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Controle principiológico na Administração Pública.

Uma (re)definição da legalidade

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Agenda 08/08/2011 às 17:02

V – Considerações finais

As reflexões aqui expendidas tiveram o escopo de repensar as bases do direito administrativo. Inicialmente, buscou-se demonstrar que a vetusta concepção de que o Estado é o centro do discurso jurídico não é (nem nunca foi) suficiente. Com efeito, só é concebível um direito que privilegie uma visão antropocêntrica, até mesmo porque é o ser humano vivo e concreto a única razão de o Estado existir.

Trazendo ao lume que a Administração Pública assumiu o importante papel de concretizar direitos fundamentais, passou-se a delinear os contornos conceituais dela. Nesse sentido, percebeu-se que há uma incompletude nos termos quando parte da doutrina se refere à expressão "Administração Pública" como sinônima do Poder Executivo. Isso porque não é suficiente o fato de esse Poder executar, precipuamente, a função administrativa. Dever-se-á, na verdade, jungir o sentido subjetivo ao objetivo, em razão do aspecto completador de ambos.

Ainda sob o aspecto conceitual, teceram-se comentários acerca dos princípios. Observou-se que as definições de princípio, embora dissintônicas, possuem característica comum no que concerne à promoção de um fim (estado ideal de coisas). Para algo ser qualificado como princípio - afirmou-se - não poderá ter uma submissão ou prevalência prévia: a ponderação apenas ocorrerá no caso concreto.

Alertou-se acerca do cuidado extremamente necessário que se deve ter com a utilização do rótulo "princípio", a fim de: I) evitar a banalização, transformando-o num fundamento de somenos importância; e II) evitar abusos maquiados sob o fundamento de obediência a um "mandamento nuclear", atitude costumeira dos detentores do poder.

Numa breve abordagem histórica sobre a legalidade, viu-se que é um mito associá-la à idéia de uma gênese garantística. Exarou-se, ainda, que a lei passou por um processo de dessacralização. Alguns fatores contribuíram para isso: o advento do constitucionalismo, a inflação normativa, a descoberta de que a legalidade servia para fundamentar a barbárie e, dentre outros, o controle do processo legislativo realizado pelo Poder Executivo.

Não obstante tais considerações, aduziu-se que ainda restaram alguns resquícios do apego ao positivismo legalista. Autores renomados insistem em afirmar que a Administração Pública é mera executora (cega) da lei. Estabelece-se uma prevalência, ainda no plano abstrato, à legalidade em detrimento de alguns princípios. A eficiência é um deles. Observando que esse não é o melhor posicionamento a ser adotado, questionou-se o status de princípio que é atribuído à legalidade.

Partiu-se da premissa de que não se podem tratar coisas dessemelhantes com o mesmo vocábulo, sobretudo no âmbito jurídico. A clareza conceitual, é certo, permite um maior controle das ações estatais. Portanto, a correta definição não se trata apenas de uma filigrana, já que haverá repercussão nas questões práticas.

Nesse tanto, traçando linhas gerais acerca do postulado normativo, concluiu-se que a legalidade estaria mais bem enquadrada nessa figura jurídica. Com efeito, a legalidade não pode ser tomada como princípio; primeiro porque o suposto estado ideal de coisas que ela estabelece (estabilizar as relações sociais) já é resguardado pelo princípio da segurança jurídica.

Aplica-se, aqui um argumento a simili: pouco importa saber o nome do tributo, o que se deve verificar é o seu fato gerador. Assim, não haveria razões para existirem dois princípios que tivessem a mesma finalidade ("fato gerador"). Ademais, há de se ter em mente que a legalidade é corolário da segurança jurídica.

Um segundo motivo pode ser mencionado: a doutrina costuma tratar a legalidade como se estivesse diante da própria lei, pois que - registra - deixar de cumprir a lei é ferir a legalidade. Ocorre que, ao associar a legalidade à estrita subsunção à lei, chega-se a um imenso paradoxo: afirma-se que um princípio tem maior importância do que uma regra, e, ao mesmo tempo, atribui-se o status de princípio a uma regra.

O terceiro argumento utilizado foi o de que o ferimento da lei não enseja recurso extraordinário. Vê-se que há uma correspondência tão intensa entre a lei e a legalidade que, se esta fosse princípio, transformaria a Corte Suprema em examinadora constante de matéria infraconstitucional.

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Como quarto fator, indicou-se que não é concebível a ideia de que há uma submissão prévia da legalidade ainda no plano abstrato. Somente pode ser considerado como princípio aquilo que possa ser "quebrado" com legitimidade. Assim, é o caso concreto que determinará, através de uma ponderação, o que deve ser sobrelevado.

Acrescentou-se que a legalidade está condicionada à produção normativa realizada pelo Poder Legislativo. Assim, se não houver atuação por parte desse Poder, a legalidade não será funcional. Há de se considerar, ainda, que a lei não diz nada. É apenas uma possibilidade de ordenamento. É o intérprete, pois, que a concretiza.

Ato contínuo, ao conduzir o raciocínio demonstrando que a legalidade não é um princípio, afirmou-se que ela não é aplicável, indiscriminadamente, a todos os Poderes. Desse modo, acaba-se por legitimar uma atuação do Legislativo que fuja da expectativa da sociedade, permitindo que ele altere o conteúdo normativo como bem entender. Não se pode conceber, todavia, que um princípio possa ser revogável, tampouco possa estar ao talante de um único Poder.

Percebeu-se, ademais, que a legalidade não está simplesmente na obediência à lei, mas no modo como esta lei é elaborada. De sorte que a legalidade é um verdadeiro dever estruturante de aplicação: o meio pelo qual se concatena, por escrito, os princípios e as regras constitucionais.

Vale mencionar, ademais, que retirar da legalidade o status de princípio não significa desconsiderar o ordenamento jurídico. Ao revés, será permitido realizar uma análise crítica sobre ele. E isso trará implicações práticas, já que a Administração Pública poderá negar cumprimento de dispositivo legal que esteja em desarmonia com os princípios constitucionais.

A partir daí, analisou-se quem, no exercício da função administrativa, teria legitimidade para promover essa negativa de eficácia, chegando-se à conclusão de que tanto o Chefe do Poder (Administrador), quanto os servidores deverão exercer esse papel. E a razão é muito simples: se o particular pode, sujeitando-se a explicar em juízo o porquê de sua resistência, negar o cumprimento de leis inconstitucionais, a fortiori a Administração Pública também poderá agir assim. O certo é que se realizará apenas uma antecipação do juízo que será feito pelo Judiciário, o qual é detentor da palavra final.

No escopo de evitar a instabilidade jurídica, estabeleceram-se alguns limites para a realização do controle principiológico feito pela Administração Pública. Sob tal reflexão, não será possível negar eficácia de dispositivo legal que crie ou amplie direito ou quando houver dúvida manifesta acerca da utilidade da ação. E mais: deverão estar presentes a motivação do ato e a boa-fé, sob pena de o ato ser invalidado.

Por fim, elegendo-se três princípios – a eficiência, a impessoalidade e a segurança jurídica – realizou-se uma análise de casos paradigmáticos a fim de demonstrar a viabilidade da tese.


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FRANÇA, Nadielson. Controle principiológico na Administração Pública.: Uma (re)definição da legalidade. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2959, 8 ago. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/19725. Acesso em: 23 dez. 2024.

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