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Considerações sobre a possibilidade de relevação e/ou redução de multas, em sede de julgamento administrativo no Tribunal de Impostos e Taxas de São Paulo

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4. Da prova da reincidência e seu lapso temporal.

Conforme visto, prevê o artigo em estudo que, em caso de reincidência, as infrações de "falta de entrega ou atraso na entrega de guia de informação" (alínea "a" do inciso VII do RICMS/00) e "não fornecimento de informação em meio magnético ou sua entrega em condições que impossibilitem a leitura e tratamento e/ou com dados incompletos ou não relacionados às operações ou prestações do período" (alínea "x" do inciso VIII do artigo 527) não poderão ser relevadas.

Diante dessa restrição, surgem dois questionamentos: A quem incumbe provar a reincidência? Por qual o prazo deverá o contribuinte ser considerado reincidente?

A primeira questão foi tratada no processo DRT-3-251414/2004, sob relatoria do Dr. Celso Barbosa Julian, cujo trecho segue abaixo:

"Postulou apenas, o cancelamento do AIIM, mediante a relevação da multa.

Todavia, no meu pensar, não estão presentes todos os requisitos ensejadores previstos em lei para a concessão, pelo julgador, da hipótese de mitigação da pena, nos moldes do artigo 527-A do RICMS/00.

Isto porque, há preceito expresso contido no parágrafo 2º, do já mencionado dispositivo, que impede a relevação, na reincidência, de penalidade prevista na alínea ‘a’ do inciso VII e na alínea ‘x’ do inciso VIII, do artigo 527.

Não há informações nos autos, se a contribuinte já foi apenada pela mesma falta, em outro processo.

Por tais razões, e por tudo o que consta nos autos, NEGO PROVIMENTO AO APELO, para manter a r. decisão ora recorrida que reconheceu a procedência da imposição fiscal. É como voto." (Grifos acrescidos)

Segundo o entendimento do relator, deveria haver prova nos autos da não reincidência, o que haveria de ser feito pelo contribuinte. Ocorre que tal posicionamento não se mostra coerente com o princípio da presunção de inocência, estampado no art. 5º, inciso LVII, da Constituição Federal, princípio este que, aliás, se mostra em sintonia com o princípio do favor debitoris, plasmado no artigo 620 do Código de Processo Civil, subsidiariamente aplicável ao processo administrativo.

De acordo com o entendimento exposto pelo nobre julgador, se não houver qualquer menção nos autos de decisão condenatória no âmbito daquele Tribunal (TIT/SP), a qual seja insuscetível de recurso, não haveria que se falar em reincidência do contribuinte.

Note-se que é impossível determinar ao contribuinte para que este comprove que nunca cometeu qualquer infração, pois se trataria de prova de fato negativo e os fatos negativos somente estão aptos a terem sua comprovação se forem determinados por algum período ou situação capaz de especificá-los.

Por oportuno, veja-se que no Direito Penal o ônus da prova da reincidência é da acusação, conforme se depreende dos ensinamentos de Julio Fabbrini Mirabete:

"Para reconhecimento da reincidência, é indispensável a comprovação da condenação anterior por documento hábil, exigindo-se a competente certidão cartorária em que conste a data do trânsito em julgado. Não basta, assim, o assento policial para a comprovação da agravante." [12]

Ora, tendo em vista que o processo administrativo tributário prevê a possibilidade de condenação por ter sido cometida uma infração administrativa, não há como afastar a possibilidade de tratar a reincidência do mesmo modo como é tratada no direito penal, no qual o Estado visa a processar o infrator com o fito de cominar penalidade apta a reprovar a conduta praticada e pelo Poder Público reprovada.

Ademais, os princípios constitucionais aplicáveis ao direito penal têm influência no processo administrativo tributário, isto porque esse ramo do direito objetiva estabelecer as limites instituídos na Carta Maior para punições, como por exemplo, as penas perpétuas e/ou cruéis.

Nessa senda e vertendo-se ao segundo questionamento (lapso temporal para fins de reincidência), indaga-se sobre a possibilidade de se considerar a reincidência como permanente, o que entendemos não ser razoável, uma vez que a Carta Magna prevê expressamente, no seu art. 5º, XLVII [13], tal vedação.

De maneira análoga, dispõe o art. 64, I, do Código Penal sobre a reincidência para fins de cominação da pena. Confira-se:

"Art. 64 - Para efeito de reincidência:

I - não prevalece a condenação anterior, se entre a data do cumprimento ou extinção da pena e a infração posterior tiver decorrido período de tempo superior a 5 (cinco) anos, computado o período de prova da suspensão ou do livramento condicional, se não ocorrer revogação;"

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O decurso do prazo de cinco anos para desconsideração da reincidência, no campo do direito penal, se justifica pelo "desaparecimento do interesse estatal na repressão do crime, em razão do tempo decorrido, que leva ao esquecimento do delito e à superação do alarma social causado pela infração penal. Além disso, a sanção perde sua finalidade quando o infrator não reincide e se readapta à vida social." [14]

Assim, o objetivo da norma do art. 64 do Código Penal é de considerar que o condenado, que já teve sua conduta reprovada, tenha nova chance de sociabilidade, devendo-se considerá-lo como primário, a partir do transcurso do prazo acima indicado, após o qual se considera que houve sua ressocialização.

Migrando-se tal raciocínio para a seara tributária, temos por conseqüência que não seria justo furtar ao contribuinte a condição primária de infrator, o que lhe retiraria o direito à relevação ou redução de pena, em razão de uma autuação que pode ter ocorrido em época extremamente remota.

Assim sendo, defendemos o posicionamento de que, para fins de ser sumariamente afastado o benefício do contribuinte para a relevação/redução da multa aplicada, em razão de sua reincidência na infração, além do bom senso do julgador, deve ser considerado um prazo máximo para que a infração pretérita ainda surtir efeitos "negativos".

No entanto, tendo em vista a inexistência de regramento específico sobre o tema, com base no princípio da razoabilidade, buscando evitar a propagação ad eternum dos efeitos do cometimento de uma infração, entendemos que, com base na analogia ao Direito Penal, deve ser aplicado o prazo de 5 anos, para fins de reincidência quando da aplicação do disposto no artigo 527-A do RICMS/SP.


5. Da consideração quanto ao porte econômico da empresa no julgamento da relevação ou redução da penalidade.

Por fim, outro ponto de controvérsia quando da aplicação do art. 527-A, é a consideração do porte econômico da empresa.

Dispõe o §3º do referido artigo: "§3º - Para aplicação deste artigo, serão levados em consideração, também, o porte econômico e os antecedentes fiscais do contribuinte.". A Representação Fiscal, muitas vezes, argumenta que o fato de a empresa possuir um porte econômico elevado, o que aufere normalmente através de seu capital social, faz desmerecer a redução da multa.

Ocorre que o §3º do art. 527-A não excluiu da redução/relevação as empresas de grande porte, mas apenas fez uma ressalva quanto à aplicação do benefício às mesmas, no sentido de que o julgador deve levar em conta o porte da empresa na quantificação do "desconto" concedido.

Noutras palavras, isso significa dizer que a relevação deve ser considerada substancialmente em relação ao contexto econômico da empresa (seja ela grande, média ou pequena), de forma que o benefício: (i) não deixe de surtir o efeito pedagógico que dele se espera e, (ii) por outro lado, com vias a estimular a prática correta das obrigações fiscais, não onere demasiadamente a empresa de menor porte econômico, porém, sem deixar de ser aplicado àquelas mais consolidadas no mercado.

Essa distinção está de acordo com o princípio aristotélico da igualdade que possui a máxima "tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais na medida de sua desigualdade".


6. Conclusões.

Diante de todo exposto, pode-se concluir o seguinte:

- O art. 527-A não faculta a sua aplicação ao julgador se estiverem presentes os requisitos, mas o vincula, devendo ele conceder nesse caso.

- A decisão que conceder ou negar a relevação deve ser devidamente motivada, com os motivos de fato e de direito que levaram o julgador ao seu convencimento.

- A reincidência deve ser provada pelo Fisco e não pelo contribuinte.

- Só deve ser considerado reincidente quando houver contra ele decisão condenatória do TIT/SP insuscetível de recurso, e que não tenha passado mais de cinco anos dessa decisão.

- O porte econômico é fator determinante para se quantificar o valor da redução e não para negá-la.


Notas

  1. Sobre a diferenciação entre ato vinculado e discricionário, confira-se a lição de Celso Antônio Bandeira de Melo, in Discricionariedade e Controle Jurisdicional, Editora Malheiros, pg. 9.
  2. "Art. 273. O juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, desde que, existindo prova inequívoca, se convença da verossimilhança da alegação e:
  3. I - haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação; ou

    II - fique caracterizado o abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do réu."

  4. Nery Júnior, Nelson. Código de processo civil comentado e legislação extravagante. 10ª edição revisada, ampliada e atualizada até 1º de outubro de 2007 - Editora Revista dos Tribunais. São Paulo: 2007, p. 525.
  5. Constituição Federal, artigo 5º, LV.
  6. Segundo o artigo 37 da Carta Política, os princípios básicos da administração pública são os seguintes:legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.
  7. "Art. 50. Os atos administrativos deverão ser motivados, com indicação dos fatos e dos fundamentos jurídicos, quando:
  8. (...)

    V - decidam recursos administrativos;"

  9. "Art. 93(...)
  10. IX - todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação;"

  11. Discricionariedade e Controle Jurisdicional, Editora Malheiros, fls. 98, 99, 102 e 103.
  12. Preâmbulo da Constituição Federal de 1988 e artigo 5º do mesmo diploma.
  13. Constituição Federal, art. 93, IX, e o Código de Processo Civil, art. 458, II.
  14. Art. 485, IX, do CPC.
  15. Mirabete, Julio Fabrini, Manual de Direito Penal. V.1. Parte geral. 21ª Ed. – São Paulo: Atlas, 2004, p. 303.
  16. "Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...)
  17. XLVII - não haverá penas:

    b) de caráter perpétuo".

  18. Mirabete, Julio Fabrini, Manual de Direito Penal. V.1. Parte geral. 21ª Ed. – São Paulo: Atlas, 2004, p. 403/404.
Sobre os autores
Alexandre Levinzon

Advogado com Experiência em Direito Tributário. Graduado em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC/SP (2007). Pós-graduado pela Fundação Getúlio Vargas - FGV (2011).

Marcela Ladeira Nardelli

Advogada com Experiência em Direito Tributário. Graduada em Direito pelo Centro Universitário de Brasília (2003). Pós-graduada em Direito Tributário Material pela Pontifícia Universidade Católica - PUC.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LEVINZON, Alexandre; NARDELLI, Marcela Ladeira. Considerações sobre a possibilidade de relevação e/ou redução de multas, em sede de julgamento administrativo no Tribunal de Impostos e Taxas de São Paulo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2847, 18 abr. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18924. Acesso em: 23 dez. 2024.

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