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É possível suscitar matérias de ordem pública em sede de recurso extraordinário, ainda que o tema não tenha sido ventilado em instâncias inferiores, nem mesmo tenha sido objeto deste recurso excepcional?

Agenda 20/06/2011 às 15:55

O Recurso Extraordinário é um recurso excepcional de fundamentação vinculada que foi previsto no art. 102, III da Constituição Federal. Tal recurso serve a impugnação de questões de direito.

Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe:

III - julgar, mediante recurso extraordinário, as causas decididas em única ou última instância, quando a decisão recorrida:

a) contrariar dispositivo desta Constituição;

b) declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal;

c) julgar válida lei ou ato de governo local contestado em face desta Constituição.

d) julgar válida lei local contestada em face de lei federal. (Incluída pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)

O dispositivo refere-se as "causas decididas em única ou última instância", quando a "decisão recorrida" se enquadrar numa das alíneas do mencionado dispositivo constitucional. Assim, pela leitura do dispositivo conclui-se que aquilo que não tiver sido objeto de decisão não pode ser alvo de tal recurso.

A exigência para a admissibilidade dos recursos extraordinários, segundo o qual se impõe que a questão constitucional objeto do recurso tenha sido analisada na instância inferior chama-se prequestionamento.

Tema que há muito vem despertando discussão entre os doutrinadores diz respeito ao tratamento que deve ser dado às matérias cognoscíveis de ofício, em qualquer grau de jurisdição, no tocante ao cabimento do recurso extraordinário.

Assim, se a matéria cognoscível ex officio não foi ventilada na decisão recorrida, poderia o STF conhecê-la de ofício na apreciação do recurso extraordinário interposto?

A questão está ligada à incidência ou não do efeito translativo aos recursos extraordinários, que é a capacidade que tem o tribunal de avaliar matérias que não tenham sido objeto do conteúdo do recurso, por se tratar de assunto que se encontra superior à vontade das partes, por ser de ordem pública.

Pode-se encontrar na doutrina ao menos três posicionamentos divergentes acerca da questão.

1°doutrina: Parte da doutrina entende ser possível conhecer da matéria de ordem pública, mesmo sem ser ventilada na decisão recorrida, fundamentando-se na aplicação dos arts. 267, § 3º, e 301, § 4º, do CPC [01], que conferem ao juiz o poder de conhecer de ofício questões que envolvam matéria de ordem pública.

Para essa parte da doutrina as disposições constantes nesses artigos constituiriam norma específica, em relação às normas constitucionais que instituíram o recurso extraordinário, em virtude de aquelas serem relativas à inocorrência de preclusão, para as partes e para o juiz, para se manifestarem acerca das matérias de ordem pública, em qualquer grau de jurisdição.

2° doutrina: A outra parte da doutrina entende que a Constituição não abre qualquer exceção a tal pressuposto. Daí inferir-se que a questão que não tenha sido objeto da decisão recorrida, isto é, que não tenha sido prequestionada, não poderá ser objeto do recurso extraordinário, afastando, inclusive a aplicação dos art. 267, §3° e 301, §4° do CPC, adstrita a jurisdição ordinária, não extensiva às instâncias excepcionais, uma vez que pelo princípio da hierarquia das normas o CPC, lei inferior, não poderá sobrepor-se a Constituição Federal.

Nesse sentido são as lições de José Miguel Garcia Medina:

Por tal razão, a nosso ver, as matérias que, nas instâncias ordinárias, podem ser conhecidas ex offício, em virtude da aplicação das disposições processuais mencionadas, não podem ser conhecidas ex offício em sede de recurso extraordinário e recurso especial. E mais: não constando a matéria na decisão recorrida, mesmo que haja provocação da parte quando da interposição do recurso extraordinário ou recurso especial, ainda assim não será possível o conhecimento da matéria pelo tribunal ad quem. É que, como se viu, por expressa disposição constitucional somente poderão ser alvo do recurso extraordinário ou do recurso especial as matérias “decididas” na decisão recorrida.[2]

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Desse modo, ausente o pressuposto constitucional do prequestionamento, o recurso não poderá ser conhecido.

3° doutrina: Uma posição que fica no meio das outras duas considera que
o prequestionamento diz respeito apenas ao juízo de admissibilidade, mas uma vez admitido o recurso não há qualquer limitação cognitiva. Assim, a questão de ordem pública não prequestionada será possível, desde que admitido o recurso extraordinário, ainda que por outro fundamento, dado que estará, assim, aberta a competência jurisdicional do STF.

Diferencia o juízo de admissibilidade do juízo de rejulgamento. Para ser admitido o recurso extraordinário, é indispensável o prequestionamento; mas, uma vez admitido, no juízo de rejulgamento não há qualquer limitação cognitiva, a não ser a limitação horizontal estabelecida pelo recorrente.

Nesse sentido pode-se citar Fredie Didier:

Para fins de impugnação (efeito devolutivo), somente cabe recurso extraordinário se for previamente questionada, pelo tribunal recorrido, determinada questão jurídica. Para fins de julgamento (efeito translativo ou profundidade do efeito devolutivo), porém, uma vez conhecido o recurso extraordinário, poderá o tribunal examinar todas as matérias que possam ser examinadas a qualquer tempo, inclusive a prescrição, decadência e as questões de ordem pública de que trata o § 3° do art. 267 do CPC.[3]

No mesmo sentido Rogério Licastro Torres Melo:

Forte na premissa de que o processo é o instrumento a serviço da realização do direito material, o entendimento sumulado em referência significa que, instaurando-se a competência jurisdicional do STJ mediante admissão do recurso especial, questões cognoscíveis de ofício e que não tenham sido decididas nas instâncias ordinárias comportarão avaliação na seara do apelo especial.
(...)
Em tempos de processo civil orientando à eficácia e a maximização de resultados, esta nos parece à orientação correta, especialmente porque pode prevenir inclusive, a propositura de ações autônomas de impugnação da coisa julgada por conta de vicio de ordem pública.[4]

Analisando os fundamentos de cada doutrina entendo que a orientação correta é a que diz que a questão de ordem pública não prequestionada será possível ser conhecida pelo juiz, desde que admitido o recurso extraordinário, ainda que por outro fundamento.

Considero que a melhor interpretação da Súmula 456 do STF, cujo teor é o seguinte: O Supremo Tribunal Federal, conhecendo do recurso extraordinário, julgará a causa, aplicando o direito à espécie" é a de que o STF abriu o espaço para a interpretação de que o prequestionamento era requisito para admissibilidade do recurso, porém uma vez conhecido, o Tribunal iria julgar a causa, inclusive apreciando as matérias que pudessem influir no julgamento da causa.

A questão de ordem pública não analisada poderá inclusive dar ensejo à propositura de ação rescisória. Assim, considerando que o processo é instrumental e objetiva o resultado efetivo e justo, o tribunal terá o poder/dever de analisar a validade da relação processual que foi levada ao seu conhecimento para conhecer das matérias de ordem pública, ainda que não ventiladas no recurso.


BIBLIOGRAFIA

DIDIER JR, Fredie e CUNHA, Leonardo José Carneiro. Curso de Direito Processual Civil. Salvador: Jus Podivm, 2007, v.3;

MELO, Rogério Licastro Torres. Recurso Especial e Matéria de Ordem Pública: Desnecessidade de Prequestionamento. In:___. Recurso Especial
Extraordinário - Repercussão Geral e Atualidades. Metódo, 2007.Cap. 16, p. 231/239;

MEDINA, José Miguel Garcia. Prequestionamento. Fonte: O prequestionamento nos recursos extraordinário e especial, e outras questões relativas a sua admissibilidade ao seu processamento. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002, 3ª ed., itens 3.2.2 e 3.2.3, p.216-285. Material da 3ª aula da disciplina O Processo Civil nos Tribunais Superiores,ministrada no curso de pós-graduação lato sensu televirtual em Direito Processual Civil – IBDP e Anhanguera-Uniderp|Rede LFG.


Notas

1.Art. 267 (...) § 3o O juiz conhecerá de ofício, em qualquer tempo e grau de jurisdição, enquanto não proferida a sentença de mérito,
da matéria constante dos ns. IV, V e Vl; todavia, o réu que a não alegar, na primeira oportunidade em que Ihe caiba falar nos autos,
responderá pelas custas de retardamento. Art. 301 (...)§ 4o Com exceção do compromisso arbitral, o juiz conhecerá de ofício da
matéria enumerada neste artigo. (Redação dada pela Lei nº 5.925, de 1º.10.1973)

2.MEDINA, José Miguel Garcia. Prequestionamento. Fonte: O prequestionamento nos recursos extraordinário e especial, e outras
questões relativas a sua admissibilidade ao seu processamento. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002, 3ª ed., itens 3.2.2 e
3.2.3, p.216-285. Material da 3ª aula da disciplina O Processo Civil nos Tribunais Superiores,ministrada no curso de pós-graduação
lato sensu televirtual em Direito Processual Civil – IBDP e Anhanguera-Uniderp|Rede LFG.

3.DIDIER JR, Fredie e CUNHA, Leonardo José Carneiro. Curso de Direito Processual Civil. Salvador: Jus Podivm, 2007, v.3,
pág. 238.

4.MELO, Rogério Licastro Torres. Recurso Especial e Matéria de Ordem Pública: Desnecessidade de Prequestionamento.
In:___. Recurso Especial Extraordinário - Repercussão Geral e Atualidades. Metódo, 2007.Cap. 16, p. 238/239.

Sobre a autora
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

OLIVEIRA, Katiane Silva. É possível suscitar matérias de ordem pública em sede de recurso extraordinário, ainda que o tema não tenha sido ventilado em instâncias inferiores, nem mesmo tenha sido objeto deste recurso excepcional?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2910, 20 jun. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/19377. Acesso em: 18 dez. 2024.

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