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Os contratos como forma de proteção do conhecimento organizacional

Resumo: O presente artigo tem por objetivo levantar a importância dos contratos como instrumento capaz de proteger o conhecimento organizacional. Para tanto, foi realizado um levantamento bibliográfico no sentido de abordar, primeiramente, o conhecimento organizacional, bem como suas principais características. Partindo do estudo a respeito do conhecimento organizacional, observam-se as possibilidades de sua proteção. Despontam os contratos, para os quais é feita uma breve análise destacando-se a sua utilização pelas organizações como mecanismo passível de auxiliar na proteção do conhecimento organizacional.


1.Introdução

Os administradores organizacionais, visando qualificar suas decisões, enfrentam o desafio rotineiro de transformar dados em informação e informação em conhecimento, cuidando para que as interferências de cada indivíduo não intervenham de maneira negativa neste processo (ANGELONI, 2003).

Para Miller (2008) é preciso desenvolver e testar teorias organizacionais que reconhecem que o conhecimento e as epistemologias que operam nas organizações e na sociedade devem evoluir juntos. As empresas vêm atuando na gestão do conhecimento, adotando a máxima de que nada adianta possuir o conhecimento se este for mantido por apenas uma pessoa. Muitas empresas incentivam o compartilhamento de conhecimentos tácitos dos funcionários e, em alguns casos, chegam a padronizá-los por meio de manuais (TARAPANOFF, 2009).

A proteção do conhecimento é um aspecto importante do gerenciamento para as organizações, sob pena de esta vir a perder, além dos conhecimentos que lhe pertencem, tempo, qualidade e oportunidade de aprendizagem organizacional.

Diversos autores demonstram preocupação com a necessidade das empresas protegerem o conhecimento, para o que propõem mecanismos de proteção (NORMAN, 2001; LEE et al, 2007; MU et al, 2009; GONZÁLEZ-ÁLVAREZ e NIETO-ANTOLÍN, 2007; MARCIAL, COSTA e CURVELLO, 2002, MOBERLY, 2009).

Dentre estes mecanismos de proteção os contratos surgem como um dos mais citados pelos autores, motivo pelo qual merecem especial atenção pelas organizações, como uma opção legal de resguardar o conhecimento que pode ser essencial para a sobrevivência ou até manutenção de determinada instituição.


2.O conhecimento organizacional e sua proteção

Giraldo (2005) identificou cinco estágios que definem o fluxo do conhecimento dentro de uma organização: a) geração/criação/aquisição, os quais são resumidos como identificação do conhecimento; b) validação do conhecimento; c) codificação do conhecimento; d) análise e mineração, as quais são conhecidas como armazenamento do conhecimento; e e) transferir/compartilhar/disseminar, que se resumem em recobrar e compartilhar conhecimento.

Ao tratar da memória institucional Senge (2004) observa que esta deve depender de mecanismos institucionais e não individuais, sob pena de "perder lições difíceis de ganhar, quando pessoas migram de um emprego para o outro".

Neste sentido são comuns as ações judiciais que buscam ressarcimento por danos causados por empregados que, uma vez desligados da organização, levam consigo cartela de clientes, regras e técnicas de negócio, segredos para difusão de marca ou atração de clientes, dentre muitos outros conhecimentos inerentes a organização.

É fato que tais ações podem gerar ganho de causa, desde que devidamente protegido este conhecimento, sendo indicado para tanto o uso de contratos.

Segundo Norman (2001) as organizações tem que proteger seu conhecimento crítico em pelo menos dois aspectos: Primeiro o conhecimento que está diretamente ligado ao negócio e a ele está contribuindo. A organização tem que decidir qual conhecimento tem que permanecer dentro de seu próprio domínio privado, e também como assegurar que ele é realmente protegido. Segundo, há o perigo de o conhecimento ser dividido de forma indireta, por meio de presença física no momento em que uma atividade está sendo realizada.

Neste sentido, os termos de confidencialidade ou sigilo vêm sendo comumente utilizado pelas organizações, mormente por aquelas que trabalham com tecnologia da informação, porém, tal prática deveria ser observadas por todas as organizações, de acordo com o nível de conhecimento a que possuem acesso seus trabalhadores.

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Ning e Fan (2006) entendem que as organizações podem tentar proteger os conhecimentos em uma variedade de formas, tais como a cessão de participações, uso das salvaguardas contratuais e os investimentos relacionados especificamente para uma aliança particular. Destacam os autores que os mecanismos de proteção do conhecimento podem ser agrupadas em quatro categorias principais: (1) recursos humanos; (2) Estrutura jurídica dos acordos de aliança e contratos; (3) processos de aliança, e (4) estrutura da aliança.

Vasconcelos e Jamil (2008) apontam fatores positivos e negativos no vazamento do conhecimento em organizações no Brasil e no Reino Unido. Os autores buscaram entender como as organizações estão lidando com o vazamento de conhecimento e suas conseqüências, visando proteger o seu conhecimento estratégico. Nas entrevistas com gerentes organizacionais foram destacadas além das patentes, outras formas de proteção, quais sejam, o emprego de PDT – Product Development Team e engenharia simultânea contribuindo para o paralelismo das atividades e compartilhamento do conhecimento geral; relacionamento com universidades na formação de empregados e no desenvolvimento de novos conhecimentos; adoção de mapas de competências em todas as áreas da organização como instrumento de gestão e desenvolvimento de pessoas; ferramentas de TI; medidas de cunho jurídico com vistas a assegurar o sigilo com relação a informações estratégicas; dentre outros.

Para este estudo a sugestão é focar a proteção do conhecimento em instrumentos contratuais.


3.Os contratos

Os contratos dão especial estado para a palavra escrita. Estes são projetados para adicionar certeza às transações comerciais, inibindo a introdução não confiável de provas para o sistema do contencioso (MAZUR, 2003).

Para Pereira (2010) o contrato se constitui em um negócio jurídico bilateral, que possui como consequência o consentimento das partes e a conformidade com a ordem legal, tendo por escopo objetivos específicos.

Canotilho (2003) observa a importância da regulação privada também constituidora de fonte do direito, posto que nos contratos surgem as manifestações normativas dos agentes com progressiva importância reguladora dos interesses privados.

Neste sentido aparece forte a noção de que os contratos, uma vez pactuados, possuem força de lei entre as partes, desde que não conflitem com o ordenamento jurídico vigente. Uma vez entendido como tal, gera direitos e obrigações entre as partes, as quais pode e deve ser exigido o cumprimento.

O contrato é uma espécie de vínculo entre as pessoas onde são exigíveis prestações; é uma das modalidades de obrigação. E obrigação é a conseqüência que o direito posto atribui a um determinado fato, e a vontade humana está entre os fatos que o direito entende como ensejadores de obrigação. O direito tem reconhecido eficácia ao desejo de uma pessoa que, por sua própria determinação, quer se obrigar perante outra em função, ou não, de uma contraprestação desta. Posto fica, à disposição das partes, o aparelho estatal de coerção com vistas a garantir a realização da vontade manifestada (COELHO, 2006).

Como observa Venosa (2005), o direito romano ao classificar as obrigações tomou por base como objeto a prestação, a qual consistia em dare, facere ou praestare (dar, fazer ou prestar).

A obrigação de dar é aquela em que o devedor deve transferir ao credor alguma coisa ou quantia; é o caso da transmissão de um direito real. A obrigação de fazer ou de não fazer consiste na prática ou não de determinado ato. A obrigação de prestar importa em um conceito de garantia e, em sentido restrito, indica uma prestação acessória e derivada (VENOSA, 2005).

Alguns pressupostos da validade do contrato são intrínsecos a ele e referem-se à vontade das partes; outros são extrínsecos, mais ligados aos aspectos exteriores e formais. A não observância desses elementos poderá acarretar a nulidade ou anulabilidade do contrato.

Neste ponto é importante o alerta feito por Kleis (2010) quando orienta que nos contratos os termos devem ser definidos com clareza e cuidado, de forma que possam ser interpretados com exatidão.

Tal clareza é ainda mais exigida quando as partes não são da área jurídica, devendo ser redigidos com termos de fácil compreensão.

Pereira (2010) entende que existem três requisitos para a validade dos contratos, quais sejam: Subjetivos, objetivos e formais. Como requisito subjetivo o autor evidencia a capacidade das partes, as quais devem ser aptas a exprimir sua vontade na contratação. Em relação ao requisito objetivo o autor envolve os aspectos relacionados a possibilidade, liceidade (quando determina que a obrigação não pode afrontar a ordem jurídica e aos bons costumes), determinação e economicidade. Quanto ao requisito formal, o direito moderno o aborda apenas em linha de exceção, posto que privilegia a declaração de vontade capaz de gerar efeitos e estabelecer a ligação jurídica entre os sujeitos.

Concordando com a visão de Torres (1993) quando afirma que o contrato é um instrumento de prevenção de contingências, vislumbra-se a importância na formação adequada deste documento, o qual pode e deve prevenir os riscos a que se submetem os contratantes.

Um dos meio jurídicos utilizados para proteger o conhecimento são os contratos. Estes contratos contemplam o fornecimento de tecnologia, a prestação de serviços de assistência e serviços técnicos, a pesquisa, franquia, desenvolvimento de patentes, desenho industrial, biotecnologia, software, topografia de circuitos integrados, licença e cessão de marcas e patentes, segredo industrial, dentre outros.

Pimentel (2010) entende que tais instrumentos jurídicos devem ser denominados de Acordos de Parceria, os quais possuem natureza jurídica mista, qual seja, obrigação de dar e de fazer.

A lei civil tende a concentrar mais nos termos contratuais reais e os ditames do Código Civil. No entanto, independentemente de jurisdição, o contrato escrito é a mais forte manifestação objetiva das intenções das partes em um relacionamento. As partes podem mais facilmente evitar disputas se o contrato descreve, da forma mais completa e simples possível, o negócio feito entre elas. Documentos longos não são apenas ilegíveis pelos signatários, mas pouco servem para orientar as pessoas sobre o negócio e os juízes, que podem eventualmente ter que resolver litígios com base nesses documentos (GOLD e BUBELA, 2007).

Para elaboração destes instrumentos jurídicos de proteção é essencial conhecer as características estratégicas do conhecimento organizacional envolvido. Estas características irão direcionar a redação das cláusulas do contrato, focando o conhecimento empresarial a ser protegido e considerando a natureza do conhecimento, o negócio da organização e as relações a serem pactuadas.

Por meio do contrato as garantias de proteção do conhecimento serão formalizadas, as quais permitirão a segurança na exploração do conhecimento por quem de direito.

Conhecimento é valor e, portanto deve ser tratado como tal, sendo assegurada sua proteção por documento jurídico eficiente, qual seja, o contrato.


4.Conclusão

É fato que os gestores possuem a preocupação em proteger o conhecimento existente nas organizações. Por outro lado, o conhecimento, o acesso ao conhecimento e a sua transferência possuem necessidades contratuais com faces muito diferentes que envolvem competência, confiança e uma relação de troca.

Dentre os mecanismos que podem auxiliar na proteção do conhecimento se propõe a realização de contratos, mormente em função de sua natureza obrigacional.

Ressalta importante que tais instrumentos possuam termos claros e precisos de tal forma que não gerem dúvidas em relação ao seu cumprimento.

Neste aspecto, os contratos podem ser utilizados como prova documental importante caso a questão sobre direitos de propriedade do conhecimento venham a ser discutidos pelo Poder Judiciário.


Referências:

ANGELONI, Maria T. Elementos intervenientes na tomada de decisão. Ciência da Informação. Vol. 32, N. 1, Brasília, Jan/Apr. 2003.

CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7. ed, 3ª reimpressão. Coimbra: Almedina, 2003.

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Sobre os autores
Leslie de Oliveira Bocchino

Procuradora Federal. Mestre e Doutoranda UFSC.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BOCCHINO, Leslie Oliveira; CONCEIÇÃO, Zely et al. Os contratos como forma de proteção do conhecimento organizacional. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2941, 21 jul. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/19591. Acesso em: 24 nov. 2024.

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