4.A ADMISSIBILIDADE DE RECURSO ESPECIAL EM PROCESSOS DE PRESTAÇÃO DE CONTAS
4.1.Considerações iniciais
Analisados aspectos importantes acerca dos processos de prestação de contas, cumpre adentrar o estudo dos recursos especiais interpostos em tais processos, mormente quanto à sua admissibilidade, objeto central do presente trabalho. Antes de mais nada, há que se ter em mente que
Toda postulação se sujeita a um duplo exame do magistrado: primeiro, verifica-se se será possível o exame do conteúdo da postulação; após, e em caso de um juízo positivo no primeiro momento, examina-se a procedência ou não daquilo que se postula. O primeiro exame ‘tem prioridade lógica, pois tal atividade [ análise do conteúdo da postulação] só se há de desenvolver plenamente se concorrerem os requisitos indispensáveis para tornar legítimo o seu exercício’. No juízo de admissibilidade, verifica-se a existência dos requisitos de admissibilidade . Distingue-se do juízo de mérito, que é aquele ‘em que se apura a existência ou inexistência de fundamento para o que se postula, tirando-se daí as consequências cabíveis, isto é, acolhendo-se ou rejeitando-se a postulação. No primeiro, julga-se esta admissível ou inadmissível; no segundo, procedente ou improcedente’. Por isso que se fala em admissibilidade do recurso, da petição inicial, da denunciação da lide etc.
(DIDIER JR., 2007, P. 41)
Os requisitos de admissibilidade podem referir-se à existência do poder de recorrer, ou ao modo de exercício de tal poder. No primeiro caso, são chamados intrínsecos; no segundo, extrínsecos.
A doutrina divide os pressupostos de admissibilidade intrínsecos em: cabimento, legitimidade, interesse e inexistência de fato impeditivo do direito de recorrer. Já os pressupostos extrínsecos costumam ser divididos em preparo, tempestividade e regularidade formal.
No próximo tópico analisaremos os institutos acima, na seara dos recursos especiais interpostos em face de decisões que examinam as contas.
4.2.Requisitos intrínsecos de admissibilidade do recurso especial eleitoral
4.2.1 Cabimento
O regramento jurídico dos recursos eleitorais encontra-se previsto, basicamente, no art. 121, §§3º e 4º da Constituição Federal, bem como nos arts. 257 a 282 do Código Eleitoral. Não se olvide que podem as resoluções do TSE versar sobre o tema, desde que não contrariem disposição expressa do Código Eleitoral. Cumpre anotar, ainda, ser pacífico na doutrina e na jurisprudência que o Código de Processo Civil e o Código de Processo Penal são aplicados, subsidiariamente, em matéria recursal eleitoral.
A disciplina do recurso especial consta dos arts. 276, I, 278 e 279 do Código Eleitoral. Trata-se de recurso de índole extraordinária, porquanto não baseado apenas no inconformismo do sucumbente, senão também – e principalmente – na necessidade de proteção do ordenamento e de uniformização de jurisprudência. Conforme Tito Costa (1996, p. 91), "o TSE tem por função defender a lei federal e mantê-la respeitada pelos tribunais eleitorais de todo o país. Os recursos especiais permitem-lhe o pleno exercício dessa função".
Assinale-se, pois, desde já, tratar-se de espécie de recurso de fundamentação vinculada, a obstar em seu bojo a discussão de matéria de fato ou de provas.
Assim é que discordamos de Fávila Ribeiro (1999, p. 581) quando afirma que possui o recurso especial "significativos pontos de contato com a apelação". O recurso especial eleitoral mais se assemelha, em verdade, com o recurso especial da Justiça Comum, cujas hipóteses de cabimento constam do art. 105, III, da Constituição Federal.
Conforme o caput art. 276 do Código Eleitoral, as decisões dos Tribunais Regionais Eleitorais são irrecorríveis, salvo nos casos em que cabe recurso para o Tribunal Superior Eleitoral. Referidos casos são expressamente mencionados em seus dois incisos, que tratam dos recursos especial e ordinário. Interessa-nos, no presente estudo, analisar a redação do inciso I, que dispõe caber recurso especial:
a)quando forem proferidas [decisões] contra expressa disposição de lei;
b)quando ocorrer divergência na interpretação de lei entre dois ou mais tribunais eleitorais.
Na primeira hipótese, admite-se a interposição de recurso em face de decisão que ofenda dispositivo de lei que trate ou não de direito eleitoral. Assim é que se admite, por exemplo, recurso especial que alegue desrespeito a lei de índole processual. Nesse sentido:
1. O artigo 236, § 1º do Código de Processo Civil expressamente estabelece que é indispensável, sob pena de nulidade, que da publicação constem os nomes das partes e de seus advogados, suficientes para sua identificação.
2. A ausência do nome dos novos advogados constituídos pela parte na publicação da pauta de julgamento implica ofensa à referida disposição legal, uma vez que essa providência constitui garantia processual ao direito de ampla defesa.
3. Hipótese em que, dadas as circunstâncias e inúmeras irregularidades averiguadas no caso em exame, não se evidencia a ciência inequívoca da parte, recomendando-se, assim, a anulação do julgamento dos recursos eleitorais ocorrido no âmbito da Corte de origem.
4. Em face do disposto nos arts. 267, IV e VI, § 3º, e 301, § 4º, ambos do CPC, as matérias alusivas à ausência de pressupostos processuais e desenvolvimento regular e válido do processo, bem como atinente à legitimidade das partes, podem ser conhecidas de ofício pelo julgador, ainda que suscitadas, pela primeira vez, em embargos de declaração perante o TRE.
Recurso especial provido a fim de anular as decisões regionais e determinar novo julgamento dos processos, com prévia inclusão em pauta de julgamento, com a indicação dos advogados regularmente constituídos (RESP 2627-8/AM, rel. Min. Caputo Bastos, DJ de 18/08/2008, p. 18).
Sendo certo que as resoluções expedidas pelo TSE no exercício de seu poder regulamentar gozam de status de lei ordinária, forçoso reconhecer que decisões que as contrariem também podem ser atacadas pela via do recurso especial. É esse o magistério de Tito Costa (1996, p. 91):
Para efeito desse recurso, as Instruções do TSE, expedidas por meio de Resoluções, têm força de lei, e quando violadas por decisão dos tribunais regionais permitem o recurso especial, segundo tem entendido a jurisprudência. O mesmo não ocorre quando a decisão ofende dispositivo do estatuto de partido político, ou de disposição regimental de qualquer tribunal.
Por sua vez, a hipótese da alínea "b" requer indicação de divergência de posicionamento jurisprudencial de duas ou mais cortes eleitorais, de modo que decisões antagônicas provenientes de outros tribunais não servem de parâmetro para a interposição de recurso especial eleitoral. Analisando o dispositivo mencionado, Fávila Ribeiro (1999, p. 582) observa:
Descabe, porém, o recurso, fundado na alínea b, se a divergência suscitada promanar de outro Tribunal não integrante da Justiça Eleitoral, mesmo que se esteja a apontar decisão do Supremo Tribunal Federal. Outras divergências fora do perímetro da Justiça Eleitoral podem autorizar interposição do recurso especial para o Superior Tribunal de Justiça, desde que a lei havida por violada seja federal.
Observe-se que as hipóteses de cabimento do recurso especial eleitoral constam dos incisos do art. 276, cujo caput faz menção a decisões de tribunais eleitorais. Sendo assim, não é difícil perceber que apenas decisões colegiadas comportam recurso especial, excluindo-se portanto decisões monocráticas, essas desafiadas por agravo. Nesse sentido:
AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. ELEIÇÕES 2008. DECISÃO MONOCRÁTICA DO TRE. RECURSO INADEQUADO. INTEMPESTIVO.
1. É cabível a interposição de recurso especial apenas contra decisões colegiadas dos Tribunais Regionais Eleitorais.
2. Em processo de registro de candidatura, a intimação ocorre com a publicação do acórdão em sessão.
3. Agravo regimental a que se nega provimento (RE 33524/PE, rel. Min. Eros Roberto Grau, publicado em sessão em 27.11.2008).
Do exposto, depreende-se que o recurso especial eleitoral é espécie de recurso de direito estrito, porquanto somente manejado nas hipóteses admitidas pelo legislador. Há que se perceber, contudo, que a inflexibilidade que se lhe impõe estende-se ao tribunal que dele conhece. Queremos dizer que o Tribunal Superior Eleitoral não pode, sob o argumento de que se trata de recurso de cabimento estrito, limitar a admissibilidade onde o legislador não limitou. Conforme observa Pedro Rosa (2007, p. 6):
É de se notar que o legislador não restringiu o cabimento do Especial a alguns processos em detrimento dos de feição administrativa. Sabe-se [...] que à Justiça Eleitoral conferem-se atribuições judiciais e administrativas. Uma não menos meritória do que a outra. (...).
Como vimos alhures, este articulista entende que [a prestação de contas] se trata de matéria administrativa. Todavia, a natureza administrativa do processo de prestação de contas não impede o conhecimento do Recurso Especial Eleitoral. Dado o caráter especial da Justiça em questão, o legislador poderia (deveria, se fosse o caso) estreitar as possibilidades de cabimento do Recurso aos processos não administrativos. Não o fez. Logo, à jurisprudência não cabe assim proceder.
Reiteramos a opinião de que o exame da prestação de contas possui natureza jurisdicional. Entretanto, ainda que administrativa fosse, não haveria óbice legal à admissibilidade de recurso especial nesses processos. Os recursos de natureza extraordinária possuem um viés eminentemente público, ultrapassando o objeto direito da causa. Irretocável a lição de Athos Gusmão Carneiro, relembrada por Marcílio Nunes (2002, p. 2), segundo a qual
O recurso extraordinário, no direito brasileiro, sempre foi manifestado como recurso propriamente dito (interposto, portanto, no mesmo processo) e fundado imediatamente no interesse de ordem pública em ver prevalecer a autoridade e a exata aplicação da Constituição e da lei federal. (...) O interesse privado do litigante vencido funciona, então, mais como móvel e estímulo para a interposição do recurso extremo, cuja admissão, todavia, liga-se à existência de uma questão federal constitucional ou infraconstitucional, à defesa da ordem jurídica no plano do direito federal.
Desse modo, entendemos que o Tribunal Superior Eleitoral, negando conhecimento de recursos especiais interpostos em processos de prestação de contas, para além de equivocar-se, vem falhando em sua missão constitucional. O legislador não restringe o cabimento de recurso especial a processos de jurisdição contenciosa. Deve-se, pois, admiti-los em processos de jurisdição voluntária como, aliás, acertadamente sempre fez o STJ. [21]
Sendo assim, não há razão para que o Tribunal Superior Eleitoral deixe de admitir recursos especiais em processos de prestação de contas, quando dentro das hipóteses do art. 276, inciso I.
Com o advento da Lei 12.034/2009, espera-se uma mudança de posicionamento no âmbito daquela Corte. Isso porque a Lei em comento, que operou a chamada Minirreforma Eleitoral, alterou as Leis 9.096/95 e 9.504/97, para dispor, entre outras coisas, que:
a)o exame da prestação de contas dos órgãos partidários tem caráter jurisdicional (art. 37, §6º, da Lei 9,096/95);
b)da decisão que julgar as contas prestadas pelos candidatos e comitês financeiros caberá recurso ao órgão superior da Justiça Eleitoral, no prazo de 3 (três) dias, a contar da publicação no Diário Oficial (art. 30, §5º, da Lei 9.504/97).
A admissibilidade do recurso especial no exame das contas, que a despeito de decorrer do sistema não vinha sendo reconhecida, deve agora passar sê-lo por força de lei.
4.2.2 Legitimidade
O Código Eleitoral e a Leis 9.504/97 e 9.096/95 não tratam da legitimidade recursal. Tampouco o fazem as Resoluções TSE 21.841/04 e 22.715/08, que versam sobre a prestação de contas anual dos partidos e das Eleições de 2008, respectivamente. Aplica-se à matéria, pois, de maneira subsidiária o art. 499 do Código de Processo Civil, segundo o qual o recurso pode ser interposto pela parte vencida, pelo terceiro prejudicado e pelo Ministério Público.
Partes são aqueles legalmente sujeitos à obrigação de prestar contas: partidos políticos, anualmente, além de candidatos e comitês financeiros, após as Eleições.
Vimos que os processos de prestação de contas apenas possuem parte, não havendo falar-se em contraparte. Dessa forma, o Ministério Público Eleitoral, quando recorre, fá-lo com fulcro no §2º do art. 499, agindo como fiscal da lei.
Conforme lembrado por Marcílio Nunes Medeiros (2002, p. 8), tratando-se de divergência pretoriana, igualmente não se nega legitimidade ao Procurador Regional Eleitoral para articular o recurso especial, sendo mesmo de sua competência institucional assim proceder, a teor do que prescreve o art. 24, inciso VI, c/c art. 27, §3º, ambos do Código Eleitoral.
Já o §1º dispõe que o terceiro prejudicado, para recorrer, deve demonstrar o nexo de interdependência entre o seu interesse de intervir e a relação jurídica submetida à apreciação judicial. Num primeiro momento, pode parecer difícil vislumbrar interesse de terceiro em ver desaprovadas as contas de um partido político. Todavia, o próprio TSE admite sua existência, quando, no art. 33, caput e §2º, da Resolução 21.841/04, prevê a possibilidade de oferecimento de denúncia de eleitor ou dirigente de partido político "objetivando o cancelamento do registro civil ou do estatuto do partido" que não tenha prestado contas ou as tenha desaprovadas. Se eleitores e dirigentes de partidos políticos tem interesse em ver as contas desaprovadas, obviamente que podem, em tese, interpor recursos contra decisões que as aprove, já que lhe tolhem um interesse legítimo.
Vislumbramos ainda uma outra hipótese de recurso apresentado por terceiro prejudicado: o art. 34 da Lei 9.504/97 exige da Justiça Eleitoral, no exame das contas, a "caracterização da responsabilidade dos dirigentes do partido e comitês, inclusive do tesoureiro, que responderão, civil e criminalmente, por quaisquer irregularidades". No mesmo sentido, o art. 37 do Diploma mencionado prevê que "a falta de prestação de contas ou sua desaprovação total ou parcial implica a suspensão de novas quotas do fundo partidário e sujeita os responsáveis às penas da lei". Entendemos que terceiros identificados como responsáveis possuem legitimidade para recorrer das decisões que desaprovam as contas.
Tal legitimidade não se estende às Coligações. Isso porque seu interesse de intervir não possui nexo jurídico com a causa judicial. O interesse revela-se eminentemente político. Aliás, assim já decidiu o Egrégio Tribunal Regional Eleitoral de Minas Gerais, no RE 6628. No feito em tela, o Tribunal manteve a decisão recorrida por seus próprios fundamentos, caindo a lanço transcrever o seguinte excerto :
Não vislumbro, no feito em tela, interesse a alcançar a esfera jurídica da coligação, mas sim interesse de fato – político -, consistente, provavelmente, em ver excluídos, via prestação de contas rejeitada, possíveis concorrentes que não poderão se candidatar em virtude da ausência de quitação eleitoral que é a consequência das contas rejeitadas. Sendo assim, o intuito do recorrente é apenas o de facilitar, àqueles que apoia, a obtenção dos votos do eleitorado local.
Sendo assim, nego provimento ao agravo (AgRg no RE 6628, rel. Antônio Romanelli, publicado no DJE/MG, em 19.03.2009)
4.2.3 Interesse recursal
A análise do interesse recursal pode ser feita com olhos postos no exame do interesse de agir, uma das condições do exercício do direito de ação. Do mesmo modo que o instituto análogo, o interesse recursal pressupõe a existência de dois requisitos: utilidade e necessidade.
Útil é o recurso que pode conduzir a parte a uma situação mais vantajosa: aprovar ou retirar restrições de contas desaprovadas ou aprovadas com ressalvas, respectivamente. Necessário, por sua vez, é o recurso indispensável à obtenção da melhora almejada.
Sendo unânime a jurisprudência dos tribunais superiores no sentido de que os recursos extraordinários lato sensu não se prestam à revisão de matéria fática (provas), forçoso reconhecer que recursos especiais em prestação de contas que veiculem tal desiderato carecem de interesse, devendo ser inadmitidos. Nesses casos o TSE se farta, e com razão, de julgar aplicável, no âmbito Eleitoral, a súmulas de n.º 7 da jurisprudência do STJ. Assim:
A e. Corte Regional consignou que o recurso de revisão manejado pelo agravante nem sequer foi admitido. Logo, não há provimento suspensivo da decisão que rejeitou sua prestação de contas. Decisão contrária, a partir da análise da documentação acostada em sede de agravo regimental, demandaria o reexame de fatos e provas, providência inviável em sede de recurso especial, nos termos da Súmula n.º 7 do e. STJ. (RESPE 34906/AM, rel. Min. Félix Fischer, publicado em sessão em 17.12.2008).
4.2.4 Inexistência de fato impeditivo do direito de recorrer
Um recurso, para ser admitido, deve estar livre de fatos extintivos ou impeditivos do direito de recorrer.
Extinguem o direito de recorrer a renúncia e a aquiescência à decisão, diferenciando-se pelo fato de que a renúncia antecede a prolação da decisão, ao passo que a aquiescência consubstancia manifestação de resignação àquilo que já foi decidido. Ademais, a renúncia é sempre expressa, enquanto a aquiescência pode ser tácita. Um exemplo de aceitação tácita da decisão em processos de prestação de contas seria o caso de decisão que aprova contas anuais de Diretório Municipal que não possui conta bancária aberta, com a ressalva de que realize a abertura para o próximo exercício. Sendo a decisão de aprovação com ressalvas, certo que há sucumbência. Se o Diretório Municipal, ao invés de recorrer, limita-se a informar, no processo, ter efetuado a abertura da conta, estará praticando espécie de ato incompatível com a vontade de recorrer (art. 503, parágrafo único do CPC).
De outro lado, de acordo com Didier Jr. (2007, p. 54), impede o direito de recorrer a realização de "ato de que diretamente haja resultado a decisão desfavorável àquele que, depois, pretenda impugná-la", como é o caso da preclusão lógica. Assim, por exemplo, não poderia recorrer de decisão que desaprova as contas o Diretório Partidário que a ela diretamente aquiesceu.
4.3 Requisitos extrínsecos de admissibilidade do recurso especial eleitoral
4.3.1 Tempestividade
Conforme o disposto no art. 276, §1º, do Código Eleitoral, é de três dias o prazo para a interposição do recurso especial eleitoral, contados da publicação da decisão.
Havendo oposição de embargos de declaração, o prazo em questão, diferentemente do que ocorre na Justiça Comum, suspende-se, desde que não julgados manifestamente protelatórios (art. 275, §4º do Código Eleitoral).
4.3.2 Regularidade formal
O conhecimento do recurso exige ainda o preenchimento de determinados requisitos previstos tanto na lei quanto nos regimentos internos dos tribunais. Nessa linha, o art. 35, §2º, do RI/TSE prevê que "os recursos, independentemente de termo, serão interpostos por petição fundamentada, acompanhados, se o entender o recorrente, de novos documentos".
Destaque-se que a petição de recurso especial eleitoral, segundo jurisprudência pacífica do Tribunal Superior Eleitoral, deve vir assinada por procurador devidamente habilitado, ainda que em primeira instância não se exija capacidade postulatória. Nesse sentido:
Agravo regimental. Recurso especial eleitoral. Eleições 2006. Prestação de contas. Representação processual. Deficiência. Súmula 115/STJ. Ausência de procuração. Apelo especial não conhecido. Decisão que se mantém pelos próprios fundamentos. Não-provimento.
1.Agravo regimental contra decisão que não conheceu de recurso especial em razão de deficiência na representação processual, configurada pela ausência de procuração outorgada ao advogado subscritor daquele recurso.
2.Nas razões de agravo, alega-se que o instrumento procuratório está arquivado na Corte Regional.
3.Cuida-se de pressuposto processual cuja ausência não pode ser sanada na instância especial.
4.Decisão mantida pelos próprios fundamentos.
5.Agravo regimental não provido. (AgRg no RESPE 28083/RR, rel. Min. José Augusto Delgado, publicado no DJ em 08.08.2007, p. 230).
Por último, vale informar que a Resolução TSE 21.711/2004, em seu art. 1º, autoriza a utilização de sistema de transmissão eletrônica de dados e imagens por fac-símile ou pela Internet para a prática de atos processuais no âmbito do Tribunal Superior Eleitoral, incluídas aí as petições de recurso. De se destacar que, consoante o art. 6º da Resolução em comento, o envio de petições via Internet dispensa a necessidade de apresentação dos originais.
4.4 Prequestionamento
Além dos requisitos gerais de admissibilidade, o conhecimento dos recursos de índole extraordinária exige a presença do chamado prequestionamento da matéria. Há quem o classifique como requisito de admissibilidade específico [22] [23]. Este não se nos afigura o melhor entendimento, motivo pelo qual analisamo-lo em apartado. Com efeito, afirma Nelson Nery Jr., citado por Didier Jr. (2007, p. 224),
Talvez a conceituação do prequestionamento como requisito imposto pela jurisprudência tenha nascido porque a expressão vem mencionada em dois verbetes da Súmula do STF (STF 282 e 356). Evidentemente a jurisprudência, ainda que do Pretório Excelso, não poderia criar requisitos de admissibilidade para os recursos extraordinário e especial, tarefa conferida exclusivamente à Constituição Federal.
Por tal motivo, estamos com mais uma vez com Didier Jr. (2007, p. 224), que enxerga o prequestionamento como um "passo na verificação da incidência do suporte fático hipotético do recurso extraordinário no suporte fático concreto". A relação de subsunção vislumbrada pelo autor baiano é de fácil compreensão, quando se recorda que uma das funções essenciais dos recursos extraordinários é a de uniformização do direito. Se à Corte superior se pleiteia a vetorização da jurisprudência, nada mais justo do que se exigir que tenha a matéria controversa sido enfrentada pelas instâncias anteriores. Esse parece ter sido o entendimento corroborado pelo TSE no seguinte julgado:
Recurso especial. Prequestionamento. O tema jurígeno versado no recurso especial há de ter sido objeto de debate e decisão prévios. Somente assim exsurge o que coteja com o dispositivo legal apontado como infringido para dizer-se do enquadramento da hipótese em um dos permissivos do artigo 276 do Código Eleitoral (Ac. N.º 11.932/ES, rel. Min. Marco Aurélio, publicado no DJU em 22.9.1995, p. 30738).
Independentemente da natureza jurídica que se atribua ao prequestionamento, o fato é que se trata de instituto obrigatório para o conhecimento dos recursos especiais eleitorais, inclusive aqueles interpostos em processos de prestação de contas. Carente de prequestionamento, estará o recurso fadado ao não-conhecimento. A jurisprudência do TSE é farta e unânime nesse sentido.
5. CONCLUSÃO
A classificação dogmática das funções do Estado costuma afirmar que o Poder Legislativo detém o monopólio da criação do Direito. Sabe-se, porém, que, na realidade, o papel assumido pelo Legislativo não é exclusivo, vez que não se pode negar um caráter criador e normativo à função jurisdicional.
Assim sendo, já que o exame da prestação de contas de candidatos, partidos políticos e comitês financeiros é feito pela Justiça Eleitoral no exercício de atividade jurisdicional, independentemente da existência de permissivo legal, das decisões proferidas nesses processos deveria ser admitido o recurso especial, sempre que presentes os pressupostos intrínsecos e extrínsecos anteriormente estudados.
De todo o exposto conclui-se, também, que, ainda que se considere administrativa a atividade de exame das contas, permanece cabível o manejo do especial, tanto pelo fato de que apelo possui natureza extraordinária, a resguardar interesse público, como pelo fato de inexistir, para sua admissão, qualquer óbice legal.
NOTAS:
- Repercussão em Recurso Extraordinário 591-470/MG.
- MEDEIROS, Marcílio Nunes. Recurso especial em matéria eleitoral. Jus Navigandi. Teresina, ano 6, n. 59, out. 2002. Disponível em <http://jus.com.br/revista/texto/230>. Acesso em 01 fev. 2010.
- Exemplificamos com: RO 398/SC, rel. Min, Eduardo Ribeiro, DJ, 22.02.2000 (recebido como Recurso Especial); RESPE 21249/RS, rel. Min. Gilmar Mendes, DJ, 26.08.2005; RESPE 25559/RN, rel. Min. Marco Aurélio de Mello, DJ, 24.03.2006; RESPE 25306, rel. Min. Francisco César Asfor Rocha, DJ, 31.03.2006.
- CÂNDIDO, Joel José. Direito eleitoral brasileiro. 13ª ed., Bauru: Edipro, 2008, p. 248.
- GOMES, José Jairo. Direito eleitoral. 4ª ed., Belo Horizonte: Del Rey, 2009, p. 55/58.
- COSTA, Adriano Soares da. Disponível em <http://adrianosoaresdacosta.blogspot.com/2008/11/prestao-de-contas-processo.html>. Acesso em 03.02.2010.
- A frase original é: "A neutralidade jurídica é uma quimera".
- Notícia disponível em <http://a-ponte-aponte.blogspot.com/2008/05/natureza-administrativa-da-prestao-de.html>. Acesso em 04.02.2010.
- TRE/CE, MS 11091, rel. Francisco Roberto Machado, DJ/CE, 14.05.2004, p. 16.
- TRE/AL, RECAP 71, rel. designado Francisco Wildo, DO/AL, 09/08/1986, p. 21.
- TRE/GO, RE 4109, rel. Elizabeth Maria da Silva, publicado em sessão em 19/08/2008.
- TRE/PB, RO 2034, rel. Marcos William de Oliveira, publicado em sessão em 15.08.2000.
- TRE/RJ, RE 4844, rel. Jacqueline Lima Montenegro, publicado em sessão em 14.08.2008.
- TRE/PR, RE 23659, rel. Valter Resel, DJ/PR, 18.05.2000.
- TRE/SP, REC 25637, rel. Maria Salette Camargo Nascimento, DO/SP, 05.10.2006, p. 226.
- ALVIM, José Eduardo Carreira. Teoria geral do processo. 11ª ed., Rio de Janeiro: Forense, p. 73.
- Pode-se pensar, inclusive, que, surgindo controvérsia, transforma-se o processo voluntário em contencioso.
- Trazemos ao processo de prestação de contas observação que Carreira Alvim atribui a Manuel Ibañes Frocham, na análise da jurisdição voluntária comum. Op. cit., p. 77.
- Lembrando que o TSE adotada a corrente administrativa de jurisdição voluntária, que entende-a atividade administrativa e, portanto, incapaz de produzir coisa julgada.
- A função jurisdicional comporta, como se sabe, determinados escopos, entre eles o político, por meio do qual, para além de afirmar o Poder Estatal, incentiva a participação democrática e tutela as liberdades públicas. A Corte eleitoral, no julgado acima, parece ter descurado-se disto.
- Exemplificamos com: REsp 715989/MS, rel. Min. João Otávio de Noronha, publicado no DJe em 16.11.2009; REsp 1078816/SC, rel. Min. Eliana Calmon, publicado no Dje em 11.11.2008; EDcl no AgRg 621587/RJ, rel. Min. Jorge Scartezzini, publicado no DJ em 11.09.2006, p. 287; REsp 542366/PR, rel. Min. Fernando Gonçalves, publicado no DJ em 01.02.2006, p. 561; Resp 54877/SP, rel. Min. Antônio de Pádua Ribeiro, publicado no DJ de 12.12.2005.
- Como Marcílio Nunes Medeiros, op. cit., p. 13.
- Vide TSE AI 11.439/BA, rel. Min. Félix Fisher, publicado no DJE em 1º.02.2010, p. 428/429.