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Extradição: o caso Cesare Battisti

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05/06/2011 às 13:09
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5. CESARE BATTISTI NO BRASIL

Com a sua prisão concretizada em 18 março de 2007, em cumprimento a mandado de prisão expedido pelo Min. Celso de Melo, iniciou-se uma grande discussão diplomática entre Brasil e Itália. Este, na qualidade de Estado requerente, nunca desejou tanto a extradição de um condenado, enquanto aquele devido a burocracia e interesses obscuros ainda não chegou a uma resposta definitiva.

Cesare Battisti permaneceu preso até o dia 13 de janeiro de 2009, quando o então Ministro da Justiça, Tarso Genro, autorizou que o mesmo fosse considerado refugiado político no Brasil:

A edição desta quinta-feira (15) do Diário Oficial da União traz o ato do Ministro da Justiça, Tarso Genro, que beneficia o ex-ativista italiano Cesare Battisti com o status de refugiado. A ordem de soltura pelo Supremo Tribunal Federal (STF) dependia da publicação do ato no diário. (‘Diário Oficial’publica ato que garante asilo político a Battisti. Globo.com,Rio de Janeiro, 15/01/2009. Disponível em: <http/g1.globo.com/Noticias/Politica>. Acesso em: 15 de abril de 2010.)

Tendo ocorrido a devida publicação, a Corte Máxima Brasileira colocou Cesare Battisti em liberdade, podendo ele inclusive trabalhar em nosso país. Tal decisão gerou muitas críticas do governo italiano, tendo o Ministro Italiano da Justiça, Angelino Alfano, realizado a seguinte declaração: "Estamos frustrados e infelizes com a decisão do governo brasileiro" (‘Diário Oficial’publica ato que garante asilo político a Battisti. Globo.com,Rio de Janeiro, 15/01/2009. Disponível em: <http/g1.globo.com/Noticias/Politica/0,,MUL956592-5601,00-DIARIO+OFICIAL+PUBLICA+ATO+QUE+GARANTE+ASILO+POLITICO+A+BATTISTI.html>. Acesso em: 15 de abril de 2010.). Entretanto a defesa de Battisti, formada pelos advogados Luiz Eduardo Grenhelgh, Suzana Figuerêdo, Fábio Antinoro e Georghio Tomelin afirmou que:

Quem conhece o processo profundamente, tomando ciência de seus meandros e detalhes, sabe que a decisão de conceder refúgio político a Battisti é a única medida que preserva a Constituição Brasileira e a tradição do Brasil em casos semelhantes. (apud Advogados de Battisti dizem que decisão do Brasil ‘preserva Constituição’. Globo.com,Rio de Janeiro, 14/01/2009. Disponível em: <http://g1.globo.com/Noticias/Politica>. Acesso em: 15 de abril de 2010.)

Nesse sentido encontra-se a posição do Ministro Tarso Genro e, ainda, a do Presidente da República Luiz Inácio ‘Lula’da Silva em carta dirigida ao Presidente Italiano Giogio Napolitano.

Esclareço a Vossa Excelência que a concessão de refúgio ao senhor Battisti representa um ato de soberania do Estado brasileiro. A decisão está amparada na Constituição brasileira (artigo 4º, X) na Convenção de 1951 das Nações Unidas relativa ao Estatuto dos Refugiados e na legislação infraconstitucional (Lei 9.479/97). A concessão do refúgio e as considerações que a acompanharam restringiram-se a um processo concreto, tendo sido proferida com fundamento nos elementos e documentos constantes num procedimento específico. (apud Em carta Lula defende refugio político a Battisti. Globo.com,Rio de Janeiro, 23/01/2009. Disponível em: <http://g1.globo.com/Noticias/Politica>. Acesso em: 15 de abril de 2010.)

5.1. A PRIMEIRA FASE ADMINISTRATIVA

Como vimos no primeiro capítulo desta monografia, o primeiro momento da extradição é realizado administrativamente. Trata-se de uma análise de diversos documentos. No caso em tela, verifica-se que o pedido de extradição pautou-se no tratado internacional firmado entre Brasil e Itália no ano de 1989, promulgado pelo decreto n° 863.

Juntamente com o pedido, o governo italiano apresentou a

1. exposição dos fatos pelos quais se pede a extradição, inclusive de cada informação sobre a participação ao julgamento e sobre o exercício de defesa;

2. cópia conforme o original da sentença de primeiro grau proferidapela Corte de Assise de Milão em 13 de dezembro de1988, a qual condena Cesare Battisti por diferentes crimes entre os quais os quatro homicídios para os quais é requeida a extradição com uma relação da motivação da pena em relação a cada delito;

3. cópia conforme ao original das sentenças proferidas em 16 de dezembro de 1990 pela Corte de Assise de Apelação de Milão que confirma a condenação de Cesare Battisti pelos quatro homicídios;

4. cópia conforme ao original da sentença da Suprema Corte de Cassazione proferida em 8 de abril de 1991 que anola a sentença anterior limitadamente ao homicídio de Pierluigi Torregiani;

5. cópia conforme ao original da sentença proferida em 31 de março de 1993 pela Corte de Assise de Apelação de Milão que confirma a condenação de Cesare Battisti pelo homicídio de Perluigi Torregiani;

6. texto dos artigos das leis italianas transgredidos, e daqueles relativos à prescrição dos crimes. (Extradição n. 1.085).

Ademais, em seu pedido, o governo Italiano vem requerendo a condenação definitiva do ora extraditando, por decisão da Corte de Apelação de Milão, à pena de prisão perpétua, com isolamento diurno inicial por seis meses, pela prática de "homicídio premeditado do agente penitenciário Antonio Santoro, fato que aconteceu em Udine em 6 de junho de 1977; homicídio de Perluigi Torregiani, ocorrido em Milão em 16 de fevereiro de 1979; homicídio premeditado de Lino Sabbadin, ocorrido em Mestre em 16 de fevereiro de 1979; homicídio premeditado do agente de Polícia, Andréa Campagna, ocorrido em Milão em 19 de abril de 1979". (Extradição n. 1.085).

Logo, estando o pedido baseado em Tratado e, tendo sido Cesare Battisti condenado por crime comum em seu país de origem, o pedido de extradição foi devidamente aceito, passando desta forma para a fase judicial.

5.2. A FASE JUDICIAL

No dia nove de setembro de 2009, o Supremo Tribunal Federal iniciou o julgamento do pedido de extradição do ex-ativista. Todo o processo foi muito tumultuado, marcado por paralisações e manifestações públicas, algumas contrárias e outras a favor da extradição, como podemos ver na reportagem abaixo:

Antes da sessão ser aberta, um grupo de manifestantes que estava em plenário fez um apelo em defesa do italiano. Aos gritos, os jovens gritavam "Liberdade a Cesare Battisti"e Abaixo a repressão". Após a manifestação, que é proibida no plenário do STF, eles foram expulsos do local por determinação do presidente do Supremo, Gilmar Mendes. (STF inicia julgamento do processo de extradição do ex-ativista Battisti. Globo.com,Rio de Janeiro, 09/09/2009. Disponível em: <http://g1.globo.com/Noticias/Politica>. Acesso em: 17 de maio de 2010.)

Neste momento, o processo extadicional de Battisti esbarrou em um impasse doutrinário e jurisprudencial, sendo a seguinte dúvida: o Supremo Tribunal Federal determina ou apenas autoriza a extradição?

Ministros como Gilmar Mendes e Cezar Peluso defendem que o Presidente da República não pode se recusar a entrega do extraditando, ou seja, adotam a posição de que o STF determina a extradição, por outro lado, o ministro Marco Aurélio compreende que a palavra final é do representante do poder executivo, afirmando:

"Assento que esse tribunal julgando extradição não pode adentrar ao campo do presidente da República para que proceda dessa ou daquela forma sobre política internacional, política de convivência com governos irmãos ou não irmãos". (apud Após duas suspensões, STF retoma julgamento da extradição de Battisti. Globo.com,Rio de Janeiro, 18/11/2009. Disponível em: <http://g1.globo.com/Noticias/Politica>. Acesso em: 17 de maio de 2010.)

No mesmo sentido temos os dizeres da Ministra Cármen Lúcia que, quando Relatora da Extradição 1.114:

O Supremo Tribunal Federal limita-se a analisar a legalidade e a procedência do pedido de extradição (Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, art. 207; Constituição da República, art. 102, inciso I, a;ínea g; e Lei n. 6.815/80, art. 83): indefiro o pedido, deixa-se de constituir o título jurídico sem o qual o Presidente da República não pode efetivar a extradição; se deferida, a entrega do súdito ao Estado requerente fica a critério discricionário do Presidente da República.

Ademais, ainda de acordo com o segundo posicionamento supramencionado, o procurador-geral da República, Doutor Roberto Gurgel, afirmou que se trata de posicionamento pacífico de que a palavra final em processos extradicionais pertence Presidente da República. (Cabe a Lula decisão final sobre a entrega de Battisti, afirma procurador. Globo.com, Rio de Janeiro, 09/09/09. Disponível em: <http://g1.globo.com/Noticias/Politica>. Acesso em: 17 de maio de 2010).

Com relação à determinada questão, o doutrinador mineiro Francisco Rezek entende que este não seria o momento adequado para que o Executivo recusasse o envio da pessoa que está sendo julgada. Afinal, ressalta-se que durante toda a fase judicial o extraditando encontra-se encarcerado, sendo que tal fato não admite qualquer exceção. Sendo assim, o mesmo entende que seria ideal que tal recusa ocorresse antes da fase judiciária, ou seja, na primeira fase administrativa, e, na segunda fase, defende que o Governo apenas deveria efetivar a extradição ou, sendo a mesma for indeferida pelo Supremo, comunicar o fato ao Estado interessado. (REZEK, 2007, p. 200).

O processo de Cesare Battisti foi extremamente longo, como vimos, o mesmo foi preso no Rio de Janeiro em março de 2007, a sessão que iniciou o julgamento de sua extradição ocorreu no dia 09 de novembro de 2009, sendo que o julgamento somente foi finalizado no dia 12 de dezembro do mesmo ano e, o acórdão, publicado em maio de 2010, trazendo a seguinte decisão Tribunal, por maioria, deferiu o pedido de extradição, vencidos a Senhora Ministra Cármen Lúcia e os Senhores Eros Grau, Joaquim Barbosa e Marco Aurélio. Por maioria, o Tribunal assentou o caráter discricionário do ato do Presidente da República de execução da extradição, vencidos os Senhores Ministros Relator, Ricardo Lewandowski, Ellen Gracie e o Presidente, Ministro Gilmar Mendes. Ausentes, por haverem declarado suspeição na Extradição n° 1.085, os Senhores Ministros Celso de Mello e Dias Toffoli. Plenário, 18.11.2009. (Extradição n. 1.085)

Por 5 (cinco) votos a 4 (quatro) o Supremo Tribunal Federal (STF) autorizou a extradição do italiano Cesare Battisti. Observa-se que, pelo resultado apertado do julgamento, a Corte encontra-se dividida com relação ao resultado final.

O ponto que gerou tamanha controvérsia foi exatamente ao enquadrar os homicídios que são imputados a Cesare Battisti como crimes políticos.

De acordo com Joceymar Tejo, o crime político é aquele que envolve atos ou omissões que venham a prejudicar o interesse do Estado, do governo ou do sistema político, ou seja, que causem ameaça a ordem institucional (Disponível em: <http://www.abdir.com.br/doutrina/ver.asp?art_id=1810&categoria=Penal>. Acesso em 07 de julho de 2010.). Conforme nos ensina Marcus Cláudio Acquaviva o crime político se divide em próprio e impróprio, sendo que, o primeiro visa apenas atingir a ordem política instituída, enquanto o segundo, além desta, acaba atingindo também bens do Estado ou bens jurídicos individuais. (ACQUAVIVA, Marcus Cláudio. Dicionário Jurídico Brasileiro Acquaviva. p. 427. 12ª. ed. São Paulo: Jurídica Brasileira, 2004.).

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O Ministro Gilmar Mendes em seu voto afirmou: "não vejo como se poderia atribuir, diante das descrições o caráter de crime político aos assassinatos", opinando de forma contrária temos o voto da Ministra Cármen Lúcia que reconhece o crime político ao opinar "no sentido da extinção da extradição em razão da concessão de refúgio". (Extradição n. 1.085).

5.3. O DESTINO DE CESARE BATTISTI

Como visto durante todo o trabalho, resta agora o ultimo momento administrativo, que será exercido pelo Presidente da República, representante do Poder Executivo, no caso, se tomada até o final deste ano, a decisão cabe ao Presidente Luiz Inácio "Lula" Silva.

Conforme nos ensina a Senhora Ministra Cármen Lúcia,

Quando o Supremo defere e, portanto, verifica as condições formais legalmente estabelecidas, compete ao Presidente da República, no exercício de sua competência constitucional prevista no Artigo 84, inciso VII, verificar se fará ou não a entrega do extraditando ou tomar as providências no sentido de não permitir a continuidade de uma prisão – que, conforme o Ministro Cezar Peluso disse, seria realmente uma perversidade. (Extradição n. 1.085).

Acrescenta, no mesmo sentido, o Ministro Ricardo Lewandowisk:

Em suma, é possível concluir que o Presidente da República, com fundamento em sua competência constitucional privativa de ententer relações com Estados estrangeiros, pode negar-se a extraditar alguém ou mesmo postergar a entrega de um extraditando – dentro, é certo, das hipóteses previstas em lei, em especial no Estatuto do Estrangeiro -, mesmo em face de manifestação favorável do Supremo Tribunal Federal, embora não lhe seja lícito concedê-la quando este a tenha considerado ilegal ou contrária à Constituição Federal. (Extradição n. 1.085).

Não satisfeito com o posicionamento apresentado, o Senhor Ministro relator Cezar Peluso, alegou que, no momento em que o poder Executivo possui a liberdade de decidir de forma diversa da que foi proposta pela Corte Suprema,

Torna-se absolutamente inexplicável e irremediável toda a atividade do Supremo Tribunal Federal. Pura perda de tempo. Comparável não obstante à seriedade da matéria à gratuidade de uma atividade de brincadeira infantil. (apud STF aprova extradição do italiano Cesare Battisti; decisão final é de Lula. Globo.com, Rio de Janeiro, 19/11/2009. Disponível em: <http://g1.globo.com/bomdiabrasil >. Acesso em: 17 de maio de 2010).

Em entrevista coletiva cedida no dia 19 de novembro de 2009, o Ministro da Justiça Tarso Genro relata não haver prazo legal para o pronunciamento do Presidente com relação à extradição de Battisti, afirmando ainda que o prazo a ser seguido será aquele conveniente ao governo brasileiro. (Não há prazo para Lula tomar decisão sobre extradição de Battisti, Diz Tarso. Globo.com,Rio de Janeiro, 19/11/2009. Disponível em: <http://g1.globo.com/Noticias/Politica>. Acesso em: 17 de maio de 2010).

Conselhos e especulações não faltam para o Presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva, o vice-presidente da República, José Alencar, afirmou que a extradição de Battisti "não é uma questão de opinião, isso ai é norma. Então, deve acontecer a opinião.", no mesmo sentido temos o posicionamento de José Sarney ao afirmar que "a posição do Supremo a gente não discute, a gente cumpre". No entanto, José Nery, líder do PSOL, acredita que "o Presidente Lula possa apressar essa sua decisão, por questão humanitária e para cumprir a Constituição Brasileira". (apud Decisão sobre extradição de Battisti deve ficar para o ano que vem. Globo.com, Rio de Janeiro, 20/11/2009. Disponível em: <http://g1.globo.com/noticia/politica >. Acesso em: 31 de maio de 2010).

Sobre o assunto, o Presidente Lula declarou: "Não me importa o que o Supremo fez, não dei palpite quando eles decidiram. Quando a bola chegar a mim eu decido se chuto de três dedos, de dois dedos, eu vou saber chutá-la." (apud Lula diz que decisão sobre caso Battisti cabe apenas a ele agora. Globo.com, Rio de Janeiro, 21/12/2009. Disponível em: <http://g1.globo.com/noticias/politica >. Acesso em: 31 de maio de 2010).

Levando em consideração que estamos em um ano de eleição, na qual o atual Presidente espera que seu partido continue no poder, resta-nos esperarmos a boa vontade presidencial para conhecermos o futuro de Cesare Battisti, por enquanto, o mesmo permanece encarcerado no Distrito Federal.

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Sobre o autor
Ivan Eugênio Lima Vieira

Bacharel em Direito

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

VIEIRA, Ivan Eugênio Lima. Extradição: o caso Cesare Battisti. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2895, 5 jun. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/19261. Acesso em: 26 abr. 2024.

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