A Constituição Federal, em seu art. 109, inciso IX, dispõe:
Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar:
(...)
IX - os crimes cometidos a bordo de navios ou aeronaves, ressalvada a competência da Justiça Militar;
Com tal disposição, o Constituinte Originário, estabelecendo a competência da Justiça Federal, objetivou a resolução de casos em que, tendo o crime sido praticado a bordo de aeronave, não seria possível definir onde ocorreu o delito. Isto porque, sendo a Justiça Federal territorialmente menos subdividida que a Justiça Estadual, torna-se-ia mais fácil, para fins de definição de competência criminal territorial, atribuir à Justiça Federal o processamento e julgamento de tais crimes.
O Constituinte Originário, ao estabelecer a competência da Justiça Federal para processar e julgar o crime cometido a bordo de aeronave, levou em consideração única e exclusivamente o fato de a aeronave estar no espaço aéreo, sem definição quanto a sua localidade. Assim, estando a aeronave ainda em solo, não haveria razão em reconhecer a competência da Justiça Federal para processar e julgar eventual crime cometido em seu interior, porquanto perfeitamente possível a delimitação do espaço geográfico em que se operou a conduta criminosa, razão pela qual seria da Justiça Estadual a competência criminal em casos tais. Com efeito, a despeito de a norma constitucional não fazer qualquer distinção quanto ao fato de aeronave estar ou não em voo, somente ressalvando a competência da Justiça Militar, não se pode olvidar que a Justiça Federal, não obstante seja etiquetada como Justiça Comum, é Especial em relação à Justiça Estadual, de sorte que toda e qualquer interpretação que se faça em relação à sua competência há de ser feita restritivamente, conforme enfatizado pela pena ilustre dos principais comentadores nacionais. Assim, não se demonstrando qualquer razão em atribuir à Justiça Federal a competência em relação aos crimes praticados a bordo de aeronaves em solo, cabe à Justiça Estadual, residual em relação àquela, o processamento e julgamento de tais crimes, a menos que presente alguma outra circunstância prevista no art. 109 da CF que implique competência criminal federal. No mesmo sentido, mutatis mutandis, em relação aos crimes cometidos a bordo de navios: estando ele atracado, é da Justiça Estadual a competência criminal.
Este não foi, entretanto, o entendimento a que chegou recentemente o STJ, conforme nos revela uma visitação ao aresto a seguir transcrito:
COMPETÊNCIA. ROUBO. INTERIOR. AERONAVE. Trata-se de habeas corpus impetrado em favor de paciente condenado por roubo e formação de quadrilha em continuidade delitiva (arts. 288 e 157, § 2º, I e II, ambos do CP). Alega o impetrante a incompetência da Justiça Federal para processar e julgar o crime, visto que, apesar de o roubo dos malotes (com mais de R$ 4 milhões) ter ocorrido a bordo de aeronave, deu-se em solo (aeroporto) contra a transportadora, sendo a vítima o banco, que possui capital privado e público; nessas circunstâncias, não deslocaria a competência para a Justiça Federal. Para o Min. Relator, não há falar em qualidade da empresa lesada diante do entendimento jurisprudencial e do disposto no art. 109, IX, da CF/1988, que afirmam a competência dos juízes federais para processar e julgar os delitos cometidos a bordo de aeronaves, independentemente de elas se encontrarem no solo. Com esse entendimento, a Turma denegou a ordem. Precedentes citados do STF: RHC 86.998-SP, DJ 27/4/2007; do STJ: HC 40.913-SP, DJ 15/8/2005, e HC 6.083-SP, DJ 18/5/1998. HC 108.478-SP, Rel. Min. Adilson Vieira Macabu (Desembargador convocado do TJ-RJ), julgado em 22/2/2011.
Ao mesmo entendimento havia chegado a 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RHC nº 86.998, decidido por três votos e dois, vencidos os ministros Ricardo Levandowski e Marco Aurélio.
Enfim, com a devida vênia aos respeitáveis precedentes pretorianos, seria de bom alvitre fossem revistos tais posicionamentos, porquanto destituídos de razoabilidade em conferir à Justiça Federal – Especial em relação à Justiça Estadual, repise-se - competência que não lhe é ínsita, à míngua de qualquer circunstância especial que a atraia.