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O julgamento da extradição de Cesare Battisti sob a ótica de Dworkin e Luhmann

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Trata-se do processo de extradição do italiano Cesare Battisti, principalmente quanto ao conceito de crime político e à competência para a extradição.

RESUMO:

O presente artigo trata da conjuntura das decisões sobre o processo de extradição do italiano Cesare Battisti, principalmente no que consiste em duas substanciais dissidências, o conceito de crime político construído ao longo da atividade judicial brasileira e a problemática a quem compete extraditar, solucionada pela revisão jurisprudencial. Para tanto, analisamos o julgamento do caso realizado pelo STF sob a ótica das teorias de Luhmann e Dworkin.

Palavras-chave: Cesare Battisti, crime político, jurisprudência, Direito com integridade, teoria sistêmica.

ABSTRACT:

This article deals with the situation of the decisions about the process of extradition of Italian Cesare Battisti, mainly consisting of two substantial dissent, the concept of political crime, built along the Brazilian judicial activity and the problem is to decide to extradite,settled by the judicial review . To this end, we analyzed the trial of the case made by the Supreme Court in light of the theories of Luhmann and Dworkin.

Keywords: Cesare Battisti, political crime, law, law with integrity, systems theory.


I. Introdução:

No ano de 2009, iniciou-se o julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF) do caso do italiano Cesare Battisti3 e, mesmo após três anos, ainda repercute na mídia mundial principalmente por envolver questões conflituosas de soberanias de Estados, no caso Brasil e Itália, com riscos de possíveis retaliações.

Neste artigo, prezaremos por analisar duas principais dissidências do julgamento do STF do "caso Battisti", que seriam o conceito de crime político e a problemática a quem compete extraditar. Para tanto, faremos: (a) uma análise jurisprudencial para elencar o sentido de crime político utilizado em outros casos do STF e o empregado no caso específico de Battisti; (b) aplicação da teoria de direito como integridade de Ronald Dworkin; (c) introduzir a problemática a quem compete extraditar sob a perspectiva da teoria sistêmica de Luhmann.

Cesare Battisti é um escritor italiano nascido em 18 de dezembro de 1954. Integrou um grupo de extrema esquerda chamado Proletários Armados pelo Comunismo (PAC), atuante na Itália no fim da década de 1970, período conhecido como "anos de chumbo". Esse período foi marcado por uma instabilidade do governo italiano, o que propiciou a formação de organizações revolucionárias de extrema direita e de extrema esquerda.

Ao Battisti, são atribuídos quatro homicídios e alguns delitos menores. Em 1987, foi julgado pela justiça italiana e considerando culpado por participar direta ou indiretamente desses crimes. O italiano foi sentenciado à prisão perpétua, com restrição de luz solar. Na Itália, é considerado terrorista, embora alegue inocência.

Condenado em seu país, Battisti fugiu para a França, o que fez com que o governo italiano solicitasse ao governo francês sua extradição. Por duas vezes, a Corte de Acusação de Paris negou o pedido. No entanto, em fevereiro de 2004, o Conselho de Estado da França avaliou uma nova solicitação, dando provimento à mesma, em detrimento dos recursos impetrados pelos advogados do italiano. Inconformado, Battisti recorreu à Corte Europeia de Direitos Humanos, que negou o pedido. Posto em liberdade à espera do julgamento do recurso, fugiu da França para o Brasil, antes que o decreto que determinava sua extradição fosse assinado.

Em 2007, o governo italiano solicitou, junto ao governo brasileiro, a extradição de Cesare Battisti, resultando em sua prisão preventiva, fruto de uma cooperação entre a Interpol e as polícias brasileira, italiana e francesa. Em 2008, o Comitê Nacional para Refugiados (CONARE) negou o pedido de refúgio no Brasil a Battisti. No entanto, em 2009, o então Ministro da Justiça, Tarso Genro, concedeu ao escritor e ex-militante italiano o status de refugiado político, o que, segundo as leis brasileiras, impediria sua extradição.

O caso de Cesare Battisti passou a ser além de uma mera questão de extradição, mas sim tomou âmbito de cisão diplomática. O embaixador da Itália no Brasil foi convocado de volta para Roma, grupos da Itália acusaram o país de estar sendo conivente com os crimes cometidos por Battisti, além do refúgio político concedido pelo Ministro da Justiça, Tarso Genro, ser amplamente contestado pelos que apoiaram a extradição imediata.

No Art.77 § 2° da Constituição Brasileira de 1988, sobre a extradição delimita que, "caberá, exclusivamente, ao Supremo Tribunal Federal, a apreciação do caráter da infração".Logo, o STF, por diferença de um voto, decidiu contra o refúgio político e, depois de prolongados debates, autorizou a Extradição de Cesare Battisti para Itália. A questão se limitou, principalmente, aos crimes de Battisti terem conotação política ou não, já que a Constituição brasileira não permite extradição se o fato constituir crimes deste âmbito.

Em outra resolução da Corte, levantou-se a polêmica se deveria ou não vincular a decisão de extradição de Cesare Battisti ao Presidente da República, ou seja, se o Lula, presidente até então, seria obrigado a cumprir a extradição do italiano. Novamente por diferença de um voto decidiu-se que o presidente tem poder para decidir se extradita ou não. Assim, Lula decidiu, no dia 31 de dezembro de 2010, com base no parecer da Advocacia-Geral da União, no qual se aponta que, se enviado à Itália, o ex-ativista poderia sofrer perseguição política e ter sua condição pessoal agravada, pela não extradição do italiano.

A decisão do presidente levou à revolta a comunidade italiana o que incentivou a contestação da medida do governo brasileiro para que se reveja a decisão. Com base nesta recusa da medida e no pedido de liberdade feito pela defesa de Battisti, o processo foi desarquivado pelo STF.

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Em junho de 2011, os ministros do STF decidiram que a medida do ex-presidente da República de negar a extradição de Battisti para a Itália foi um "ato de soberania nacional" e que não poderia ser revisto pela Corte. Em seu voto, o ministro Ricardo Lewandowski afirmou, "Entendo que o presidente da República praticou um ato político, um ato de governo, que se caracteriza pela mais ampla discricionariedade".

Aparentemente, após este último julgamento do STF, leva-nos a crer que a discussão em torno das dissidências substanciais do caso se encerrou juntamente com a decisão dos ministros pela soltura de Battisti. Entretanto, cabe a nós analisar e comparar a conjuntura das contradições envolventes na definição de crime político neste caso com outros importantes, tendo mente que avaliar de forma crítica a atuação do Supremo é importante para o enriquecimento tanto do estudo jurídico quanto da estima social pela mais alta Corte de Justiça.


II. A Construção do Conceito de Crime Político

A primeira dissidência do caso a ser analisada pelas autoras do presente artigo é o sentido de crime político que vem sendo construído ao longo da atividade judicial brasileira. Ademais, esta análise torna-se crucial tendo em vista que se a motivação de um crime for política a Constituição brasileira salvaguarda o infrator do pedido de extradição de um Estado requerente. Art. 5°, inciso LII, afirma: "Não será concedida extradição de estrangeiro por crime político ou de opinião".

Da mesma forma o Tratado4 de Extradição entre a República Federativa do Brasil e a República Italiana de 1993, em seu Artigo 3°, dá por certo que se o fato pelo qual é pedida for considerado, pela parte requerida, crime político, a extradição não será concedida.

Por mais que a Constituição proteja cidadãos brasileiros ou estrangeiros de possíveis perseguições políticas que eventualmente podem acontecer, caso seja concedida uma extradição, não é definido ao longo de seu texto o que vem a ser crime político, apesar de sua importância para a conclusão de um julgamento como este, por exemplo.

Desta maneira, ficou na competência do Poder Judiciário, em especial a Suprema Corte, conceituar crime político ao decorrer da laboração judicial. Ou seja, os Ministros utilizam a jurisprudência acerca da matéria para comparar o caso em destaque com outros empregos de definição de crime político precedentes, utilizando dois critérios substanciais para a caracterização de crime político, que seriam: a preponderância, que avalia se preponderou o caráter político ou o comum nos delitos, e o da atrocidade dos meios, que avalia se a violência empregada nos delitos era justificável em vista do contexto. Além disso, é analisado o fato de o crime ter sido cometido em um Estado de Exceção ou em um Estado Democrático de Direito, isto significa que se o delito for cometido em um regime autoritário as condutas de resistências serão mais aceitas.

No caso de Battisti, apesar do conhecimento de que os crimes atribuídos a ele foram cometidos na década de 70, em que a Itália presenciava "anos de chumbo", no qual medidas de exceção foram extremamente utilizadas, no entendimento do Ministro Cezar Peluso, "A Itália desde o Pós-Guerra é um Estado Democrático de Direito, sobre o qual não teriam fundamento suspeitas de poderes ocultos que teriam vitimado pessoas judicialmente".

Assim como o Ministro Cezar Peluso, o Ministro Carlos Britto afirma em seu voto que pelos crimes terem sido executados em um Estado Democrático de Direito (no entendimento dele), isso torna duvidoso o questionamento do processo legal ou a alegação de um possível temor de perseguição política.

Ao contrário do Ministro, acreditamos, sim, no questionamento do devido processo legal deste caso. Basta ressaltar o fato de que Battisti foi julgado "à revelia" sem direito à ampla defesa ou ao contraditório. Em nota ao jornal "Correio Braziliense", o advogado de Battisti, Luiz Roberto Barroso afirmou que "o fato de a Itália ser democrática não quer dizer que não pode ter existido violação do devido processo legal".

O Ministro Carlos Britto usa como argumento em seu voto, também, a impressão que o nome do grupo ao qual Battisti pertencia causou a ele:

Parece-me que no PAC - Proletários Armados para o Comunismo-, o adjetivo "armados" já desnatura o objetivo ideológico, o objetivo político da instituição, porque uma organização que se autointitula de armada já se predispõe ao cometimento de crimes comuns, de crimes de sangue com resultado morte. E, no limite, até mesmo ao terrorismo.

Entretanto, isso revela mais uma contradição no sentido de crime político usado no caso de Battisti, já que no julgamento de extradição de Medina5, o refugiado fora membro das FARC (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia), que é um grupo armado que atua num Estado Democrático de Direito, e, por ampla maioria, o STF manteve a decisão de refúgio, baseada na alegação de tratar-se de crime político. (Ivan Franco, 2010)

O próprio Cesare Battisti, em entrevista ao site "Conjur", sustenta a contradição de elencar os crimes atribuídos a ele como comuns:

Jamais cometi crimes comuns. Fui um militante político e não teria sido condenado à prisão perpétua se a acusação não fosse por crimes políticos. No pedido de extradição, o governo italiano cita dezenas de vezes "insurreição armada contra os poderes do Estado". Tem caracterização mais política do que isso? Não faz sentido a Itália me condenar por crimes claramente políticos e o Brasil, paradoxalmente, me extraditar por crime comum.

A partir dessa sucinta análise, foi possível examinarmos as incoerências entre o caso de Battisti dentro de uma conjuntura de construção do conceito de crime político feita pelo judiciário. De tal sorte, a partir deste caso podemos observar uma mudança na aplicação do sentido de crime político pelo STF ou, talvez, a influência do entendimento de que este caso transcendia a mera importância de sua resolução.


III. O caso Battisti como um hard case

Os casos difíceis ou hard cases, apresentados por Ronald Dworkin em sua teoria do Direito como integridade, consistem em casos nos quais o juiz não encontra uma imediata solução legal, ou se depara com dispositivos que geram duas ou mais interpretações conflitantes do fato. Assim, classificamos o caso de extradição do italiano Cesare Battisti como um hard case, entendida toda a controvérsia gerada a partir das interpretações dos ministros do Supremo Tribunal Federal sobre o processo.

Para Dworkin, o processo interpretativo de um hard case deve se basear na análise da tradição principiológica dos casos precedentes, ou seja, o juiz deve analisar os capítulos anteriores do romance em cadeia construído pelos intérpretes que o antecederam. Este gênero literário corresponde a uma comparação feita por Dworkin entre literatura e Direito. Segundo ele, o romancista reinterpreta o texto que recebe, acrescentando sua interpretação ao texto que será repassado ao intérprete seguinte. Portanto, o juiz deve optar por um método interpretativo que considere e justifique, até onde for possível, os fatos anteriores, isto é, a base principiológica adotada não deve ser rompida, pois ela corresponde à manutenção das virtudes da moral política: justiça e equidade.

Podemos notar que um juiz necessitaria de tempo e paciência hiperbólicos para conseguir interpretar o direito com base no romance em cadeia. Ciente disso, Dworkin apresenta o imaginário juiz Hércules como aquele que dispõe de paciência e capacidade sobre-humanas, sendo um referencial na aplicação do Direito como integridade. Os juízes reais devem utilizá-lo como parâmetro, seguindo-o até onde for possível. Em O Império do Direito, Dworkin explica:

É por isso que imaginamos um juiz hercúleo, dotado de talentos sobre-humanos e com um tempo infinito a seu dispor. Um juiz verdadeiro, porém, só pode imitar Hércules até certo ponto. Pode permitir que o alcance de sua interpretação se estenda desde os casos imediatamente relevantes até os casos pertencentes ao mesmo campo ou departamento geral do direito, e em seguida desdobrar-se ainda mais, até onde as perspectivas lhe pareçam mais promissoras.

Dessa forma, aplicando o Direito como integridade, os juízes encontrarão a única resposta correta para o hard case que interpretam. É necessário salientar que a única resposta correta de Dworkin é aquela que, entre as possíveis soluções, mais se adequa ao caso e ao romance em cadeia. Ela seria correta, na verdade, no sentido de ser a mais correta entre as respostas.

Com base nas teorias de Dworkin, partimos para a análise da segunda dissidência objeto desse trabalho: a problemática sobre quem tem competência para extraditar no Brasil. Os ministros do Supremo Tribunal Federal discutiram exaustivamente sobre o tema, utilizando-se de comparações com decisões anteriores, ou seja, realizando análise jurisprudencial no que se refere a casos precedentes julgados na mais alta instância do poder judiciário brasileiro.

Conforme o artigo 102 da Constituição da República Federativa do Brasil compete ao Supremo Tribunal Federal processar e julgar a extradição requerida por Estado estrangeiro. Por outro lado, o artigo 84, que trata das competências do Presidente da República, atribui ao poder Executivo a responsabilidade de manter relações com Estados estrangeiros. Esses são os fundamentos legais que primordialmente embasam a discussão.

Além da análise de jurisprudência e da apresentação de dispositivos legais estruturando as opiniões dos Ministros, o acórdão do julgamento da extradição de Cesare Battisti é notadamente repleto de citações de estudiosos do Direito e da Política, com ênfase nas diferentes interpretações acerca do processo de extradição.

O STF terminou por decidir que tem, como dispõe a CF/1988, competência para julgar a extradição, mas cabe ao Presidente a palavra final sobre o assunto, isto é, o Presidente da República tem poder para optar pela extradição ou pela recusa da solicitação do Estado estrangeiro. Cabe ao STF validar legalmente o processo e dar instrução ao Presidente, favorável ou desfavorável à solicitação. Assim, o Supremo deferiu por cinco votos a quatro o pedido de extradição, não estando o Presidente da República obrigado a também o fazer.

Os que se opuseram à decisão da maioria, entretanto, levantaram uma importante questão histórica: a não ocorrência do fato de o Presidente contrariar a decisão da Corte. Acreditamos que esse fato não possa se enquadrar na jurisprudência, ou no romance em cadeia, pois se trata de uma casualidade, não algo que foi apregoado pelo tribunal mediante interpretação de caso concreto.

O estudo comportamental dos Ministros participantes no julgamento, tendo em mente a noção de juiz hercúleo de Dworkin, nos leva a crer que em busca da resposta correta, eles atuaram de forma plausível, no que tange a conformação da interpretação do caso concreto em questão às interpretações precedentes. Convenientemente, a decisão não cabia a um único juiz, mas é produto de discussões entre os onze Ministros do STF, o que caracteriza a interpretação final como melhor elaborada, dados os fatores de influência sobre ela: dispositivos legais, jurisprudência e discussão.

Pode-se questionar a existência de fato novo - a não obrigatoriedade do Presidente em seguir a decisão do STF no caso de extradição – como ruptura do romance em cadeia. Mas tal questionamento é refutado ao ratificar a idéia de que o romance em cadeia é o histórico interpretativo, enquanto a reafirmação da liberdade do Presidente para seguir ou não a sugestão do STF, apenas agora vigora como decisão, ou seja, corresponde ao juiz acrescentando sua própria interpretação ao romance, prezando pela unicidade do mesmo.

Embora pareça ser inteiramente benéfico, aplicar o Direito como integridade pode ser oneroso. Como dito anteriormente, o juiz Hércules dispõe de tempo e capacidade sobre-humanos, e os juízes reais devem se aproximar de Hércules na medida do possível. Entretanto, um juiz que tentar realizar uma análise jurisprudencial vigorosa do romance em cadeia, para então realizar sua própria interpretação do caso e adicionar ao romance, termina por utilizar tempo demais na resolução de um único caso, o que exacerbaria o problema do congestionamento de processos nos tribunais.

Ademais, é necessário ter cautela ao afirmar que determinada hermenêutica aplicada ao caso corresponde à única resposta correta. No caso em questão, por exemplo, os Ministros decidiram por diferença de um voto. Estaria a minoria defendendo uma resposta errada? Para responder tal pergunta, reiteramos a idéia de que a única resposta correta constitui, na verdade, a mais correta entre as respostas, como aponta Dworkin diante de questionamentos semelhantes. Desse modo, as demais soluções para o caso não seriam imediatamente classificadas como erradas, mas como menos corretas.


IV. Problemática do caso sob a perspectiva da Teoria Sistêmica de Luhmann:

No capítulo anterior, observamos que, seguindo a teoria de Dworkin de Direito como Integridade, devemos fazer uma análise jurisprudencial para resolver "hards cases", como é o caso de Battisti. Na dissidência a quem compete extraditar, vimos, ainda, que a solução para o conflito foi encontrada no exame de casos anteriores, logo, a competência para extraditar ou não Battisti é do Poder Executivo no entendimento dos Ministros do STF. A partir desta decisão, ficou nítida, portanto, a interferência entre os Poderes na resolução do conflito.

Outro exemplo deste conflito de competência foi a revogação do STF do refúgio político concedido à Battisti pelo Ministro da Justiça Tarso Genro. Em julgamento, o Supremo decidiu que a concessão do asilo compete ao Poder Judiciário e não ao Executivo. O Ministro Tarso Genro criticou a decisão afirmando que ela abriu precedente grave no equilíbrio das relações entre os Poderes da República, ele compara: "Será a mesma coisa de o Poder Judiciário julgar algo e depois o Executivo invadir a sua prerrogativa, por ser uma decisão errada. Estaria invadindo a competência do Poder Executivo".

Sob a perspectiva da teoria sistêmica de Luhmann, haveria um engano nesta relação de ampla interferência entre os sistemas do Direito e da Política. Podemos compreender o conceito de "sistema" a partir da contraposição ao conceito de "ambiente". Os elementos que compõem um sistema estão distinguidos e relativamente isolados do ambiente, que são todos os outros elementos que não compõem o sistema. O sistema se estabelece, então, a partir de um corte, de uma ruptura com o ambiente, capaz de criar nele uma estrutura que é relativamente independente de todo o resto. (COELHO, André : 2007)

Como resultado desta independência do sistema em relação ao ambiente e a outros sistemas, tem-se a autopoiesis ou auto-organização,que é uma qualidade interna do sistema, intocável de fora. Através dela, o sistema constitui seus próprios elementos funcionais, a que se refere à sua auto-constituição, a qual é reproduzida, assim, permanentemente. Como consequência disso, temos a impossibilidade de controle unilateral, nenhuma parte do sistema pode controlar outras, sem estar sujeito ao controle destas também, assim como nenhum sistema pode interferir na organização de outro sistema.

O Direito, portanto, não precisaria de outro sistema. O operador do Direito deve usar as regras do próprio sistema para resolver suas demandas. Luhmann completa que a interferência aceitável do sistema da Política seria na produção das normas utilizadas pelo sistema do Direito. A questão levantada pelo Ministro Gilmar Mendes em contestação ao Ministro Tarso Genro, por exemplo, seria inconcebível para Luhmann: "Quantas vezes nós temos que conviver com a interferência do Executivo nas nossas questões?".

O que talvez Luhmann não conseguiu prever em sua teoria é que cada vez mais o judiciário tem que decidir sobre questões que são de mais de uma natureza. No caso de Battisti, nitidamente observamos a conotação política intrínseca a ele. Em um Estado Democrático de Direito é substancial a separação entre os Poderes, entretanto, isto não impede as relações entre eles, por vezes conflituosas, é verdade, mas que, no fim, deve prevalecer um ideal harmônico na resolução das demandas jurídicas-políticas.

Sobre os autores
Andressa Batista Barros

Graduanda em Direito na Universidade Federal do Piauí - UFPI

Mariana Campelo Rodrigues

Graduanda em Direito na Universidade Federal do Piauí– UFPI

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BARROS, Andressa Batista; RODRIGUES, Mariana Campelo. O julgamento da extradição de Cesare Battisti sob a ótica de Dworkin e Luhmann. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2991, 9 set. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/19956. Acesso em: 5 nov. 2024.

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