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A Política Nacional de Resíduos Sólidos e sua relação intrínseca com o Código de Defesa do Consumidor

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Agenda 20/09/2011 às 11:08

O consumidor passa a ter papel crucial: como partícipe, através de atuação proativa cumprindo rigorosamente a legislação; e como fiscal, exigindo dos fornecedores a adoção de condutas ambientalmente corretas e dos governos que se mantenham em constante vigilância.

I – Introdução

Antunes (2010, p. 3) em sua consagrada obra "O Direito Ambiental", preleciona:

O Direito Ambiental (DA) é um dos mais recentes "ramos" do Direito e, com toda certeza, é um dos que têm sofrido as mais relevantes modificações, crescendo de importância na ordem jurídica internacional e nacional. Como em toda novidade, existem incompreensões e incongruências sobre o papel que ele deve desempenhar na sociedade, na economia e na vida em geral. A sua implementação não se faz sem dificuldades das mais variadas origens, indo desde as conceituais até as operacionais. Contudo uma verdade pode ser proclamada: a preocupação do direito com o meio ambiente é irreversível.

Corrobora a tese do renomado jurista o amplo debate nacional sobre o meio ambiente que se observa, por exemplo, na elaboração do texto final do novo Código Florestal, resultando no desenvolvimento de moderna legislação capaz de ombrear com as principais normas internacionais de proteção ambiental. O Código de Águas, o Código Florestal, a Lei dos Crimes Ambientais e, recentemente, a Política Nacional de Resíduos Sólidos, dentre outras, integram consistente arcabouço jurídico a demonstrar inequivocamente a preocupação da sociedade brasileira com a preservação da ambiência.

Ao incorporar sólidos princípios, como o do poluidor-pagador e protetor-recebedor, da prevenção-precaução, além da responsabilidade objetiva, tem-se ser a legislação nacional dotada de eficientes mecanismos capazes de barrar a atuação daninha às riquezas naturais e permitir o desenvolvimento sustentável.

Nesse contexto, após vinte um anos de tramitação, a Lei 12.305, publicada no Diário Oficial da União em 03/08/2010, institui a nova Política Nacional de Resíduos Sólidos, tendo como inovações, dentre outras, a responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos e a logística reversa.

Essa novel regra de direito, ao retirar do Estado a exclusividade das ações ambientais, atribui a todos os integrantes da cadeia de consumo a responsabilidade pela correta destinação dos resíduos sólidos produzidos considerando não somente o setor produtivo, mas também o consumidor.

A partir desse momento, o consumidor, até então destinatário final dos produtos ou serviços e mero coadjuvante na destinação dos restos remanescentes de suas atividades, torna-se obrigado a participar da gestão dos resíduos sólidos gerados pelo consumo, pena de incorrer em sanções em caso de desídia no cumprimento da norma legal.

Entretanto, ao expressamente mencionar o consumidor como um dos contemplados a nova legislação atrai a aplicação do Código de Defesa do Consumidor, sem olvidar, é claro, das outras normas legislativas mencionadas no texto.

O presente trabalho pretende abordar o papel do consumidor na recém aprovada Política Nacional de Resíduos Sólidos, consubstanciada na Lei 12305/2010 e sua regulamentação pelo Decreto 7.404/2010, considerando os ditames do Código de defesa do Consumidor, em especial quanto à facilitação de sua defesa no caso de vir a infringir regras da nova Política.

Não se cogita, por outro lado, esgotar a matéria, mas, trazer a lume singela contribuição no tratamento de tema da mais alta relevância, cujo debate apenas se inicia.


II – A POLÍTICA NACIONAL DE RESÍDUOS SÓLIDOS – PNRS, Lei 12.305/10

A Política Nacional de Resíduos Sólidos, PNRS, vem para suprir a lacuna provocada pela ausência de regulamentação inerente à geração e disposição de resíduos sólidos, uniformizando o comportamento e a atuação dos stakeholders no aproveitamento econômico dos resíduos ou na destinação ambientalmente correta dos rejeitos gerados no ciclo produtivo.

Conceitos inovadores estão transcritos em seu artigo 3º, dentre os quais o da responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos e o da logística reversa.

Explica a responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos, inciso XVII, como sendo o conjunto de atribuições individualizadas e encadeadas dos fabricantes, importadores, distribuidores e comerciantes, dos consumidores (g.n.) e dos titulares dos serviços públicos de limpeza urbana e de manejo dos resíduos sólidos, para minimizar o volume de resíduos sólidos e rejeitos gerados, bem como para reduzir os impactos causados à saúde humana e à qualidade ambiental decorrentes do ciclo de vida dos produtos, nos termos da lei.

Define o ciclo de vida no inciso IV, como a série de etapas que envolvem o desenvolvimento do produto, a obtenção de matérias-primas e insumos, o processo produtivo, o consumo e a disposição final. E a logística reversa, inciso XII, como o instrumento de desenvolvimento econômico e social caracterizado por um conjunto de ações, procedimentos e meios destinados a viabilizar a coleta e a restituição dos resíduos sólidos ao setor empresarial para reaproveitamento em seu ciclo produtivo, ou em outros, ou para destinação final ambientalmente adequada.

Vai mais além ao lançar as bases da Política Nacional de Resíduos Sólidos como sendo a reunião do conjunto de princípios, objetivos, instrumentos, diretrizes, metas e ações a serem adotadas pelo Governo Federal, isoladamente ou em regime de cooperação com Estados, Distrito Federal, Municípios e particulares com vistas à gestão integrada e ao gerenciamento ambientalmente adequado dos resíduos sólidos.

Dentre os princípios consagrados no artigo 6º destacam-se o da prevenção e da precaução, do poluidor-pagador e do protetor-recebedor, da visão sistêmica, do desenvolvimento sustentável, da ecoeficiência, da cooperação entre os envolvidos, da responsabilidade compartilhada, do reconhecimento do valor econômico dos resíduos, do respeito à biodiversidade, da informação, da razoabilidade e proporcionalidade.

Quanto aos objetivos, capitulados no artigo 7º, sobressaem os da proteção à saúde, não geração, redução, reutilização, reciclagem e tratamento dos resíduos e disposição final adequada dos rejeitos, adoção de padrões sustentáveis e de tecnologias limpas, incentivo à indústria de reciclagem, gestão integrada dos resíduos, prioridade nas contratações governamentais para produtos reciclados, recicláveis e ambientalmente sustentáveis, integração dos catadores em ações visando à responsabilidade compartilhada e ciclo de vida dos produtos, dentre outros.

No pertinente aos instrumentos, estão discriminados no artigo 8º com especial relevo para os planos de resíduos sólidos, inventários, coleta seletiva, criação de cooperativas, fiscalização e monitoramento, cooperação técnica e financeira entre os envolvidos, pesquisa científica e tecnológica, educação ambiental, incentivos fiscais, financeiros e creditícios, Fundo Nacional do Meio Ambiente e o de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, SINIR e SINISA, os conselhos de meio ambiente, Cadastro Nacional de Operadores de Resíduos Sólidos, e os Acordos Setoriais.

Atribui ao poder público, setor empresarial e coletividade a responsabilidade pela efetividade das ações voltadas a assegurar a observância da Política Nacional de Resíduos Sólidos e das diretrizes e demais determinações estabelecidas na lei e no Decreto 7.404/2010, que a regulamenta.

Em seu artigo 30, e seguintes, institui a responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos, a ser implementada de forma individualizada e encadeada, reservando papel de destaque para o consumidor na devolução dos resíduos aos fornecedores - logística reversa -, e na segregação e embalagem dos rejeitos para destinação ambientalmente adequada.

Estabelece o prazo de 4 (quatro) anos, a partir da publicação da lei, para o fim dos chamados "lixões" e funcionamento dos aterros sanitários.

Dentre as proibições catalogadas nos artigos 47, e seguintes, consta o lançamento de resíduos sólidos ou rejeitos em praias, mar ou corpos hídricos, a utilização de rejeitos para alimentação, a criação de animais domésticos e a fixação de habitações temporárias ou permanentes nas áreas de disposição final de resíduos ou rejeitos.


III – O DECRETO 7.404/10

A regulamentação, em vigor a partir de 23/12/2010, assenta os princípios para a execução da PNRS.

Normatiza a coleta seletiva, que deverá ser operacionalizada através da segregação prévia dos resíduos sólidos, conforme sua constituição ou composição, devendo os geradores segregá-los e disponibilizá-los adequadamente na forma estabelecida pelo titular do serviço público de coleta urbana, destacando ser a sua implementação essencial para o atingimento da meta de disposição final ambientalmente adequada, prevista no artigo 54, da PNRS.

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Assevera no artigo 6º, serem os consumidores obrigados, sempre que estabelecido sistema de coleta seletiva ou quando instituído sistema de logística reversa, a disponibilizar adequadamente seus resíduos reutilizáveis ou recicláveis para coleta ou devolução, sem embargo de observar as diretrizes propostas pelo titular do serviço público de limpeza.

Ratifica a responsabilidade do setor produtivo e sociedade civil pelo ciclo de vida dos produtos, além de destacar a importância da logística reversa para a restituição dos resíduos sólidos ao setor empresarial, para reaproveitamento ou destinação final ambientalmente adequada.

No artigo 84, que altera o artigo 62, §§ 2º, 3º e 4ª, do Decreto 6.514/08, estipula as sanções para os consumidores que descumprirem as obrigações previstas nos sistemas de logística reversa e coleta seletiva, cominando as penas de advertência, em caso de primariedade, e de multa de R$ 50,00 (cinqüenta reais) a R$ 500,00 (quinhentos reais), em caso de reincidência, que poderá ser convertida em serviços de preservação, melhoria e recuperação da qualidade do ambiente.


IV - RESPONSABILIDADE COMPARTILHADA E LOGÍSTICA REVERSA

O artigo 25, da PNRS, estabelece que o poder público, o setor empresarial e a coletividade são responsáveis pela efetividade das ações para assegurar a observância da PNRS e de sua regulamentação pelo Decreto nº 7.404/10.

O artigo 28 estipula que o gerador de resíduos domiciliares tem cessada sua responsabilidade com a disponibilização adequada para a coleta ou, nos casos abrangidos pelo artigo 33, mediante o retorno ao fabricante ou empresa de reciclagem após seu uso com a utilização do mecanismo denominado logística reversa.

A logística reversa, na forma do artigo 30, deve ser implementada de modo individualizado e encadeado, abrangendo fabricantes, importadores, distribuidores e comerciantes, os consumidores e os titulares dos serviços públicos de limpeza urbana e de manejo de resíduos sólidos.

Por seu turno, o decreto 7.404/10 ratifica, no artigo 5º, a responsabilidade dos fornecedores e consumidores pelo ciclo de vida dos produtos. Já o artigo 6º, dispõe serem os consumidores obrigados, sempre que estabelecido pelo ente municipal ou quando existente sistema de logística reversa, a acondicionar adequadamente e de modo diferenciado os resíduos sólidos, reutilizáveis ou recicláveis, para coleta ou devolução.

Até a promulgação da nova lei, o consumidor não era penalizado pela destinação irregular dos restos por ele gerados, sendo comum ver o lixo jogado nas ruas, praias e em comunidades de baixa renda, principalmente.

Com a nova sistemática, o consumidor poderá ser responsabilizado pela prática danosa ao meio ambiente e à coletividade se não destinar de forma correta os rejeitos por ele produzidos em decorrência do consumo.

Entretanto, para que o consumidor tenha ao seu dispor os instrumentos adequados à correta destinação desses resíduos, o dispositivo legal obriga os fabricantes, importadores, distribuidores e comerciantes a criar um sistema de coleta e retorno, pós-consumo, independente do serviço prestado pelas empresas de limpeza pública.

Para tanto, medidas assecuratórias para tornar viável o sistema de logística reversa deverão ser adotadas pelos integrantes da cadeia produtiva em geral mediante a implantação de procedimentos eficientes na coleta dos produtos ou embalagens usados, reutilizáveis ou recicláveis, podendo, como forma de minimizar custos, ter atuação empresarial conjunta na consecução desses objetivos. Tais medidas deverão ser complementadas com informações através de massiva publicidade orientando o consumidor quanto ao procedimento, locais de coleta e outras necessárias ao êxito do processo.

Especial atenção deve ser dispensada pelos governos e fornecedores às populações de baixa renda e escolaridade. Deverão ser criadas políticas de esclarecimento e educação ambiental, além de inserção em programas de coleta e destinação adequada dos rejeitos produzidos já que existem diversos locais em que não há a coleta lixo, tornando-se comum a rotina de atirar os resíduos domésticos em qualquer lugar, sem o que impossível a aplicação de qualquer sanção.


V – ATERROS SANITÁRIOS

A legislação dá especial relevo à questão dos aterros sanitários.

Em seu artigo 54 estatui que em até 4 (quatro) anos, após a data de publicação da lei, deverão estar em funcionamento, em substituição aos "lixões", aterros sanitários que permitam a disposição final ambientalmente adequada dos rejeitos. Como a lei foi publicada em 02/08/2010, o prazo se expira em 03/08/2014.

Medidas vêm sendo adotadas pelos governos visando à solução dessa problemática.

No Rio de Janeiro o Decreto n° 41.122, de 9 de janeiro de 2008, publicado no D.O.E.R.J em 10/01/2008, antecipando-se á PNRS, instituiu o Plano Diretor de Gestão de Resíduos Sólidos da Região Metropolitana do Estado do Rio de Janeiro, onde apresenta propostas para a desativação e remediação de áreas degradadas por lixões e aterros controlados, coleta seletiva e implantação de galpões de triagem para cooperativas de catadores, e, principalmente, a ampliação da participação da sociedade através de ações de educação ambiental, providência fundamental para o êxito de qualquer projeto.

Alerta para a urgência na implementação de novos depósitos em face do esgotamento dos principais aterros controlados da região, particularmente o Metropolitano de Gramacho, cujo encerramento deixaria sem alternativas os municípios do Rio de Janeiro, Duque de Caxias, Mesquita, Nilópolis e São João do Meriti, pois, diariamente, recebe cerca de 8.500 t de resíduos, equivalendo a aproximadamente de 60% (sessenta por cento) dos coletados na Região Metropolitana do Rio de Janeiro.

Propõe solucionar o problema com a criação de 5 (cinco) novos aterros intermunicipais localizados nas seguintes cidades: Itaboraí, com capacidade prevista de 800 t/dia, para atender os municípios de Tanguá, Maricá e parte de Niterói; Magé, com capacidade prevista de 200 t/dia, recebendo detritos do município de Guapimirim; Queimados, com capacidade prevista de 500 t/dia, com resíduos dos municípios de São João do Meriti, Nilópolis e Mesquita; Seropédica, com capacidade prevista de até 5.000 t/dia, atenderia os municípios de Itaguaí e de parte do Rio de Janeiro.; e Paracambi, com capacidade prevista de 150 t/dia, para os municípios de Japeri, Mendes e Engenheiro Paulo de Frontin.

No âmbito municipal, a Prefeitura do Rio de Janeiro, em convênio com o BNDES, criou o Programa Ampliado de Coleta Seletiva na Cidade do Rio de Janeiro cuja pretensão é expandir a coleta seletiva a todos os bairros cariocas até 2013 e direcionar os resíduos sólidos coletados para o Centro de Tratamento de Resíduos, em Seropédica, cujo funcionamento teve início em 24/04/2011.

Em sua fase preliminar, o aterro de Seropédica deve receber cerca de mil toneladas diárias de lixo vindos da Estação de Transferência de Jacarepaguá, com os resíduos produzidos nos bairros da Barra da Tijuca, Recreio e Jacarepaguá.

Destaque-se, que a prefeitura do Rio foi forçada a mudar a sua escolha para Seropédica após ferrenha oposição dos moradores de bairro de Paciência, região anteriormente selecionada para abrigar o aterro sanitário.

Sem dúvida, questão crucial e recorrente reside na localização desses aterros.

O aumento da produção do lixo, seja pelo crescimento da população seja pela melhoria do poder aquisitivo, tem obrigado os administradores públicos a buscar novas áreas para a instalação de depósitos sanitários.

Atualmente, a principal dificuldade repousa na escolha do local de implantação em virtude da agressiva oposição feita pelas comunidades a serem atingidas pela medida. A tônica desse debate tem se centrado na perda da qualidade de vida, na desvalorização dos imóveis adjacentes e na degradação ambiental, principalmente pelo trânsito constante de caminhões transportadores dos resíduos e pelo deslocamento de populações de catadores com a favelização do entorno.

Contudo, a saída para o impasse é a capital e efetiva participação da população consumidora na adoção das práticas recomendadas pela nova política, o que, em vindo a ocorrer, deverá provocar significativa redução da produção de rejeitos e, conseqüentemente, da criação de novos aterros, reduzindo o impacto ambiental ante a diminuição dos lixões e aterros clandestinos, além da significativa redução dos gastos estatais com a coleta do lixo.

Também a boa prática de outros países deve servir de parâmetro como, por exemplo, a da Alemanha, país onde a política de aproveitamento dos resíduos tem alcançado considerável êxito havendo compensação financeira para o cidadão que devolve para reciclagem determinados produtos.


VI – O CONSUMIDOR E A PNRS

FILOMENO (1999, pág.20) em sua conceituada obra ao se referir ao consumo sustentável, preleciona:

"Declarado pela Resolução ONU 153/1995, o chamado consumo sustentável exsurge como nova preocupação da ciência consumerista. Com efeito, o próprio consumo de produtos e serviços, em grande parte, pode e deve ser considerado como atividade predatória dos recursos naturais. E como se sabe, enquanto as necessidades do ser humano, sobretudo quando alimentado pelos meios de comunicação em massa e pelos processos de marketing, são infinitas, os recursos naturais são finitos, sobretudo quando não renováveis. A nova vertente, pois, do consumerismo, visa exatamente a buscar o necessário equilíbrio entre essas duas realidades, a fim de que a natureza não se veja privada de seus recursos o que, em conseqüência, estará a ameaçar a própria sobrevivência do ser humano neste planeta." (grifos no original)

O consumo exacerbado, incentivado por eficiente máquina de publicidade, tem preocupado a sociedade, que começa a reagir através da formulação de leis e políticas que restrinjam a exploração desenfreada dos recursos naturais e eduquem a população na busca do equilíbrio sustentável.

A nova política de resíduos sólidos, incorporando tais preocupações, discrimina os direitos e deveres de todos os envolvidos na cadeia produtiva, em especial os do consumidor.

O artigo 2º, do CDC, define o consumidor da seguinte forma:

Art. 2º - Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final.

De se notar, que o conceito considera apenas o aspecto econômico e mesmo tendo sido elaborado em 1990 até hoje não foi modificado para adequá-lo às preocupações ambientais manifestadas, por exemplo, pela ONU em 1995. Entretanto, apesar da inércia do legislador, a nova política veio para suprir a omissão ampliando a concepção legal para incorporar o viés ambiental, que poderia traduzir-se no seguinte:

Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final, sendo responsável pela destinação ambientalmente correta dos resíduos sólidos e rejeitos produzidos pelo consumo.

Assim, ao vincular expressamente o consumidor, a PNRS permite que normas e princípios emanados da Lei 8.078/90 possam ser utilizados em seu benefício principalmente no que respeita à facilitação de sua defesa em juízo ou fora dele.

Com efeito, a Constituição Federal em seu artigo 5°, inc. XXXII, inseriu o direito do consumidor no rol dos direitos fundamentais ao determinar que o Estado promova, na forma da lei, a sua defesa.

Deve-se salientar, ademais, tratar-se o CDC de norma principiológica impedindo que qualquer legislação posterior e que, de algum modo, trate de relações de consumo, venha vulnerá-lo, devendo se submeter aos preceitos ali estabelecidos.

Sobre o assunto, assim tem se pronunciado o Superior Tribunal de Justiça:

RECURSO ESPECIAL Nº 1.206.346 - DF (2010/0148327-3) RELATOR: MINISTRO SIDNEI BENETI DIREITO CIVIL. COOPERATIVA HABITACIONAL. DEMISSÃO DE ASSOCIADO. REGÊNCIA DA LEGISLAÇÃO ESPECIAL. APLICAÇÃO SUPLETIVA DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR E DO CÓDIGO CIVIL. CLÁUSULA PENAL. CONTROLE JUDICIAL. RESTRIÇÃO INDEVIDA AO EXERCÍCIO DO DIREITO DE DEMISSÃO.

I. A relação jurídica entre a cooperativa e os cooperados subordina-se precipuamente à Lei 5.764/71, ao estatuto e ao regimento interno da sociedade cooperativa. Em caráter subsidiário, é regulada pelo Código Civil e pelo Código de Defesa do Consumidor.

II. A legislação consumerista, de cunho genérico e principiológico, é aplicável às relações jurídicas entre cooperativas e cooperados, em caráter supletivo, uma vez que constitui norma de caráter aberto tendente a atrair para seu campo de incidência todas as relações e situações jurídicas que não estejam sob o domínio normativo estrito de legislações especiais, sobretudo quando presente a vulnerabilidade de um dos contratantes. (g.n.)

III. (...)

Por se tratar de norma de ordem pública e interesse social, conforme mencionado em seu artigo 1º, permite que o juiz, ex officio, aplique, em alguns casos, as diretrizes e princípios ali consagrados, como ensina MIRAGEM (2002, pág. 128):

"O caráter de ordem pública do Código de Defesa do Consumidor, assim, independente de sua expressa referência no art. 1.º desse diploma legal, é manifesto quando se observa seu conteúdo concreto. Trata-se, como afirmamos, da realização do direito fundamental do consumidor. O direito especial que se origina da norma consagradora do direito fundamental vai apresentar-se com status diverso das demais normas, o que em direito brasileiro se vai utilizar pela designação do critério da ordem pública."

Infere-se de tudo, então, que se, no caso concreto, as normas da PNRS vieram a colidir com as do estatuto consumerista, deverão, em princípio, prevalecer as de cunho principiológico e genéricas do CDC e mais favoráveis ao consumidor.

Diversos são os princípios que informam o Código do Consumidor e, nada obstante a divergência que se observa entre os vários doutrinadores e pensadores da temática, apresenta-se, em seguida, alguns dos mais importantes considerando-se a limitação do escopo do presente trabalho.

1.Princípio da Vulnerabilidade

Expresso no art. 4º, inciso I, diz o seguinte:

Art. 4º A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios:

I – reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo;

Em voto proferido nos autos do Recurso em Mandado de Segurança nº 27.512 - BA (2008/0157919-0), a ínclita Ministra Nancy Andrighi esgota o tema, ao assim se referir à questão:

(...)

Nesse aspecto, uma interpretação sistemática e teleológica do CDC aponta, a rigor, para a existência de uma vulnerabilidade presumida do consumidor. O art. 4º do CDC, ao estabelecer a Política Nacional das Relações de Consumo, enumera entre seus objetivos a harmonia dessas relações, fixando como princípio, em seu inciso I, o "reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo".

Quando se trata de profissionais e pessoas jurídicas, no entanto, parte da doutrina

vê essa presunção com reservas. Cláudia Lima Marques, por exemplo, entende que a

vulnerabilidade técnica (aquela consistente na ausência de conhecimento específico acerca das características do próprio bem adquirido) só excepcionalmente alcança tais pessoas, bem como que, em relação a elas, a vulnerabilidade jurídica (caracterizada pela falta de conhecimentos específicos ou de experiência nas áreas jurídicas, econômicas e contábeis) seria presumida "ao contrário", ou seja, deve-se partir do pressuposto de que essas pessoas possuem "conhecimentos jurídicos mínimos e sobre a economia para poderem exercer a profissão, ou devem poder consultar advogados e profissionais especializados antes de obrigar-se" (Comentários ao código de defesa do consumidor. Arts. 1º a 74 – Aspectos Materiais. São Paulo: RT, 1994, p. 121).

(...)

Conforme escólio Maria Antonieta Zanardo Donato, "a verificação da vulnerabilidade do consumidor constituir-se-á na viga mestra do Direito do Consumidor. A princípio todos os consumidores são vulneráveis. Tratando-se de uma presunção, e não de uma certeza, esta poderá ser até mesmo afastada pelo Poder Judiciário, face às provas apresentadas pela parte contrária" (Proteção ao consumidor. Conceito e extensão. São Paulo: RT, 1993, p. 108).

Seguindo linha de raciocínio análoga, Antônio Carlos Efing anota que "a vulnerabilidade do consumidor para o regime jurídico do CDC é qualidade legal desta figura das relações de consumo, não é condição que possa ser objeto de interpretações reducionistas" (Fundamentos do direito das relações de consumo. Curitiba: Juruá, 2004, 2ª ed., p. 60).

(...)

Ressalto, por oportuno, que a presunção de vulnerabilidade do consumidor pessoa jurídica não é inconciliável com a teoria finalista; ao contrário, harmoniza-se com a sua mitigação, na forma que vem sendo reiteradamente aplicada por este STJ: prevalece a regra geral de que a caracterização da condição de consumidor exige destinação final fática e econômica do bem ou serviço, conforme doutrina finalista, mas a presunção de vulnerabilidade do consumidor dá margem à incidência excepcional do CDC às atividades empresariais, que só serão privadas da proteção da lei consumerista quando comprovada, pelo fornecedor, a não vulnerabilidade do consumidor pessoa jurídica.

2.Princípio da Boa-fé

O princípio da boa-fé consta do artigo 4º, inciso III, do Código de Defesa do Consumidor, cuja definição é a seguinte:

Art. 4º A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios:

III – harmonização dos interesses dos participantes das relações de consumo e compatibilização da proteção do consumidor com a necessidade de desenvolvimento econômico e tecnológico, de modo a viabilizar os princípios nos quais se funda a ordem econômica (art. 170, da Constituição Federal), sempre com base na boa-fé e equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores.

O princípio da boa-fé está presente ao longo de todo o processo de formação de nosso ordenamento jurídico, por algum tempo de forma tácita e de modo explícito após a vigência do CDC e do Código Civil de 2002, tendo por desígnio harmonizar as relações entre fornecedor e consumidor para que se conduzam de forma leal em suas relações, balizando esses comportamentos com o fim específico de evitar o exercício abusivo de direitos.

3.Inversão do Ônus da Prova

Para facilitar a defesa do consumidor em juízo, o Código de Defesa do Consumidor, em seu artigo 6º, VIII, permite a utilização de mecanismo denominado inversão do ônus da prova. Diz o artigo:

São direitos básicos do consumidor:

(...)

VIII – a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiência.

FILOMENO (1999, pág. 129), citando os ensinamentos de Cecília Matos em sua dissertação de mestrado apresentada à Faculdade de Direito da USP, sob o título "O ônus da prova no Código de Defesa do Consumidor", esclarece:

"A prova destina-se a formar a convicção do julgador, que pode estabelecer com o objeto do conhecimento uma relação de certeza ou de dúvida. Diante das dificuldades próprias da reconstrução histórica, contenta-se o magistrado em alcançar não a verdade absoluta, mas a probabilidade máxima; a dúvida conduziria o julgador ao estado de non liquet, caso não fosse elaborada uma teoria de distribuição do ônus da prova. Conceituado como risco que recai sobre a parte por não apresentar a prova que lhe favorece, as normas de distribuição do ônus da prova são regras de julgamento utilizadas para afastar a dúvida. Neste enfoque, a Lei 8.078/90 prevê a facilitação da defesa do consumidor através da inversão do ônus da prova, adequando-se o processo à universalidade da jurisdição, na medida em que o modelo tradicional mostrou-se inadequado às sociedades de massa, obstando o acesso à ordem jurídica efetiva e justa."

Doutrina e jurisprudência pátrias são uníssonas em afirmar que a inversão do onus probandi não decorre de modo automático, demandando a verificação, em cada caso, da presença dos requisitos autorizadores consistentes na verossimilhança das alegações ou hipossuficiência do consumidor.

THEODORO JÚNIOR (2000, pág.135/136), define verossimilhança e hipossuficiência da seguinte forma:

"A verossimilhança é juízo de probabilidade extraída de material probatório de feitio indiciário, do qual se consegue formar a opinião de ser provavelmente verdadeira a versão do consumidor. Diz o CDC que esse juízo de verossimilhança haverá de ser feito "segundo as regras ordinárias da experiência" (art. 6º VIII). Deve o raciocínio, portanto, partir de dados concretos que, como indícios, autorizem ser muito provável a veracidade da versão do consumidor".

"Quanto à hipossuficiência, trata-se de impotência do consumidor, seja de origem econômica seja de outra natureza, para apurar e demonstrar a causa do dano cuja responsabilidade é imputada ao fornecedor. Pressupõe uma situação em que concretamente se estabeleça uma dificuldade muito grande para o consumidor de desincumbir-se de seu natural onus probandi, estando o fornecedor em melhores condições para dilucidar o evento danoso’.

Ressalve-se, que a finalidade da inversão do ônus da prova não é assegurar a vitória do consumidor, mas sim a facilitação de sua defesa em juízo prestigiando-se a ampla defesa e o contraditório.

4.Direito à Informação

Presente nos artigos 6º, III, 8º, 9º, 30, 31, 36 e 37, é direito do consumidor receber informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade e preço, bem como sobre os riscos que apresentem.

Logo, é dever do fornecedor informar de maneira ostensiva e adequada permitindo ao consumidor a fácil compreensão dessas informações de sorte que possa adotar as recomendações e cuidados visando ao descarte das embalagens e dos resíduos gerados após o consumo, inclusive quanto aos riscos que apresentem em caso de destinação inadequada e ambientalmente incorreta.

Sobre o autor
Carlos Roberto Pereira das Neves

Advogado e Gestor Ambiental, sócio do PAES& NEVES ADVOGADOS ASSOCIADOS.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

NEVES, Carlos Roberto Pereira. A Política Nacional de Resíduos Sólidos e sua relação intrínseca com o Código de Defesa do Consumidor. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 3002, 20 set. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/20027. Acesso em: 5 nov. 2024.

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