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A declaração de ilegalidade de contrato administrativo pelo TCU e a competência para ordenar a sustação da execução do ajuste.

Análise do artigo 45, § 3º, da Lei nº 8.443/92 e do artigo 251, §§ 3º e 4º, incisos I e II, do Regimento Interno do TCU à luz do disposto no artigo 71, XI, §§ 1º e 2º da Constituição

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Agenda 22/08/2011 às 08:01

As disposições normativas que, diante da recusa ou omissão do Congresso, autorizam o Tribunal de Contas da União a sustar contrato administrativo declarado ilegal, implicam em usurpação de competência.

RESUMO: As disposições normativas que, diante da recusa ou omissão do Congresso Nacional, autorizam o Tribunal de Contas da União a sustar contrato administrativo declarado ilegal, encerram típica usurpação de competência, estabelecendo claro entrechoque com dispositivos da Constituição Federal, cuja solução reclama a extirpação daquelas normas do ordenamento jurídico ou, se menos, sua interpretação conforme a Constituição.

PALAVRAS – CHAVES: Congresso Nacional; Tribunal de Contas; controle externo; contrato administrativo; ilegalidade reconhecida; sustação do contrato; texto constitucional; silêncio eloqüente, interpretação conforme a Constituição.

SUMÁRIO: Introdução; 1. Competências do Tribunal de Contas; 2. Decisões do Tribunal de Contas, Seus Efeitos e Executividade; 3. O Contrato Administrativo e Sua Fiscalização Externa pelo TCU; 4. A Recusa ou Omissão do Congresso em Sustar o Contrato e o Tratamento Subconstitucional da Matéria; 6. A inadequação Constitucional da Norma Vertida no § 3º do Artigo 45 da Lei n.º 8.443/92 (e a Flagrante Ilegalidade dos §§ 3º e 4º do art. 251, do RITCU); 7. O Princípio da Supremacia da Constituição e a Presunção de Constitucionalidade das Leis: Seria Possível Atribuir ao art. 45, § 3º, da Lei 8.443/92 Interpretação Conforme a Constituição Federal?; 8. A Coexistência Possível dos Poderes Exclusivos do Congresso Nacional Para o Ato de Sustação do Contrato Administrativo e a Competência do TCU Para o Controle Externo da Administração Pública; 9. Conclusões


Introdução

Nos termos da Constituição Federal de 1988 – no que aliás reproduz, grosso modo, regramento normativo constante das Cartas Políticas anteriores -, o controle externo da administração pública, que se traduz na fiscalização sobre as atividades contábeis, financeiras, orçamentárias, operacionais e patrimoniais da União e das entidades da administração direita e indireta, quanto à legalidade, legitimidade, economicidade, aplicação das subvenções e renúncia de receitas, insere-se na competência do Congresso Nacional, no que será auxiliado pelo Tribunal de Contas (conferir artigo 70, Constituição Federal [01]).

Vale registrar, a propósito, que conquanto esteja presente no ordenamento jurídico-constitucional brasileiro desde a edição da primeira Constituição Federal Republicana -- criação de Rui Barbosa, corporificada no Decreto 966-A, de 07/10/1890, e posteriormente agasalhada pelo artigo 87, da 1ª Constituição Republicana de 24/02/1891 --, como órgão de auxílio ao Poder Legislativo, no desempenho dessa relevante função de controle, a atual Carta Política acabou por ampliar significativamente o rol de suas atribuições, de tal sorte que o Tribunal de Contas desempenha hoje papel de acentuado destaque na observância de alguns postulados fundamentais do Estado Democrático de Direito, em especial aqueles preceitos atinentes à administração pública – como, v.g., legalidade, eficiência, proporcionalidade, vedação de excesso, razoabilidade, moralidade administrativa, economicidade, renúncia de receitas, etc.

Pois bem. Ao regulamentar os dispositivos constitucionais que disciplinam a atuação, delimitam as competências e a estrutura funcional do Tribunal de Contas da União, o Legislador Ordinário, quiçá impressionado pelo papel de destaque ocupado pelo Tribunal de Contas na história do constitucionalismo brasileiro, editou a Lei Orgânica do TCU -- Lei n.º 8.443/92 --, nela inserindo uma disposição normativa que, como a seguir se verá, a pretexto de disciplinar a atuação do TCU em hipótese específica – é dizer, o exercício do controle externo sobre os contratos celebrados pela administração pública – acabou por contrariar a letra da Constituição Federal de 1988, incorrendo, pois, em autêntica usurpação de competência atribuída com exclusividade ao Congresso Nacional.

Com efeito, autoriza o dispositivo subconstitucional analisado – art. 45, § 3º, da Lei n.º 8.443/92 --, possa o Tribunal de Contas da União, acaso não atendida sua representação pelo Congresso nacional, sustar, por ato próprio, o contrato administrativo acoimado de ilegal.

Contudo, esse poder foi adjudicado pela Lei Maior ao Congresso Nacional, de tal ate que a atribuição dessa competência, ex vi legis, ao Tribunal de Contas, parece que extraída à sorrelfa a Constituição Federal, não encontrando a lei, bem por isso, o seu fundamento de validade. É o que se pretende demonstrar neste modesto trabalho.


1. Competências do Tribunal de Contas

O artigo 71 da Carta Republicana [02] delimita em rol exaustivo as atribuições e competências do Tribunal de Contas – sem embargo da discussão existente sobre ser exaustivo ou enunciativo esse rol, tema esse que extrapola o objeto desse estudo --; certo que o referido dispositivo constitucional ampliou consideravelmente o rol de atribuições do Tribunal de Contas, alargando, pois, os lindes de sua atuação no controle externo da administração pública, em auxílio ao Poder Legislativo, razão pela qual de inteira pertinência a advertência formulada por LUÍS ROBERTO BARROSO [03], no sentido que de "no fluxo das inovações introduzidas pela Constituição de 1988, ampliaram, significativamente, as competências do Tribunal de Contas da União, espelho em que se miram, ao menos formalmente, os Tribunais de Contas dos Estados, por força do art. 75 da Carta. Como conseqüência, criaram-se algumas áreas de superposição de funções e mesmo algumas tensões que precisam ser enfrentadas para a boa definição do âmbito de atuação dos diferentes órgãos do Poder Público".

Entrementes, em que pese a diversidade e amplitude das competências constitucionalmente atribuídas ao Tribunal de Contas, em linhas gerais, doutrina e jurisprudência quase que em uníssona voz costumam compendiar tais atribuições em dois grupos: (a) apreciação e emissão de parecer prévio sobre as contas anuais prestadas pelo chefe do Poder Executivo; e (b) julgamento das contas dos demais administradores públicos e responsáveis, assim reconhecidos pela Lei Maior ou pela legislação subconstitcional. Com efeito, assim também parece ser o consenso junto aos Ministros do Egrégio Supremo Tribunal Federal, como bem se pode conferir das palavras do eminente Ministro GILMAR MENDES [04], ipsis litteris:

No âmbito das competências institucionais do Tribunal de Contas, o Supremo Tribunal Federal tem reconhecido a clara distinção entre: 1) a competência para apreciar e emitir parecer prévio sobre as contas prestadas anualmente pelo Chefe do Poder Executivo, especificada pelo art. 71, inciso I, CF/88; 2) e a competência para julgar as contas dos demais administradores e responsáveis, definida no art. 71, inciso II, CF/88 (ADI nº 1.779-1/PF Rel. Min. Ilmar Galvão, DJ 14.09.2001; ADI nº 1.140-5/RR, Rel. Min. Sydney Sanches, DJ 26.9.2003; ADI nº 849-8/MT, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ 23.4.1999).

No primeiro caso, cabe ao Tribunal de Contas apenas apreciar, mediante parecer prévio, as contas prestadas pelo Chefe do Poder Executivo. A competência para julgar essas contas fica a cargo do Congresso Nacional, por força do art. 49, inciso IX, da Constituição.

Na segunda hipótese, a competência conferida constitucionalmente ao Tribunal de Contas é de julgamento das contas dos administradores e demais responsáveis por dinheiros, bens e valores públicos da administração direta e indireta, incluídas as fundações e sociedades instituídas e mantidas pelo poder público federal, e as contas daqueles que derem causa à perda, extravio, em outra irregularidade de que resulte prejuízo ao erário (art. 71, II, CF/88).


2. Decisões do Tribunal de Contas, Seus Efeitos e Executividade

Na perspectiva de suas competências, e diante do status que se lhe confere o ordenamento jurídico-constitucional, fácil inferir que as decisões proferidas pelo Tribunal de Contas representam enunciados imperativos, ainda que eminentemente administrativos, destinados à administração pública e que nela se esgotam, pelo que incabível se torna – evidentemente que após esgotadas as fases recursais do próprio Tribunal -- a rediscussão do mérito de tais decisões na esfera administrativa.

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Daí porque a decisão proferida pelo Tribunal de Contas, delimitada ao âmbito administrativo e dirigida, pois, à própria administração pública, implica em que a intervenção dessa limitar-se-á à correção, anulação ou desfazimento do ato impugnado. É dizer, caberá ao órgão, entidade ou poder fiscalizado tão-somente cumprir a decisão proferida pelo Tribunal de Contas.

Aliás, não é por outro motivo que a Carta Fundamental atribui às decisões do Tribunal de Contas a eficácia de título executivo extrajudicial (art. 71, §3º, CF/88).

Curial não se perca de vista, assim, que o Tribunal de Contas pode, acaso descumprida sua determinação, sustar, por ato próprio, e, assim, em autêntica auto-executoriedade de suas decisões, o ato administrativo impugnado, conforme competência expressamente atribuída pela Lei Fundamental, plasmada no inciso X, do artigo 71 da Lei Fundamental.

Não constitui demasia assinalar, porém, que nem todas as decisões do Tribunal de Contas estão revestidas desse grau de eficácia e coercibilidade. De fato, decisões do Tribunal de Contas podem extrapolar a órbita circunscrita à administração pública, eis que direta ou indiretamente acabam por afetar terceiros, resvalando em bens ou direitos de particulares que mantêm relações com o Poder Público, como, v.g., nos casos de contratos administrativos. Em hipóteses desse jaez, como a seguir se verá, a própria Constituição Federal, tendo excepcionado a regra – de eficácia e coercibilidade das decisões do Tribunal de Contas -, indicou, de forma clara, o especial regramento a ser trilhado pelo Tribunal de Contas.

Com efeito, quando o ato acoimado de ilegal pelo Tribunal de Contas consistir em um contrato, a Carta Política extraiu do tribunal administrativo o poder de, acaso não atendida sua representação, sustar por ato próprio o ajuste. A competência para sustar o contrato, diz expressamente a Constituição Federal -- § 1º do inciso XI, do artigo 71 --, é do Congresso Nacional.


3. O Contrato Administrativo e Sua Fiscalização Externa pelo TCU

A celebração de contratos pela administração pública, ao contrário do que ocorria na vigência de anteriores Cartas Constitucionais, não está sujeita ao prévio registro junto ao Tribunal de Contas – assim, v.g., exigia a Constituição Federal de 1946, em seu artigo 77, III, § 1º [05], em sistemática já abandonada pela Carta Política de 1967, que empreendeu novel sistema de fiscalização e controle das contas públicas --; conquanto se reconheça hodiernamente esteja esse Tribunal investido de competência não só para ulterior manifestação acerca da legalidade do ajuste, como também, e sobretudo, para exercer a fiscalização prévia sobre o processo licitatório que venha a culminar com a celebração de contrato administrativo, podendo, no exercício desse controle prévio, até mesmo sustar, liminarmente, o procedimento licitatório, nos moldes do art. 113, §§ 1º e 2º da Lei n.º 8.666/93; conforme decidiu o colendo STF no julgamento do mandado de segurança n.º 24.510-7/DF [06].

Mas o controle externo exercitado pelo Tribunal de Contas sobre os contratos celebrados pela Administração Pública, como dito nalgures, está sujeito a regramento especial, na dicção da norma exposta no artigo 71, XI, §§ 1º e 2º, Carta Política, verbis:

Art. 71. O controle externo, a cargo do Congresso Nacional, será exercido com o auxílio do Tribunal de Contas da União, ao qual compete:

(...)

XI- representar ao Poder competente sobre irregularidades ou abusos apurados.

§ 1º No caso de contrato, o ato de sustação será adotado diretamente pelo Congresso Nacional, que solicitará, de imediato, ao Poder Executivo as medidas cabíveis;

§2º Se o Congresso Nacional ou o Poder Executivo, no prazo de 90 (noventa) dias, não efetivar as medidas previstas no parágrafo anterior, o Tribunal decidirá a respeito.

A ressumbrar, pois, com hialina clareza, que o legislador constituinte instituiu um claro distingo, quanto ao modo de exercício do controle externo dos atos da administração pública pelo Tribunal de Contas, mormente no que se refere aos efeitos e executoriedade da decisão que declara ilegal ato ou contrato administrativo. Sendo ato administrativo, não atendida a recomendação, o Tribunal de Contas susta a execução do ato impugnado (artigo 71, X, CF/88). Acaso a determinação refira-se a contrato administrativo, porém, o ato de sustação será do Congresso Nacional, que solicitará ao Poder Executivo as medidas cabíveis (art. 71, XI, § 1º, CF/88).

Como vimos de ver, versando a questão sobre contrato administrativo, em que pese tenha o Tribunal de Contas constatado eventual irregularidade no processo licitatório – e desde que não tenha, no procedimento licitatóiro, suspenso o procedimento, mercê de seu "poder geral de cautela" --, ou mesmo na contratação, sua atuação, no exercício do controle externo da administração pública, em primeiro momento, restringir-se-á à representação ao poder competente sobre a irregularidade ou abuso apurados, cabendo então ao Congresso Nacional a solicitação ao Poder Executivo para que adote as providências cabíveis. Nesse sentido, a lição do festejado constitucionalista JOSÉ AFONSO DA SILVA [07], verbis:

"Na verdade, ao Congresso cabe apreciar e decidir a solicitação de suspensão do contrato. Antes disso, solicita ao Executivo as providências cabíveis, no prazo assinado. Depois disso, com ou sem as providências do Executivo, decidirá sobre a suspensão. Suspendendo ou não, porque sua decisão não é jurídica, mas política, à vista da oportunidade e da conveniência. Se não suspender, a execução do contrato prossegue. Se suspender, comunicará ao Tribunal de Contas para a responsabilização pertinente."

Destarte, a palavra final sobre a sustação do contrato, será sempre do Poder Legislativo, que terá o prazo de 90 (noventa) dias da comunicação da decisão administrativa proferida pelo Tribunal de Contas para sustar ou não o contrato. Sustando o ajuste, solicitará do Poder Executivo as providências de estilo; ressalvando-se, obviamente, a rediscussão total do tema perante o Poder Judiciário, por parte daquele que se sentir lesado pela decisão do Tribunal de Contas, mercê no primado constituional da "inafastabilidade da jurisdição" (art. 5º , XXXV, CF/88).


4. A Recusa ou Omissão do Congresso em Sustar o Contrato e o Tratamento Subconstitucional da Matéria

Pode acontecer, contudo, que o Poder Legislativo, conquanto regularmente oficiado pelo Tribunal de Contas, por deliberação interna, deixe de acolher a representação do Tribunal, ou, se menos, deixe escoar o prazo de 90 (noventa) dias sem adotar qualquer providência a propósito da irregularidade apontada pelo Tribunal de Contas. Em situação desse jaez, cumpre observar que o § 2º, do inciso XI, do artigo 71 da Constituição Federal averba que "se o Congresso Nacional ou o Poder Executivo, no prazo de 90 (noventa) dias, não efetivar as medidas previstas no parágrafo anterior, o Tribunal decidirá a respeito".

Ao regulamentar o dispositivo constitucional em apreço, o Legislador Ordinário editou Lei n.º 8.443/92 (Lei Orgânica do Tribunal de Contas da União), cujo artigo 45 contém norma que contempla possível silêncio dos Poderes Legislativo e Executivo ante a representação do Tribunal de Contas que recomenda a sustação de contrato administrativo, verbis:

Art. 45. Verificada a ilegalidade de ato ou contrato, o Tribunal, na forma estabelecida no regimento interno, assinará prazo para que o responsável adote as providências necessárias ao exato cumprimento da lei, fazendo indicação expressa dos dispositivos a serem observados.

§ 1º No caso de ato administrativo, o Tribunal, se não atendido:

I - sustará a execução do ato impugnado;

II - comunicará a decisão à Câmara dos Deputados e ao Senado Federal;

III - aplicará ao responsável a multa prevista no inciso II do artigo 58 desta lei.

§ 2º No caso de contrato, o Tribunal, se não atendido, comunicará o fato ao Congresso Nacional, a quem compete adotar o ato de sustação e solicitar, de imediato, ao Poder Executivo, as medidas cabíveis.

§ 3º Se o Congresso Nacional ou o Poder Executivo, no prazo de noventa dias, não efetivar as medidas previstas no parágrafo anterior, o Tribunal decidirá a respeito da sustação do contrato.

Pois bem. Na dicção da norma transcrita, mais do que simplesmente decidir a respeito, como quis o Legislador Constituinte na redação do § 2º do artigo 71 da CF/88, possibilitou o Legislador Ordinário ao Tribunal de Contas sustar, por ato próprio, o contrato impugnado. De igual jaez, a propósito, as normas esculpidas nos §§ 3º e 4º do artigo 251 do Regimento Interno do TCU, que expressamente delegam ao Tribunal o poder de sustar o contrato ante o silêncio do Congresso Nacional, in verbis:

Art. 251................................................................................................................

§ 2º No caso de contrato, o Tribunal, se não atendido, adotará a providência prevista no inciso III do parágrafo anterior e comunicará o fato ao Congresso Nacional, a quem compete adotar o ato de sustação e solicitar, de imediato, ao Poder Executivo, as medidas cabíveis.

§ 3º Se o Congresso Nacional ou o Poder Executivo, no prazo de noventa dias, não efetivar as medidas previstas no parágrafo anterior, o Tribunal decidirá a respeito da sustação do contrato.

§ 4º Verificada a hipótese do parágrafo anterior, e se decidir sustar o contrato, o Tribunal:

I - determinará ao responsável que, no prazo de quinze dias, adote as medidas necessárias ao cumprimento da decisão;

II - comunicará o decidido ao Congresso Nacional e à autoridade de nível ministerial competente.

Como vimos de ver, enquanto o dispositivo da Constituição Federal (§ 2º do inciso XI, do artigo 71) registra que "se o Congresso Nacional ou o Poder Executivo, no prazo de 90 (noventa) dias, não efetivar as medidas previstas no parágrafo anterior, o Tribunal decidirá a respeito"; a norma inserida na legislação ordinária (§ 3º do artigo 45, da Lei 8.443/92) vai além e confere poderes ao Tribunal de Contas para sustar diretamente o contrato; enquanto que o Regimento Interno do TCU (art. 251, §§ 3º e 4º, incisos I e II), é ainda mais contundente ao dispor que o Tribunal não só sustará o contrato como também adotará as providências necessárias ao cumprimento da decisão.


6. A inadequação Constitucional da Norma Vertida no § 3º do Artigo 45 da Lei n.º 8.443/92 (e a Flagrante Ilegalidade dos §§ 3º e 4º do art. 251, do RITCU)

Como vimos de ver, o Legislador Constituinte previu que, no silêncio do Congresso Nacional, "o Tribunal de Contas decidirá a respeito" (art. 71, XI, § 2º, CF/88), enquanto que o § 3º do artigo 45, da Lei 8.443/94, acrescentou as expressões sustação do contrato: "... o Tribunal decidirá a respeito da sustação do contrato".

Urge não se perca de perspectiva que a norma constitucional não diz que, diante da recusa ou omissão do Congresso Nacional, o Tribunal de Contas sustará o contrato – sim por que se se entender que o Tribunal de Contas poder decidir a respeito da sustação do contrato é porque se deduz que o Tribunal poderá ou não sustar o contrato --, mas sim que decidirá a respeito. Pois bem, mais que reles omissão do Legislador Constituinte, indisfarçável no caso a presença de silêncio eloqüente da norma constitucional, é dizer, a omissão é proposital, de tal arte que, segundo as regras de hermenêutica, não seria lícito ao Legislador Ordinário preencher ou colmatar essa lacuna intencional e deliberada da norma constitucional, sob pena de, assim agindo, a pretexto de regulamentar a norma ou integrar o vazio jurídico por ela deixado, incorrer em manifesta e indesculpável violação ao seu sentido.

Esta, pois, em perfunctória análise, a situação da normatividade infraconstitucional cogitada, na medida em que o Legislador Ordinário foi além do que se lhe permitia a norma constitucional regulamentada.

Efetivamente, a norma subconstitucional analisada transfere ao Tribunal de Contas a competência para sustar o contrato administrativo, acaso não tenha o Congresso Nacional, no prazo de 90 (noventa) dias, ordenado ao Poder Executivo a sustação do contrato.

Assim é que, na dicção da norma infraconstitucional epigrafada, só resta ao Congresso Nacional cumprir a representação do Tribunal de Contas, sustando o contrato administrativo impugnado, sob pena de, não o fazendo, quer por deliberação de seus membros que venha a rejeitar a representação do Tribunal, quer por silêncio superior a 90 (noventa) dias, ver delegada ao Tribunal de Contas, ex vi legis, a competência para sustar a contratação. Não resta dúvida que remanesce um entrechoque claro entre o teor da norma constitucional esculpida no § 1º, do inciso XI, do artigo 71 da CF/88, que acentua ser da competência exclusiva do Congresso Nacional a sustação do contrato, e a disposição inserida na parte final no § 3º, do artigo 45, da Lei 8.443/92.

Com efeito, diante da solar clareza da contradição havida entre as duas proposições normativas, ou se atribui ao dispositivo subconstitucional interpretação conforme a constituição ou, tanto pior, se reconhece a indesculpável inconstitucionalidade da disposição, isso porque não se pode aceitar, a toda evidência, possa a norma infraconstitucional ir além da disposição constitucional que regulamenta, ou, menos ainda, contrarie o dispositivo da Lei Fundamental.

Deveras, não se pode subtrair do Congresso Nacional, ao arrepio da norma inserida na Lei Maior, a competência para sustar o contrato administrativo, tampouco se pode entender o silêncio do Poder Legislativo, diante da representação do Tribunal de Contas, como devolução ao Tribunal da competência para executar sua própria decisão.

Pois bem. Recebendo o Poder Legislativo a decisão final proferida pelo Tribunal de Contas, acerca da ilegalidade de determinado contrato administrativo, com solicitação de providencias de estilo, três possibilidades se abrem: primeiro, o Legislativo acolhe a deliberação do Tribunal de Contas e susta o contrato impugnado. Segundo, o Legislativo queda inerte, hipótese em que a questão é devolvida ao Tribunal de Contas, mercê do disposto no § 2º, inciso XI, do art. 71, da CF/88. Terceiro, e finalmente, o Poder Legislativo opta por não sustar o contrato, deixando assim de observar a decisão do Tribunal de Contas.

Na primeira hipótese, ou seja, acolhendo o Congresso a representação do Tribunal de Contas, determinará a sustação do contrato, oficiando ao Poder Executivo para que adote as providências de estilo – ressalvando-se aos lesados o acesso ao Poder Judiciário. O problema ocorre justamente nas duas outras hipóteses – i.e., o Congresso ou queda silente por mais de 90 (noventa) dias ou delibera não acatar a representação do Tribunal de Contas --, ambas passíveis de adequação ao conteúdo semântico da norma inserida no § 3º, do artigo 45 da Lei 8.443/92; posto que em tais casos, na intelecção da norma infraconstitucional, poderá o Tribunal de Contas ordenar a sustação ao contrato. De fato, embasados nessa disposição normativa, alguns doutrinadores entendem que o silêncio do Poder Legislativo implica na automática devolução de competência ao Tribunal de Contas para sustar o contrato. Nesse sentido, averba PEDRO ROBERTO DECOMAIN [08]:

"Se nesse prazo, não houver qualquer decisão por parte do Legislativo, a regra permite então que o próprio Tribunal ou Conselho de Contas suste os efeitos também de contrato celebrado pela Administração Pública. Esta sustação dos efeitos do contrato resultará exatamente da regra segundo a qual, na omissão do Legislativo, o Tribunal decidirá a respeito. Se a irregularidade contratual é comunicada pelo Tribunal de Contas ao Legislativo, mas este não toma qualquer providência, dentro do âmbito de decisão, agora devolvido ao Tribunal de Contas, inclui-se a possibilidade de sustar os efeitos do contrato.

Tem-se, portanto, da conjugação dos §§ 1º e 2º, do art. 71, da CRFB/88, que, em se cuidando de contrato celebrado pela Administração Pública, não podem os Tribunais ou Conselhos de Contas sustar-lhes desde logo os efeitos, casos não tomadas pelo órgão público celebrante do contrato as providências que lhe tenham sido ordenadas. Antes de sustar os efeitos do contrato, a omissão haverá de ser pelo Tribunal ou Conselho comunicada ao Poder Legislativo, que terá então o prazo de noventa dias para decidir a respeito.

Caso se omita, não tomando qualquer providência, então sim, quando a Constituição diz que caberá ao Tribunal ou Conselho de Contas decidir a respeito, devolve na realidade a ele a possibilidade de sustar os efeitos do ato. Do mesmo modo quando o Executivo se recusa a tomar as providências que hajam sido determinadas pelo Legislativo, à vista do pronunciamento anterior do Tribunal de Contas.

Com base em tais argumentos, sustenta-se na doutrina que o Congresso Nacional sequer poderia deixar de acolher a representação do Tribunal de Contas, pelo que a solicitação do Tribunal seria um imperativo cogente ao Poder Legislativo. Outros autores, sobre tema, averbam não só que o Tribunal de Contas tem o poder de sustar contratos administrativos como também subsiste, no caso, um típico compartilhamento de competências entre o Congresso Nacional e o Tribunal de Contas. A propósito, invocando decisão proferida pelo Colendo Supremo Tribunal Federal no julgamento do Mandado de Segurança n.º 23.550/DF [09] -- ainda que, a bem da verdade, no caso não tenha aquele egrégio Tribunal apreciado sequer de forma reflexa ou indireta a quaestio, o que de resto é expressamente reconhecido pelo autor citado –-, alinhava FRANCISCO EDUARDO CARRILO CHAVES [10], a justificar seu ponto de vista, os seguintes argumentos:

O Controle Externo no Brasil, primariamente, cabe ao Congresso Nacional sustar contratos irregulares da administração pública federal. Todavia, o TCU detém competência suplementar para suspender a execução desses ajustes. Antes de demonstrar a adequação desse entendimento, alerta-se para o fato de que nunca houve caso concreto em que a questão precisasse ser enfrentada.

Ao contrário do que alguns profissionais defendem, que os tribunais de contas não têm competência para sustar contratos, tomando por base leitura enviesada e incompleta da ementa do MS nº 23.550/DF (acórdão relatado pelo Min. Sepúlveda Pertence, DJ 31/10/01), em que o STF, de passagem, citou a sustação, o TCU pode, sim, sustar contratos. É certo que a sustação pelo Tribunal de Contas é feita em situação peculiar, mas a competência existe. Para aplacar dúvidas, basta ler a parte final do § 2º do art. 71 combinada com o art. 45, § 3º, da Lei Orgânica do Tribunal, colacionado abaixo:

............................................................................................................................

O particular cuidado com que o Ministro Pertence analisa os feitos em que intervém dá a certeza de que a sustação de contrato nem sequer foi estudada, até porque não era objeto do mandado de segurança. Caso a sustação tivesse sido esquadrinhada, o competente jurista nunca cometeria o descuido de ignorar a Constituição e a Lei Orgânica do TCU, e, naturalmente, reconheceria a possibilidade de o TCU sustar contratos na situação especial desenhada em nosso ordenamento.

Em respeito à proposta desta obra, por dever de ofício, é preciso novamente alertar os leitores para a corrente pela qual os tribunais de contas não podem sustar contratos, que, data venia, é totalmente equivocada.

Licença máxima concedida, tais posicionamentos revelam-se em tudo e por tudo equivocados, eis que desafiam mandamento expresso da Carta Política.

Deveras, se se admitir que o Poder Legislativo não pode recusar cumprimento à decisão do Tribunal de Contas, ou seja, uma vez recepcionada a representação do Tribunal de Contas deverá o Congresso Nacional apenas e tão-somente sustar o contrato impugnado, solicitando ao Poder Executivo as medidas cabíveis, ter-se-ia também que admitir, contrario sensu, que a disposição contida no § 1º, do inciso XI, do art. 71 da CF/88, seria letra morta, eis que a competência para sustar o contrato, a bem da verdade e em último caso seria sempre do Tribunal de Contas e não do Poder Legislativo, então alçado à condição de reles executor das decisões do Tribunal de Contas, em típica e inaceitável usurpação de competência constitucionalmente outorgada ao Legislativo, quer pelo referido § 2º do artigo 71, quer pelo artigo 49, incisos IX e X, ambos da CF/88. Por outro lado, confranger o Poder Legislativo a acolher decisão proferida em sede administrativa seria, no mínimo, diminuir a magnitude constitucional desse Poder.

O Congresso Nacional, não constitui demasia advertir, em breve parêntese, não atua no caso como órgão revisor das decisões proferidas pelo Tribunal de Conta, o que por certo acabaria por malferir a autonomia institucional desse Tribunal, que, assim, transformar-se-ia, aí sim, em reles apêndice do Poder Legislativo. Por outro lado, como vimos de ver, também não se poderia exigir do Poder Legislativo o simples cumprimento de decisões proferidas pelo Tribunal de Contas, em verdadeira relação de hierarquia e subordinação desse Poder da República ao Tribunal Administrativo, em completa subversão da ordem político-institucional.

Sobre o autor
Paulo César Braga

Advogado em Ribeirão Preto-SP.Pós graduado em Direito da Empresa e da Economia pela FGV

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BRAGA, Paulo César. A declaração de ilegalidade de contrato administrativo pelo TCU e a competência para ordenar a sustação da execução do ajuste.: Análise do artigo 45, § 3º, da Lei nº 8.443/92 e do artigo 251, §§ 3º e 4º, incisos I e II, do Regimento Interno do TCU à luz do disposto no artigo 71, XI, §§ 1º e 2º da Constituição. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2973, 22 ago. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/19821. Acesso em: 23 dez. 2024.

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