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Do Código Buzaid ao Projeto para um novo Código de Processo Civil.

Uma avaliação do itinerário de construções/alterações e das perspectivas do atual movimento de retificação

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Agenda 06/05/2011 às 17:25

4.O PROJETO DO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL

4.1. Linhas inovadoras do Projeto; a sistematização de uma Teoria Geral de Processo Constitucional

Mesmo deixando clara a nossa posição a respeito da (desnecessidade de) substituição do modelo processual de 1973, devemos partir para uma análise geral do Projeto de Lei 166/2010, diante da real possibilidade de sua conversão em lei, em tempo expedito. Mesmo porque, devemos também reconhecer, há evidentemente pontos positivos trazidos pelo Projeto, muitos dos quais passaremos a elencar nesta passagem.

Além de algumas novidades que terão seu devido espaço nos itens seguintes deste capítulo, salientemos, por ora, relevantes inovações como: a possibilidade de apresentação de peça recursal mesmo antes do prazo legal (sem riscos para o causídico de ser declarada a intempestividade da irresignação) – art. 174, § único do Projeto; a possibilidade do voto vencido servir expressamente para fins de prequestionamento (o que evita que o procurador tenha que interpor embargos de declaração diante de acórdão para o fim específico de prequestionamento) – art. 861, § 3° do Projeto; a explicitação dos limites restritivos da eficácia preclusiva da coisa julgada material (sendo superada anterior indefinição que rondava a interpretação do atual art. 474 do CPC/1973) – art. 489 do Projeto; a explicitação da possibilidade real de participação do revel na instrução do processo (sendo superada anterior indefinição que rondava a interpretação do art. 330, II c/c art. 319, ambos do CPC/1973) – art. 347 do Projeto; e a determinação de que o juízo de admissibilidade recursal só ocorra perante o Tribunal ad quem (sendo liberado o Juízo a quo de responsabilidade prévia a respeito, como ocorria nos termos do atual art. 518 do CPC/1973) – art. 926 do Projeto.

Entendemos ainda como positiva a apresentação inicial de uma sistematização da teoria geral do processo, nos onze primeiros artigos do Projeto, com disposições claras de processo constitucional (em capítulo denominado "Dos princípios e das garantias fundamentais do processo civil"), resultado do "profundo amadurecimento do tema que hoje se observa na doutrina processualista brasileira" [53].

A partir desses dispositivos é explicitado o contemporâneo pensamento processual a respeito da proximidade do texto adjetivo com a lei maior, além de serem externadas exigências mais atuais no processo civil como a da formação de contraditório prévio anterior à decisão judicial sobre ponto ainda não discutido entre as partes, ainda que se trate de matéria sobre a qual possa o julgador decidir de ofício (art. 10 c/c art. 110, § único do Projeto).

Fica claro, pelo texto do Projeto, que as partes não podem ser surpreendidas, sendo oportunizado que se manifestem sobre qualquer tema, de ordem pública ou não, antes que o Estado-juiz decida a respeito [54] – situação fundamental para a proteção das partes, que já vinha sendo denunciada anteriormente pela doutrina [55]. Especialmente quanto às matérias de ordem pública, o julgador deve então sinalizar para qual tema pode vir a reconhecer "ex officio", abrindo prazo para as partes se manifestarem a respeito desse novel possível encaminhamento – v.g.: matéria prescricional, conforme já trabalhado neste ensaio (art. 469, § único do Projeto); ainda, quando do trato dos recursos em espécie, o Projeto (art. 937, § único), explicita mais uma vez a linha do "contraditório prévio", ao tratar de eventual efeito modificativo do julgado em declaratórios.

4.2. Relativização do princípio dispositivo; flexibilização no marco de alteração da causa de pedir/pedido; e o destaque para as matérias reconhecíveis de ofício

Avançando para a exposição de determinados temas que realmente sofreram alteração digna de nota, pelo Projeto para um novo CPC, destacamos inicialmente aqueles que se colocam no sentido de aumento do poder do Estado-juiz na condução do processo.

Houve relativização ao princípio dispositivo ao ser anunciado pelo art. 2° do Projeto que podem ser admitidas exceções, previstas em lei, para a máxima de que "o processo começa por iniciativa da parte". Ou seja, expressamente se admite que o Estado-juiz possa propor a ação, o que contraria o consagrado princípio da demanda; decorrendo desta premissa a real possibilidade de o juiz conceder de ofício medidas de urgência – situação, aliás, que vem regulamentada no art. 284 do mesmo Projeto [56].

Além de considerarmos a sintonia entre os arts. 2° e 284 do Projeto, também nos traz preocupação a cláusula aberta criada no primeiro dispositivo ("exceções previstas em lei"), viabilizando que futuramente possam novas leis desenvolver hipóteses de início do processo por iniciativa exclusiva do órgão judicial, o que traria aumento considerável e, quem sabe perigoso, do poder do Estado-juiz no processo – sempre lembrando que o princípio dispositivo sempre esteve diretamente vinculado à preservação da imparcialidade e justeza de comportamento que se espera do Poder Judiciário.

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Outra mudança importante nas linhas do processo civil no Brasil é a previsão de flexibilização no marco de alteração da causa de pedir/pedido. Prevê o Projeto, no seu art. 314, que o autor poderá, enquanto não proferida a sentença, aditar ou alterar o pedido e a causa de pedir, desde que o faça de boa-fé e que não importe em prejuízo ao réu, assegurado o contraditório e facultada a produção de prova suplementar.

Nesse caso, temos que a inovação é digna de aplauso, ao passo que é deveras rigorosa a previsão do atual art. 264 do CPC, ao impedir qualquer alteração da causa de pedir/pedido após o saneamento do feito. No entanto, conforme estudo de direito comparado que já tivemos a oportunidade de realizar, pode-se discutir o marco fixado pelo Projeto – já que poderia ser colocado em momento um pouco anterior, a fim de que não seja criada uma celeuma processual, com modificações de pontos sensíveis da demanda à beira da prolação de sentença de mérito [57].

Assim, de acordo ainda com destacada lição de Carlos Alberto Alvaro de Oliveira [58], defendemos que conquanto a fixação e estabilização do pedido e da causa de pedir constituam, nos sistemas processuais modernos, limites formais intransponíveis para o órgão judicial, seria mais recomendável para o processo brasileiro que se abrisse a possibilidade de modificação da demanda na primeira audiência de debates (audiência prevista no atual art. 331 do CPC), depois de esclarecidos os fatos da causa em diálogo mantido pelo órgão judicial com as partes.

Como ocorre no direito comparado, embora o juiz não deva determinar ex officio qualquer alteração na causa de pedir/pedido, pode, em meio ao feito, incentivar o diálogo para esse fim diante do permissivo legal flexibilizante – o que, mesmo que indiretamente, acarreta em aumento do poder do Estado-juiz na condução do processo. Nesse caso, ratificamos o nosso entendimento, eventual acréscimo de poder do agente político justifica-se, situação diversa daquela que envolve a relativização do princípio dispositivo.

Por derradeiro, nessa conjectura, cabe registro ao destaque empregado pelo Projeto para as matérias reconhecíveis de ofício. Em novel redação, o art. 107, II do Projeto disciplina genericamente que o juiz dirigirá o processo incumbindo-lhe prevenir ou reprimir qualquer ato contrário à dignidade da justiça e indeferir postulações impertinentes ou meramente protelatórias, "aplicando de ofício as medidas e as sanções previstas em lei".

Tal dispositivo é o mais direto no que toca à caracterização de fortes poderes ao Estado-juiz como diretor do processo, sendo incentivado sobremaneira, como podemos visualizar, a participação direta e constante do magistrado na condução do feito – dispondo, inclusive, de medidas oficiosas para aumentar a eficácia da medida.

Comparado com o texto do CPC/1973, nota-se, portanto, o interesse do Projeto em determinar certo incremento na participação oficiosa do magistrado no processo, até mesmo porque não existe no Código Buzaid disposição genérica a respeito do assunto, no art. 125 (paralelo do art. 107 do Projeto) – sendo que essa iniciativa, s.m.j., tende a conceder poderes excessivos ao juiz na gestão do processo [59].

4.3. Simplificação do sistema recursal

Em busca da tão aguardada efetividade/celeridade na prestação jurisdicional, foram suprimidos do sistema recursal os embargos infringentes e o agravo retido.

Sobre a exclusão da forma retida do recurso de agravo, esta modalidade, dentro da sistemática do CPC/73, auferia um objetivo explicitamente anti-preclusivo, que na prática em pouco repercutia, dada a ínfima reversão de recursos em que se sustentava a preliminar. Pelo texto do Projeto, diante de decisão interlocutória de menor gravidade, que não desafia o agravo de instrumento, não há sequer a necessidade de apresentação de protesto anti-preclusivo, como ocorre na Justiça do Trabalho; o modelo proposto pelo Projeto é ainda mais simples, na linha seguida pelos Juizados Especiais Cíveis, em que se deve apresentar a irresignação com a decisão interlocutória como preliminar em razões recursais, caso no mérito efetivamente tenha sido lavrada também decisão contrária aos interesses da parte.

Já a respeito da exclusão dos embargos infringentes, entendemos que se figura realmente polêmica a sua supressão, ao passo que esse é o último recurso que a parte possui para discutir, a fundo, a totalidade das questões de fato perante o Judiciário – dada a vedação tradicional de levar tal matéria às superiores instâncias, conforme prevê a consagrada Súmula n° 07 do STJ [60].

Por outro lado, tendo em vista o interesse na simplificação do sistema recursal, a manutenção do reexame necessário pelo legislador brasileiro poderia ser uma incógnita, ainda mais quando observamos uma série constante de modificações normativas pautadas justamente para operar a celeridade processual e desafogar o Poder Judiciário acerca de demandas repetitivas.

Ademais, outro ponto polêmico que se pode comentar em relação ao Projeto em matéria recursal diz respeito ao novel teor do art. 954, §§ 2° e 3°. Prevê o dispositivo que diante de recursos repetitivos encaminhados às instâncias extraordinárias, os processos nas instâncias inferiores, em que se discute idêntica controvérsia de direito, devem ficar suspensos. Não pretendemos adentrar a fundo na discussão sobre a redução da liberdade de decisão dos julgadores, muito embora reste bastante latente o desiderato, com o Projeto 166/2010, de limitar a atividade interpretativa nas cortes judiciais inferiores [61] – medida essa que se afigura, prima facie, bastante preocupante [62].

4.4.Minoração na aplicação da técnica preclusiva

A simplificação do sistema recursal com a extinção do agravo retido tem como pano de fundo a minoração na aplicação da técnica preclusiva, ao passo que as decisões interlocutórias de menor gravidade (rectius: não sujeitas a agravo de instrumento) passam a não serem cobertas pelo manto da preclusão, devendo a irresignação ser diretamente encaminhada ao Tribunal, se houver necessidade, como preliminar ao mérito de apelação.

Resta então amenizada a ideia da preclusão para as partes, ao dispor o parágrafo único do art. 929 do Projeto que as decisões interlocutórias, produzidas incidentemente antes da sentença, poderão ser impugnadas pela parte sucumbente, em preliminar, em sede de razões ou de contrarrazões de apelação [63].

Claro que essa mitigação dos efeitos preclusivos é relativa, já que as decisões interlocutórias sujeitas a Agravo de Instrumento, ratifique-se, seguem a regra tradicional de preclusão – informando o caput do art. 929 que cabe esse último recurso contra decisões que: versarem sobre tutelas de urgência ou da evidência; versarem sobre o mérito da causa; proferidas na fase de cumprimento de sentença ou no processo de execução; em outros casos referidos em lei.

Mais: em relação à decisão final também não há qualquer relativização da técnica preclusiva perante as partes, já que, conforme dispõe o art. 923 e ss. do Projeto, da sentença cabe apelação no prazo de quinze dias, sob pena de imediato trânsito em julgado da demanda.

Ainda: a preclusão para as partes no que toca aos atos de impulsionamento da demanda seguem inalterados, permanecendo vigentes os prazos para, v.g., defesa, apresentação de quesitos, juntada de laudo do perito assistente, os quais se não cumpridos criam determinado ônus para a parte, operando-se o desenvolvimento do feito sem a medida tempestivamente apropriada.

Por fim: seguem as regras tradicionais de preclusão as decisões prolatadas pelo Estado-juiz, o qual não pode, por regra, voltar atrás após publicações de posicionamento seu (art. 471 c/c 521 do CPC/1973; art. 486 c/c 928 do Projeto) [64].

Portanto, devemos tomar cuidado na análise da alteração da técnica preclusiva imposta pelo Projeto, já que, em verdade, só há uma pequena alteração na sistemática, especificamente em relação à preclusão para as partes envolvendo decisão interlocutória de menor monta; não havendo substancial alteração em relação à preclusão para as partes envolvendo as principais decisões interlocutórias e a decisão final, em relação à preclusão para as partes envolvendo os atos de impulsionamento da demanda, bem como em relação à preclusão para o Estado-juiz.


5.CONCLUSÃO

O momento histórico de confecção do Código Buzaid apontava para a necessidade de sua vigência, dado o grau de cientificidade e organização que pautam a sua estrutura – quando comparado com o modelo de 1939.

Da mesma forma, a onda reformista (1992-2010), embora tenha concedido peso demasiado ao princípio da efetividade (em detrimento da segurança jurídica), justifica-se em razão da série de transformações pelas quais passaram a sociedade brasileira e mundial, desde 1973.

A busca pela solução dos conflitos coletivos – em leis esparsas – e a preocupação – dentro do Código – pela agilização/desburocratização na prestação jurisdicional, com a implantação da tutela de urgência (reformas de 1994) e a aproximação das linhas ordenadoras do processo de execução com as do processo de conhecimento (reformas de 2006) são marcos significativos e importantes desse movimento de retificação.

No entanto, o Projeto 166/2010 para um novo CPC, ao que parece, vem de encontro a esta tentativa de aprimoramento do Código/1973, ainda mais se há certa convicção da viabilidade de interpretação do Código reformado a partir da realidade constitucional.

Justamente a denunciada "esquizofrenia legislativa" em processo civil – também criticada pela doutrina italiana, em relação às reformas vindas com a mais recente Lei 69/2009 – aponta para a dificuldade de se compreender a simultaneidade da implementação de reformas ao CPC/1973 e de votação de um Projeto para a entrada em vigor de um novo sistema processual. Espera-se que no ano de 2011 haja uma superação do conflito, sendo suspenso um dos dois processos, para que ainda maiores confusões e angústias não povoem a mente dos operadores do direito pátrio.

Ao analisarmos em maiores detalhes o Projeto 166/2010 viu-se que há também pontos positivos, os quais merecem o devido registro – embora perfeitamente pudessem integrar projetos de reformas pontuais ao Código/1973 (integrando, assim, a onda reformista). A sistematização de uma Teoria Geral de Processo Constitucional (com destaque à formulação do contraditório prévio anterior a qualquer decisão judicial sobre ponto relevante ainda não discutido entre as partes litigantes), a flexibilização no marco da alteração da causa de pedir/pedido (sendo superado o atual rígido modelo previsto no art. 264 do Código Buzaid, ao ser admitido, conforme já se sucede no direito comparado, a alteração da causa de pedir/pedido em momento posterior ao do saneamento), e a simplificação do sistema recursal c/c a minoração na aplicação da técnica preclusiva (tudo a partir da extinção do agravo retido, deixando assim de ser matéria preclusiva as decisões interlocutórias menos graves) são exemplos bem oportunos.

Mesmo assim, encerramos o estudo defendendo que sendo o CPC/1973 uma obra memorável, não imaginamos que a alteração da norma central do eixo do processo civil brasileiro terá, por si só, o condão de sanar problemas de cunho cultura e social, tornando a tutela jurisdicional efetiva e o processo justo. Por certo, conforme bem apregoou, por último, o Manifesto contra o novo CPC da OAB/SP, antes de se pensar em mexer novamente na letra da lei, deveria se cogitar de investimentos em cartórios judiciais, com autorização para o aumento do número de julgadores e de servidores do Poder Judiciário, para que fosse, enfim, superado o maior dos problemas do judiciário brasileiro que são os "prazos mortos".

Diga-se, ainda nesse contexto, que há convicção de que o Projeto 166/2010 não foi devidamente debatido pela sociedade política, situação que evidentemente aumenta a possibilidade de, em sendo aprovado, começarem a ser propostas reformas ao possível novo CPC em curto lapso temporal (v.g., em matéria de utilização do processo eletrônico) – tudo a nos fazer crer, neste momento, que é, de certo ponto, utópica a perspectiva de sobrevivência do novo CPC por meia década, como acreditam alguns dos seus projetistas.

Sobre o autor
Fernando Rubin

Advogado do Escritório de Direito Social, Bacharel em Direito pela UFRGS, com a distinção da Láurea Acadêmica. Mestre em processo civil pela UFRGS. Professor da Graduação e Pós-graduação do Centro Universitário Ritter dos Reis – UNIRITTER, Laureate International Universities. Professor Pesquisador do Centro de Estudos Trabalhistas do Rio Grande do Sul – CETRA/Imed. Professor colaborador da Escola Superior da Advocacia – ESA/RS. Instrutor Lex Magister São Paulo. Professor convidado de cursos de Pós graduação latu sensu. Articulista de revistas especializadas em processo civil, previdenciário e trabalhista. Parecerista.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RUBIN, Fernando. Do Código Buzaid ao Projeto para um novo Código de Processo Civil.: Uma avaliação do itinerário de construções/alterações e das perspectivas do atual movimento de retificação. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2865, 6 mai. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/19064. Acesso em: 25 dez. 2024.

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