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Serviço público e tributação.

Discussões sobre o conceito de serviço público e a sua remuneração

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Agenda 05/05/2011 às 10:53

Algumas exações no direito brasileiro demonstram, de forma clara, o poder quase ilimitado da Administração e seus colaboradores sobre a vida econômica dos cidadãos.

Sumário: 1 – Introdução; 2 – O Conceito de Serviço Público Para o Direito Tributário; 3 – Serviço Público: Problemas Conceituais; 3.1 – Especificidade e Divisibilidade do Serviço Público; 3.2 – Crítica Sobre a Compulsoriedade Como Elemento Conceitual de Serviço Público para o Direito Tributário; 3.3 – Conseqüências Jurídicas do Conceito de Serviço Público Para o Direito Tributário; 4 – Da Remuneração Pela Prestação dos Serviços Públicos: O Interesse Por Trás da Discussão Entre Taxa e Tarifa; 5 – Conclusão; 6 – Bibliografia.


1 – Introdução

A luta entre a tradição e a inovação, que é o princípio de desenvolvimento interno da cultura das sociedades históricas, só pode prosseguir através da vitória permanente da inovação.

A Sociedade do Espetáculo – Guy Debord

A diversificada realidade social de hoje e a tendência do direito de regulá-la integralmente fazem com que atos simples da vida cotidiana provoquem indagações mais inesperadas. Em se tratando da atuação do Estado, no cumprimento de suas funções constitucionais, singelas atividades diárias que implicam a utilização de serviços e bens públicos frequentemente ensejam perplexidades que a Ciência do Direito e a jurisprudência ainda não superaram.

Partindo-se do pressuposto de que "nenhum serviço público é verdadeiramente gratuito" [01], é cediço que o gás encanado, a água potável, o esgotamento sanitário e a telefonia têm um determinado custo. Tais serviços também são obrigações do Estado, mas nem por isso deixam de demandar um trabalho árduo de quem os disponibiliza aos cidadãos em geral. São serviços que implicam grandes investimentos para que se respeitem os princípios constitucionais de universalidade de atendimento e de acesso, entre outros. Embora sejam de primeira necessidade, tais intervenções públicas comumente são onerosas até mesmo para o usuário. Aliás, a atuação gratuita do Estado parece se restringir cada dia mais, seja pela progressiva privatização dos serviços públicos ou por outros fatores exógenos. Por tal razão, de uma maneira ou de outra, a população paga diariamente pelo acesso aos bens e serviços públicos que necessita, seja no estacionamento rotativo, seja nas escolas particulares.

A par da problemática acima, emerge uma reflexão sobre o fato de que algumas exações no direito brasileiro demonstram, de forma clara, o poder quase ilimitado da Administração e seus colaboradores sobre a vida econômica dos cidadãos. É o caso da taxa e do preço público. A falta de limite acima ainda é agravada quando uma ação administrativa possa ser tratada de maneira tão radicalmente diferente em função unicamente da escolha do regime de financiamento da atividade feita pelo administrador público. Assim, por exemplo, o uso de vias públicas mediante pedágio poderia ser considerado taxa ou tarifa?

Pode-se inferir com isso que as dúvidas se encorparam e, inevitavelmente, se direcionam à vetusta e combalida distinção entre taxas (tributos, ex lege) e preços públicos (prestações negociais, ex voluntate) e ao real significado do que se entende por autonomia de vontade. Mesmo sendo reconhecidamente tradicional tal distinção, ela não parece capaz de fornecer uma resposta razoável para o problema da insegurança jurídica derivada da omissão do Estado-legislador ante a licenciosidade do Estado-administração no trato das questões fundamentais que os serviços públicos envolvem. Malgrado inútil para explicar a totalidade do fenômeno apresentado por semelhantes prestações, a vetusta definição acima permanece acatada, até porque a quase unanimidade da doutrina nela tem-se baseado para lidar com os diferentes regimes jurídicos que lhe subjazem.

Daí a gravidade e a necessidade de um estudo sobre a incredulidade dos que vêem nesta distinção um objeto de violação de garantias constitucionais. Nesse sentido, é importante analisar elementos que precedem essa discussão, quais sejam, o conceito de serviço público para fins tributários e suas conseqüências jurídicas, sobretudo em face da natureza da natureza jurídica da remuneração paga pelos usuários de serviços públicos, ou seja, é importante compreender a polêmica acerca da distinção entre taxas e tarifas, levando-se em consideração os elementos que precedem essa discussão.

Portanto, o objetivo deste artigo é justamente discutir a subversão do conceito de taxa e tarifa na remuneração pelos serviços públicos prestados, razão pela qual alguns questionamentos precedentes são inevitáveis, tais como: será que o sistema constitucional tributário se vale do conceito de serviço público, em sua inteireza, apresentada pelo direito administrativo? Em outras palavras, será que o conceito de Serviço Público é igual no âmbito do Direito Tributário e no Direito Administrativo? Qual a lógica está por trás do conceito de serviço público no direito tributário? Esses questionamentos visam fundamentar o escopo da distinção entre taxa e tarifa, tendo o condão de explicitar quais seriam os reais interesses por trás desta recorrente discussão.


2 – O Conceito de Serviço Público Para o Direito Tributário

Antes de tentar responder aos questionamentos feitos anteriormente, o estudo ater-se-á à espécie tributária chamada de taxa, conquanto contenha nesta o conceito de serviço público para fins fiscais, ou seja, o aspecto material da taxa por serviços públicos ou o serviço público para fins de imposição de taxa.

A Constituição da República reconhece três espécies tributárias: imposto, taxa e contribuição de melhoria. Impostos, como se sabe, são tributos não vinculados a atividade estatal qualquer. Têm como hipótese de incidência a descrição de um fato que, indicando capacidade econômica, uma vez realizado, faz nascer a obrigação de contribuir para os cofres públicos. A contribuição de melhoria, conforme disposta no direito brasileiro, é um tributo normalmente esquecido, mesmo tendo como fim o ressarcimento do Estado pelo contribuinte especialmente beneficiado pela consecução de obras públicas.

Por outro lado, como restrição temática, as taxas são tidas como tributos vinculados cuja hipótese de incidência é composta pela fruição efetiva ou potencial do serviço público específico e divisível ou pela provocação do poder de polícia estatal. É um conceito genérico que, em verdade, coincide sumamente com o que a Constituição da República estabelece em seu art. 145:

Art. 145. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os seguintes tributos:

I - impostos;

II - taxas, em razão do exercício do poder de polícia ou pela utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos a sua disposição;

III - contribuição de melhoria, decorrente de obras públicas.

Recebendo nomes não muito variados, taxe na França, tassa na Itália, tasa na Espanha, fee ou Gebühren [02], respectivamente, na Inglaterra e na Alemanha, trata-se de uma espécie que se espraiou pelo ordenamentos jurídicos no mundo, sendo comum a sua instituição em razão de uma gama infindável de serviços públicos e outras intervenções estatais

No Brasil, em face da disposição constitucional, a taxa seria, portanto, um tributo vinculado ao desempenho de atividade estatal referida ao contribuinte. Ela apresenta como fato gerador a prestação de um serviço público em favor do cidadão ou, simplesmente, o exercício de um poder de polícia relativamente à ele. O Código Tributário Nacional dedica o art. 77 à sua regulação e o faz em termos parecidos com os da Constituição:

Art. 77. As taxas cobradas pela União, pelos Estados, pelo Distrito Federal ou pelos Municípios, no âmbito de suas respectivas atribuições, têm como fato gerador o exercício regular do poder de polícia, ou a utilização, efetiva ou potencial, de serviço público específico e divisível, prestado ao contribuinte ou posto à sua disposição.

Parágrafo único. A taxa não pode ter base de cálculo ou fato gerador idênticos aos que correspondam a imposto nem ser calculada em função do capital das empresas.

Para arrematar, Bernardo Ribeiro de Morais leciona que taxa é um "tributo cuja obrigação tem por fato gerador uma situação dependente da atividade estatal específica, dirigida ao contribuinte, seja em razão do exercício de polícia, seja em razão da utilização, efetiva ou potencial, de um serviço público específico e divisível prestado ao contribuinte ou posto à sua disposição". [03]

Desta feita, pode-se inferir a existência de duas espécies de taxas no sistema tributário pátrio: a taxa de polícia e a taxa por serviço público. Com relação à taxa de polícia, é necessário observar que estas não só são importantes do ponto de vista institucional, mas financeiro também. A Constituição exige no mínimo duas leis, uma administrativa, regulando o poder de polícia, e num segundo momento a tributária, dizendo que a atividade administrativa pode ser hipótese de incidência do tributo. Nesse caso, a índole administrativa da taxa de polícia é inconteste, razão pela qual não há discussões quanto a esta taxa, sobretudo em face do que se considera poder de polícia para fins tributários, conforme dispõe o art. 78 do CTN, que estabelece:

Art. 78. CTN. Considera-se poder de polícia atividade da administração pública que, limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato, em razão de interesse público concernente à segurança, a higiene, á ordem, aos costumes, à disciplinada da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do Poder Público, à tranqüilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos.

Parágrafo único. Considera-se regular o exercício do poder de polícia quando desempenhado pelo órgão competente nos limites da lei aplicável, com observância do processo legal e, tratando-se de atividade que a lei tenha como discricionária, sem abuso ou desvio de poder.

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Quanto à taxa por serviço público, existe uma série de discussões que permeiam tal espécie tributária. Primeiramente, consoante rezam os termos do inciso II do art. 145 da Carta Fundamental, não é a prestação de qualquer serviço público que enseja a imposição de taxa. Com efeito, a se guardar as cominações impostas pelos qualificadores divisibilidade e especificidade, tem-se, a contrário sensu, a impossibilidade da instituição de taxa por aqueles serviços prestados pelo Estado que, embora públicos, não se adjetivem com tais características. Portanto, o serviço público interessa ao Direito Tributário, no entanto, em uma concepção mais restrita, umbilicalmente ligada ao Direito Administrativo.

Conforme assevera Fábio Barbalho Leite [04], no âmbito da Ciência Jurídico-Tributária, já é notória a discussão em torno de uma necessária distinção das hipóteses de cobrança de preço público e daquela outra ensejadora de imposição de taxa, o que transparece um latente clima de incerteza sobre tal distinção.

Nesse sentido, o estudo do serviço público, de acordo com os préstimos de Direito Tributário, avulta-se pertinente por dois cruciais motivos: para não se cobrar taxa por serviço público que não a ocasiona; e/ou, para não se cobrar preço público quando for o caso de taxa e vice-versa. Portanto, não restam dúvidas quanto ao matiz jus-administrativista do conceito de serviço público para efeitos fiscais, razão pela qual em se tratando do conhecimento do critério material da hipótese de incidência de um tributo vinculado, sempre encontrar-se-á às voltas com uma relação de Direito Administrativo, no caso, a relação entre o usuário do serviço e o prestador que, mesmo não sendo a Administração Central de uma das pessoas políticas de direito interno, estará representando-a, posto nem a concessão nem a permissão implicarem em transferência da titularidade do serviço público, consoante a mais balizada doutrina.

Portanto, o conceito de serviço público, para fins tributários, está umbilicalmente ligado ao conceito de serviço público atribuído pelo Direito Administrativo.


3 – Serviço Público: Problemas Conceituais

A noção de serviço público se trata de verdadeira demarcação do âmbito de incidência do Direito Administrativo nas atividades estatais. É o serviço público campo próprio de atuação do Estado em que a intervenção de particulares é meramente acessória ou substitutiva e só se dá mediante condições muito específicas [05]. A doutrina, no escopo de encontrar uma definição jurídica do serviço público, aponta três critérios para tal definição:

1 – O subjetivo ou orgânico: define o serviço público como conjunto das atividades estatais;

2 – O material: define o serviço público por uma essência própria, um caráter substancial do próprio conceito. Em outras palavras, No aspecto material o serviço público se caracteriza como sendo uma atividade de prestação de utilidade ou comodidade material fruível diretamente pelos administrados, que o Estado assume como próprias por se tratarem de atividades necessárias ao interesse social;

3 – O técnico-formal: define que o serviço público deriva do regime jurídico aplicado, qual seja, o administrativo. O aspecto ténico-formal diz respeito ao regime jurídico a que se submete o serviço. Eis aqui o aspecto nuclear do serviço público. É o regime que incide sobre as atividades consideradas como serviço público. Esse regime é informado por princípios e regras de caráter público, segundo o regime jurídico de direito Administrativo e Constitucional.

Da análise dos três critérios acima, pode-se inferir que é insuficiente a utilização isolada de quaisquer dos critérios acima para uma definição satisfatória. Por tal mister, Fábio Barbalho Leite tece três críticas contundentes acerca de cada critério acima. Com relação ao critério subjetivo, para Barbalho, esse critério confunde a noção de serviço público com a noção de função administrativa. Em outras palavras, caso se tome o critério orgânico solitariamente, incorrer-se-á no absurdo engano de confundir toda a função administrativa com a noção de serviço público e, assim, ter-se-á elastecido o referido conceito até a sua imprestabilidade científica.

Com relação ao critério material, Barbalho enceta a seguinte pergunta: o que seria efetivamente o aspecto material da atuação estatal que se pretende nominar serviço público? O critério material padece diante deste questionamento, ou seja, como uma atividade pode ser considerada um serviço público quando desempenhada materialmente pela iniciativa privada no exercício de uma atividade econômica em sentido estrito?

O aspecto material da noção deverá influir, em verdade, no legislador ordinário, tendo em vista que aquelas atividades que a Constituição determina como sendo serviços públicos podem ser assim consideradas imediatamente. Porém, as atividades que não estejam previstas na Constituição da República podem vir a ser serviços públicos, contanto que o legislador respeite a natureza da atividade, confrontando a mesma com o substrato material do serviço público que é aquele previsto implicitamente na Constituição Federal.

No que diz respeito ao critério técnico-formal, justamente pelo fato de ser formal este critério demanda uma noção material do serviço público. Em outras palavras, esse critério padece do vício de origem legislativa, em que o legislador deveria ater-se a critérios para definir materialmente o serviço público. Vê-se que o aspecto técnico-formal é quem vai dar a informação ao aplicador do direito no momento de identificar as atividades consideradas serviços públicos. Entretanto, cabe ressaltar que nem todas as atividades que o legislador ordinário queira transformar em serviço público podem ser assim tachadas. Como já delineado, para o legislador ordinário, o aspecto material da noção de serviço público, encontrado implicitamente na Constituição, deve ser levado em consideração para a validade da norma infraconstitucional.

Essas seriam as dificuldades que permeiam a definição de serviço público para o direito tributário. Não obstante, é necessário esclarecer que a Constituição da República prevê a possibilidade da atuação do Estado, como titular do serviço público, onde os particulares somente poderiam intervir mediante concessão ou permissão.

Eros Roberto Grau [06], nesse sentido, entende o serviço público como: atividade econômica em sentido amplo, como sendo aquela desenvolvida diretamente pelo Estado; atividade econômica em sentido estrito, sendo o campo próprio para a livre iniciativa. Tal distinção, de acordo com Eros Grau, pretende figurar os exatos limites entre serviço público e atividade econômica. Ao comentar a ordem econômica positivada na Carta Magna, Eros Grau utiliza-se do critério material para firmar o seu posicionamento, concluindo que o critério material está implícito nas entrelinhas da Constituição da República. Assim, o serviço público, consoante o autor, estaria adstrito à atividade econômica em sentido amplo, onde os interesses do Trabalho sobrepairam os de Capital.

A visão de Eros Roberto Grau é passível de várias críticas, a começar que é uma visão um tanto quanto keynesiana, uma vez que tenta tornar o serviço público como objeto do estado providência, o qual não encontra mais sustentação nos dias de hoje, ou seja, uma visão que tende a privilegiar o trabalho, com uma sedutora discussão acerca da justiça comutativa e da justiça distributiva.

A crítica, também feita à tese de Eros Grau, pela Professora Elaine Cardoso de Matos Novais, que entende que a adoção do critério material como único a ser coadunado na Constituição é falha, pois os interesses do capital também se coadunam com os interesses do trabalho, ou seja, a atividade econômica em sentido estrito (livre iniciativa) seria uma forma de fomentar o trabalho.

Celso Antônio Banderia de Melo, ao tecer críticas ao entendimento de Eros Grau, enceta que o conceito de serviço público necessariamente deveria abarcar os critérios materiais e técnico-formais. Explica este autor que: "o serviço público seria toda atividade de oferecimento de utilidade ou comodidade material fruível diretamente pelos administrados, prestados pelo Estado ou por quem lhe faça as vezes, sob o regime de direito público, portanto, consagrador de prerrogativas de supremacia e de restrições especiais (critério material), instituído pelo Estado em favor dos interesses que houver definido como próprios no sistema normativo (critério técnico-formal)" [07].

Lúcia Valle Figueiredo coaduna os três critérios, elaborando a sua definição da seguinte forma: "Serviço Público é toda atividade material fornecida pelo Estado, ou quem esteja a agir, no exercício da função administrativa, se houver permissão constitucional e legal para isso, com o fim de implementação de deveres consagrados constitucionalmente, relacionados à utilidade pública, que deve ser concretizada sob regime de Direito Público." [08]

Fábio Barbalho Leite, no entanto, entende que não há divergências entre a tese esposada por Eros Grau e por Celso de Melo, pois necessariamente o critério material vai ser um critério que vai prevalecer. Em outras palavras, o sopesamento do maior ou menor interesse da coletividade em relação ao particular é tarefa do legislador, ou seja, tarefa de decisão legislativa perante e Constituição.

Dentro dessa perspectiva, não há outra opção ao legislador ao instituir novos serviços públicos afora aos já listados no Texto Magno, devendo-se obedecer dois pontos:

a)há limites constitucionais para tanto;

b)tomada a decisão pelo legislador, não lhe cabe optar pelo regime aplicável, este será necessariamente o regime de direito público.

Não obstante, Fábio Barbalho Leite, finaliza que o conceito de serviço público a ser adotado deve ser o do Professor Celso Antônio Bandeira de Melo (critério material e técnico-formal): serviço público é a prestação de utilidades diretamente aos administrados, pelo Estado ou por quem o represente (por intermédio de concessão ou permissão), sob um regime de direito público, visando interesses coletivos, por ele, Estado, tutelados.

Percebe-se, deste modo, que a noção de serviço público em todos os seus aspectos deve ser encontrada na Constituição Federal, eis que a mesma apresenta todos os caracteres necessários a esta definição. Assim, para qualquer forma de aplicação do direito no campo dos serviços público deve ser levada em consideração um conceito constitucional tentando-se dissipar noções que estejam fora do âmbito jurídico a fim de se evitar incongruências.

Portanto, as atividades em que a Constituição trata como serviços públicos não podem ser caracterizadas de outra forma. Já aquelas que não se encontram delineadas na Carta Magna, só podem vir a ser tomadas por serviço publico se o legislador ordinário respeitar sua natureza e não invadir o campo da iniciativa privada. Tal natureza deve ser buscada no conceito de interesse publico e social, inserto implicitamente na Constituição.

3.1 – Especificidade e Divisibilidade do Serviço Público

O Código Tributário Nacional, em seu art. 77, desde de 1965, estabelece que para um tributo ser considerado taxa deve ter como fato gerador o exercício regular do poder de polícia ou prestar serviço público, que deve ser específico e divisível, cuja utilização seja efetiva ou esteja potencialmente colocado ao dispor do cidadão. O núcleo do conceito legal de taxa, que vem repetido por toda legislação exposta, é sua divisibilidade e especificidade.

As características de especificidade e divisibilidade do serviço público referem-se à condição de serem individuados, determinados, mensurados, tanto seus usuários quanto os próprios serviços prestados e sua forma de utilização, se efetiva ou potencialmente. Nesse sentido, dizer que o serviço público é específico significa afirmar que há uma individualização no oferecimento e prestação do serviço. Por outro lado, dizer que o serviço público é divisível significa afirmar que há a possibilidade do serviço público ter ser custo quantificado em moeda e, assim, poder ser precisado o gasto do Estado individualmente a cada administrado.

Não é fácil definir o que seja um serviço público específico e divisível. O CTN dispõe que os serviços são específicos quando possam ser destacados em unidades autônomas de intervenção, de utilidade ou de necessidade públicas, e divisíveis quando suscetíveis de utilização, separadamente, por parte de cada um de seus usuários. O art. 79 do CTN estabelece:

Art. 79. Os serviços públicos a que se refere o art. 77 consideram-se:

I - utilizados pelo contribuinte:

a) efetivamente, quando por ele usufruídos a qualquer título;

b) potencialmente, quando, sendo de utilização compulsória, sejam postos à sua disposição mediante atividade administrativa em efetivo funcionamento;

II - específicos, quando possam ser destacados em unidades autônomas de intervenção, de utilidade ou de necessidade públicas;

III - divisíveis, quando suscetíveis de utilização, separadamente, por parte de cada um dos seus usuários.

Na prática não tem sentido separar as definições de serviço público específico e divisível, não obstante estejam definidas em dispositivos separados, são indissociáveis, posto que um serviço não pode ser divisível se não for específico.

A taxa como tributo só pode ser cobrada quando o serviço é prestado a título individual, isto é, quando a contraprestação é direta, individual, também chamada uti singuli. No caso, o serviço de extinção de incêndio é prestado uti universi, ou seja, pode ser usufruído por todos indistintamente, inclusive por aqueles que eventualmente não pagarem o tributo, pois o que está em jogo é o interesse público, mas está sendo cobrado apenas de algumas pessoas por serem moradores da cidade, sem se levar em consideração que turistas ou visitantes da cidade, poderiam ser usuário do serviço.

É importante notar que, segundo o Código Tributário Nacional, para que a utilização possa ser considerada potencial, o uso do serviço deve ser compulsório. Assim, por exemplo, no caso da taxa de incêndio não é, pois não há nada que impeça de um cidadão apagar o fogo sozinho ou mesmo se criar uma ONG de voluntários para combate ao incêndio. Quando o serviço não é de utilização compulsória, só a sua utilização efetiva enseja a cobrança de taxa. A hipótese é de inconstitucionalidade, precisamente por que o fato gerador, o serviço público prestado, não é específico. A jurisprudência, nesse caso, é pacífica [09].

Para Roque Antônio Carraza, os elementos de especificidade e divisibilidade, que compõem o conceito de serviço público para fins tributários, antes de serem inovações posta pelo Constituinte, apresenta corolário no princípio da retributividade. Explicando Carraza [10], o contribuinte retribui o serviço público ou as diligências que levam o ato de polícia que o alcança, pagando a exação devida.

3.2 – Crítica Sobre a Compulsoriedade Como Elemento Conceitual de Serviço Público para o Direito Tributário

Parte da doutrina e da jurisprudência tem se utilizado do qualificativo compulsório para promover a distinção entre atuações estatais recompensáveis por taxa e outras ensejadoras da cobrança por preço público. Com efeito, a taxa, como espécie de tributo, será cobrada de forma obrigatória (compulsoriedade), independentemente da utilização do serviço pelo contribuinte, isto é, pela mera disponibilidade do serviço pelo Poder Público – não obstante a não utilização efetiva pelo contribuinte – este terá o direito de receber, a tempo e modo, o respectivo valor previsto em lei (poder de cobrança pela disponibilidade).

Partindo-se do pressuposto de que a taxa, enquanto tributo elencado pelo CTN, adota as características do art. 3º do mesmo diploma legal, ou seja, a taxa, enquanto tributo, é toda prestação pecuniária compulsória. Com base nesse artigo, parte da doutrina e da jurisprudência têm firmado entendimento para promover a distinção entre atuações estatais recompensáveis por taxa ou por preço público (tarifa) mediante o critério único da compulsoriedade. Esse foi, inclusive, o entendimento da Súmula 545 do Supremo Tribunal Federal, que dispôs:

SÚMULA 545 – PREÇOS DE SEVIÇOS PÚBLICOS E TAXAS NÃO SE CONFUNDEM, PORQUE ESTAS, DIFERENTEMENTE DAQUELES, SÃO COMPULSÓRIAS E TÊM SUA COBRANÇA CONDICIONADA À PRÉVIA AUTORIZAÇÃO ORÇAMENTÁRIA, EM RELAÇÃO À LEI QUE AS INSTITUIU.

Não obstante, os próprios doutrinadores defensores deste critério não entram em consenso, pois essa Súmula é ótimo exemplo de pleonasmo: por certo, as taxas são compulsórias, porque são tributos e tributo é prestação pecuniária compulsória. Em outras palavras, uns dizem que é compulsório o pagamento do tributo pelo contribuinte. Esta opinião é amplamente criticada, pois como todos os tributos, bem como a tarifa, a ocorrência do fato gerador gera a obrigação de dar. Já outros juristas entendem que a palavra compulsoriedade significa a obrigação do estado em prestar o serviço público, sendo assim os serviços públicos cujo Estado tem a obrigação de prestar a coletividade seriam remunerados por intermédio de Taxa, já os que o Estado tem a facultatividade em prestá-los são remunerados via tarifa. Este entendimento é deveras criticado, pois o critério diferenciador adotado por essa corrente parte de um atributo da taxa, não sendo, portanto, um critério eficaz para diferenciar os institutos em tela.

O silogismo de premissas controversas, encetado pela Súmula 545, incita várias discussões em relação ao critério da compulsoriedade, a exemplo da crítica feita pelo Professor Fábio Barbalho Leite, que tem os seguintes fundamentos;

1º - o elemento da compulsoriedade não é privilégio da taxa, mas é um elementos comum de todos os tributos;

2º - o serviço público ensejador da cobrança de taxa, para o direito tributário, é aquele cuja utilização é imposta pelo particular, ou seja, o uso compulsório. Nessa ordem de pensamento, acaba-se por construir um conceito de serviço público para o direito tributário, inserindo-lhe o elemento da compulsoriedade, ou seja, somente o serviço público que, além de específico e divisível, for de utilização compulsória pode ensejar a cobrança de taxa.

Essa crítica pode ser melhor entendida a partir da análise de uma casuística: o pedágio cobrado pela Administração pela utilização da via especialmente cuidada. Não resta dúvida que a utilização da referida estrada é um Serviço Público. A doutrina, principalmente em José Afonso da Silva [11], Roque Antônio Carraza [12], é unânime e a jurisprudência [13] é majoritária na afirmação de que o pedágio se constitui em uma taxa. Todavia, esta exegese seria restrita ao pagamento de pedágio em vias desprovidas de alternativas gratuitas, uma vez que, com a existência destas desaparece a compulsoriedade trasladando a definição de taxa para tarifa ou preço público. Em outras palavras, nada obsta que um cidadão opte em não passar por aquela estrada, nesse caso, a cobrança perde o seu caráter de compulsoriedade. A cobrança da tarifa, nesse caso, estaria mais ligada a uma atividade econômica estrita, em que o prestador de serviço somente seria remunerado se o motorista optasse em transitar pela via que pagaria pedágio.

Logo, a existência de apenas uma rodovia sob pedágio não isentaria o Poder Público de disponibilizar uma via alternativa gratuita pois, in casu, a taxa não se sujeita ao recente ordenamento estudado que abarca somente os serviços públicos tarifados. Contudo, o artigo 150 da Carta Política se encontra disposto justamente no título constitucional que disciplina a tributação, o que se traduz na equiparação do pagamento do pedágio, em qualquer rodovia, com ou sem via alternativa gratuita, à categoria de taxa, obrigando, desta forma, a Administração a disponibilizar estas opções de tráfego, pois o ordenamento das concessões somente alcança a modalidade de tarifa, que não esta arrolada nas espécies de tributo que se resumem a impostos, taxas e contribuições de melhoria e, discutivelmente, o empréstimo compulsório e as contribuições sociais.

Desta feita, há a possibilidade de exigência da taxa por um serviço ainda que o mesmo não seja efetivamente utilizado pelo contribuinte, mas posto tão somente à sua disposição. É o caso, citado por Dinorá Grotti [14], da água e esgoto, em que o contribuinte, ao fazer a ligação da rede, fica adstrito a um serviço posto à disposição, ainda que não necessariamente seja utilizado.

Com base nos argumentos acima, pode-se inferir que o critério da compulsoriedade, no Direito Tributário, consiste no fato de ensejar a cobrança da taxa pela tão-só disposição da atuação estatal. Portanto, numa tentativa de responder a questão inicial, pode-se observar que o sistema constitucional tributário tem entendimento um pouco diverso do conceito de serviço público, em sua inteireza, apresentada pelo direito administrativo. A taxa, enquanto tributo, não pode ser compulsória em relação ao serviço público, sob pena de transformar o serviço público em serviço compulsório, obrigatório.

Por tal razão, Dinorá Grossi, Celso Antônio Bandeira de Mello, Sacha Navarro Calmon Coelho, encetam a idéia cogente de existirem elementos claros que diferenciem preço e taxa, ou seja, qualificar taxa ou preço necessariamente passaria pela análise se o regime jurídico aplicável seria tributário ou não. Esse é um aspecto a ser analisado adiante.

3.3 – Conseqüências Jurídicas do Conceito de Serviço Público Para o Direito Tributário

Analisado o enunciado do conceito de serviço público para o Direito Tributário, ora proposto, pode-se inferir que nele não entram os qualificativos compulsoriedade e exclusiva prestação direta pelo Estado. Para Fábio Barbalho Leite, à exceção daqueles serviços públicos genéricos e indivisíveis (que não encetam nenhuma imposição tributária), todos os demais ensejam instituição de taxa.

Sob o ponto de vista da remuneração do serviço público, ou seja, sob o ponto de vista de que o concessionário venha a se remunerar pela exploração do próprio serviço concedido, o que se constituiria em tarifa para Celso Antônio Bandeira de Melo, para Fábio Leite e Roque Carraza, o serviço seria remunerado por taxa de serviço.

Essa tese tem o seguinte fundamento: a concessão não desnatura a natureza do serviço público, ou seja, visa-se tão somente a satisfação da utilidade pública. Nesse sentido, o concessionário deteria a capacidade ativa tributária, isto é, a condição jurídica para cobrar e receber tributos, por intermédio de autorização legislativa. A lei de concessão, ao prever a política tarifária, na verdade prevê o lastro para a capacidade ativa tributária.

Assim, para Fábio Barbalho Leite e Roque Carraza, tem-se que todos os serviços públicos específicos e divisíveis, à exceção daqueles de gratuidade determinada pela Lei Maior, prestados direta ou indiretamente pelo Estado, conformam hipóteses ensejadoras de instituição de taxa por serviço. A taxa é uma retribuição do administrado por ter demandado específicos e divisíveis préstimos estatais.

Há uma série de críticas à este entendimento, sobretudo em face das razões que estão por trás do mesmo, conforme se verá adiante. No entanto, a partir do entendimento acima, poder-se-á fazer os seguintes questionamentos: se a taxa for a única forma de remuneração pelos serviços públicos, mesmo por intermédio do regime de concessão, existiria possibilidade de haver cobrança de tributos sobre essa remuneração? As empresas de telefonia, por exemplo, não pagariam imposto de renda em face da remuneração percebida? (vide art. 77, parágrafo único, do CTN).

Nesse mesmo sentido, como ficaria o equilíbrio econômico-financeiro dos contratos de concessão em face da teoria da imprevisão? Será que a lei que autoriza a cobrança de taxa de serviço preveria casos que envolveriam a teoria da imprevisão? Na verdade, a posição de alguns doutrinadores apenas reforça a idéia da necessidade de fazer uma distinção eficaz entre taxas e tarifas, o que incide na consolidação do entendimento que vem se consolidando no âmbito doutrinário e jurisprudencial.

Sobre o autor
Daniel Cavalcante Silva

Advogado e sócio do escritório Covac Sociedade de Advogados (São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília). Mestre em Direito e Políticas Públicas pelo Centro Universitário de Brasília (UniCEUB). MBA em Direito e Política Tributária pela Fundação Getúlio Vargas (FGV). Experiência na área de Direito Tributário e Educacional, com ênfase na área de advocacia empresarial. Membro da Associação Internacional de Jovens Advogados. Vários artigos publicados no país e no exterior. Autor do Livro “O Direito do Advogado em 3D” e "Compliance como boa prática de gestão no ensino superior privado". Membro do Grupo de Estudos e Pesquisas intitulado: Finanças Públicas no Estado Contemporâneo (GRUFIC). Membro da Comissão do Terceiro Setor da OAB/DF. Professor de Direito Tributário. Laureado com o Prêmio Evandro Lins e Silva, concedido pela Escola Nacional de Advocacia do Conselho Federal da OAB. Indicado como um dos “dez advogados mais admirados no setor de educação, Revista Análise Advocacia 500, 2012 e 2015”. Diversos títulos e prêmios obtidos no país e no exterior.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Daniel Cavalcante. Serviço público e tributação.: Discussões sobre o conceito de serviço público e a sua remuneração. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2864, 5 mai. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/19040. Acesso em: 5 nov. 2024.

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