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Cursos de mestrado e doutorado no estrangeiro: esforço desnecessário?

Agenda 14/08/2011 às 14:32

Mais do que problematizar a questão relacionada a revalidação de diploma estrangeiro, o presente artigo tem por objetivo expor o marco legal e algumas decisões administrativas e judiciais a respeito de cursos de Mestrado e Doutorados feitos no exterior.

Isso porque é comum no ambiente acadêmico o contato com publicidade a respeito da possibilidade de cursos de Mestrado e Doutorado em outros países, principalmente no âmbito do Mercosul.

Tais divulgações muitas vezes não explicam é que o diploma obtido no estrangeiro não tem validade imediata no Brasil.

A respeito do tema, deve-se recordar o disposto no Artigo 48, §3º da Lei 9.394/96 : art. 48:

(...)§ 3º Os diplomas de Mestrado e de Doutorado expedidos por universidades estrangeiras só poderão ser reconhecidos por universidades que possuam cursos de pós-graduação reconhecidos e avaliados, na mesma área de conhecimento e em nível equivalente ou superior.

No tocante aos países que compõem o Mercosul, há ainda o Decreto 5518/2005 que promulgou o Acordo de Admissão de Títulos e Graus Universitários para o Exercício de Atividades Acadêmicas nos Estados Partes do Mercosul sendo que em seu artigo 1º estabelece:

Os Estados Partes, por meio de seus organismos competentes, admitirão, unicamente para o exercício de atividades de docência e pesquisa nas instituições de ensino superior no Brasil, nas universidades e institutos superiores no Paraguai, nas instituições universitárias na Argentina e no Uruguai, os títulos de graduação e de pós-graduação reconhecidos e credenciados nos Estados Partes, segundo procedimentos e critérios a serem estabelecidos para a implementação deste Acordo.

Em uma leitura apressada, poderia se chegar à conclusão de que entre os países do Mercosul e exclusivamente para o exercício de atividades de docência e pesquisa, os diplomas de Mestrado e Doutorado seriam admitidos automaticamente.

Essa leitura, todavia, não é a mais correta essencialmente por dois motivos:

Primeiramente, a Constituição Federal conferiu às Universidades autonomia didático-científica, conforme prevê o artigo 207: "As universidades gozam de autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial, e obedecerão ao princípio de indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão".Assim, a frequência a curso de Mestrado e Doutorado não gera qualquer vinculação para Universidade Brasileira. Afinal, esta detém a autonomia para definição de regras para a revalidação.

Por outro lado, o próprio Decreto menciona que a admissão do diploma de Mestrado e Doutorado nos países do Mercosul deverão atender aos "procedimentos e critérios a serem estabelecidos para a implementação deste Acordo".

Tais procedimentos e critérios ainda não foram estabelecidos, sendo que, por força disso, vigora a regra geral, qual seja, de que a revalidação do diploma estrangeiro depende de avaliação e provação por parte da Universidade Brasileira [01]. Aqui, a Universidade aferirá a compatibilidade do programa do curso no exterior e o programa daquela entidade, cabendo-lhe: "analisar os seguintes aspectos: qualificação conferida pelo Título e adequação da documentação que o acompanha, correspondência do curso realizado no exterior com o que é oferecido no Brasil".

Aliás, vale a pena anotar a visão administrativa do Conselho Nacional de Educação, a respeito da interpretação que deve ser conferida ao Decreto 5518/2005. O referido voto consta do processo n.º 23038.000777/2004-84, lavrado pela Relatora Marília Ancona-Lopez:

Decreto Legislativo nº 800, de 23/10/2003, promulgado pelo Decreto nº 5.518, de 23/8/2005, instituiu a admissão de títulos e graus universitários para o exercício de atividades de pesquisa e docência nos Estados Partes do MERCOSUL, para parcerias multinacionais, de caráter temporário;

2. A admissão do título universitário obtido nos Estados Partes do MERCOSUL, para o exercício de atividades de pesquisa e docência, em caráter temporário, no País, não implica a sua validação ou reconhecimento e não legitima o exercício permanente de atividades acadêmicas, para o qual se exige o reconhecimento do título;

3. A admissão do título não é automática e deve ser solicitada a uma Universidade, reconhecida pelo sistema de ensino oficial, e que conceda título equivalente, especificando as atividades de docência e pesquisa a serem exercidas, sua duração e instituição receptora;

4. A admissão do título universitário implica:

a comprovação da validade jurídica do documento no país de origem [02],

a comprovação de que os estudos se desenvolveram, efetivamente, no exterior e não no Brasil;

o estabelecimento de correspondência do título ou grau no sistema brasileiro;

a verificação da duração mínima, presencial, do curso realizado;

a destinação da aplicação do diploma, essencialmente acadêmica e em caráter temporário;

5. A admissão do título universitário obtido nos Estados Partes do MERCOSUL, outorgada por Universidade brasileira, somente conferirá direito ao exercício das atividades de docência e pesquisa nas instituições nela referidas e pelo período nela estipulado.

6. A obtenção do título universitário obtido por brasileiros nos Estados Partes do Mercosul exige reconhecimento conforme a legislação vigente

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Veja, então, que a visão administrativa não confere qualquer automaticidade no registro dos diplomas de Mestrado e Doutorados, mesmo que eles tenham sido obtidos no exterior.

Essa conclusão, inclusive, já contou com o referendo por parte do Superior Tribunal de Justiça no Julgamento do RESP 971.962:

(...) 3. De acordo com o art. 48 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – Lei 9.394/1996, cabe às Universidades Públicas a revalidação dos diplomas expedidos por instituições de ensino estrangeiras. (...) 5. O Acordo de Admissão de Títulos e Graus Universitários para o Exercício de Atividades Acadêmicas nos Estados Partes do Mercosul (promulgado pelo Decreto Legislativo 5.518/2005) não afasta a obediência ao processo de revalidação previsto na Lei 9.394/1996. 6. Recursos Especiais parcialmente conhecidos e não providos.(REsp 971962/RS, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 25/11/2008, DJe 13/03/2009)

Aliás, não são raros os casos em que o estudante concluiu o Mestrado e Doutorado no estrangeiro, ou mesmo em países do Mercosul e teve o seu pedido de revalidação indeferido. Recentemente, o Tribunal Regional Federal da 1ª Região no julgamento do processo 2005.38.00.024904-0/MG reiterou a jurisprudência firmada na âmbito do STJ para manter a decisão da Universidade Federal de Lavras de não revalidar o título de de Doutorado obtido pelo autor da demanda em um dos países do Mercosul [03].

Um dos únicos procedimentos voltados para a facilitação do processo de revalidação de que se tem notícia diz respeito ao acordo sobre simplificação de legalizações em documentos públicos firmado entre Brasil e Argentina. Nesse acordo, ganha destaque a dispensa de intervenção consular para a legalização de documentos contemplados naquele acordo [04], o que é exigido para os demais países de acordo com a resolução CEP/UFF 137/2002.

Assim, como já mencionado acima, mais do que problematizar o tema, o presente artigo teve por objetivo chamar a atenção dos estudantes que estão cursando Mestrado e Doutorado no exterior para que escolham bem a instituição de ensino em que farão os mencionados cursos. Com isso, eles podem obter maiores garantias de que o seu título será validade pelo Brasil.


Notas

  1. Brasil, Conselho Federal de Educação. Resolução n.º 03, de 10 de junho de 1985. Art. 3º São competentes para processar e conceder as revalidações: II – de diplomas e certificados de pós-graduação, as universidades reconhecidas e as instituições isoladas federais de ensino superior que mantenham cursos de pós-graduação em área de conhecimento idêntica ou afim, no nível igual ou superior ao do título estrangeiro, que na última avaliação da CAPES tenham obtido avaliação de nível "A" ou "B". (nova redação dada pela Resolução no 02, de 29 de julho de 1992, do conselho Federal de Educação, publicada no DOU de 20/11/1992)
  2. Disponível em: http://www.proppi.uff.br/sites/default/files/Parecer_CNE_CES_106_07_MERCOSUL.pdf
  3. (...)2. Inexistência de alegado cerceamento de defesa, porquanto a documentação trazida aos autos, em cumprimento à determinação judicial, compõe-se da íntegra do Processo Administrativo n. 23090.02571/2004-54, do qual o autor tinha total e prévio conhecimento, vez que toda a querela se desenvolve, exatamente, em torno da revalidação do diploma obtido em país estrangeiro, objeto do referido procedimento instaurado perante a UFLA.4. "O Acordo de Admissão de Títulos e Graus Universitários para o Exercício de Atividades Acadêmicas nos Estados Partes do MERCOSUL (promulgado pelo Decreto Legislativo 5.518/2005) não afasta a obediência ao processo de revalidação previsto na Lei 9.394/1996" (REsp n. 971962/RS). 6. Sentença reformada em parte. 7. Apelação do autor parcialmente provida.(AC 2005.38.00.024904-0/MG, Rel. Desembargador Federal Daniel Paes Ribeiro, Sexta Turma,e-DJF1 p.292 de 29/04/2011)
  4. As Partes se eximirão de toda forma de intervenção consular na legalização dos documentos contemplados no presente Acordo.

3. Para fins da aplicação do presente Acordo, a única formalidade exigida nas legalizações dos documentos referidos no item 1.B, será um selo que deverá ser colocado gratuitamente pela autoridade competente do Estado em que se originou o documento e no qual se certifique a autenticidade da firma, a capacidade com a qual atuou o signatário do documento e, conforme o caso, a identidade do selo ou do carimbo que figure no documento.

Sobre o autor
Humberto Fernandes de Moura

Procurador federal e Professor do centro Universitário de Brasília

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MOURA, Humberto Fernandes. Cursos de mestrado e doutorado no estrangeiro: esforço desnecessário?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2965, 14 ago. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/19752. Acesso em: 26 nov. 2024.

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