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O patrimonialismo no Brasil da colônia ao fim do Segundo Reinado

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3- O patrimonialismo no Império:

Pode-se considerar que, entre outros fatores, os seguintes elementos contribuíram para explicar a redução da influência do patrimonialismo na vida nacional, a partir do período posterior à Independência: a formação de um Estado nacional, a redução do isolamento do senhor de engenho, que teve que se ausentar da "autarquia agrícola" (Faoro, 1.976:241) e se dirigir às cidades, "a ruptura da homogeneidade da "aristocracia agrária"" (Fernandes, 1.975:27), que é a forma pela qual Florestan Fernandes se refere ao "aburguesamento" de parcela da classe senhorial brasileira, a urbanização de fração da camada proprietária, e, como conseqüência do "aburguesamento" e da urbanização de parte do segmento dominante da sociedade nativa, a ocorrência de uma maior diferenciação social, e o decorrente enfraquecimento da estrutura estamental no Brasil de então. Além destes, pode-se apontar o lançamento das bases para a formação da sociedade de classes, da burguesia e do capitalismo no Brasil, citados por Florestan Fernandes nos dois primeiros capítulos de seu livro, a tentativa de "instauração da ordem social competitiva" (Fernandes,1.975:29), a "burocratização da dominação patrimonialista" (Fernandes,1.975:55) e a assimilação de preceitos liberais por parte das elites políticas, como fatores que contribuíram para a diminuição da preponderância patrimonialista na época imperial.

Entretanto, é relevante assinalar que, a despeito de o lançamento das bases do surgimento da burguesia, da sociedade competitiva e do capitalismo no Brasil ter ocorrido no Império, no 2º Reinado , o patrimonialismo atingiu o apogeu de sua influência na vida brasileira exatamente nesse período, por volta de 1.850.

Pode-se inferir, com base na argumentação de Florestan Fernandes nos dois primeiros capítulos de seu livro, que a decadência do patrimonialismo se verificava à medida que se materializavam e se fortaleciam, na sociedade brasileira, os elementos que constituiriam a "Revolução Burguesa" no Brasil, tais como aqueles aludidos no parágrafo anterior.

Com referência à redução da segregação do senhor de engenho nas fazendas, e sua relação com a decadência do patrimonialismo, Florestan Fernandes nos informa que "pela organização de um Estado nacional, gradualmente uma parcela em aumento crescente de "senhores rurais " é extraída do isolamento do engenho ou da fazenda e projetada no cenário econômico das cidades e no ambiente político da Corte ou dos Governos Provinciais. Por aí se deu o solapamento progressivo do tradicionalismo vinculado à dominação patrimonialista e começou a verdadeira desagregação econômica, social e política do sistema colonial" ( Fernandes, 1.975:27).

Com referência ao aburguesamento e à urbanização de parte da elite senhorial, assim se refere o sociólogo paulista ao assunto: "Essa porção de senhores rurais tendeu a secularizar suas idéias, suas concepções políticas e suas aspirações sociais; e, ao mesmo tempo, tendeu a urbanizar, em termos ou segundo padrões cosmopolitas, seu estilo de vida, revelando-se propensa a aceitar formas de organização da personalidade, das ações ou das relações sociais e das instituições econômicas, jurídicas e políticas que eram mal vistas e proscritas no passado. Em uma palavra, ela "aburguesou-se"" (Fernandes, 1.975: 27, 28).

Neste contexto, foi importante, também, o surgimento de novos agentes econômicos ligados ao setor de serviços, o que, segundo Florestan, ocorreu "muito antes da extinção da escravidão e da universalização do trabalho livre" (Fernandes, 1.975:28). Pode-se fazer a ilação de que, em virtude desse processo de maior diferenciação social interna, o incipiente Estado brasileiro passou a congregar uma variedade maior de representação de interesses de grupos sociais distintos, pelo menos em nível das elites, e, deixando de ser um "feudo" exclusivo da classe senhorial agrária tradicional, tornou-se menos propenso à dominação patrimonialista.

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0utros elementos apontados como causas do amesquinhamento do patrimonialismo no império foram o início da formação, no Brasil, do capitalismo e do segmento burguês da sociedade. Para Florestan Fernandes, é da esfera dos serviços que se desenvolveram nas regiões produtoras de café e recebedoras de imigrantes "que procediam os representantes mais característicos e modernos do "espírito burguês" – os negociantes a varejo e por atacado, os funcionários públicos, (...), os banqueiros, os vacilantes e oscilantes empresários das indústrias nascentes de bens de consumo ..." (Fernandes, 1.975:28). Para caracterizar o antagonismo entre estes setores e o patrimonialismo estamental, Fernandes escreve que "ele (o "espírito burguês") se volta, específica e concentradamente, contra o que havia de "arcaico" e de "colonial" tanto na superfície como no âmago da ordem social patrimonialista" (Fernandes, 1.975:29).

Os demais elementos apontados como tendo concorrido para o declínio do patrimonialismo na era imperial foram a "burocratização da dominação patrimonialista", a assimilação de idéias oriundas do liberalismo por parte de setores das classes dominantes brasileiras, e, finalmente, a tentativa de implantação da ordem social competitiva, base da "bifurcação" (Fernandes, 1.975:48) social e econômica do período pós - emancipação política. Estes três elementos estão relacionados entre si.

Por "burocratização da dominação patrimonialista", entende-se a utilização do Estado para favorecimento da camada senhorial , mediante a utilização de um corpo de funcionários públicos designados para tal finalidade. A dominação patrimonialista exercida pelo extrato senhorial sobre o Estado brasileiro era, antes da Independência, exercida diretamente pela aristocracia agrária, sem a mediação burocrática; a partir da emancipação política, passa a haver tal mediação, conseqüência do avanço da "Revolução Burguesa" e da implantação do capitalismo, e, com isso, reduz-se o espaço da dominação patrimonialista, abrindo terreno para a introdução de elementos de dominação racional-legal no âmbito do incipiente Estado nacional brasileiro.

Depreende-se da argumentação de Fernandes no capítulo 2 de seu livro que este processo de "burocratização da dominação patrimonialista" está estreitamente associado à assimilação, por frações das elites brasileiras, dos princípios liberais. Foi precisamente a última que viabilizou a primeira. Pode-se considerar que foi esta referida assimilação que possibilitou a introdução, na esfera do Estado brasileiro, marcadamente patrimonialista, dos já aludidos elementos de dominação racional-legal, principalmente a mediação burocrática referida no parágrafo anterior. A apreensão destes ensinamentos do liberalismo, por facções da camada senhorial, foi importante na medida em que tornou exeqüível a superposição de uma estrutura político - administrativa de natureza constitucional sobre o arcabouço patrimonialista que caracterizava o Estado colonial português no Brasil. A importância do liberalismo para Florestan reside no fato de que foi ele que permitiu que um país recém-saído da dominação colonial fosse capaz de formar "um Estado nacional bastante moderno, mas, sobretudo, virtualmente apto à modernização ulterior de suas funções econômicas, sociais e culturais" (Fernandes, 1.975: 38). Devido a isso, Florestan classifica o liberalismo como "a força cultural viva da revolução nacional brasileira" (Fernandes, 1.975: 38).

É relevante ressaltar o contraste existente entre a visão positiva acerca do Estado brasileiro expressa por Florestan no trecho acima descrito com a visão soturna e pessimista de Faoro acerca do mesmo assunto. Acerca deste tema, Lessa (2.001) comenta que, para o jurista gaúcho, "A marca central, portanto, é representada pela presença inamovível do Estado e do estamento que o ocupa e dirige. Presença a um só tempo parasitária e inibidora da criatividade social. É interessante considerar, a esse respeito, o contraste entre a abordagem de Faoro e a de outros autores que indicam a presença positiva e necessária do Estado diante da sociedade".

A respeito da coexistência, no âmbito do Estado brasileiro, dos elementos estamental – patrimonialista e liberal – racional – legal, uma característica importante apontada por Florestan é a de que passou a haver um desequilíbrio entre a prática política das elites senhoriais, caracterizada pelo patrimonialismo, e os requisitos jurídico-políticos da ordem legal, ou seja, entre os elementos estamental-patrimonialista e o liberal constituintes do Estado nacional. Ele chama a atenção para a perda de eficácia da ordem legal (elemento liberal) quando esta colide com os interesses da elite senhorial (elemento estamental-patrimonialista), e que o primeiro só conseguia se manifestar depois de filtrado pelos interesses patrimonialistas da elite senhorial.

Para respaldar o que foi escrito acima, é importante transcrever o seguinte trecho de Florestan, no qual ele nos informa que "a ordem legal perdia sua eficácia onde ou quando colidisse com os interesses gerais dos estamentos senhoriais e sua importância para a integração político – jurídica da sociedade nacional passou a depender do modo pelo qual aqueles interesses filtravam ou correspondiam às formas de poder – político instituídas legalmente" (Fernandes, 1.975: 42). Uma outra forma de importância atribuída pelo autor ao componente liberal do Estado nacional brasileiro foi a de que, senão fosse ele, a dominação estamental senhorial teria prevalecido de forma pura e plena no Brasil, e, além disso, poderia ter ocorrido a fragmentação do país. Florestan escreve que "não fora a influência do liberalismo em tal caso, teríamos como ponto de partida uma organização estatal de modelo mais retrógrado; ou talvez ocorresse a fragmentação do país. A necessidade de adaptar a dominação senhorial a formas de poder especificamente políticas e organizadas burocraticamente não teria produzido os resultados reconhecíveis, se o horizonte cultural médio dos "cidadãos de elite" não absorvesse princípios e idéias liberais..." (Fernandes, 1.975: 45,46).

Com relação ao último fator apontado, a tentativa de implantação da ordem social competitiva, o autor se refere a uma bifurcação ocorrida na sociedade e na economia brasileiras depois da Independência. Uma vertente de tal bifurcação seria aquela associada à estrutura social do patrimonialismo, que permanecia a mesma, continuando a manter-se sobre a escravidão e a dominação tradicional. O outro componente da mesma seria aquele vinculado ao surgimento do Estado nacional, à burocratização da dominação senhorial ao nível político, e à expansão econômica que se processou logo após a Abertura dos Portos, ao nível econômico. A esse respeito, Florestan Fernandes escreve que "Uma parte da sociedade global destaca-se, nitidamente, das estruturas tradicionais preexistentes e passa a funcionar, também nitidamente , como o seu setor livre e a única esfera na qual a "livre competição" podia alcançar alguma vigência. Assim, começa a formar-se, sob condições e influxos adversos (por causa da escravidão e do patrimonialismo), uma área na qual o "sistema competitivo" pode coexistir e chocar-se com o "sistema estamental" (Fernandes, 1.975: 45,46). Em suma, o impulso definitivo para a implantação da ordem social competitiva no Brasil foi dado pelo fazendeiro e pelo imigrante.


4- Conclusão:

Para finalizar, pode-se considerar que a característica central do patrimonialismo é a não distinção, a não diferenciação, por parte dos governantes e administradores públicos, dos detentores do poder político- administrativo, da esfera pública da esfera particular.

O patrimonialismo exerceu expressiva influência no Brasil na época colonial, e pode-se apontar como fatores explicativos para tal fato o grande poder político que exerceram nesse período, principalmente nos primeiros cento e cinqüenta anos de colonização, os grandes proprietários de terras; o legado patrimonialista do Estado absolutista português , e ao fato de, no interregno colonial, ter a família patriarcal sido a instituição preponderante na vida brasileira, e, finalmente, a ausência de mediação burocrática no exercício da dominação patrimonialista durante a vigência do Pacto Çolonial no Brasil.

Apesar de o enfraquecimento do patrimonialismo na vida brasileira ter se iniciado no Império, foi exatamente nesse período que ele alcançou seu mais significativo nível de influência nos assuntos nacionais, por volta da metade do século XIX. O início da decadência do patrimonialismo no Brasil teve início com o processo de emancipação política em relação a Portugal, com a Independência, devido, entre outros, aos seguintes fatores: constituição do Estado nacional brasileiro, redução do isolamento do senhor de engenho na "autarquia agrícola", em decorrência da dinamização do comércio e da urbanização, aburguesamento de parte da classe senhorial e a conseqüente intensificação do processo de diferenciação social, com o início do surgimento da burguesia, expansão interna da economia de mercado, início da formação da sociedade de classes e enfraquecimento dos estamentos e a assimilação, por parcela das elites nativas, de preceitos liberais, o que fez com que o elemento de natureza liberal passasse a ser parte integrante do Estado brasileiro, em contraposição ao elemento estamental- patrimonialista, embora o primeiro estivesse em posição subordinada ao segundo. A principal ilação referente a esse período que se pode fazer é que, durante o império, os elementos da dominação estamental – patrimonialista se enfraqueceram internamente, no âmbito da sociedade brasileira, concomitantemente ao fortalecimento dos elementos constitutivos da "Revolução Burguesa" anteriormente aludidos.


Referências Bibliográficas:

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Sobre o autor
Carlos Frederico Rubino Polari de Alverga

Economista graduado na UFRJ. Especialista em "Direito do Trabalho e Crise Econômica" pela Universidade Castilla La Mancha, Toledo, Espanha. Especialista em Administração Pública (CIPAD) pela FGV. Mestre em Ciência Política pela UnB. Analista de Finanças e Controle da Secretaria do Tesouro Nacional do Ministério da Fazenda. Atua na área de empresas estatais.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ALVERGA, Carlos Frederico Rubino Polari. O patrimonialismo no Brasil da colônia ao fim do Segundo Reinado . Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2851, 22 abr. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18960. Acesso em: 22 dez. 2024.

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