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A política das portas abertas nas reuniões de órgãos públicos colegiados: estudo do caso CTNBio

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Agenda 01/06/2011 às 07:55

No caso analisado, a negação à participação de interessados em assistir às reuniões da comissão é procedimento inconstitucional.

RESUMO

Esta monografia trata do acesso da população às reuniões de órgãos públicos colegiados. É um estudo de caso em que se avalia a constitucionalidade da adoção da política de portas fechadas pela Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio). Os princípios da democracia, eficiência e transparência são os mais empregados para compreensão da atividade dos órgãos colegiados da administração publica. É utilizada a metodologia hipotético-dedutiva de abordagem. São verificados os argumentos colhidos em debate ocorrido entre membros da comissão e integrantes de movimentos sociais que desejavam estar presentes à reunião em que se discutia a liberação de uma modalidade de soja transgênica. Conclui-se, no caso analisado, que a negação à participação de interessados em assistir às reuniões da comissão é procedimento inconstitucional.

Palavras-chave: Administração pública. CTNBio. Reunião. Transparência.


INTRODUÇÃO

Os estudiosos da democracia como regime nacional costumam apregoar que ela é sempre precária. A plena estabilidade de um sistema político é uma situação puramente ideal, pois pressupõe que as regras de disputa pelo poder e de participação popular no governo sejam imunes à mudança do comando do país. Ocorre que isso nunca se observou em lugar algum.

Apesar da fragilidade intrínseca ao fenômeno democrático, não se questiona que sua manutenção é um desafio a ser encarado. Por esse motivo, é mais importante ter como objeto de preocupação não um estado ideal do regime, mas os movimentos de democratização que se vivenciam em vários níveis na estrutura política.

Seria possível ampliar a participação da sociedade no Estado de tal forma que não existissem mais grupos excluídos, sem voz, afastados das decisões que lhes interessam?

Esses debates de ciência política são inspirados por pelo menos uma questão filosófica perene – o que é democracia?

Possibilidade de disputar o poder e inclusão da população no processo decisório são as características substanciais que Robert Dahl identifica nas democracias mais avançadas que existem (preferindo chamá-las de poliarquias).

A última dessas características interessa a este estudo e é adotada como premissa, não sem enfrentar os inconvenientes de inserir grande parcela da população na tomada de decisões pelo poder público.

Na observação do funcionamento do Estado, mesmo nos compartimentos mais distantes do poder central, dotados de pouca capacidade decisória, pululam oportunidades para testar a abertura política do sistema.

Como a população acessa a autoridade para manifestar-se? Como a administração pública lida com a opinião dos cidadãos que não a integram? Há espaço suficiente para oposição de ideias no âmbito administrativo?

Esses problemas deságuam no direito administrativo, cujas normas cuidam de tratamento impessoal, de transparência, de eficiência, elementos que conferem legitimidade ao poder público, ou, de outro modo, realizam a democracia.

Recentemente, tem florescido um paradigma jurídico denominado Estado constitucional de direito, no qual se reconhece que a concretização de ideais democráticos conta com a elevação de alguns métodos e valores à condição de normas fundamentais. Em outros termos, o desenvolvimento de uma sociedade plural, participativa, carece de uma constituição mais forte que a legislatura ordinária para proteger de maiorias ocasionais as decisões políticas fundamentais de uma nação.

Esta monografia pinça, do regime jurídico-administrativo traçado pela Constituição brasileira, o tratamento conferido à participação da sociedade no funcionamento dos órgãos públicos, opinando, decidindo, controlando.

Quando o Estado anuncia que tomará alguma decisão, por meio da deliberação de um colegiado competente, é natural que surja entre a população interessada – em grupos organizados ou não – o desejo de estar perto, acompanhar e, se possível, contribuir com o debate.

Decorre do axioma democrático e do princípio constitucional da transparência que os órgãos colegiados da administração devam se reunir a portas abertas para deliberar sobre questões de interesse geral?

Eis o problema que se propõe para estudo.

No entanto, não se pretende solvê-lo em absoluto, mas relativamente a um caso específico apresentado. As conclusões serão tão úteis quanto for possível verificar que as mesmas condições se fazem presentes em outros contextos.

No processo de tomada de decisões que afeta a vida dos administrados, é verificada a tensão infindável entre eles e a autoridade constituída.

Para compreender o mecanismo decisório que aparece como objeto, é necessário conhecer a fundo a figura não muito tradicional do órgão colegiado dentro da função administrativa do Estado.

Em tempos mais remotos, a forma colegiada de decidir era conhecida apenas nos parlamentos e nas cortes judiciais. Do Poder Executivo não se exigiam resoluções complexas como hoje ou, pelo menos, não havia tanta cobrança para que suas determinações fossem formuladas levando em consideração uma sociedade tão plural.

Atualmente, na elaboração de políticas de saúde, educação, assistência social, proteção à infância e em outras tantas áreas, lá estão os conselhos, as comissões etc. que exercem papel essencial na complementação das legislações respectivas. Nesses órgãos estão especialistas, servidores públicos ou pessoas do povo convidadas a integrar uma mesa que comporta visões diversas.

Para o desempenho de atividade tão republicana, espera-se do integrante do colegiado, além da capacidade técnica para decidir, a independência própria de quem está a serviço público. Ainda que ele seja representante de uma classe social, seu compromisso deve ser com o interesse público, que só pode ser defendido com um mínimo de autonomia em relação às vocações puramente privadas (sejam individuais ou corporativas).

Se se estivesse cuidando do papel decisório exercido no Poder Legislativo ou no Judiciário, seria fácil lembrar dos instrumentos criados pelo Estado para assegurar essa autonomia/independência. As garantias dos magistrados, as imunidades dos parlamentares e as vedações impostas a ambos vêm logo à mente e se encontram na própria Constituição.

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Os membros dos colegiados da administração são desprovidos daquelas prerrogativas, mas também enfrentam dificuldades quando instados a decidir sobre questões polêmicas ou que afetam interesses de grupos de grande poder.

Se um empresário conhece os integrantes do órgão responsável por uma decisão que lhe diz respeito e acompanha seus argumentos e votos na mesa de decisões, é fácil supor que ele desejará contribuir para o resultado que lhe favoreça. A intenção é natural. Os meios é que podem exceder o limite ético/lícito.

Na tentativa de responder ao problema da independência colocado linhas atrás, supõe-se que a faculdade de se reunirem a portas fechadas é um meio de conferir aos vogais alguma segurança e autonomia para o desempenho de seu papel. Se eles tiverem a possibilidade de defender suas opiniões apenas internamente, afastam-se das influências que possam macular seus votos.

À primeira vista, o sigilo das reuniões se conecta a uma forma não transparente de agir. Entretanto, tem-se como hipótese que esse é um método que confere independência ao indivíduo que age em nome do povo.

A preocupação com a consciência e a dignidade do membro do colegiado colocada nesses parâmetros será válida desde que sustente a eficiência no funcionamento do órgão e, em consequência, se reverta em benefício social. Tendo em conta o princípio de que a administração pública deve funcionar da forma mais transparente possível, a deliberação secreta deve ser justificada.

Escolheu-se testar a hipótese acima a partir de um estudo de caso. Ele reúne bastantes complicações do fenômeno da participação social na administração pública.

Na ocasião em que um representante do Greenpeace quis assistir à reunião da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) para acompanhar deliberações sobre alimentos transgênicos, instalou-se a celeuma aqui exposta. Uns defendiam que a reunião era privativa de membros do órgão e convidados. Outros advogavam pelo direito daquele ativista de estar presente, já que se tratava de uma instância de deliberação pública.

Toda a polêmica alimentada em torno da abertura das reuniões da CTNBio justifica, por si só, a necessidade de buscar tratamento jurídico adequado para o evento. Mas a situação sobre a qual se debruça não é controvérsia exclusiva daquele órgão. Há conflitos do mesmo tipo em diversos outros colegiados. O exemplo mais corriqueiro talvez seja o de conselhos de administração de universidades públicas, cujas sessões são palco de tumulto quando estudantes que não são membros desejam presenciá-las.

Em consulta às normas atinentes de diversos órgãos, percebeu-se o padrão de não haver dispositivo que determine tal ou qual modo de proceder. Daí serem ainda mais inflamados os conflitos que surgem.

Caso houvesse lei, decreto, portaria ministerial ou regimento interno que apregoasse que as reuniões do colegiado fossem abertas ao público ou ainda que dissessem o contrário, a dúvida restringir-se-ia sobre a constitucionalidade de tal norma.

Entretanto, aqui se lida com omissão normativa, o que acarreta, ainda, a tarefa de colmatar o texto regimental com interpretação sistemática.

No decorrer do trabalho, objetiva-se lançar os argumentos à prova da coerência e da constitucionalidade, descartando de imediato os sofismas e as impropriedades jurídicas.

É utilizada a metodologia hipotético-dedutiva de abordagem, já que são transportados para verificação os argumentos colhidos no debate que ocorreu de fato, produzindo-se enunciado sobre cada um deles, após as refutações que se fizerem necessárias.

A metodologia de procedimento é monográfica, pois assim se mantém a concentração no estudo do caso.

São mesclados dois tipos de pesquisa: o instrumental, que busca na ciência jurídica a solução para o problema prático, e o sócio-jurídico, orientado pela relação daquela ciência com a ordem social.

O misto se impõe porque o objetivo final do trabalho é apresentar a norma jurídica aplicável – que não poderia ser elaborada com desprezo ao arcabouço doutrinário e legal existente – e porque a tensão que motiva a pesquisa advém não apenas de uma simples omissão normativa, mas da premência de realização do fenômeno democrático – assunto da ciência política, manuseada frequentemente para justificação.

As técnicas de pesquisa são a documental – com destaque maior para a ata da reunião da CTNBio em que o conflito está posto e as normas que regulam o funcionamento do órgão e menor para as peças do processo judicial que seguiu – e a bibliográfica, constando especialmente referências ao cientista político Robert Dahl, ao constitucionalista Paulo Bonavides, ao jus-ambientalista Paulo Affonso Leme Machado a diversos pensadores atuais do direito administrativo.

O desenvolvimento do tema foi organizado em três capítulos. O primeiro é uma descrição do caso em estudo. Apresentam-se os fatos ocorridos, as normas sobre as reuniões da CTNBio, os argumentos levantados no embate e o tratamento do caso na Justiça.

A seguir, são elucidados os princípios constitucionais que incidem sobre o fato, cuja articulação se faz imprescindível para desatar a controvérsia.

No terceiro e último capítulo, abordam-se diversos aspectos do modelo de deliberação colegiada na administração pública, dando destaque às particularidades da CTNBio para que sejam exploradas, entre outras, as alegações pronunciadas no debate (capítulo 1) sob a perspectiva dogmático-constitucional (capítulo 2).

Ao fim da monografia, profere-se julgamento sobre a constitucionalidade da política de reuniões reservadas, tão autêntico quanto sejam as inferências parciais sobre os temas constitucionais manuseados.


1 O CASO CTNBIO

1.1 Apresentação dos fatos

A Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) é um colegiado multidisciplinar de caráter consultivo e deliberativo que presta apoio técnico ao governo federal na formulação e implementação da Política Nacional de Biossegurança de organismos geneticamente modificados, bem como no estabelecimento de normas e pareceres técnicos referentes à autorização para pesquisa e uso comercial destes organismos (Lei 11.105/2005, art. 10º).

Em sua centésima sessão, a comissão tinha por pauta a liberação comercial da primeira variedade de milho transgênico no Brasil.

A transgenia é a operação de criar novos organismos a partir da combinação de material genético de organismos já existentes. Técnicas de engenharia genética são utilizadas para que se obtenham características específicas nos produtos, as quais não resultariam de combinações naturais.

Existem muitas opiniões a respeito da produção e da comercialização de organismos geneticamente modificados (OGM) ou, simplesmente, transgênicos. A artificialidade inserida em itens de consumo humano é centro de polêmicas no campo da segurança alimentar e da ética.

Limitando as considerações apenas à aplicação da transgenia aos alimentos, veja-se, por exemplo, a questão da resistência das lavouras. Em geral, as manipulações genéticas de plantas visam a torná-las mais resistentes a pragas. Obtido o resultado, exigem-se menos pesticidas para a conservação da plantação. Os ganhos estão além da economia. Trata-se de diminuir a poluição do solo e de lençóis de água.

Muito embora nem seja possível enumerar em pouco espaço todas as vantagens do desenvolvimento de alimentos de transgênicos, muitos testes no mundo todo têm colocado em xeque os efeitos do seu consumo à saúde humana e animal.

No centro dos debates, posicionam-se os defensores dos OGM desde que já tenham passado por avaliações suficientes quanto aos riscos ambientais levantados. A indústria, a seu turno, tem suas motivações para não querer esperar demais para produzir. Há ainda os grupos radicalmente contra a comercialização de transgênicos, mas a história vem demonstrando que eles perdem espaço continuamente.

Interessado no assunto, o Greenpeace – organização mundialmente conhecida pela defesa do meio ambiente – enviou à CTNBio um requerimento para que pudesse participar da reunião referida acima na qualidade de ouvinte observador.

Chegado o momento da sessão, um advogado da entidade e uma segunda pessoa fizeram-se presentes à sala do órgão público reivindicando direito de presenciá-la [01].

Para que pudesse começar a reunião, o presidente da comissão entendeu que só poderiam estar presentes seus membros. Solicitou às pessoas que não faziam parte do colegiado que se retirassem, observando que, embora pudessem participar da sessão mediante convite, isso não havia acontecido.

Em vez de instalada a sessão, instaurou-se um debate entre todos os presentes que ficou registrado na gravação que deu suporte à redação da ata. O arquivo com o áudio está disponível na página da comissão na internet e serviu para que se transcrevessem os argumentos dos interlocutores em defesa ou contrários à permanência das "pessoas estranhas" ao colegiado.

Observa-se, de um lado, a resistência dos membros da CTNBio à abertura das portas a quem não seja convidado [02]. Contrariamente, uma Procuradora da República posiciona-se junto ao representante do Greenpeace, entendendo que as deliberações do órgão devem ser livres a ouvintes.

1.2 Normas incidentes

A Lei 11.105, de 24 de março de 2005, dispõe sobre a Política Nacional de Biossegurança e também se presta a reestruturar a CTNBio. Segundo seu art. 9º, § 3º, "poderão ser convidados a participar das reuniões, em caráter excepcional, representantes do setor público e de entidades da sociedade civil".

Um pouco mais de detalhamento é colocado pelo Decreto 5.591, de 22 de novembro de 2005, que regulamenta lei citada. Põe-se que a participação dos convidados não os habilita a tomar parte nas decisões. Diz o art. 26: "poderão ser convidados a participar das reuniões, em caráter excepcional, representantes da comunidade científica, do setor público e de entidades da sociedade civil, sem direito a voto".

O Regimento Interno da CTNBio limitou-se, no ponto, a reproduzir a disposição do decreto. Ele foi veiculado pela Portaria n. 146, de 6 de março de 2006 do Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT). A norma sob estudo se encontra no art. 20.

1.3 Posicionamentos pela livre participação na reunião

As primeiras manifestações tanto do Greenpeace quanto do Ministério Público Federal no caso em apreço permitem inferir que seus membros previam uma negativa da CTNBio à presença de terceiros em suas reuniões. Trata-se dos ofícios [03] enviados à comissão.

A correspondência da organização não governamental (ONG) dedica-se a "solicitar a participação de três representantes da Associação Civil Greenpeace, como ouvintes observadores, em caráter extraordinário, durante a próxima reunião da CTNBio".

O ofício do MPF é um endosso ao Greenpeace dirigido ao presidente da comissão, para que este

autorize a mencionada participação, em obediência aos princípios da publicidade, moralidade e legalidade administrativa, estabelecidos no art. 37, caput e art. 5º, inciso LX da CF, assegurando que as sessões colegiadas envolvendo assuntos de interesse da sociedade devem ser públicas, respeitado o sigilo, somente das informações eventualmente acolhidas, como tal, pela CTNBio.

Não houve resposta do órgão aos dois requerimentos. Ambos foram recebidos no dia 21 de março de 2007, apenas um dia antes da data da reunião.

Enumeram-se abaixo os argumentos utilizados pela Procuradora da República e pelo advogado do Greenpeace para defender sua permanência como ouvinte observador na reunião da comissão.

- As questões tratadas pelo órgão são de interesse nacional;

- A participação de convidados tratada na legislação concernente à CTNBio refere-se apenas à situação em que a sociedade civil ou o setor público venham apresentar algum trabalho ou ponto de vista. Participação pressupõe voz, opinião;

- Ouvinte apenas ouve, observa. Só não deve ser admitido se provocar tumulto aos trabalhos do órgão. Não havendo necessidade de convite para que sejam meros ouvintes, é livre o acesso de qualquer interessado;

- No ordenamento jurídico brasileiro, as reuniões de órgãos públicos são públicas; o sigilo é exceção e não estão configuradas suas condições nesta reunião [04];

- Pedir para as pessoas que foram assistir à sessão que se retirem caracteriza abuso de autoridade;

- A questão dos transgênicos não é apenas técnica, mas envolve em grande parte uma decisão política;

- Os impactos da liberação de transgênicos na sociedade são muito grandes e dizem respeito a todos os cidadãos. Já que estes irão consumi-los, deveriam ter conhecimento dos interesses que estão em jogo na decisão. Ainda que a comissão tenha poder para aprovar todos os pedidos de comercialização de produtos transgênicos por grandes empresas da agroindústria, isso deve ser feito de forma fundamentada, com defesa aberta das posições dos membros, que exercem função pública, e não "de costas para a cidadania";

- Não existe qualquer constrangimento na simples presença dos cidadãos à reunião, já que não empregam armas, ameaças ou qualquer tipo de violência que impeça a livre deliberação dos integrantes da comissão; e

- Não se dispor a ouvir opiniões contrárias ou permitir que se acompanhem os debates revela dificuldade em conviver com as diferenças, com a democracia e com a transparência, sendo resquício autoritário de épocas de ditadura.

1.4 Posicionamentos pela reunião reservada

- A audiência pública é o momento apropriado para que a comissão ouça todos os interessados da sociedade civil para a tomada de decisões sobre temas relevantes. Nela, o convite é aberto a todos quanto queiram participar. Admitir a presença de uma entidade na reunião sem convite é conferir-lhe privilégio que não se estende a outras;

- A invasão ao ambiente da comissão com e conseguinte recusa a retirar-se configura uma agressão à forma de trabalho dos membros da comissão, com quem as entidades podem ter uma relação saudável desde que requeiram a participação e a tenham deferida;

- O plenário é que deve decidir quem pode estar presente, assim como, numa reunião entre membros de outro órgão como o Ministério Público, um terceiro não pode ingressar sem permissão;

- Recusar-se a sair do recinto a não ser por força de agentes de segurança demonstra a intenção de provocar tumulto na reunião e atrapalhar as atividades do órgão;

- A participação de terceiros nas sessões, como diz o texto das normas, é excepcional;

- Embora as normas tenham tratado sobre as reuniões da CTNBio, não há dispositivo que diga que as sessões são públicas e que qualquer do povo pode comparecer sem direito a voz ou voto. Isso torna a reunião reservada a membros e convidados;

- O convite já realizado pela comissão a diversas entidades, inclusive o Greenpeace, indica que o órgão não tem dificuldade em admiti-las, desde que haja consentimento e não invasão;

- Se a lei que trata do caso for inconstitucional por não determinar que as reuniões se façam a portas abertas, cabe ao Ministério Público propor a competente ação para que a Justiça o declare;

- A comissão é técnica, não política, e possui representantes de setores que garantem a diversidade de opiniões no debate dos processos que a ela são submetidos. Tal diversidade, na prática, leva de fato as discussões à exaustão;

- O controle que a sociedade faz dos atos da comissão pode se dar a partir da publicação de suas decisões ou até mesmo pelas transcrições das reuniões contidas nas atas;

- Permitir que as pessoas presenciem livremente as sessões possibilita que elas deturpem o significado daquilo que ouvem nos debates. Podem, por exemplo, tomar desnecessariamente o todo pela parte. Expor sem compromisso a opinião de um membro da comissão pode prejudicá-lo em demasia até mesmo quando seu voto não tiver provocado qualquer efeito, já que é o colegiado, o todo, que assume a autoria das deliberações;

- Os membros da comissão devem entregar-se ao debate sem se sentirem patrulhados, intimidados ou coagidos por grupos que pretendam defender seus interesses. A presença de estranhos transforma a reunião negativamente; e

- Os integrantes da comissão são livres para comunicar ao público e à imprensa suas próprias ideias. Eles podem ser inquiridos por qualquer um sobre o trabalho que desempenham e não lhes é solicitado que mantenham sigilo sobre as rotinas do órgão.

1.5 O caso na Justiça

Menos de um mês após o evento, o Ministério Público Federal ajuizou Mandado de Segurança com pedido de liminar na Justiça Federal (processo n. 2007.34.00.012278-6) com o fito de obter ordem que garantisse o acesso de qualquer pessoa às reuniões plenárias da CTNBio. No julgamento, que deferiu o pedido de liminar, adotou-se o fundamento a seguir:

Não vejo como o mero acesso de pessoas às reuniões da CTNBio possa causar constrangimentos aos membros da comissão, a ponto de interferir em suas "condições psicológicas de participar da reunião", tampouco como possa haver "patrulhamento sobre a votação", ou mesmo constrangimento dos conselheiros pelos votos proferidos, como afirmou o seu presidente na reunião de 22.3.2007 (fl. 12), até porque as decisões da comissão, bem como suas razões de decidir, são amplamente divulgadas.

A sentença que seguiu também foi favorável à pretensão ministerial, com esta razão:

O princípio da publicidade é de observância obrigatória pela Administração, nos termos da Constituição Federal, podendo ser excepcionado somente no caso de relevante interesse público.

O legislador ordinário, ao definir a composição e atribuições da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança, por meio da Lei nº 11.105, de 24 de março de 2005, não restringiu suas reuniões aos seus membros efetivos. Ao contrário, permitiu a participação da sociedade civil, conforme o disposto no § 10º, do Artigo 11.

Ora, se o legislador não restringiu, não cabe a Administração o fazer.

A apelação interposta no processo ainda é pendente de decisão perante o Tribunal Regional Federal da 1ª região.

Sobre o autor
Rodrigo Chaves

Editor da Revista Jus Navigandi; analista judiciário; doutorando em direito público pela Aix-Marseille Université (França).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FREITAS, Rodrigo Chaves. A política das portas abertas nas reuniões de órgãos públicos colegiados: estudo do caso CTNBio. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2891, 1 jun. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/19252. Acesso em: 22 nov. 2024.

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