7.conclusão
O fenômeno clientelístico da distribuição discricionária de cargos em comissão, como forma de permuta política ou troca de favorecimentos, tem sido uma prática observada em todos os momentos da história da nação, sobretudo nos tempos mais recentes. Esta prática não é apenas observada nos altos escalões do governo, mas pode ser encontrada desde os mais altos órgãos da Administração Pública até as mais simples prefeituras de pequenas cidades brasileiras. Trata-se, pois, de um fenômeno que foi assimilado culturalmente em nosso país.
No entanto, como se tentou demonstrar nas palavras acima aduzidas, esta prática, chamada de clientelismo, desvia totalmente uma das finalidades da Administração, que é a busca incessante pelo interesse público. À medida que se oferece um cargo a quem quer que seja em troca de voto, apoio político ou dízimo partidário, se faz evidente que não se teve como escopo o interesse da coletividade, mas, pretende-se satisfazer interesses particulares, utilizando-se, para isso, do Estado, da máquina pública e principalmente do dinheiro público.
Ressalte-se, porém, que apesar de muitas vezes o administrador agir em conformidade com os aspectos formais previstos legalmente, ao desviar a finalidade do ato, agindo sobre o fulcro da discricionariedade, a sua conduta estará moralmente viciada. Diante disto, não há como objetar a idéia de que esta prática não atende, em absolutamente nada, aos valores éticos, assim como aos importantes preceitos da honestidade, lealdade e boa-fé. Nesta senda, não se tem como duvidar de que o clientelismo ofende, de forma incontroversa, o princípio da moralidade administrativa.
Como se viu, apesar de só recentemente ter sido introduzido expressamente em uma constituição brasileira, o princípio da moralidade administrativa já vinha sendo considerado existente pelos tribunais, ainda que muito timidamente. Entretanto, agora que já se encontra literalmente enunciado no corpo constitucional, da Lei Maior do país, este princípio, de suma importância à Administração e principalmente aos dos administrados, reclama sua aplicação imediata e imperiosa.
Não se pode mais tolerar abusos dessa natureza. Dispensar concurso público, com o fito de introduzir apaniguados nos quadros da administração pública, visando-se a retribuições que choquem o interesse público, e, além do mais, utilizando-se da máquina e dinheiro públicos para praticar tal ato é ato extremamente lesivo à moral administrativa, devendo ser coibido e punido sempre.
Para isso, entende-se que deve ser aplicada a casos dessa natureza a Lei 8.429/92 – Lei de Improbidade Administrativa – com o intuito de punir não só a prática do ato, mas principalmente responsabilizar e penalizar pessoalmente o administrador público transgressor. Tais condutas devem ser repudiadas e reprimidas intransigentemente, sob o jugo da referida lei.
Administradores públicos que praticam tais atos não só maculam a imagem e a moral administrativa, como também, e principalmente, desrespeitam e ofendem dolorosamente a sociedade. Isso gera, sem sombras de dúvida, o descrédito, a desconfiança do povo, tão esperançoso de melhorias, na Administração. Essa desconfiança gerada é difícil de ser apagada, e com isso, só quem perde é a própria sociedade. Não se pode olvidar, aliás, que todos esses desdobramentos levam a algo que a população já até se acostumou a ver: a ineficiência da Administração Pública.
Ademais, enquanto se procura coibir as práticas clientelísticas por meio da Lei 8.429/92, não se pode aguardar inerte a prática do ato para depois reprimi-lo. É nesse sentido que urge a necessidade de uma lei infraconstitucional que regule, impondo limites e critérios sólidos, o inciso II, do artigo 37, da CRFB/88. Entende-se que se deve diminuir ao máximo as possibilidades de contratação de servidores sem concurso público, reduzindo-as aos casos estritamente necessários. Dessa forma, e só dessa forma, poderá se contribuir para extinguir, paulatinamente, as práticas clientelísticas do cenário político brasileiro. Além do mais, só assim se pode valorizar o instituto do concurso público, que é a única forma idônea de valorizar o mérito, a isonomia, e a moralidade na forma de acesso aos cargos públicos.
Por tudo o que foi exposto, resta evidenciado que a nomeação discricionária de cargos em comissão, sem a regra do concurso público, visando a fins diversos do interesse público, em troca de retribuições de cunho particular é prática clientelista que ataca - e fere - o princípio da moralidade administrativa, caracterizando-se por ser ato de improbidade administrativa. Por isso pode – e deve – ser expungida do cotidiano através da Lei da Improbidade Administrativa, sendo necessário ainda o surgimento de uma lei que delimite a atuação discricionária do administrador ao nomear cargos em comissão, tendo por escopo evitar que tais práticas aconteçam.
Neste contexto, exsurge a ciência jurídica, que através de seus operadores deve buscar, numa luta incessante, fazer valer não só a Lei, mas também os valores éticos e morais, preconizando a honestidade e a probidade sempre, assim como, e principalmente, defender impavidamente os princípios norteadores do Direito, afinal, são estes que constituem os alicerces inabaláveis de qualquer sistema jurídico.
Apenas assim é que se conseguirá ter sucesso na construção de uma ciência jurídica sólida e incorruptível, para que, por conseguinte, se possa promover a edificação de uma sociedade plenamente justa e equilibrada.
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Notas
- A autora menciona como exemplo o caso dos conluios freqüentes entre licitantes no processo de licitação, o que caracteriza ofensa ao princípio da moralidade.
- Ressalta ainda Meirelles (2007, p. 90) que, nessa monografia, o autor sustenta a possibilidade do controle judicial da moralidade administrativa até mesmo através do mandado de segurança, o que pressupõe a existência de um direito líquido e certo à observância desse princípio no ato impugnado.
03.A ética da qual se extraem os valores a serem absorvidos na elaboração do princípio da moralidade seria aquela afirmada pela própria sociedade. (TOURINHO, 2009, p. 82)