O indiciamento representa uma etapa importante do inquérito policial, pois tem o sentido de demonstrar a culpabilidade do investigado por meio do levantamento de indícios de autoria e materialidade colhidos durante o andamento do inquérito policial (e.g. laudos periciais, depoimentos, entre outros). Dessa forma, o indiciamento constitui-se o momento em que a autoridade policial, convencida de que há indícios suficientes de que o investigado praticou a infração penal, resolve alterar o status do investigado que passa a ser indiciado no inquérito policial. Inicialmente, o CPP estabeleceu, em seu art. 239, que indício é a circunstância conhecida e provada que, tendo relação com o fato, autorize, por indução, concluir-se a existência de outras circunstâncias.1
Após uma breve introdução ao assunto, passa-se a análise do indiciamento direto. Trata-se da modalidade de indiciamento que ocorre quando a autoridade policial consegue levantar elementos de informação nos autos do inquérito policial que apontem para a responsabilidade de alguém. Quando isso ocorre, o delegado de polícia deverá exarar um despacho fundamentado de indiciamento, com o elenco de todos os pressupostos de fato e de direito, bem como a tipificação do delito, em tese, cometido, pelo investigado.2
Entre os direitos do indiciado e do preso, está o de permanecer calado (direito ao silêncio – vide Miranda Case – Suprema Corte dos Estados Unidos), o que deverá constar expressamente quando da formalização do indiciamento, devendo a autoridade policial informar ao investigado esse direito. No entanto, a recusa por parte do indiciado em responder as perguntas formuladas pela autoridade policial não impede que elas sejam consignadas a termo.3
Ainda, antes da conclusão do inquérito, a autoridade policial pode constatar a existência de indícios de que o indiciado é o autor de outros delitos ainda não conhecidos à época do indiciamento, mas que guardam conexão ou continência com aquela imputação. Nesse caso, a autoridade policial determinará novo comparecimento do indiciado à repartição policial, oportunidade em que será lavrado um novo indiciamento, em razão dos novos delitos imputados ao investigado.4
Além disso, é importante destacar que o indiciamento é ato privativo e indelegável da autoridade policial. Dessa forma, a autoridade policial não está obrigada a cumprir requisição do Ministério Público que determina a formalização do indiciamento do investigado. Dessa maneira, é oportuno salientar que a autoridade realiza diretamente o indiciamento, não sendo correto exarar despachos com a utilização de expressões do tipo: "promova-se o indiciamento do investigado" ou "indicie-se o investigado", devendo utilizar os verbos sempre na primeira pessoa.5
Não se pode deixar de mencionar que o indiciamento indireto ou por qualificação indireta ocorre nas situações que a pessoa a ser indiciada não é localizada, estando em local incerto e não sabido. Nesses casos, o Delegado determinará, sempre com base nas provas carreadas aos autos, que seja imputada a essa pessoa a responsabilidade pelo cometimento do crime sob investigação mediante o indiciamento por qualificação indireta. É importante destacar que essa modalidade de indiciamento somente será realizada quando o investigado a ser indiciado estiver em local incerto e não sabido, sendo descabido nos casos em que a pessoa a ser indiciada já tenha sido ouvida nos autos do inquérito policial, pois a pretensa celeridade gerada por essa medida fere o direito fundamental do investigado, pois desconhecerá a mudança do seu status na investigação.6
Outro assunto que merece registro refere-se à possibilidade de incomunicabilidade do indiciado. O art. 21, do CPP, prevê a possibilidade de incomunicabilidade do preso, não excedente a 03 (três) dias, devendo ser decretada pelo juiz, a requerimento da autoridade policial ou órgão do MP quando o interesse da sociedade ou a conveniência da investigação o exigir. No entanto, prevalece na doutrina majoritária o entendimento de que a incomunicabilidade prevista no art. 21. do CPP não teria sido recepcionado pela Constituição Federal, pois o seu art. 136, § 3º, IV, dispõe que não é possível a incomunicabilidade do preso quando decretado estado de defesa. Desse modo, se não é possível a incomunicabilidade do preso durante o estado de defesa, o que dirá em estado de normalidade.7
Cabe, ainda, salientar as peculiaridades que envolvem o indiciamento de autoridade com foro por prerrogativa de função. Sobre o indiciamento de autoridades com foro por prerrogativa de função, a jurisprudência do STF, no julgamento da Pet 3825 QO, Relator(a): Min. Sepúlveda Pertence, Relator(a) p/ Acórdão: Min. Gilmar Mendes, Tribunal Pleno, julgado em 10/10/2007, DJe-060 DIVULG 03-04-2008 PUBLIC 04-04-2008 EMENT VOL-02313-02 PP-00332 RTJ VOL-00204-01 PP-00200, firmou o entendimento de que o Delegado de Polícia Federal não tem competência para o indiciamento de autoridade com foro por prerrogativa de função no STF, ao estabelecer que:8
Questão de ordem em Petição. 1. Trata-se de questão de ordem para verificar se, a partir do momento em que não se constatam, nos autos, índicios de autoria e materialidade com relação à única autoridade dotada de prerrogativa de foro, caberia, ou não, ao STF analisar o tema da nulidade do indiciamento do parlamentar, em tese, envolvido, independentemente do reconhecimento da incompetência superveniente do STF. Inquérito Policial remetido ao Supremo Tribunal Federal (STF) em que se apuram supostas condutas ilícitas relacionadas, ao menos em tese, a Senador da República . 2. Ocorrência de indiciamento de Senador da República por ato de Delegado da Polícia Federal pela suposta prática do crime do art. 350. da Lei nº 4.737/1965 (Falsidade ideológica para fins eleitorais). 3. O Ministério público Federal (MPF) suscitou a absoluta ilegalidade do ato da autoridade policial que, por ocasião da abertura das investigações policiais, instaurou o inquérito e, sem a prévia manifestação do Parquet, procedeu ao indiciamento do Senador, sob as seguintes alegações: i) o ato do Delegado de Polícia Federal que indiciou o Senador violou a prerrogativa de foro de que é titular a referida autoridade, além de incorrer em invasão injustificada da atribuição que é exclusiva desta Corte de proceder a eventual indiciamento do investigado; e ii) a iniciativa do procedimento investigatório que envolva autoridade detentora de foro por prerrogativa de função perante o STF deve ser confiada exclusivamente ao Procurador-Geral da República, contando, sempre que necessário, com a supervisão do Ministro-Relator deste Tribunal. 4. Ao final, o MPF requereu: a) a anulação do indiciamento e o arquivamento do inquérito em relação ao Senador, devido a ausência de qualquer elemento probatório que aponte a sua participação nos fatos; e b) a restituição dos autos ao juízo de origem para o exame da conduta dos demais envolvidos. 5. Segundo o Ministro Relator Originário, Sepúlveda Pertence, o pedido de arquivamento do inquérito, solicitado pelo Procurador-Geral da República, com relação ao Senador, seria irrecusável pelo Tribunal, porque, na linha da jurisprudência consolidada do STF, o juízo do Parquet estaria fundado na inexistência de elementos informativos que pudessem alicerçar a denúncia. Voto do relator pelo arquivamento do inquérito com relação ao Senador indiciado e proposta de concessão de habeas corpus, de ofício, em favor do também indiciado JOSÉ GIÁCOMO BACCARIN, de modo a estender-lhe os efeitos do arquivamento do inquérito. 6. Com relação ao pedido de anulação do indiciamento do Senador por alegada ausência de competência da autoridade policial para determiná-lo, o Min. Sepúlveda asseverou: i) a instauração de inquérito policial para a apuração de fato em que se vislumbre a possibilidade de envolvimento de titular de prerrogativa de foro do STF não depende de iniciativa do Procurador-Geral da República, nem o mero indiciamento formal reclama prévia decisão de um Ministro do STF; ii) tanto a abertura das investigações de qualquer fato delituoso, quanto, no curso delas, o indiciamento formal, são atos da autoridade que preside o inquérito; e iii) a prerrogativa de foro do autor do fato delituoso é critério atinente, de modo exclusivo, à determinação da competência jurisdicional originária do Tribunal respectivo, quando do oferecimento da denúncia ou, eventualmente, antes dela, se se fizer necessária diligência sujeita à prévia autorização judicial. Voto pelo indeferimento do pedido de anulação do indiciamento do Senador investigado por entender como válida a portaria policial que instaurou o procedimento persecutório. 7. Ademais, segundo o Min. Pertence, o inquérito deveria ser arquivado com relação ao Senador e a ordem de habeas corpus ser concedida, de ofício, com relação a JOSÉ GIÁCOMO BACCARIN. Quanto à concessão da ordem de ofício, o Min. Pertence entendeu que JOSÉ GIÁCOMO BACCARIN encontrava-se em idêntica situação objetiva à do Senador, pois, em tese, também teria cometido o crime de falsidade ideológica para fins eleitorais. Desse modo, inexistindo elementos informativos que pudessem alicerçar a denúncia com relação ao Senador, ao co-autor JOSÉ GIÁCOMO também deveria ser conferido idêntico tratamento. 8. Após o voto do relator indeferindo o pedido de anulação formal do indiciamento do Senador, o Ministro Marco Aurélio suscitou questão de ordem no sentido da prejudicialidade da ação. Ante a conclusão de que não se teriam indícios de autoria e materialidade da participação do Senador, o tema do indiciamento estaria prejudicado. Questão de Ordem rejeitada por maioria pelo Tribunal. 9. Segunda Questão de Ordem suscitada pelo Ministro Cezar Peluso. A partir do momento em que não se verificam, nos autos, indícios de autoria e materialidade com relação à única autoridade dotada de prerrogativa de foro, caberia, ou não, ao STF analisar o tema da nulidade do indiciamento do parlamentar, em tese, envolvido, independentemente do reconhecimento da incompetência superveniente do STF. O voto do Ministro Gilmar Mendes, por sua vez, abriu divergência do Relator para apreciar se caberia, ou não, à autoridade policial investigar e indiciar autoridade dotada de predicamento de foro perante o STF. Considerações doutrinárias e jurisprudenciais acerca do tema da instauração de inquéritos em geral e dos inquéritos originários de competência do STF: i) a jurisprudência do STF é pacífica no sentido de que, nos inquéritos policiais em geral, não cabe a juiz ou a Tribunal investigar, de ofício, o titular de prerrogativa de foro; ii) qualquer pessoa que, na condição exclusiva de cidadão, apresente "notitia criminis", diretamente a este Tribunal é parte manifestamente ilegítima para a formulação de pedido de recebimento de denúncia para a apuração de crimes de ação penal pública incondicionada. Precedentes: INQ nº 149/DF, Rel. Min. Rafael Mayer, Pleno, DJ 27.10.1983; INQ (AgR) nº 1.793/DF, Rel. Min. Ellen Gracie, Pleno, maioria, DJ 14.6.2002; PET - AgR - ED nº 1.104/DF, Rel. Min. Sydney Sanches, Pleno, DJ 23.5.2003; PET nº 1.954/DF, Rel. Min. Maurício Corrêa, Pleno, maioria, DJ 1º.8.2003; PET (AgR) nº 2.805/DF, Rel. Min. Nelson Jobim, Pleno, maioria, DJ 27.2.2004; PET nº 3.248/DF, Rel. Min. Ellen Gracie, decisão monocrática, DJ 23.11.2004; INQ nº 2.285/DF, Rel. Min. Gilmar Mendes, decisão monocrática, DJ 13.3.2006 e PET (AgR) nº 2.998/MG, 2ª Turma, unânime, DJ 6.11.2006; iii) diferenças entre a regra geral, o inquérito policial disciplinado no Código de Processo Penal e o inquérito originário de competência do STF regido pelo art. 102, I, b, da CF e pelo RI/STF. A prerrogativa de foro é uma garantia voltada não exatamente para os interesses do titulares de cargos relevantes, mas, sobretudo, para a própria regularidade das instituições em razão das atividades funcionais por eles desempenhadas. Se a Constituição estabelece que os agentes políticos respondem, por crime comum, perante o STF (CF, art. 102, I, b), não há razão constitucional plausível para que as atividades diretamente relacionadas à supervisão judicial (abertura de procedimento investigatório) sejam retiradas do controle judicial do STF. A iniciativa do procedimento investigatório deve ser confiada ao MPF contando com a supervisão do Ministro-Relator do STF. 10. A Polícia Federal não está autorizada a abrir de ofício inquérito policial para apurar a conduta de parlamentares federais ou do próprio Presidente da República (no caso do STF). No exercício de competência penal originária do STF (CF, art. 102, I, "b" c/c Lei nº 8.038/1990, art. 2º e RI/STF, arts. 230. a 234), a atividade de supervisão judicial deve ser constitucionalmente desempenhada durante toda a tramitação das investigações desde a abertura dos procedimentos investigatórios até o eventual oferecimento, ou não, de denúncia pelo dominus litis. 11. Segunda Questão de Ordem resolvida no sentido de anular o ato formal de indiciamento promovido pela autoridade policial em face do parlamentar investigado. 12. Remessa ao Juízo da 2ª Vara da Seção Judiciária do Estado do Mato Grosso para a regular tramitação do feito.
É oportuno tratar, ainda, do tema relacionado ao indiciamento após o recebimento da denúncia. A jurisprudência do STJ já se consolidou no sentido de que o indiciamento formal após a denúncia é tão desnecessário quanto ilegal. Neste sentido, vide ementa do HC 78.984/SP, Rel. Ministro JORGE MUSSI, Quinta Turma, julgado em 26/10/2010, DJe 13/12/2010, que assim dispõe:9
HABEAS CORPUS. PACIENTE DENUNCIADO PORQUE TERIA PRATICADO OS DELITOS PREVISTOS NOS ARTIGOS 319 (POR QUATRO VEZES) E 333, COMBINADOS COM O ARTIGO 29, TODOS DO CÓDIGO PENAL; NOS ARTIGOS 90, 94 E 95 (ESTE ÚLTIMO POR TRÊS VEZES), DA LEI 8.666/1993, COMBINADOS COM O ARTIGO 29 DO CÓDIGO PENAL, E NO ARTIGO 288, CAPUT, DO CÓDIGO PENAL, TODOS COMBINADOS COM O ARTIGO 69 DO MESMO DIPLOMA LEGAL. SUPOSTA PARTICIPAÇÃO DE PREFEITO NOS CRIMES. ALEGAÇÃO DE INCOMPETÊNCIA DA VARA DE ORIGEM EM FACE DO FORO POR PRERROGATIVA DE FUNÇÃO DO CHEFE DO EXECUTIVO MUNICIPAL. INEXISTÊNCIA DE ACUSAÇÃO FORMAL CONTRA O PREFEITO. NULIDADE NÃO CONFIGURADA.
1. Na hipótese vertente, verifica-se que sequer houve o oferecimento de denúncia contra o Prefeito do Município de Sertãozinho, autoridade detentora do foro por prerrogativa de função.
2. Assim, ainda que existam indícios da participação do chefe do Executivo municipal nos delitos em apuração, como inexiste acusação formal contra ele, não há como deslocar a competência da 3ª Vara de Sertãozinho para o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.
3. Em sendo iniciada ação penal contra a referida autoridade, aí sim se poderá discutir a necessidade de um único processo perante a Corte bandeirante, pois somente então poderá se falar em foro por prerrogativa de função.
NOTIFICAÇÃO PARA APRESENTAÇÃO DE RESPOSTA ANTES DO RECEBIMENTO DA DENÚNCIA. ARTIGO 514 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. PACIENTE QUE NÃO OSTENTA A QUALIDADE DE FUNCIONÁRIO PÚBLICO. DESNECESSIDADE. AÇÃO PENAL PRECEDIDA DE INQUÉRITO POLICIAL. SÚMULA 330 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA.
1. A notificação do acusado para apresentar defesa antes do recebimento da denúncia, prevista no artigo 514 do Código de Processo Penal, somente se aplica ao funcionário público, não se estendendo ao particular que seja coautor ou partícipe. Precedentes.
2. Ainda que assim não fosse, no caso concreto a ação penal foi precedida de inquérito policial, pelo que incide o entendimento consagrado na Súmula 330 deste Superior Tribunal de Justiça, segundo a qual "é desnecessária a resposta preliminar de que trata o artigo 514 do Código de Processo Penal, na ação penal instruída por inquérito policial." INDICIAMENTO FORMAL. DENÚNCIA OFERTADA E RECEBIDA. DESNECESSIDADE DE PROSSEGUIMENTO DO PROCEDIMENTO INVESTIGATÓRIO. MATÉRIA NÃO APRECIADA PELO TRIBUNAL DE ORIGEM. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. FLAGRANTE ILEGALIDADE. CONCESSÃO DA ORDEM DE OFÍCIO.
1. A tese referente à ilegalidade do indiciamento formal do paciente após a fase investigatória não foi objeto de exame pelo Tribunal de origem, o que impediria a sua apreciação diretamente por esta Corte Superior de Justiça, sob pena de indevida supressão de instância.
2. Contudo, embora não exista manifestação prévia da Corte a quo a respeito do tema, diante da ocorrência de flagrante ilegalidade é possível a concessão da ordem de ofício.
3. Sendo o inquérito policial instrumento de investigação destinado à formação da opinio delicti, ou seja, do convencimento por parte do Ministério Público a respeito da autoria do crime e suas circunstâncias, com o intuito de formulação de acusação nos casos de ação penal pública, caracteriza constrangimento ilegal o formal indiciamento do paciente que já teve contra si oferecimento de denúncia, a qual, inclusive, foi recebida pelo Juízo a quo.
Precedentes.
4. Habeas corpus parcialmente conhecido, denegando-se ordem, e concessão de ofício do writ apenas para cassar a decisão que determinou o indiciamento do paciente. (grifei)
É importante registrar, também, que o indiciamento não se restringe apenas a pessoas físicas. Dessa forma, considerando a responsabilidade penal das pessoas jurídicas, é possível o seu indiciamento. Sobre esse tema, há notícia de que a Delegacia de Repressão a Crimes Ambientais (Delemaph) da Superintendência da Polícia Federal do Rio Grande do Sul realizou o primeiro indiciamento de pessoa jurídica. No caso em análise, a empresa indiciada tinha autorização dos órgãos de fiscalização para a extração de areia, mas realizava a atividade em desacordo com o licenciamento concedido. Além da pessoa jurídica, foram indiciados dois diretores da empresa pela conduta descrita no Art. 55. da Lei 9.605/98 (extração de recursos minerais sem a competente autorização, permissão, concessão ou licença, ou em desacordo com a obtida), com pena de detenção de seis meses a um ano, além de multa. 10
Outro assunto que tem gerado certa polêmica refere-se ao indiciamento nas infrações de menor potencial ofensivo. No entanto, essa discussão ainda não foi enfrentada pelo STF, conforme se depreende da leitura da ementa a seguir: 11
RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. PRESCRIÇÃO PELA PENA EM PERSPECTIVA. TESE CONTRÁRIA À JURISPRUDÊNCIA PACIFICADA NESTE SUPREMO TRIBUNAL. ALEGAÇÃO DE INVIABILIDADE DO INDICIAMENTO FORMAL: DESNECESSIDADE DE ENFRENTAMENTO DA TESE, QUE PARTE DE PREMISSA EQUIVOCADA, QUAL SEJA, DE QUE O FATO INVESTIGADO SERIA CRIME DE MENOR POTENCIAL OFENSIVO. RECURSO ORDINÁRIO AO QUAL SE NEGA PROVIMENTO. 1. A "jurisprudência do Tribunal (...) tem repelido sistematicamente a denominada prescrição antecipada pela pena em perspectiva" (v.g., Habeas Corpus ns. 88.818, Rel. Ministro Sepúlveda Pertence, decisão monocrática, DJ 1º.8.2006; 82.155, Rel. Ministra Ellen Gracie, DJ 7.3.2003; 83.458, Rel. Ministro Joaquim Barbosa, DJ 6.2.2004; RHC 66.913, Rel. Ministro Sydney Sanches, DJ 18.11.88; e Inquérito n. 1.070, Rel. Ministro Sepúlveda Pertence, DJ 1º.7.2005). 2. Consideram-se infrações penais de menor potencial ofensivo as contravenções penais e os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a dois anos, cumulada ou não com multa (Lei n. 9.099/95, art. 61, com as alterações da Lei n. 11.313/06). 3. Desnecessidade, portanto, de se enfrentar a questão quanto à possibilidade, ou não, de indiciamento formal quanto às infrações de menor potencial ofensivo, pois, na espécie vertente, investiga-se crime de apropriação indébita, cuja pena máxima cominada é de quatro anos de reclusão. 4. Recurso Ordinário ao qual se nega provimento.
(RHC 94757, Relator(a): Min. CÁRMEN LÚCIA, Primeira Turma, julgado em 23/09/2008, DJe-206 DIVULG 30-10-2008 PUBLIC 31-10-2008 EMENT VOL-02339-05 PP-00966)
Por fim, não são raras vezes em que o indiciamento é realizado sem a existência de indícios mínimos de autoria e materialidade do cometimento de infração penal. Nesses casos, o ato pode vir a ser considerado ilegal pelo Poder Judiciário, por restar configurado o constrangimento ilegal do investigado. Sobre o tema, é oportuna a leitura de algumas decisões do STF, que assim dispõe:
INQUÉRITO POLICIAL. Indiciamento. Ato penalmente relevante. Lesividade téorica. Indeferimento. Inexistência de fatos capazes de justificar o registro. Constrangimento ilegal caracterizado . Liminar confirmada. Concessão parcial de habeas corpus para esse fim. Precedentes. Não havendo elementos que o justifiquem, constitui constrangimento ilegal o ato de indiciamento em inquérito policial.
(HC 85541, Relator(a): Min. CEZAR PELUSO, Segunda Turma, julgado em 22/04/2008, DJe-157 DIVULG 21-08-2008 PUBLIC 22-08-2008 EMENT VOL-02329-01 PP-00203 RTJ VOL-00205-03 PP-01207) 12
PENAL. PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. CRIME DE FALSIFICAÇÃO DOCUMENTAL, ESTELIONATO E FORMAÇÃO DE QUADRILHA. INQUÉRITO POLICIAL. INDICIAMENTO. INEXISTÊNCIA DE VIA ORIGINAL OU CÓPIA AUTENTICADA DE DOCUMENTO DE VEÍCULO. CONSTRANGIMENTO ILEGAL. INOCORRÊNCIA. CONTEXTO FÁTICO QUE IMPOSSIBILITA O TRANCAMENTO DO PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO INVESTIGATÓRIO EM RELAÇÃO AO CRIME DE FALSIFICAÇÃO DE DOCUMENTO. I - O trancamento de inquérito policial pela via do habeas corpus, segundo pacífica jurisprudência desta Casa, constitui medida excepcional só admissível quando evidente a falta de justa causa para o seu prosseguimento, seja pela inexistência de indícios de autoria do delito, seja pela não comprovação de sua materialidade, seja ainda pela atipicidade da conduta do investigado. II - Os fatos relatados autorizam a investigação policial, nos termos em que realizada, sobretudo porque não apresentados os documentos originais do veículo alegadamente roubado, não configurando constrangimento ilegal o indiciamento do paciente . III - Ordem denegada.
(HC 90580, Relator(a): Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Primeira Turma, julgado em 24/04/2007, DJe-013 DIVULG 10-05-2007 PUBLIC 11-05-2007 DJ 11-05-2007 PP-00081 EMENT VOL-02275-02 PP-00369) 13
DESCAMINHO E FALSIDADE IDEOLÓGICA. 1. Indiciamento. O simples ato de indiciamento não configura constrangimento ilegal sanável pela via do habeas corpus . Precedentes. 2. Recurso ordinário desprovido.
(RHC 86314, Relator(a): Min. ELLEN GRACIE, Segunda Turma, julgado em 11/10/2005, DJ 28-10-2005 PP-00061 EMENT VOL-02211-02 PP-00315 LEXSTF v. 28, n. 327, 2006, p. 437-439) 14
HABEAS CORPUS. CRIMES CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. ALEGAÇÃO DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL POR INDICIAMENTO EM INQUÉRITO POLICIAL. IMPROCEDÊNCIA. A jurisprudência desta Corte é no sentido de que o indiciamento em inquérito policial só é passível de anulação em hipóteses de evidente constrangimento ilegal. No caso concreto, a autoridade policial indiciou o paciente somente após a conclusão de diligências requeridas pelo Ministério Público, cujos resultados apontaram para a prática de crimes contra a ordem tributária. Ordem denegada.
(HC 86149, Relator(a): Min. EROS GRAU, Primeira Turma, julgado em 06/09/2005, DJ 07-10-2005 PP-00027 EMENT VOL-02208-02 PP-00361 LEXSTF v. 28, n. 327, 2006, p. 429-433 RT v. 95, n. 847, 2006, p. 501-502) 15
HABEAS CORPUS. INDICIAMENTO EM INQUÉRITO POLICIAL. AUSÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL. Havendo elementos que justifiquem o indiciamento em inquérito policial, não procede a alegação de constrangimento ilegal. Ordem denegada.
(HC 85491, Relator(a): Min. EROS GRAU, Primeira Turma, julgado em 14/06/2005, DJ 09-09-2005 PP-00045 EMENT VOL-02204-2 PP-00359 RTJ VOL-00194-03 PP-00967) 16
HABEAS CORPUS. PRETENSÃO DE TRANCAR INQUÉRITO INSTAURADO PARA APURAR A PRÁTICA DE EXTORSÃO, FALSIFICAÇÃO DE DOCUMENTO PARTICULAR, USO DE DOCUMENTO FALSO E DENUNCIAÇÃO CALUNIOSA. ALEGADA ILEGALIDADE CONSISTENTE NA AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO DO INDICIAMENTO FORMAL DO PACIENTE. Hipótese em que não se está diante de manifesta atipicidade da conduta investigada ou de sua errônea classificação, circunstâncias que, se presentes, justificariam a interrupção precoce do procedimento inquisitorial. Conquanto razoável a pretensão do paciente ao sustentar a necessidade de fundamentação de seu indiciamento formal, o silêncio da legislação vigente sobre o tema não permite caracterizar como ilegal o despacho da autoridade policial que se limita a determinar essa providência. Habeas corpus indeferido.
(HC 81648, Relator(a): Min. ILMAR GALVÃO, Primeira Turma, julgado em 11/06/2002, DJ 23-08-2002 PP-00092 EMENT VOL-02079-01 PP-00217) 17
"HABEAS CORPUS" - INSTAURAÇÃO DE INQUÉRITO POLICIAL CONTRA DEPUTADO FEDERAL - ALEGAÇÃO DE AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA PARA A AÇÃO INVESTIGATÓRIA - INOCORRÊNCIA - SITUAÇÃO DE INJUSTO CONSTRANGIMENTO NÃO CARACTERIZADA - PROCEDIMENTO INVESTIGATÓRIO QUE VISA À APURAÇÃO DE CONDUTA TÍPICA - POSSIBILIDADE - EXISTÊNCIA DE ELEMENTOS RELEVANTES PERTINENTES À EVENTUAL CO-PARTICIPAÇÃO DELITUOSA DO PACIENTE - TESE DE NEGATIVA DE AUTORIA - EXAME DE PROVAS - IMPOSSIBILIDADE NA VIA SUMARÍSSIMA DO "HABEAS CORPUS" - PRETENDIDO TRANCAMENTO DO INQUÉRITO - PEDIDO INDEFERIDO. A SIMPLES APURAÇÃO DE FATO DELITUOSO NÃO CONSTITUI, SÓ POR SI, SITUAÇÃO DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL. - A mera abertura de inquérito policial não caracteriza, só por si, situação configuradora de injusta ofensa ao "status libertatis" do indiciado, especialmente se o procedimento estatal da "informatio delicti", ainda que seguido do ato de formal indiciamento, houver sido instaurado com a finalidade de apurar conduta revestida de tipicidade penal. - A pesquisa da verdade real, quando conduzida de modo legítimo e compatível com o regime jurídico-constitucional das liberdades públicas, não traduz situação configuradora de dano irreparável aos direitos do indiciado. REEXAME DE FATOS E DE PROVAS - MATÉRIA ESTRANHA AO HABEAS CORPUS. - O reexame de fatos e de provas constitui matéria pré- -excluída do âmbito estreito da via sumaríssima do processo de "habeas corpus". Precedentes. - O remédio constitucional do "habeas corpus" não se qualifica como meio processualmente idôneo para a indagação minuciosa da prova penal.
(HC 69462, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Tribunal Pleno, julgado em 18/11/1992, DJ 06-11-2006 PP-00030 EMENT VOL-02254-02 PP-00215 RTJ VOL-00202-01 PP-00149) 18