6. MECANISMOS DE COMBATE
Há distintos instrumentos que atuam na prevenção e repressão ao trabalho escravo.
6.1 Ministério do Trabalho e Emprego
A missão institucional do Ministério do Trabalho e Emprego (2009) é promover o desenvolvimento da cidadania nas relações de trabalho, buscando a excelência na realização de suas ações, visando à justiça social . Estabele o art. 626, da CLT que "Incumbe às autoridades competentes do Ministério do Trabalho, ou àquelas que exerçam funções delegadas, a fiscalização do fiel cumprimento das normas de proteção ao trabalho". Neste viés que em 2009 foi publicado pelo MTE relatório intitulado "A Experiência Brasileira No Combate ao Trabalho Escravo Contemporâneo", qual fora utilizado como base para a pesquisa neste tópico.
6.1.1 Medidas de fiscalização, combate e repressão: o Grupo Especial de Fiscalização Móvel
Buscando tornar efetiva a determinação legal, por meio de uma política antiescravista aliada à repressão ao trabalho escravo, é que em 1995, o Ministério do Trabalho e Emprego criou o Grupo Especial de Fiscalização Móvel (GEFM). coordenado pela Secretaria de Inspeção do Trabalho.
A composição do grupo é feita por auditores-fiscais do trabalho, delegados e agentes da Polícia Federal e procuradores do Ministério Público do Trabalho e, em determinadas circunstâncias, por membros da Procuradoria-Geral da República, do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) e do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA). Na sua criação em 1995, o Grupo Especial de Fiscalização Móvel era formado por três equipes, sendo que atualmente existem oito equipes.
O GEFM pode ser entendido como um instrumento eficaz do MTE, que vem em resposta à necessidade de se ter um comando centralizado para diagnosticar o problema, garantir a padronização dos procedimentos e supervisão direta das operações pelo órgão central, assegurar o sigilo absoluto na apuração das denúncias e, finalmente, reduzir as pressões ou ameaças sobre a fiscalização local.
Em sua grande maioria, as operações são iniciadas a partir do recebimento de denúncias de ocorrência de trabalho degradante, sendo posteriormente submetidas a uma triagem que tem como objetivo avaliar a sua consistência, a sua atualidade, o número de trabalhadores envolvidos, entre outros aspectos. Portando, verifica-se que as operações são iniciadas a partir de provocação.
Com a finalidade de fiscalizar e de combater a prática da utilização de mão de obra escrava, conforme acima verificamos, atua o MTE através do GEFM. Todavia, tornam-se necessárias medidas de inclusão deste trabalhador, que visem sua reintegração ao meio social, bem como sua capacitação profissional, para que não se perpetue em um ciclo de exploração, resgate e exploração.
6.1.2 Cadastro de empregadores infratores: "Lista Suja"
Em outubro de 2004, por meio da Portaria nº 540, o Ministério do Trabalho e Emprego criou o "Cadastro de Empregadores que tenham mantido trabalhadores em condições análogas à de escravo", que contém o nome de pessoas físicas e jurídicas flagradas pela fiscalização.
Conforme o art. 3º do diploma em epígrafe, o cadastro é atualizado semestralmente pelo MTE e encaminhado aos Ministérios da Fazenda, da Integração Nacional, do Desenvolvimento Agrário, do Meio Ambiente, à Secretaria Especial de Direitos Humanos e aos bancos públicos e privados e à sociedade civil a fim de que cada instituição adote as medidas oportunas em seu respectivo âmbito de competência.
Vale salientar que a inclusão do nome do infrator no cadastro acontece somente após a conclusão do processo administrativo originário dos autos de infração lavrados no decorrer das inspeções (art.2º). A eventual exclusão, por sua vez, depende da conduta do infrator, monitorada pela inspeção do trabalho, ao longo de dois anos (art. 4º). Não havendo, nesse período, reincidência do ilícito, se pagas todas as multas (resultantes da ação fiscal) e quitados os débitos trabalhistas e previdenciários, o nome é retirado do cadastro (art. 4º, § 2º); por fim, a exclusão será comunicada a todos os órgãos mencionados no art. 3º.
Em consonância com a portaria supra mencionada, está à Portaria nº 1.150 do Ministério da Integração Nacional, que recomenda aos agentes financeiros que se abstenham de conceder financiamentos ou qualquer outro tipo de assistência com recursos sob a supervisão deste Ministério para as pessoas físicas e jurídicas que venham a integrar o cadastro de infratores.
Segundo o MTE, em atualização mais recente (março de 2010) o cadastro lista 159 nomes.
6.1.3.Medidas de assistência e inclusão
Assistência Emergencial: nos casos em que o empregador não assume de imediato a responsabilidade, o Ministério do Trabalho e Emprego encarrega-se também da assistência emergencial aos trabalhadores resgatados. São providenciadas alimentação e hospedagem, enquanto perdurar a ação fiscal. Por meio desta ação, inscrita no Plano Plurianual do Governo Federal e com recursos garantidos no orçamento, o Ministério pode ainda custear o transporte dos trabalhadores aos seus locais de origem.
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Seguro-Desemprego Especial: com a publicação da Lei nº. 10.608/2002, o trabalhador resgatado da condição análoga à de escravo conquistou o direito de receber três parcelas do seguro-desemprego, no valor de um salário mínimo cada, e de ser encaminhado, pelo Ministério do Trabalho e Emprego, para qualificação profissional e recolocação no mercado de trabalho, por meio do Sistema Nacional de Emprego – SINE. É de competência dos auditores-fiscais do trabalho efetuar, por ocasião do resgate dos trabalhadores, os procedimentos formais requeridos para a concessão do seguro-desemprego, sendo que o benefício deverá ser posteriormente sacado pelo próprio trabalhador na rede bancária.
Intermediação de mão-de-obra rural: buscando dar efetividade ao dispositivo da Lei 10.608/2002 que versa sobre o encaminhamento à intermediação de mão-de-obra do trabalhador rural beneficiado com o seguro-desemprego, além de prevenir o aliciamento, momento extremamente importante da cadeia de eventos que leva ao trabalho escravo, o MTE, com um projeto iniciado em 2007, entre sete municípios dos estados do Maranhão, Pará e Piauí, deixa à disposição do empregador um meio de encontrar os trabalhadores que sua atividade produtiva demandar, de acordo com perfil ocupacional que poderá ser estabelecido previamente à contratação junto aos centros de intermediação (SINE). Tal medida tem como objetivo proporcionar o encontro entre a demanda por mão-de-obra e a força de trabalho, tornando desnecessária a figura do aliciador popular (gato), fomentando a adoção de práticas trabalhistas em acordo com a legislação.
Prioridade de inserção no Programa Bolsa Família: desde dezembro de 2005, o Ministério do Trabalho e Emprego e o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS) firmaram um termo de cooperação que prevê o acesso prioritário dos trabalhadores resgatados ao programa federal de transferência de renda denominado Bolsa Família.
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Inclusão no Programa Brasil Alfabetizado: com a parceria do Ministério da Educação (MEC), dos estados, municípios, organizações da sociedade civil e instituições de ensino superior, os trabalhadores resgatados pelo MTE, serão incluídos em turmas alfabetização dentro do programa Brasil Alfabetizado.
Sistema de Acompanhamento e Combate ao Trabalho Escravo (SISACTE): o MTE e a OIT implantaram no final de 2006 o Sistema de Acompanhamento e Combate ao Trabalho Escravo (SISACTE). Permite registrar denúncias de trabalho escravo apresentadas ao MTE e dados das operações de fiscalização realizadas. Constitui instrumento relevante para o monitoramento de fluxos migratórios de mão-de-obra.Seu objetivo é se tornar um instrumento de integração de instituições estatais e não governamentais envolvidas com a erradicação do trabalho escravo. Facilita ainda as consultas aos dados gerados com a execução das ações, com o processamento rápido de relatórios e estatísticas sobre o tema.
6.2 Ministério do Público do Trabalho
O Ministério Público da União (MPU), normatizado como "instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis", é composto, na área laborativa, pelo Ministério Público do Trabalho (MPT). Este tem a função de atuar judicialmente e extrajudicialmente na defesa dos direitos coletivos e individuais cuja competência seja da Justiça do Trabalho (arts.127 e 128 – CR), tendo atualmente especial atenção nas questões relativas à erradicação do trabalho infantil, do trabalho forçado e escravo, bem como no combate a quaisquer formas de discriminação no mercado de trabalho.
Com a finalidade de erradicar o trabalho análogo ao de escravo e coibir o trabalho degradante, resguardando o direito à liberdade, à dignidade no trabalho, zelar pelas garantias decorrentes da relação de emprego, bem como agregar valores a ações em andamento, como por exemplo as ações realizadas pelo Grupo Especial de Fiscalização Móvel (GEFM), o MPT, em setembro de 2002, criou a Coordenadoria Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo (CONAETE).
Mister explanarmos acerca dos instrumentos mais utilizados pelo MPT, que visam dar imediata efetividade às garantias constitucionais e trabalhistas aos trabalhadores resgatados, tornando-se assim aliados de primeira hora no combate a práticas anti-trabalhistas, que visam a super valorização do capital em detrimento da fragilidade econômica, política e social de milhares brasileiros.
Ação Anulatória (judicial)
Ação Civil Pública (judicial)
Ação Preventiva (extrajudicial)
Inquérito Civil Público (extrajudicial)
Termo de Ajuste de Conduta (extrajudicial)
6.2.1.Ação Anulatória
Com fulcro na Lei Complementar n° 75 de 20 de maio de 1993, o Ministério Público do Trabalho é legitimado para, no âmbito da Justiça do Trabalho, propor as ações cabíveis para a declaração de nulidade de cláusula de contrato, acordo coletivo ou convenção coletiva que viole as liberdades individuais ou coletivas ou os direitos individuais indisponíveis dos trabalhadores.
6.2.2.Ação Civil Pública
Este instrumento tem previsão constitucional no art. 129, e estabelece serem funções institucionais do Ministério Público promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos. Sua regulação infraconstitucional é dada pela Lei nº 7347/85, a qual prevê a Ação Civil Pública como sendo o "instrumento para apurar a responsabilidade visando a reparação dos danos morais e patrimoniais causados ao meio-ambiente, ao consumidor, à ordem urbanística, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico, infração a ordem econômica e a qualquer outro interesse difuso ou coletivo".
A Ação Civil Pública tem por uma de suas principais finalidades a preservação do tutelado, já que abrange os direitos lesados de uma determinada coletividade de trabalhadores.
O Ministério Público do Trabalho é um dos legitimados ativos para o manejo da Ação Civil Pública no âmbito da Justiça do Trabalho, a fim de promover a defesa dos interesses coletivos, quando desrespeitados os direitos sociais constitucionalmente garantidos, a teor da dicção do art. 83, III, da Lei Orgânica do Ministério Público da União (LOMPU).
6.2.3.Ação Preventiva
Objetivando a efetivação das garantias trabalhistas, o Parquet atua também de forma preventiva, extrajudicialmente, com medidas de integrações que visam orientar a sociedade por meio de audiências públicas, congressos, oficinas, seminários, palestras, realizadas estrategicamente com parceria da sociedade civil organizada.
6.2.4.Inquérito Civil Público
É um procedimento administrativo e inquisitivo que constituído pelas fases de instauração, instrução e conclusão, visa produzir um conjunto probatório sobre a efetiva lesão a interesses metaindividuais, tendo por finalidade a apuração de fatos. Integrante do rol das funções institucionais privativas do Ministério Público (art. 129 da Constituição Federal), o Inquérito Civil Público não estabelece acusação, tampouco aplicação de sanção, pois não cria, não modifica e nem extingue direitos. Previsto na Lei nº 7.347, de 1985, ele é uma medida prévia ao ajuizamento da Ação Civil Pública; todavia não é obrigatório, pois esta ação poderá ser instaurada independentemente dele. Finaliza-se o inquérito civil através da propositura da Ação Civil Pública, ou pela formalização dada em um relatório final concluindo assim pelo seu arquivamento.
6.2.5.Termo de Ajustamento de Conduta (TAC)
Previsto na Lei Complementar nº 75/1993, o Termo de Ajuste de Conduta (TAC), que é um título executivo extrajudicial, surge em situações em que ocorram violações aos direitos trabalhistas como um eficaz instrumento do Ministério Público do Trabalho, pois, traz a lume a possibilidade da autocomposição das partes, tornando-se assim, a reparação daquele dano célere, além de promover o ajustamento da conduta ilícita do empregador. Também pode-se verificar na aplicabilidade do TAC um caráter pedagógico, pois, visa prevenir lesões aos direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos.
Visando ajustar a conduta do empregador rural que esteja em desacordo com a lei, e consequentemente a célere indenização aos trabalhadores lesados, o TAC ao ser firmado reflete positivamente na máquina estatal, haja vista não contribuir para a sobrecarga existente em nosso Judiciário, resultando a nosso ver, em um resultado prático e efetivo do MPT.
Caso o TAC tenha sido descumprido, ou, não fora possível sua realização, caberá ao Parquet provocar a Justiça através dos instrumentos judiciais anteriormente já estudados.
Como materialização da atuação do MPT, podemos citar o TAC firmado em março do corrente ano com a empresa Celulose Irani S.A (especializada em extração de resina de pinus eliotis) no estado do Rio Grande do Sul.
Face ao aliciamento realizado no estado de São Paulo pela empresa Resimir Extração de Resina Ltda, prestadora de serviços a Celulose Irani S.A, o TAC trouxe à celulose Irani S.A o compromisso de se responsabilizar pelos direitos trabalhistas e previdenciários dos trabalhadores, incluindo o pagamento de verbas rescisórias, danos morais individuais e coletivos resultantes da constatação de trabalho em condição análoga a de escravo.
Segundo o procurador Luiz Alessandro Machado do MPT-RS, a empresa passou a assumir diretamente o registro do contrato de trabalho na CTPS, o fornecimento gratuito de equipamentos de proteção Individual (EPI), e a disponibilizar locais adequados para refeição e garantirá fornecimento de água potável.
A multa prevista pelo descumprimento da cláusula que prevê abstenção de terceirizar as atividades de extração de resinas é de R$ 100.000,00 (cem mil reais) por cada constatação. Além disso, ficou estabelecida multa de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), multiplicado pelo número de empregados e a cada constatação, em caso de descumprimento dos demais itens do compromisso.