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Do Código Buzaid ao Projeto para um novo Código de Processo Civil.

Uma avaliação do itinerário de construções/alterações e das perspectivas do atual movimento de retificação

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06/05/2011 às 17:25
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Seguirá, nesse ano que inicia, a onda reformista ao CPC/1973 paralelamente ao estudo da viabilidade do Projeto de novo CPC junto ao Congresso Nacional?

SUMÁRIO: 1. INTRODUÇÃO. 2. O MODELO DO CÓDIGO BUZAID. 2.1. Linhas centrais do CPC/1973 frente ao modelo de 1939; 2.2. Respeito ao princípio dispositivo; limites à relatização da causa de pedir/pedido; e matérias reconhecíveis de ofício; 2.3. Sistema recursal; 2.4. Técnica preclusiva. 3. A ONDA REFORMISTA – 1992/2010 – E A PERSPECTIVA DE UM NOVO CPC. 3.1. Objetivos das reformas ao CPC/1973; 3.2. Temas centrais objeto de reformas ao CPC/1973; 3.3. Crítica à onda reformista e à necessidade de um novo CPC; 3.4. Quadro comparativo com as reformas do CPC italiano/1940; o modelo da Lei italiana 69/2009 e o Projeto de Lei 166/2010 para um novo CPC brasileiro. 4. O PROJETO DO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. 4.1. Linhas inovadoras do Projeto; a sistematização de uma Teoria Geral de Processo Constitucional; 4.2. Relativização do princípio dispositivo; flexibilização no marco de alteração da causa de pedir/pedido; e o destaque para as matérias reconhecíveis de ofício; 4.3. Simplificação do sistema recursal; 4.4. Minoração na aplicação da técnica preclusiva. 5. CONCLUSÃO. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.


1.INTRODUÇÃO

Vivenciando período de relativa proximidade com a entrada em vigor de um novo Código de Processo civil (tendo já sido aprovado, pelo Senado, o Projeto 166 no recente dezembro/2010), temos com o presente ensaio o objetivo de detalhar criticamente a trajetória legislativa processual pátria.

Iniciaremos pelo estudo da construção do CPC/1973 (substituindo o modelo anterior de 1939), passando pelas reformas estruturais ao Código Buzaid (no período de 1992-2010), e chegando nas linhas centrais inovadoras do novo CPC que se projeta (com a aprovação definitiva pelo Congresso Nacional do comentado Projeto 166/2010).

Buscaremos, em inúmeras oportunidades neste ensaio, trazer um paralelo entre as disposições do CPC/1973 e do Projeto para um novo CPC, a fim de estabelecermos as devidas críticas ao movimento de retificação, mas também a fim de concordarmos topicamente com algumas soluções condizentes com o nosso contemporâneo estágio – de acordo ainda com exemplos do direito comparado, notadamente Itália (e sua mais recente lei processual 69/2009).

Trataremos, oportunamente, da grande tensão entre os princípios da Efetividade e da Segurança Jurídica, os quais se figuram claramente como importantes fios condutores presentes nas reformas – sendo inclusive analisado se pela onda reformista 1992-2010 e pelo Projeto há uma evidente inclinação na satisfação prioritária de um deles.

Em tom conclusivo, formularemos algumas linhas a respeito das perspectivas do atual movimento de retificação, o qual, por certo, não se encontra estagnado. Ousaremos discutir algumas indagações que nos parecem apropriadas, tais como: Seguirá, nesse ano que inicia, a onda reformista ao CPC/1973 paralelamente ao estudo da viabilidade do Projeto de novo CPC junto ao Congresso Nacional? O novo CPC, caso efetivamente comece a viger, sobreviverá por 50 anos, conforme acreditam alguns dos seus projetistas?

A partir dessas grandes premissas cremos que uma análise mais ampla da problemática possa ser construída, auxiliando o estudo para melhor reflexão a respeito dos pontos negativos e positivos das reformas que vêm sendo implementadas na legislação adjetiva brasileira, bem como a respeito da real eficácia que as informadas reformas podem alcançar.


2.O MODELO DO CÓDIGO BUZAID

2.1.Linhas centrais do CPC/1973 frente ao modelo de 1939

O Código Buzaid (CPC/1973), substituindo o modelo defasado de 1939, foi enaltecido desde o seu surgimento pela cientificidade de suas disposições. A partir dele, restou construído sistema coerente e racional, de acordo com a melhor doutrina e legislação alienígena – notadamente alemã e italiana –, embebidas nas concepções do Processualismo (corrente científica que destacava a autonomia do direito processual na Europa), vigentes no Velho Continente do final do século XIX e início do século XX [01].

Nesse diapasão, destaca Scarpinella Bueno que o Código de 39 não espelhou o grau científico que o processo civil na Europa já havia alcançado, sendo, além disso, teórico demais, o que acarretava extrema complexidade na sua aplicação prática [02]. Acrescenta Humberto Theodoro Jr. que o Código de 39 acumulava termos ambíguos aplicados indistintamente a institutos e fenômenos processuais heterogêneos, tornando imprecisas muitas de suas conceituações e preceitos [03]. Por fim, Moniz de Aragão, com menção a discurso do próprio Buzaid, completa o rol de críticas ao Código de 39, apontando que o sistema processual pretérito mantinha uma série exaustiva de ações especiais (do art. 298 ao art. 807) e englobava, nesses quinhentos artigos (que compreendiam quase a metade do Código), processos de jurisdição contenciosa e voluntária, dispostos sem ordem, sem unidade, sem sistemática [04].

Eis algumas das principais razões pelas quais se fazia importante a construção de um novel modelo processual, sendo, em 1964, entregue por Alfredo Buzaid o Anteprojeto do Código de Processo Civil – que viria, após muita discussão, a ser encaminhado ao Congresso Nacional em 1972, sendo sancionado no ano seguinte.

O Código Buzaid, efetivamente vigendo no Brasil desde 1974, restou dividido, em termos de esquema para tutela dos direitos, em processo de conhecimento, processo de execução e processo cautelar. A relativa autonomia dos títulos é evidente, cabendo destaque central ao processo de conhecimento, já que a execução e a própria medida cautelar mantêm vinculação direta com o resultado esperado daquele – tudo repercutindo na ordem lógica e cronológica seguida pelo Código. E dentro do processo de conhecimento, embora previsto o rito comum sumário, destaca-se o rito comum ordinário, especialmente projetado para prolação de sentença de mérito pelo Estado-juiz após cognição plena e exauriente – ultrapassadas, na sequencia, a fase postulatória, saneadora e instrutória [05].

A respeito dessa estrutura geral montada pelo Código Buzaid é oportuna a detida investigação elaborada por Daniel Mitidiero, em que, ao qualificá-lo como "individualista, patrimonialista, dominado pela ideologia da liberdade e da segurança jurídica", explicita que o rito comum ordinário do processo de conhecimento só permite a decisão da causa após amplo convencimento de certeza a respeito das alegações das partes; sendo que tal concepção formatada pelo Código, na sua parte central, presta tributo a uma das idéias centrais das codificações oitocentistas, qual seja, a certeza jurídica, imaginada a partir de expedientes processuais lineares e com possibilidade de amplo debate das questões envolvidas no processo [06].

2.2.Respeito ao princípio dispositivo; limites à relatização da causa de pedir/pedido; e matérias reconhecíveis de ofício

A própria posição do art. 2° do Código Buzaid revela a importância do princípio dispositivo para o sistema montado, vigente a partir da década de 70. O Estado-juiz não inicia o processo, cuja atribuição é da parte (cidadão) que se sentiu lesado no âmbito dos seus direitos, e que deve trazer ao Poder Judiciário a sua pretensão (pedido), como também os correspondentes fundamentos de fato e de direito (causa de pedir) [07].

Confirma o art. 262 do Código Buzaid que o processo civil começa por iniciativa da parte, acrescentando, no entanto, que o feito desenvolve-se por impulso oficial. Ou seja, a parte requer a prestação jurisdicional (princípio dispositivo em sentido próprio ou material) e depois de proposta a demanda cabe ao Estado-juiz conduzir o processo para a rápida solução do litígio, inclusive propondo de ofício a produção de prova que entende necessária para dirimir a controvérsia (princípio dispositivo em sentido impróprio ou processual) [08] – situação que não exclui, por óbvio, que as partes participem diretamente na condução do feito, requerendo ao juízo os impulsionamentos nos termos que, no entender de cada litigante, são mais apropriados [09].

Da passagem supra percebe-se que não há espaço no Código Buzaid para relativizações do princípio dispositivo, quando se refere ao ato vital de propositura da demanda, com a devida limitação pela parte da causa de pedir e pedido [10] – eis a razão pela qual se defende que o princípio dispositivo em sentido próprio ou material representa o grande limitador para o agir do Estado-juiz no processo [11]. Quanto ao princípio dispositivo em sentido impróprio ou processual já houve acompanhamento pelo Código Buzaid, do contemporâneo pensamento mundial, no sentido de que o impulsionamento do feito não deve ser deixado a cargo exclusivo das partes [12], a fim de que iniqüidades e demoras injustificadas se perpetuem no transcorrer do iter [13].

Mas, se uma das marcas do Código Buzaid, no seu tradicional rito comum ordinário do processo de conhecimento, é a rigidez quanto à aplicação do princípio dispositivo em sentido próprio ou material, outra virtude flagrante de rigidez no procedimento vem insculpida no art. 264, ao impossibilitar a alteração da causa de pedir/pedido após o saneamento do feito [14]. A parte final do dispositivo, ao deixar claro que "em nenhuma hipótese" será permitida a alteração dos limites da lide após o despacho saneador, inviabiliza, nesse estágio, a relativização da causa de pedir/pedido mesmo que o Estado-juiz e o próprio réu estejam de acordo com a medida.

Já quanto às matérias reconhecíveis de ofício, outra importante base do Código Buzaid, em ainda incipiente posição já se admite que o julgador, sem intervenção direta das partes, tome determinadas medidas oficiosas, desde que devidamente catalogadas. Tratam-se de matérias específicas apontadas expressamente pelo Código como de interesse "supra partes", em que se admite então que o julgador possa sobre elas se manifestar de plano, sem requerimento específico dos litigantes – como a temática probatória, de acordo com a primeira parte do art. 130. Assim também, cabe menção ao art. 267, § 3° ao autorizar que o juízo conheça de ofício, em qualquer tempo e grau de jurisdição, as condições da ação e os pressupostos processuais [15]; ao art. 245, § único ao apontar que as nulidades absolutas não estão sujeitas as penas preclusivas [16]; e, mais recentemente, cabe registro ao art. 219, § 5° [17] ao anunciar que o juiz pronunciará, de ofício, a prescrição.

2.3.Sistema recursal

O Código Buzaid, observando dentro do possível os avanços científicos do processo civil moderno, vinha estruturado com uma fase ampla de conhecimento, com apêndices autônomos importantes (execução e cautelar); preocupava-se com a consagração do princípio do devido processo legal (ao prever fases bem nítidas e duradouras – postulatória, saneadora e instrutória), previa com rigidez a forma de impulsionamento inicial do Judiciário (sempre a cargo da parte/cidadão – princípio dispositivo em sentido próprio ou material), bem como previa com rigidez a impossibilidade de qualquer um dos atores processuais (partes e Estado-juiz) modificar a causa de pedir e pedido a partir do saneamento do feito, sendo, no entanto, embrionariamente admitida maior participação ativa do juiz no controle do processo, sendo previstas hipóteses legais de reconhecimento de ofício em matérias elencadas como de ordem pública (temática probatória, condições e pressupostos, nulidade, e, mais recentemente, prescrição).

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Pois bem. Em matéria recursal, a preocupação do Código Buzaid com a certeza da decisão a ser pronunciada leva a formação de sistema com uma gama enorme de medidas recursais, seja diante da sentença, seja diante das decisões interlocutórias. Assim, se em virtude da extensão do rito comum ordinário do processo de conhecimento, há ampla investigação da matéria sub judice para a prolação da esperada legítima decisão final; por outro lado, em virtude específica do sistema recursal, há também ampla possibilidade de a parte levar às superiores instâncias a sua irresignação quanto ao teor desta decisão de mérito bem como quanto ao teor das anteriores que, direta ou indiretamente, tratam de afetá-la [18].

Sobre o atual sistema recursal, consubstanciado no CPC de 1973, o artigo 496 aponta oito tipos recursais cabíveis: apelação, agravo, embargos infringentes, embargos de declaração, recurso ordinário, recurso especial, recurso extraordinário e embargos de divergência em recurso especial e em recurso extraordinário. Deve ser registrado, ainda, que o recurso de agravo admite, no âmbito do atual CPC, três formas de interposição, que remetem o mesmo às seguintes denominações: agravo de instrumento, agravo retido e agravo interno. Ressalta-se, ainda, acerca do agravo, a sua admissibilidade na forma de agravo regimental, que, como indica a nomenclatura, resta prevista em regimentos internos de tribunais pátrios variados.

Cabe ainda constar que em defesa da certeza da decisão pronunciada exclusivamente contra a Fazenda Pública, o art. 475 do Código Buzaid prevê que a sentença de primeiro grau só produzirá efeitos depois de confirmada pelo Tribunal – instituto denominado de reexame necessário ou recurso ex officio [19].

Embora se visualize, diante da complexidade do sistema recursal supra apresentado, uma preocupação com a (i)legitimidade da decisão tomada por um julgador (de primeiro grau) supostamente menos ambientado com o fenômeno jurídico, sobrelevasse, de qualquer forma, a busca angustiante na superação de eventuais injustiças dos julgamentos, mesmo em se tratando de decisões não essenciais ao derradeiro encerramento da lide (caso típico das decisões interlocutórias) – o que ao fim e ao cabo tratou de reduzir a possibilidade de interposição de mandado de segurança (previsto em lei especial) contra atos judiciais, já que sempre prevista medida recursal própria, dentro do sistema do Código, para eventual irresignação contra qualquer decisão de cunho minimamente gravoso à parte litigante [20].

2.4.Técnica preclusiva

Por fim, fechando a estrutura nuclear do Código Buzaid, ao lado do sistema recursal, faz-se imprescindível o estudo da figura da preclusão, aplicada de forma bastante freqüente ao longo de todo o iter procedimental. A aplicação acentuada da técnica preclusiva envolve diretamente a dinâmica no controle dos prazos para os atos das partes ao longo do procedimento (conhecimento, execução e cautelar), seja para fins de impulsionamento do feito, seja para fins de apresentação de recurso a determinada decisão gravosa – eis a razão pela qual se defende que a preclusão representa o grande limitador para o agir das partes no processo [21].

Mesmo assim, como já tivemos a oportunidade de descrever em miúdos, em escrito de maior fôlego [22], a técnica preclusiva aplica-se também ao Estado-juiz, já que o julgador, por regra, não pode voltar atrás em decisão, interlocutória ou final, já prolatada [23].

De qualquer forma, pela sua relevância para as partes, cabível mais algumas linhas sobre o fenômeno nesse particular. O Código Buzaid, de fato, apresenta rigidez na aplicação da técnica, à medida que a grande maioria das decisões judiciais e dos atos de impulsionamento estão submetidos à preclusão – as exceções seriam, respectivamente, os despachos de mero expediente e os prazos meramente dilatórios. Desse modo, presencia-se a atuação da preclusão sobre as sentenças e as decisões interlocutórias – sujeitas a agravo de instrumento ou retido; bem como diante dos centrais atos de impulsionamento do processo – como na apresentação de contestação e documentos, quesitos, laudo do perito assistente, rol de testemunhas, impugnação à ata de audiência, impugnação à cálculo de execução, dentre outros.

Sendo constante no processo, mesmo após o trânsito em julgado do feito, e produzindo efeitos, muitas vezes, graves e imodificáveis, a preclusão acelera a marcha do processo, atuando decisivamente na moldagem dos julgamentos – levando-se sempre em conta que o ato processual final é a sequencia válida e lógica dos atos processuais anteriores [24].


3.A ONDA REFORMISTA – 1992/2010 – E A PERSPECTIVA DE UM NOVO CPC [25]

3.1. Objetivos das reformas ao CPC/1973

Passando-se mais de vinte anos da entrada em vigor do Código Buzaid, operou-se natural modificação da sociedade, o que repercutindo no processo acabou por determinar a obrigatoriedade de retificações no modelo originário. É de se reparar que essas grandes alterações no CPC/1973 não se deram imediatamente após a entrada em vigor da novel carta constitucional, em 1988, o que aponta, s.m.j., para certa naturalidade do fenômeno de compatibilização da ordem infraconstitucional processual com a ordem constitucional que emergia – tudo a depor favoravelmente ao modelo vigente a partir da década de 70 [26].

Não houve, portanto, qualquer ruptura dramática no CPC/1973 com a entrada em vigor da CF/88, e nem mesmo com as reformas ao código desenvolvidas posteriormente. Grosso modo, o que se presenciou foi uma adaptação do modelo Buzaid, com forte carga de defesa à segurança jurídica (rectius: certeza jurídica), às reivindicações contemporâneas de um processo efetivo, mais preocupado com o resultado do que com a forma utilizada.

Na grande e eterna tensão entre Segurança e Efetividade [27], ao que parece formou-se a convicção de que o CPC/1973 tinha um sistema processual bem acabado/articulado, mas demasiadamente burocrático (com as suas estanques e prolongadas fases de conhecimento, execução e cautelares) – e que, por isso, não atingia em boa parte dos casos os seus propósitos derradeiros, em tempo útil. Assim, a referida onda reformista, implementada já na primeira metade da década de 90, voltava-se para a busca incessante da efetividade – o que, ao fim e ao cabo, confirmou-se com a inclusão, já em 2004, do inciso LXXVIII no art. 5° da CF/88 (a tratar do direito do cidadão brasileiro à razoável duração do processo [28]).

Nesse diapasão, entendemos que as reformas implementadas no originário Código Buzaid foram indispensáveis e legitimam a manutenção da estrutura processual montada em 1973. Ademais, não nos parece que o Código Buzaid reformado tenha se tornado uma verdadeira "concha de retalhos" [29], a fim de induzir a criação de um novo CPC, mesmo porque não há qualquer dado estatístico que aponte para o anacronismo do sistema processual motivado pelo texto da lei, e inclusive que um suposto anacronismo possa ser resolvido simplesmente com a implementação de novel código processual [30].

3.2. Temas centrais objeto de reformas ao CPC/1973

As reformas estruturais no sistema processual pátrio de 1973 começaram realmente a se definir em meados da década de 90, com o desenvolvimento das tutelas de urgência, objeto de alteração do art. 273 do CPC, a partir do seu caput – sendo que em período próximo seguiram-se alterações na seara recursal (com destaque ao regime do Agravo), deu-se a criação da ação monitória (com a construção do art. 1102-A e ss.), seguiram-se alterações nas obrigações de fazer (de não fazer e de entrega de coisa, com introdução dos arts. 461 e 461-A no CPC), passando por mudanças na parte de execução (especialmente a partir da implementação do art. 475-A e ss.), na admissibilidade de recursos repetitivos pelas últimas instâncias (com a criação dos conceitos de repercussão geral e seleção de recursos representativos da controvérsia, nos termos do art. 543-A e ss.) e aproximação das linhas de contato das cautelares com as tutelas de antecipação do mérito (com a introdução do § 7° no já aludido art. 273 do CPC).

Certo que reformas pontuais ao Código foram verificadas em momento até anterior, sendo constantemente lembradas as alterações em matéria de perícia judicial, ocorrida em 1992 [31]. De qualquer forma, 1994 foi ano extremamente importante pelo acolhimento pela legislação adjetiva da tutela antecipada de mérito, ocorrendo depois reformas múltiplas, como as acima narradas. Ainda nesse contexto, merece especial realce as reformas estruturais ocorridas em 2006, especialmente na execução de sentença – tratando-se de mais um delicado tema que veio para trazer modificação substancial ao sistema arquitetado por Buzaid. Explique-se: pela reforma de 1994, cogita-se de ser relativizada a segurança jurídica em nome da efetividade do direito pleiteado (sendo concedida prestação de mérito, em fase procedimental ainda inicial – postulatória, muito longe da fase de cognição exauriente – decisória) [32]; e pela reforma de 2006, cogita-se de ser relativizada a grande divisão dos processos em conhecimento e execução [33], passando esta a ser um incidente daquele (com a minoração do leque de defesas/recursos do executando, sendo inclusive substituída a robusta expressão "embargos à execução" pela menos sintomática "impugnação à execução") [34].

Por fim, não podemos deixar de lembrar que fora do âmbito do CPC/1973 foram também construídas alterações, via legislações esparsas, que passaram a modificar a estrutura arquitetada por Buzaid. Um Código com visão marcantemente individualista (voltado à proteção dos direitos individuais), forjado para a solução de litígio de A contra B, seguradamente haveria de ser complementado com disposições (rectius: procedimentos especiais) que tratassem de processos envolvendo a defesa de direitos coletivos e difusos. Disposições referentes aos processos coletivos latu sensu, previstos, v.g., no Código de Defesa do Consumidor (Lei n° 8.078/1990) e na Ação Civil Pública (Lei n° 7.347/1985) são exemplos expressivos desse movimento retificador [35].

Apresentadas, em breves linhas, as principais reformas que moldaram o originário Código Buzaid, é imperioso o registro de que, mesmo em 2010 – ano em que aprovado no Senado o Projeto para um Novo Código de Processo Civil – continuaram sendo implementadas modificações no CPC/1973. A última grande modificação de que se tem notícia diz respeito a questão extremamente relevante na prática forense, qual seja, a desnecessidade de cópias autenticadas para a formação do Agravo de Instrumento manejado às superiores instâncias em razão da não admissibilidade de recurso especial e/ou extraordinário – Lei n° 12.322/2010 (construção do denominado "Agravo nos autos do processo" [36]).

3.3. Crítica à onda reformista e à necessidade de um novo CPC

Por certo, cabe neste momento o registro, a onda reformista que continua então a pleno vapor, merece tópica crítica, ao passo que, ultrapassando certos limites, joga-se desenfreadamente à busca da efetividade, trazendo prejuízos sensíveis, e indevidos, à segurança jurídica – entendida com maior certeza do direito a ser reconhecido judicialmente. Na mesma linha, aliás, segue o Projeto do novo CPC, que na sua primeira grande parte principiológica (arts. 1° a 11) confere evidente maior prestígio à linha da efetividade, nos termos explícitos do art. 4°: "as partes têm direito de obter em prazo razoável a solução integral da lide, incluída a atividade satisfativa". Nesse contexto, vale desde já o registro, concordamos plenamente com Luiz Guilherme Marinoni ao registrar que "é equivocado pensar que reformas processuais possam, apenas por si, tornar a tutela jurisdicional efetiva e o processo justo" [37].

Podemos afirmar que se, em um extremo, o CPC/1973 não tinha como princípio central a efetividade; por outro lado, não é exagero afirmar que as reformas propostas ao modelo Buzaid não demonstram maiores preocupações com a segurança jurídica, impondo como conseqüência que a decisão judicial prolatada pelo Estado-juiz tenha maiores chances de não contribuir decisivamente para a pacificação social e para a própria garantia de legitimidade do decisum perante os jurisdicionados [38] – entendendo-se que a segurança jurídica, no processo, determinaria uma maior investigação da matéria em debate, impondo uma maior certeza do direito a ser declarado/constituído pelo agente político do Estado [39].

Exemplo oportuno desse movimento de retificação, acolhido pelo Projeto do novo CPC, em que se privilegia, frise-se, a efetividade em detrimento da segurança, encontra-se no trato da matéria prescricional. Passou a ser matéria de ordem pública, a partir de 2006, autorizando assim que o juiz pudesse declará-la a qualquer tempo, mesmo que não requerida pela parte ré em peça defensiva. O prisma da modificação é todo direcionado para a efetividade e para a conseqüente célere extinção do processo, com julgamento de mérito (art. 269, IV do CPC). Agora, pensando no princípio da segurança jurídica, não se poderia cogitar no interesse do réu em não ter reconhecida, de plano, a prescrição e sim em ter, após adequada instrução, uma sentença de mérito propriamente dita, favorável as suas pretensões (art. 269, I do CPC)? Sim, pois haveria, ao menos, um substrato ético (questão moral) que indicaria para o interesse do réu de ver analisado o mérito da causa pelo Poder Judiciário, a fim de ter publicada uma sentença de improcedência (art. 269, I, Versus art. 269, IV, CPC).

Com a devida ressalva feita ao movimento de retificação, confirmamos que as reformas tópicas são indispensáveis e legitimam a manutenção da estrutura processual vigente, diante da transformação pela qual passou o mundo e o Brasil desde 1973. Já quanto à necessidade de um novo CPC, a crítica deixa de ser pontual, apresentando elementos mais complexos.

Ocorre que, no nosso sentir, antes de qualquer outro argumento, permanece viável a interpretação do sistema processual montado diante da realidade/contemporaneidade constitucional [40] – não existindo na própria exposição de motivos do Projeto dados objetivos que apontem para a necessidade de movimento de absoluta retificação, especialmente em face de um suposto desajuste incorrigível do modelo infraconstitucional com os comandos contidos na Lei Fundamental. Nesse contexto encaixa-se a precisa concepção jus-filosófica de Miguel Reale ao expor que, enquanto possível, a norma jurídica deve ser mantida, não apenas em razão do princípio de economia de meios, mas sobretudo porque as longas pesquisas sobre a interpretação e a aplicação de uma lei, sobretudo quando fundamental, representam um cabedal de experiência e de conhecimentos doutrinários que deve ser preservado [41].

Seria mais indicado, de acordo com a exposição contida nesse ensaio, prosseguir o estudo das reformas do CPC/1973, pautando-se a investigação pela preocupação com questões da efetividade do rito, mas sem deixar de levar em consideração a segurança jurídica – entendida em sintonia com o devido processo legal, o que trataria de garantir, em última instância, a legitimidade da decisão a ser pronunciada pelo Estado-juiz.

Além disso, ao que parece não há um amplo projeto para construção de um novo CPC que conte com a adesão de expressivo número de juristas e segmentos da sociedade [42]. As oposições à aprovação do Projeto, na forma em que redigido, são inúmeras, inclusive da OAB [43], sendo usualmente comentada a incrível falta de debate com a sociedade política para encaminhamento do Projeto ao Senado [44] - mesmo porque há evidente necessidade de maturação de alguns (rectius: vários) aspectos polêmicos (honorários ex officio no Tribunal, extinção dos embargos infringentes e do procedimento cautelar, sustentação oral em Agravo de Instrumento, dentre outros).

A própria "esquizofrenia legislativa" em processo civil – com reformas ao CPC/1973 e perspectiva de um novo CPC simultaneamente – aponta que sequer no legislativo federal há sintonia a respeito do caminho a ser seguido. De fato, causa perplexidade que, em 2010, sendo encaminhado o Projeto ao Congresso com incrível rapidez e sendo aprovado o Projeto pelo Senado em regime de urgência, continuemos com reformas ao CPC/1973, como aquela que implementou o "Agravo nos autos do processo".

Mais: especialmente dos operadores do direito que atuam na Justiça Federal já são levantadas críticas à falta de maior regulamentação, pelo Projeto, do processo eletrônico. Conforme aponta o magistrado federal Vicente de Paula Ataíde Jr. no espírito do novo CPC o processo eletrônico ainda é exceção, o que vai de encontro à busca por uma gestão administrativa profissional, ágil e de qualidade – tudo a mostrar que a nova codificação poderá já nascer velha [45].

Por fim, não nos animamos sobremaneira com a mudança de código processual porque entendemos que os reais fatores que determinam a lentidão na prestação jurisdicional não estão na estrutura da lei (rectius: na letra do código de processo). Sem o objetivo de esgotar a matéria, há de se deixar registrado que a prática forense realmente nos revela que "os prazos mortos" são um dos grandes, senão o maior, responsável pela angustiante paralisia dos feitos, em qualquer grau de jurisdição – estando eles diretamente relacionados com a falta de verbas orçamentárias para o judiciário, bem como a má administração daquelas repassadas dentro mesmo desse poder estatal, daí resultando uma relação inversamente proporcional entre o número de juízes e serventuários admitidos e o número de demandas que inundam os foros [46].

Vê-se, nesses contornos, que o verdadeiro problema, obstaculizador da efetividade do processo, é antes político/administrativo do que técnico/jurídico [47], sendo certo, a partir dessa premissa, que não se obterão melhorias significativas em termos de agilização da prestação jurisdicional com reformas processuais tópicas ou mesmo implementação de um novo texto processual [48]. Nesse sentir, oportuno o manifesto da OAB/SP contra o novo CPC, ao deixar consignado que antes de se pensar em um novo diploma processual, devemos nos ocupar, no mínimo, com sete problemas que emperram nosso Judiciário e que nada têm a ver com os defeitos do CPC: 1. Ausência da vontade política para criar um Judiciário eficiente; 2. Falta de investimento de recursos orçamentários para o aparelhamento da Justiça; 3. Falta de informatização completa dos órgãos jurisdicionais e administrativos do Poder Judiciário; 4. Falta de capacitação, motivação e remuneração do pessoal da Justiça; 5. Número relativamente baixo de juízes; 6. Falta de capacitação específica dos nossos magistrados para administrar cartórios e secretarias; 7. Ausência de padronização da rotina administrativo-cartorária [49].

3.4. Quadro comparativo com as reformas do CPC italiano/1940; o modelo da lei italiana 69/2009 e o Projeto de Lei 166/2010 para um novo CPC brasileiro

Começando a tratar mais detidamente do Projeto de Lei 166/2010 para um novo CPC brasileiro importante o registro inicial de que há algumas similitudes da proposta pátria com o modelo de reforma implementada na Itália, através da lei 69/2009.

Pelo Projeto há opção pela simplificação e rapidez de um "procedimento sumário de cognição" em oposição a um rito de "cognição plena e exauriente"; situação exata que se deu, no direito comparado, pela introdução da lei processual italiana 69/2009 – que tratou da última grande reforma ao CPC italiano/1940 – sul procedimento sommario di cognizione e prevalenti caratteri di simplificazione della trattazione o dell´instruzione della causa Versus la cosidetta cognizione piena ed esauriente [50].

Ao que parece, então, o modelo italiano que já havia sido uma forte inspiração para a constituição e remodelação do Código Buzaid (lembrando que as grandes alterações do Código italiano de 1940 deram-se justamente entre 1990-1995 [51]), passa a ser também para a sua mais ampla retificação, de acordo com o texto da reforma introduzida pela Lei 69/2009.

Mas as similaridades não param por aí. Também na Itália, como ocorre por aqui, vem se sucedendo reação firme da doutrina em razão do teor da reforma do sistema processual – sendo por lá da mesma forma denunciada a esquizofrenia legislativa che non aiuta gli operatori del diritto e che non reca certo beneficio al funzionamento della gistizia civile bem como criticada a rapidez exagerada na implementação de reformas importantes senza un adeguato approfondimento e un serio confronto, che deve coinvolgere non solo la dottrina, ma tutti gli operatori del diritto [52].

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Sobre o autor
Fernando Rubin

Advogado do Escritório de Direito Social, Bacharel em Direito pela UFRGS, com a distinção da Láurea Acadêmica. Mestre em processo civil pela UFRGS. Professor da Graduação e Pós-graduação do Centro Universitário Ritter dos Reis – UNIRITTER, Laureate International Universities. Professor Pesquisador do Centro de Estudos Trabalhistas do Rio Grande do Sul – CETRA/Imed. Professor colaborador da Escola Superior da Advocacia – ESA/RS. Instrutor Lex Magister São Paulo. Professor convidado de cursos de Pós graduação latu sensu. Articulista de revistas especializadas em processo civil, previdenciário e trabalhista. Parecerista.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RUBIN, Fernando. Do Código Buzaid ao Projeto para um novo Código de Processo Civil.: Uma avaliação do itinerário de construções/alterações e das perspectivas do atual movimento de retificação. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2865, 6 mai. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/19064. Acesso em: 24 dez. 2024.

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