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Extradição: o caso Cesare Battisti

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Agenda 05/06/2011 às 13:09

1. RESUMO

A extradição é um instituto jurídico presente no estudo de diversos ramos do Direito, entre eles o Direito Internacional Privado, o Direito Penal, o Direito Processual Penal, o Direito Constitucional e o Direito Administrativo. Trata-se a mesma da entrega de um Estado a outro de um ser humano que encontra-se respondendo a processo penal ou que deva cumprir pena. Recentemente em nosso país o assunto voltou a tona em telejornais e discussões jurídicas devido ao conhecido caso do italiano Cesare Battisti.


2. INTRODUÇÃO

É de conhecimento de todos que muitos criminosos, após praticarem delitos, ou seja, ao agirem contrariamente às normas penais de um Estado, visando a não sofrerem as conseqüências de suas ações delituosas, impostas após os devidos processos penais, ou com medo de sofrerem possíveis penas, evadem-se para outros países. Desta forma, não permite ao Estado punir efetivamente os criminosos, pois, ainda que venham a ser condenados à revelia, restará, de certa forma, algo de impunidade aos que se encontrem fora da circunscrição deste Estado.

Muitos criminosos jamais serão encontrados, outros, durante a sua fuga, são presos em outros países. É neste momento que entra em cena o instituto jurídico da extradição.

De forma simplificada, a extradição é a entrega, realizada de um Estado a outro, de um personagem condenado ou que encontra-se sendo julgado por um crime cometido em seu país de origem.

No Brasil, conforme o art. 76 da Lei n° 6.815/1980 (Estatuto do estrangeiro), a extradição somente poderá ocorrer se houver um tratado anterior com o Estado requente ou, então, uma promessa de reciprocidade deste.

Muito mais que um mero instituto jurídico, a extradição envolve questões políticas internacionais, podendo, em muitos casos, abalar as relações políticas dos Estados requerente e requerido.

Neste trabalho monográfico, apresento um estudo de caso envolvendo Brasil e Itália, este requerente e aquele requerido. A Itália, no processo extradicional n. 1.085, tendo como relator o Ministro Cesar Peluso, requer a entrega de Cesare Battisti.

Cesare Battisti é um antigo membro de um grupo armado de extrema esquerda italiana, Proletários Armados pelo Comunismo, conhecido também pela sigla PAC, que se manteve ativo até o final dos anos 70. Em 1987, Cesare foi condenado a revelia pela justiça italiana por ser o autor (direto ou indireto) de quatro homicídios, sua pena: prisão perpétua.

Juntamente com outros membros do grupo, Battisti foge da Itália, passando por diversos países até conseguir abrigo na França, onde permaneceu durante 14 anos protegido pela "Doutrina Mitterrand", segundo a qual não ocorreria a extradição de um condenado que abdicasse da violência e não tivesse em seu país de origem a garantia de amplo direito de defesa.

Por questões políticas, a doutrina citada caiu em desuso, Battisti sofre um processo extradicional na França e foge novamente.

Nesta fuga, Battisti passa por alguns países e é preso novamente, no dia 18 de março de 2007, na cidade do Rio de Janeiro, onde será mais uma vez submetido a um processo extradicional.

O trabalho que se segue é dividido em três capítulos: no primeiro, discorre-se sobre a extradição e o processo extradicional; no segundo, apresenta-se uma breve história da vida de Cesare Battisti e, por fim, no terceiro e último capítulo, aborda-se as peculiaridades do processo extradicional sofrido por Battisti no Brasil.


3. A EXTRADIÇÃO NO SISTEMA BRASILEIRO

Discute-se na doutrina quando ocorreu o nascimento do instituto jurídico conhecido por extradição. Não há uma concordância de quando teria ocorrido tal fato, como lembra Artur de Brito Gueiros Souza, para Jiménez de Asúa o nascimento de tal instituto ocorreu em 1376 em um tratado celebrado entre Carlos V. Rei da França, e o Conde de Sabóia que visava "impedir que los acusados de delitos de derecho comúm fuesen desde Francia a refurgiarse em el Delfinado o em Saboya, y recíprocamente".

Contudo, para Celso Albuquerque Mello (apud GUEIROS SOUZA, 1998, p. 47), iniciou-se a extradição com um tratado firmado entre Egito e Israel, representado respectivamente por Ramsés II e Hattisuli no ano de 1291 a.C..

Atualmente, a extradição é de extrema importância para a relação internacional de um país para com outro. O Secretário Nacional de Justiça, Romeu Tuma Júnior (2008, p. 01), nomeado no dia 06 de Setembro de 2007 pelo Ministro da Justiça Tarso Genro, nos ensina a importância de tal instituto:

a extradição não é recente como instrumento para a cooperação jurídica internacional. A internacionalização das finanças, a intensificação do trânsito de pessoas e bens, o aprofundamento da interdependência entre países, a redefinição das fronteiras, o desenvolvimento em geral, enfim, o contexto mundial no início do século XXI trouxe grandes conquistas para a humanidade, mas com isso grandes desafios. A expansão dos crimes transnacional é um deles.

Acrescenta o mesmo autor:

algumas pessoas reclamadas pela justiça para responder a processo-crime ou que já possuem sentenças condenatórias aproveitam-se para homiziar-se em outros países e é nesse momento que o instituto da extradição mostra-se como um dos mais eficazes e eficientes meios de cooperação jurídica no combate ao crime.

No Brasil, o tema em estudo encontra-se definido nos artigos 76 a 94 e seguintes do Estatuto do Estrangeiro, Lei n° 6.815 de19 de agosto de 1980. Conforme o Itamaraty (Disponível em: <http://www.itamaraty.gov.br/temas/temas-politicos-e-relacoes-bilaterais>. Acesso em 07 de julho de 2010.), possuímos ainda, tratados extradicionais assinados com os países a seguir: Argentina (1968), Austrália (1996), Bélgica (1957), Bolívia (1942), Canadá (1995), Chile (1937), Colômbia (1940), Coréia (1996), Equador (1938), Espanha (1990), Estados Unidos da América (1964), França (1996), Itália (1993), México (1938), Paraguai (1925), Peru (1922, 1999), Portugal (1994), Reino Unido (1997), Suíça (1934), Uruguai (1919) e Venezuela (1940).

A seguir, pretende-se explorar o conceito, a natureza jurídica e procedimento do processo de extradição.

3.1. CONCEITO

Visando a compreender melhor o assunto apresentado, é de extrema importância conceituarmos e entendermos o instituto da extradição. Diversos doutrinadores apresentaram seus conceitos, iremos aqui abordar alguns deles. O ex-Ministro do Supremo Tribunal Federal, em sua obra Direito Internacional Público, Francisco Rezek (2007, p. 197), aponta a extradição como sendo a "entrega, por um Estado a outro, e a pedido deste, de pessoa que em seu território deva responder a processo penal ou cumprir pena".

No mesmo sentido, Gueiros Souza (1998, p. 09) apresenta o ensinamento de Hildebrando Accioly, que a define como um "ato pelo qual um Estado entrega um indivíduo acusado de fato delituoso ou já condenado como criminoso, à justiça de outro Estado, competente para julgá-lo e puni-lo", e o de Jacob Dolinger, para quem a extradição é:

o processo pelo qual um Estado atende ao pedido de outro Estado, remetendo-lhe pessoa processada no país solicitante por crime punido na legislação de ambos os países, não se extraditando, via de regra, nacional do país solicitado.

O Estado Brasileiro, através do Ministério da Justiça, em seu site na internet, afirma que "a extradição consiste na entrega de uma pessoa acusada ou condenada por um ou mais crimes supostamente praticados no território do país que a reclama". (Disponível em <http://portal.mj.gov.br>. Acessado em 23 de fevereiro de 2010).

Apresentado o devido conceito do instituto ora abordado, passamos a compreendê-lo. Do que foi apresentado, podemos extrair da extradição seus limites, seus agentes e o fundamento jurídico para a sua existência, os quais serão apresentados adiante.

3.1.1. LIMITES DA EXTRADIÇÃO

Necessário compreendermos que "a extradição pressupõe sempre um processo penal" (REZEK, 2007, p. 197), não importando em qual fase ele se encontra, podendo o mesmo estar em curso, onde o sujeito ativo do delito encontra-se sendo julgado a revelia e a sua prisão autorizada por Juiz competente, ou findo, devendo tal sujeito cumprir a pena a ele imposta.

O autor ainda nos ensina que "ela não serve para a recuperação forçada do devedor relapso ou do chefe de família que emigra para desertar de seus deveres de sustento da prole" (REZEK, 2007, p. 197).

A Lei n° 6.815/80, em seu art. 77 é taxativa, não permitindo a extradição quando se tratar de brasileiro, salvo se a aquisição dessa nacionalidade verificar-se após o fato que motivar o pedido; o fato que motivar o pedido não for considerado crime no Brasil ou no Estado requerente (princípio da dupla tipicidade); o Brasil for competente, segundo suas leis, para julgar o crime imputado ao extraditando; a lei brasileira impuser ao crime a pena de prisão igual ou inferior a 1 (um) ano; o extraditando estiver a responder a processo ou já houver sido condenado ou absolvido no Brasil pelo mesmo fato em que se fundar o pedido; estiver extinta a punibilidade pela prescrição segundo a lei brasileira ou a do Estado requerente; o fato constituir crime político e quando o extraditando houver de responder, no Estado requerente, perante Tribunal ou Juízo de exceção.

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3.1.2. OS AGENTES DA EXTRADIÇÃO

Como visualizamos, "a extradição é ato de defesa internacional, forma de colaboração na repressão do crime" (MILESI, 2004, p. 01). Para tanto, temos a presença de dois Estados, que são os agentes do processo extradicional, sendo chamados aqui como requerente, aquele que requer a extradição, e requerido, o que recebe tal pedido. Não podemos confundir e colocar aquele que possa vir a ser extraditado como parte em tal processo.

3.1.3. FUNDAMENTOS JURÍDICOS DA EXTRADIÇÃO

Após observarmos o conceito da extradição, conhecermos seus limites e agentes, resta-nos focar em seu fundamento jurídico.

Segundo o doutrinador mineiro Francisco Rezek (2007, p. 197 e 198):

o fundamento jurídico de todo pedido de extradição há de ser um tratado entre os dois países envolvidos, no qual se estabeleça que, em presença de determinados pressupostos, dar-se-á a entrega da pessoa reclamada. Na falta de tratado, o pedido de extradição só fará sentido se o Estado de refúgio do indivíduo for receptivo – a luz de sua própria legislação – a uma promessa de reciprocidade.

Na introdução deste capítulo foram apresentados os países que possuem tratados extradicionais com o Brasil.

Conforme nos explica Deocleciano Torrieri Guimarães (2009, p. 493), promessa é toda "declaração de vontade", assim sendo, a promessa de reciprocidade é a declaração de que o Estado requerente tem a vontade de manter com o requerido uma situação harmônica em casos análogos. Neste sentido temos a posição de Clóvis Beviláqua ao afirmar que a reciprocidade gera "o direito de obter igual serviço, em ocasião análoga, e essa vantagem não é para ser desprezada" (apud SOUZA, 1998, p. 17).

Entretanto, observamos que o fato de haver tratado ou promessa de reciprocidade não obriga o Estado requerido a extraditar pessoa que encontra-se em determinada situação, devendo ser preenchidos diversos requisitos que veremos mais adiante.

3.2. A NATUREZA JURÍDICA DA EXTRADIÇÃO

Segundo os ensinamentos de Eduardo Sampaio (Disponível em: <http://www.grupos.com.br/blog/e.sampaio/permalink/7546.html>. Acesso em 02/03/2010.), a natureza jurídica de todo instituto jurídico "assinala a essência ou substância de um objeto, de um ato ou até mesmo de um ramo da ciência jurídica". Sendo assim, para determinarmos qualquer natureza jurídica de um instituto é necessário "determinar sua essência para classificá-lo dentro do universo de figuras existentes no Direito.

Conforme Francisco Rezek (2007, p. 197), a extradição trata-se "de uma relação executiva, com envolvimento do judiciário".

Vale ressaltar aqui que o Supremo Tribunal Federal é o órgão competente para julgar ações extradicionais. Contudo, não goza do poder de decidir, cabendo então ao Executivo, na figura do Presidente da República a palavra final, ou seja, se será realizada ou não a extradição.

3.3. O PROCESSO DE EXTRADIÇÃO E SEU PROCEDIMENTO

Visando a facilitar o entendimento do processo extradicional, é importante que ocorra uma divisão do procedimento em fases, perfazendo um total de três. A primeira e a última fase, também conhecidas como fases administrativas, correm perante o poder Executivo, a segunda fase, perante o poder Judiciário.

Primeiro, é importante observarmos que é ponto pacífico na doutrina e na jurisprudência que a extradição "pressupõe sempre um processo penal" (REZEK, 2007, p. 197).

No primeiro momento administrativo busca-se a "dedução do pedido diplomático, vazado em tratado ou em compromisso de reciprocidade de tratamento, dirigido pelo Governo estrangeiro ou em legação aqui sitiada ao Ministério das Relações Exteriores" (SOUZA, 1998, p.105). Segundo os ensinamentos de Romeu Tuma Júnior (2008, p.02),

tal promessa deve respeitar, acima de tudo, o princípio da especialidade que pauta o instituto da extradição, de forma que o extraditando não será detido, processado ou condenado por outros delitos cometidos previamente e que não estejam contemplados no pedido de extradição.

Logo após, como nos lembra Artur de Brito (1998, p.105), o Ministério da Justiça irá conferir toda a documentação legal exigida, traduzindo-a para a língua pátria e, estando de acordo, a mesma será encaminhada para o Supremo Tribunal Federal, iniciando-se a fase judicial do feito, caso contrário irá ocorrer à recusa sumária do pedido.

A fase judiciária "reclama, ao longo de seu curso, o encarceramento do extraditando, e nesse particular não admite exceções" (REZEK, 2007, p. 200), acrescenta o Ministro Celso de Melo, "nenhum pedido de extradição terá andamento sem que o extraditando seja preso e colocado à disposição do STF. Essa prisão de natureza cautelar destina-se, em sua precípua função instrumental, a assegurar a execução de eventual ordem de extradição". (Extradição n° 579). Ademais, o art. 208 do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal deixa claro que "não terá andamento o pedido de extradição sem que o extraditando seja preso e colocado à disposição do Tribunal".

Em muitos países, não ocorre esta segunda fase, ou seja, a extradição é meramente um processo administrativo. Muitos estudiosos criticam a necessidade da mesma, ou mesmo a necessidade de ser ela submetida à corte suprema do país. Para ilustrar tal fato, temos as palavras do Senhor Ministro Joaquim Barbosa:

No Brasil, não apenas o processo extradicional se submete a um procedimento jurisdicional, ainda que de "cognição limitada", mas também apresente uma exorbitância tipicamente nossa: sua tramitação, altamente jurisdicionalizada e morosa, transcorre perante a Corte Suprema do país, como se esse órgão jurisdicional não tivesse outros afazeres mais relevantes do que examinar a legalidade das pretensões de outras nações soberanas, que eventualmente queiram ter de volta os seus nacionais que lograram escapar às garras da sua Justiça criminal. (Extradição n° 1.058).

Percebemos que, sendo necessário a análise dos pressupostos legas por parte do Supremo Tribunal, verificamos que o processo extradicional praticado em nosso país é protetor, visando aqui a proteção da pessoa humana.

No entanto, perante a Suprema Corte "a defesa do extraditando não pode explorar o mérito da acusação" (REZEK, 2007, p. 201). Seguindo o posicionamento apresentado, temos o voto do Ministro Celso de Melo quando Relator da Extradição n° 549:

a defesa do extraditando sofre , no processo extradicional, limitações de ordem material, eis que – não se podendo ingressar na análise dos pressupostos da ‘persecutio criminis’instaurada no Estado requerente – somente poderá versar os temas concernentes à identidade da pessoa reclamada, à existências de vícios formais nos documentos apresentados ou à ilegalidade da própria extradição.

No mais, segundo os ensinamentos do mineiro Francisco Rezek (2007, p. 202), o que será apurado nesta fase são os pressupostos da extradição descritos na lei interna e no tratado ou na promessa de reciprocidade, que serão aplicados ao caso a ser analisado. Regra geral, o Brasil apenas extradita estrangeiro, sendo que tal regra comporta a seguinte exceção: poderá ocorrer a extradição do nacional que cometeu o delito antes da naturalização ou que tenha praticado tráfico ilícitos de entorpecentes. O autor citado acrescenta ainda que "o fato determinante da extradição será necessariamente um crime, de direito comum, de certa gravidade, sujeito a jurisdição brasileira, e de punibilidade não extinta pelo decurso do tempo".

Caso, na fase judicial, venha a ser negado o ato extradicional, o extraditando deverá ser posto em liberdade e o Executivo deverá comunicar tal decisão ao país requerente. Caso contrário, sendo deferido, cabe a este órgão efetivá-la, entretanto, deve-se observar alguns compromissos legais. (REZEK, 2007, p. 205).

Entramos assim no terceiro e ultimo momento da extradição, novamente tal é com a participação do poder Executivo que, como visto no parágrafo anterior irá colocar em liberdade a pessoa requerida ou comunicar ao Estado requerente que a extradição foi deferida, devendo este, conforme o art. 91 do Estatuto do Estrangeiro, assumir diversos compromissos. Vale ressaltar que o artigo citado é taxativo.

Os compromissos que deverão ser assumidos são: o Estado requerente não poderá punir o extraditando por fatos anteriores ao pedido e neles não constantes; deverá respeitar a detração, ou seja, descontar da pena o período no qual o mesmo esteve preso enquanto era julgado o pedido de extradição; se condenado a pena de morte, a mesma deverá se transformar em privativa de liberdade; que não entregará a pessoa extraditada a outro Estado sem prévia autorização do Brasil e, por último, não poderá ser levado em conta a motivação política do crime para agravar a pena.

Devidamente assumidos todos os compromissos, com base no art. 87 da lei supracitada nos ensina Francisco Rezek (2007, p. 205) :

O governo, pela voz do Itamaraty, coloca-o à disposição do Estado requerente, que dispõe de um prazo inflexível de sessenta dias, salvo disposição diversa em tratado bilateral, para retira-lo, por sua conta, do território nacional, sem o quê será solto, não se podendo renovar o processo.


4. O CASO CESARE BATTISTI

Nascido em 1954, em Sermoneta, pequena vila industrial fundada por Mussolini em 1934, em um berço cujo patriarca era um legítimo comunista. Desde criança Cesare Battisti teve contato com ideais marxistas e revolucionárias, sendo que, em sua autobiografia, o mesmo relata o seguinte:

Quando criança, gostava daquilo tudo. Mas o que eu não suportava era o retrato do "Bigodudo", Stálin, pendurado na parede da sala de jantar. Pequeno ainda, achava que se tratava da efígie de um santo, e desconfiava. (BATTISTI, 2007, p. 32).

Sua adolescência iniciou-se em um período conturbado na Itália, conhecido popularmente como os "Anos de chumbo Italiano". Acompanhando o irmão mais velho Giorgio Battisti, membro do Partido Comunista Italiano, ainda com 10 anos de idade, já assumia o megafone e criticava abertamente o governo em campanhas políticas.

Aproveitando essa onda anti-governista, uniram-se os contestatários, jovens recém chegados do campo, sem nenhuma perspectiva, com jovens burgueses que rompiam com a sua própria classe, formando grupos de revoltados não armados. Battisti, que fez parte dos "Lotta Continua", relata todo o aprendizado que obteve nas ruas, afirmando: "revoltado não armado, eu ainda me divertia (...) aprendia mais em um dia na rua do que em dez anos de escola" (BATTISTI, 2007, p. 34).

Necessitando de uma maior organização, nasceu as squats (grupos que se organizavam em uma única residência, os quartéis), membros dos grupos das ruas alugavam casas e lá formavam uma espécie de quartel, onde viviam, comiam, e tinham discussões intermináveis sobre política. Ocorre que, exclusivamente para manter a sobrevivência dos membros e os materiais para divulgarem seus ideais, praticavam pequenos assaltos pela urbe. Para Cesare, os Squats

eram cabeças delinqüentes – como a minha, aliás – mas com um discurso coerente, argumentações inteligentes. Eram jovens e velhos, ricos e pobres, héteros e homos, pés-rapados e intelectuais. Para eles, esquerda e direita pertenciam ao passado, pareciam ser os protótipos de um mundo que acabava de nascer. (2007, p. 37).

Devido aos diversos furtos e roubos cometidos, Cesare foi preso em 1972 e, novamente, em 1974, quando ficou preso por 2 (dois) anos e conheceu Arrigo Cavallina, ideólogo dos Proletários Armados pelo Comunismo (PAC), e, em 1977, ao sair da prisão de Udine, Battisti entra para tal organização.

Em sua essência, o PAC era uma pequena organização regional, com sessenta membros, em sua maioria operários. Com orientação marxista e autônoma, diferente das Brigadas Vermelhas, numericamente e estruturalmente. Os PAC nunca tiveram a expressão das Brigadas Vermelhas, que seqüestraram e mataram Aldo Moro, o líder democrata-cristão. Enquanto as Brigadas se estruturavam militarmente, os PAC eram um grupo fluido, sem hierarquia, que assaltava mais para garantir o sustento de seus militantes do que para incentivar a expropriação de capitalistas.

A sua participação nas PAC acarretou em uma grande amizade entre Cesare Battisti e Pietro Mutti, uma figura eminente no grupo.

Os PAC sobreviveram até 1979, tendo sido atribuídos a ele quatro assassinatos, o de Antonio Santoro, um agente penitenciário, sob a alegação de maltratar prisioneiros, morto em Udine (6 de junho de 1978); o de Pierluigi Torregiani, morto em Milão (16 de fevereiro de 1979); o de Lino Sabadin, sob a alegação de ser simpatizante do fascismo, morto em Veneza (também em 16 de fevereiro de 1979); e, finalmente, o de Andrea Campagna, agente policial que havia participado das primeiras prisões no caso Torregiani, morto em Milão (19 de abril de 1979).

Em sua obra "Minha fuga sem fim", Battisti alega que abandonou os PAC após o assassinato de Antonio Santoro:

O que não era para ter acontecido sobreveio no verão de 1978, quando um núcleo dos PAC reivindicou o assassinato de um comandante de prisão (...) Esse acontecimento brutal, que associava de repente a sigla dos PAC, até então sem mácula, à ação homicida, causou uma profunda dissensão no grupo. Dividiu-nos em dois campos. Uns aceitavam o sangue derramado como fatalidade decorrente do combate, outros recusavam-no, qualquer que fosse sua causa. (...) Juntamente com partes dos militantes da primeira hora, naquele momento decidi virar a página e renunciar definitivamente à luta armada. (2007, p. 44).

No entanto, como nos mostra Battisti (2007, p. 46), a dissolução dos PAC era algo complexo e não iria ocorrer de um dia para o outro, afinal, a mesma não funcionava como uma organização comum, era, em verdade, uma sigla da qual qualquer pessoa poderia se apropriar, em qualquer movimento ou atentado. Sendo assim, no dia 09 de maio de 1978 Battisti dá o seu adeus às armas, passando a viver como um clandestino em um apartamento localizado na cidade italiana de Milão.

4.1. PRIMEIRO JULGAMENTO E FUGA

Junho de 1979. Cesare Battisti, juntamente com outros membros inativos do grupo, é preso e condenado a 12 (doze) anos de prisão por participação em grupo armado, assalto e receptação de armas. Observa-se que:

no apartamento onde morávamos, na época, a polícia não encontrou nenhum documento de reivindicação ou incitação à luta armada. A balística demonstrou que, entre as armas confiscadas, nenhuma fora utilizada para um crime de sangue. Nenhuma delas, aliás, jamais tinha dado um tiro, para cima que fosse. (BATTISTI, 2007, p. 46).

Na prisão, os membros de grupos armados eram tratados de forma desumana. Preso, Cesare somente ficou sabendo do falecimento de seu irmão Giorgio após 3 meses do acontecimento, acontecia de prisioneiros desaparecerem e reaparecerem após dois ou três meses em situações psíquicas assustadoras. Alega Cesare que "pela primeira vez na vida, soube o que era sentir medo de verdade" (2007, p. 48).

Quatro de outubro de 1981. Pietro Mutti, que agora atuava como chefe dos COLP, juntamente com membros inativos dos PAC, organiza a fuga de Cesare Battisti. Seu destino, Paris, onde conheceu sua futura esposa e viveu clandestinamente por um ano, conseguindo fugir para o México.

Em 1985, o atual Presidente Francês, François Mitterrand, lança aquela que ficou conhecida como "Doutrina Mitterrand", oferecendo asilo a todas as pessoas envolvidas em atividades terroristas na Itália até o ano de 1981 que, comprovadamente, abandonaram as armas.

4.2. A PRISÃO DE PIETRO MUTTI

Após anos à frente de grupos terroristas, o italiano Pietro Mutti é preso em 05 (cinco) de fevereiro de 1982, se tornando o maior arrependido italiano:

os famosos "arrependidos" eram acusados que negociavam suas penas em trocas de denúncias, em acordo com a magistratura desejosa de liquidar seus milhares de dossiês mediante todos os meios e de apontar culpados, verdadeiros ou falsos. (BATTISTI, 2007, p. 54).

Pietro Mutti acusa Battisti de ter sido a pessoa quem comandou os quatros assassinatos ligados aos PAC, com isso, este é condenado à revelia em 1988, sua pena, prisão perpétua. Battisti relata o seguinte:

durante todo o período do meu exílio, não tive o menor contato com a Itália, o menor contato com minha família ou com meu advogado. Privado de qualquer informação – que, aliás, eu nem procurava –, estava longe de imaginar que havia processos correndo contra mim na Itália. Só vim a saber disso nove anos depois, ao voltar pra França no final do ano de 1990, quando soube também que Pietro Mutti, depois de anos de serviço prestado aos tribunais, havia sido solto e desaparecera. (BATTISTI, 2007, p. 55).

Confiando a Doutrina Mitterrand, em 1990 Battisti volta para França, onde já estavam sua esposa e filha. Conhecendo seu paradeiro, a Itália requer sua extradição em 1991, o qual foi negada, uma vez que a lei francesa, tendo como base a "Doutrina Mitterrand", não permitia a extradição de nenhum acusado que abdicasse da violência.

4.3. A EXTRADIÇÃO DE BATTISTI

Desde então, Cesare Battisti viveu de forma digna no país que o acolheu, lá, tornou-se um escritor mundialmente conhecido e exercia a função de zelador do prédio onde residia. Entretanto, "depois de quase dez anos do trânsito em julgado, o processo contra Battisti é reaberto na Itália, sendo o mais forte elemento da acusação o depoimento de um preso "arrependido" - Pietro Mutti".

Desrespeitando princípios basilares do direito processual penal, em 30 de junho de 2004, a França volta atrás e decide pela extradição de Battisti. São palavras do mesmo:

Finalmente, entrou a Corte. Todo mundo se sentou, exceto o réu. Todos seguraram o fôlego. Um instante tenso e extenso como uma pena perpétua. Então o Presidente coçou a garganta. Em um minuto, sem levantar nenhuma vez os olhos para mim, com argumentos dignos de uma república das bananas, ele pronunciou seu sim à extradição. No seu canto, as hienas italianas apertavam-se as mãos. A carcaça era delas. (BATTISTI, 2007, p. 133).

Com relação à condenação e extradição de Cesare Battisti, Bernard-Henri Lévy, ex-Ministro da Justiça Francesa, ao prefaciar a obra "Minha fuga sem fim" critica abertamente o judiciário Francês e Italiano ao afirmar e questionar as seguintes palavras:

Não se pode, quando se é um Estado de Direito, instaurar uma regra, confirmá-la por décadas a fio e, um belo dia, declarar sem aviso prévio que ela não está mais valendo. (...) Será lícito condenar um homem a acabar seus dias na prisão com base na palavra de um criminoso cujo castigo, sabe-se, será inversamente proporcional à quantidade de crimes que conseguir lhe imputar? (apud BATTISTI, 2007, p. 13 e 15).

Acrescentando ainda:

Defendo tão-somente um processo imparcial, desapaixonado, conforme aos princípios do direito europeu e do bom senso – defendo, e é este o sentindo deste prefácio, que se assegure a Cesare Battisti o direito de confrontar, pessoalmente, o seu passado e o seu destino. (apud BATTISTI, 2007, p. 18).

Da mesma forma, como fez Bernard-Henri Lévy, a jornalista Fred Vargas critica primeiro a justiça italiana:

Acusado de homicídios e ameaçado de prisão perpétua. Mutti se mostrou, como acontece comumente, tão extremado em sua nova postura de "arrependido" como havia sido na luta armada. (...) A quantidade e a extravagância de suas declarações acabaram transformando-o, junto com Barbone, num dos mais "famosos" arrependidos da jurisdição de Milão. Em seguida, ele sumiu. É o único responsável pela avalanche de acusações que foi paulatinamente soterrando Battisti. Nem uma única testemunha ocular, nem uma única prova material, nem um único princípio de indícios vem reforçar essas acusações. (apud BATTISTI, 2007, p. 277).

E, igualmente, à justiça francesa:

É detestável a justiça francesa ter adotado, neste caso, um tom, tão preocupante, de exceção. E é desastroso tê-la visto submeter-se, corte após corte, às ordens do poder político. Cabe ao Estado francês – que estava ciente do dossiê, das graves anomalias dos antigos processos italianos, do estatuto do arrependidos e dissociados de Mutti e seus amigos, da falta de provas materiais, da não-informação do condenado e do caráter falsificado das três "cartas de Battisti" – assumir o fato, gravíssimo num país de direito, de que conduziu friamente essa operação. (apud BATTISTI, 2007, p. 285).

Assim, verificamos que tanto o julgamento de Cesare Battisti, que o condenou a pena de prisão perpétua, quanto a ordem de extradição expedida pelo governo francês são cercado de críticas e motivos obscuros. Observa-se ainda que, logo após tal decisão ser tomada pelo governo francês, à Itália assinou um acordo com a França para a construção da linha férrea Lyon-Turin, prometeu a França participação na compra de Airbus e assinou o novo Tratado Constitucional Europeu que, até então, rejeitava "por que a Igreja Católica não encontrava nele o espaço que lhe convinha". (BATTISTI, 2007, p. 135).

4.4. A FUGA E SUA PRISÃO NO BRASIL

Cesare Battisti não foi imediatamente mandado para a Itália, restavam recursos possíveis para modificar tal decisão. Neste período, não permaneceu preso, mas sim hospedado na residência de uma amiga, a jornalista Fred Vargas, devendo se apresentar semanalmente na delegacia.

Incomodado e desesperado, sabendo que iria passar o resto de sua vida em uma cela, Battisti resolve fugir. Era 17 de agosto de 2004.

No dia 17, pela manha, saí do quarto com a minha sacolinha de sempre. Dentro, um boné e uma muda de camisa. Não precisava de mais nada para fazer o que eu pretendia. Conhecia suficientemente Paris e alguns fiapos de seu subsolo para acreditar que podia entrar por um lado e sair em outro ponto. Era uma aposta. Funcionou. (BATTISTI, 2007, p. 143).

A partir deste momento, Battisti não revela os locais pelo qual passou até a sua chegada no Brasil. Em sua auto-biografia, após a sua fuga, Battisti passa a narrar sua história em terceira pessoa, criando para si um codinome, surge neste momento Auguste.

Isso é tão doloroso para mim que não consigo prosseguir minha narrativa na primeira pessoa e em tom autobiográfico, como na primeira parte. Mas parar de escrever seria como aceitar a idéia de morrer uma morte lenta. Preciso agüentar, e continuo enchendo páginas, só que desta vez na terceira pessoa. (BATTISTI, 2007, p. 148).

Pode-se observar o momento em que chegou naquele que seria seu destino final, Brasil.

Auguste tinha chegado. Não poderia imaginar nada melhor que aquele país, maior que um continente inteiro. Da janela do hotel, via o mar. Do outro lado do mar, o sol se punha sobre a Europa. O seu mundo, agora, estava bem ali na frente. Era impossível ir mais longe. Mais longa, não havia nada, ou havia pior. Chegara finalmente a este país onde, a princípio, poderia contar com um novo processo de extradição antes de ser mandado para a Itália. (BATTISTI, 2007, p. 265).

Cesare Battisti é preso em 18 de março de 2007 na cidade do Rio de Janeiro durante uma operação conjunta que envolveu a Interpol e as polícias brasileira, italiana e francesa. Na época, tal fato foi relatado em jornais nacionais e internacionais:

Foi preso no Rio de Janeiro um dos chefes de um grupo terrorista da esquerda italiana dos anos 70. Cesare Battisti tinha sido condenado na Itália à prisão perpétua por quatro assassinatos. Ele estaria escondido no Brasil há três anos. (...) A notícia da prisão do ex-extremista italiano está na primeira página dos jornais europeus. (AZEVEDO, Luis André; SCARPARINI, Ilze. RJ: terrorista italiano é preso. Globo.com,Rio de Janeiro, 19/03/2007. Disponível em: <http://g1.globo.com/bomdiabrasil/0,,MUL811497-16020,00-RJ+TERRORISTA+ITALIANO+E+PRESO.html>. Acesso em: 15 de abril de 2010.)

Sobre o autor
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

VIEIRA, Ivan Eugênio Lima. Extradição: o caso Cesare Battisti. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2895, 5 jun. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/19261. Acesso em: 22 dez. 2024.

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