ou decisão segundo critérios de conveniência e oportunidade formulados por ela mesma, ainda que adstrita à lei reguladora da expedição deles". (MELLO, 2009. p. 424, grifos do autor)

Dessa forma, o administrador público, agindo com o poder discricionário que lhe é conferido, possui certa liberdade para atuar no caso concreto, apreciando a conveniência e a oportunidade de praticar tal ato.

Por outro lado, embora possua margem de atuação discricionária conferida pela lei, isso não quer dizer que o Administrador possa agir de maneira arbitrária. Assim, ao agir utilizando-se do poder discricionário, o Administrador deve ponderar suas decisões, pautando-as na busca constante do interesse público e observando estritamente os ditames da lei.

Nesse diapasão, interessante trazer a lume o pensamento de Rita Andréa Rehem Almeida Tourinho (2009, p. 23), para quem

No que concerne à discricionariedade administrativa, deve-se de antemão afastar a idéia de liberdade do administrador, típica do Estado de Polícia, onde aquele tinha sempre o direito de realizar novos fins que ele próprio delimitava, fora do quadro de qualquer norma legal.

[...] A Administração Pública somente terá os poderes que a lei lhe transferir, para alcance das finalidades pretendidas por ela. Toda e qualquer atividade administrativa deverá estar sempre voltada à satisfação de um interesse público, não importando a vontade ou opinião pessoal do administrador.

Também nos dizeres de Meirelles (2007, p. 169), a idéia é corroborada, diferenciando-se o ato discricionário do ato arbitrário:

[...] ato discricionário não se confunde com ato arbitrário. Discrição e arbítrio são conceitos inteiramente diversos. Discrição é liberdade de ação dentro dos limites legais; arbítrio é ação contrária ou excedente da lei. Ato discricionário, portanto, quando permitido pelo Direito, é legal e válido; ato arbitrário é, sempre e sempre, ilegítimo e inválido. [Grifos do autor]

Assim, o poder discricionário que é conferido ao Administrador tem sua razão de ser na busca "sobre o melhor meio de dar satisfação ao interesse público por força da indeterminação legal quanto ao comportamento adequado à satisfação do interesse público no caso concreto". (MEIRELLES, 2007. p. 426). Deve-se buscar sempre o atendimento do interesse da coletividade, o bem comum, sempre sob o amparo legal, e com fulcro na boa-fé e na lealdade, buscando-se ainda a concretização da boa administração.

Não obstante, apesar de ter como fim colimado o melhor atendimento do interesse público, "é no campo da discricionariedade, porém, onde se verifica, com maior freqüência, a prática de atos imorais". (TOURINHO, 2009. p. 87)

Além disso, para Bahia (2003, p. 139), a discricionariedade favorece a disseminação de práticas clientelistas. É o que se depreende de suas palavras, com grifos não constantes do original:

Ao contrário da crença geral, a burocratização da vida moderna aumentou as possibilidades do clientelismo, pois burocracia significa a oportunidade de exercer a discricionariedade, e as pessoas afetáveis pela lei e por decisões oficiais buscam influenciar esta aplicação específica. A discricionariedade atinge os indivíduos dos mais diversos níveis da organização, aumentando o potencial para inter-relações clientelistas. (Grifo nosso)

Dessa forma, quando determinado ato, praticado sob o lastro da discricionariedade, não pode ser amparado no conceito de honestidade e boa-fé, infringindo, não só as exigências legais, mas também as morais, estará indubitavelmente desrespeitando o princípio da moralidade administrativa. E, em se infringindo o princípio da moralidade administrativa, o qual é previsto literalmente na CRFB/88, se estará, por conseguinte, praticando ato eivado de ilegalidade.

Para Tourinho (2009, p. 87),

A discricionariedade, mesmo nos dias atuais, é compreendida por alguns como um espaço de liberdade conferido ao administrador, dentro do qual este pode atuar da maneira que entender correta, desde que respeite as regras jurídicas. Muitas vezes, esquece-se o administrador público do seu comprometimento com a moralidade administrativa.

Nesta seara, verifica-se que os atos de criação e nomeação de cargos comissionados e funções de confiança, apesar de permitidos pelo regramento constitucional, quando praticados, no campo da discricionariedade, sem o escopo de atender ao interesse coletivo, visando apenas interesses pessoais ou retribuições alheias ao interesse da Administração Pública, mostram-se por demais ofensivos aos princípios norteadores da Administração, sobretudo no que concerne ao princípio da moralidade administrativa, previsto no artigo 37, caput, da CRFB/88.

No mesmo sentido é que Meirelles (2007, p. 120) estabelece que os princípios e as regras da boa administração – preceitos de moralidade administrativa – atuam como limitadores da discricionariedade no ato administrativo, ao afirmar que "mesmo quanto aos elementos discricionários do ato há limitações, impostas pelos princípios gerais do Direito e pelas regras da boa administração, que, em última análise, são preceitos de moralidade administrativa".

Destarte, é de fácil intelecção que o clientelismo viola veementemente o princípio da moralidade, podendo enquadrar-se, inclusive, como ato de improbidade administrativa, cujas análises faremos mais detalhadamente nos capítulos a seguir.

Sobre o autor
Saulo do Nascimento Dias de Oliveira

Bancário, bacharel em direito pela Faculdade Escritor Osman da Costa Lins (FACOL), Pós-Graduando em direito Civil e Processual Civil pela Escola Superior de Advocacia de Pernambuco (ESA/OAB-PE).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

OLIVEIRA, Saulo Nascimento Dias. O clientelismo em decorrência da distribuição discricionária de cargos comissionados.: Um ato de improbidade que ofende o princípio da moralidade administrativa. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2839, 10 abr. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18865. Acesso em: 23 dez. 2024.

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