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O recurso especial e o recurso extraordinário cíveis à luz da jurisprudência

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Agenda 21/09/2011 às 16:19

2 – A SUPREMA CORTE DOS EUA COMO MODELO PARADIGMA DO NOSSO MODELO DE TRIBUNAIS DE CÚPULA E RECURSOS DE ESTRITO DIREITO

O objetivo deste opúsculo é empreender uma análise essencial, principalmente de cunho pragmático, sobre os recursos excepcionais. Oportuno nos parece, pelo próprio momento da história do Direito no Brasil, em que desenvolvemos este trabalho, buscar informações sobre o modelo que mais fortemente influenciou nossos Tribunais de Sobreposição, inclusive o nosso modelo de Corte Suprema. Se o Supremo Tribunal de Justiça do Império tinha como modelo a Corte de Cassação da França, com a República o Supremo Tribunal Federal foi estruturado a partir de forte inspiração do modelo da Suprema Corte dos Estados Unidos.

Procurar apresentar breves, sucintas, contudo significativas informações a respeito da Suprema Corte dos Estados Unidos, mesmo que com que de a latere, este conhecimento, mesmo que resumido, pode ser de grande utilidade no que podemos compreender melhor questões em comum com nossos Tribunais de Cúpula. Há aspectos conhecidos pela própria divulgação da Imprensa a respeito da Suprema Corte Norte Americana. Composta de nove Juízes, todos indicados pelo Presidente dos EUA. O Presidente da Corte é um cargo de indicação, não havendo rodízio. Os cargos são vitalícios, cada Juiz permanece no cargo até o momento em que discricionariamente resolver se afastar.

Os aspectos realmente interessantes de serem trazidos a esta presente análise dizem respeito ao processo de admissão das requisições de apelos, a escolha dos pedidos de impugnação dos casos facultativos, os quais terão o privilégio de serem julgados pela Suprema Corte. Tomamos como fonte de informação a obra de Lawrence Brawn [15]. As escolhas dos casos que terão a análise realizada pela Corte buscam priorizar, primeiro, como mais forte orientação, em questões significativas. Há critérios objetivos formais para apresentação de requerimentos de apreciação de caso, no entanto os critérios de escolha quanto à matéria são políticos, de viés discricionário da orientação ideológica e jurídica dos componentes da Corte.

Ao aceitar apreciar um caso, cabe a Suprema Corte explanar as razões da aceitação, no entanto as fundamentações costumam ser concisas, não muito claras, sem compromisso de serem esclarecedoras quanto aos motivos, o que é coerente com a motivação política dessas escolhas. O que pode se deduzir, tendo como comparação outros modelos de tribunais de sobreposição e de cúpula, é de que os critérios ditos políticos representam escolhas por casos cujos julgamentos sejam paradigmáticos, quer na consolidação da interpretação do direito, quer na garantia de sua evolução.

Os critérios técnicos mais definidos são os de natureza formal quanto às regras para os requerimentos de admissão de casos, incluindo número de cópias de documentos específicos, podendo a falta de um quesito formal levar a inadmissão da causa. Este formalismo pode, e costuma ser relaxado quando o peticionário é pobre, pessoa de condição social e econômica desfavorável.

Os critérios objetivos materiais absolutamente claros em todos os casos submetidos à apreciação são dois. A competência da Suprema Corte para apreciar o objeto da lide, o direito em questão, e a legitimidade das partes de estarem postulando em juízo. Pode ser citada a norma 17 da Corte, qual orienta estas questões. Outras regras objetivas que não são de modo algum flexibilizadas, no que diz respeito à competência da Corte, diz respeito à incontornável necessidade de haver matéria relativa à interpretação de norma constitucional ou lei federal como causa remota do pedido.

São motivos tidos como critérios objetivos capazes de levar à probabilidade de aceitação da Suprema Corte apreciar um caso as situações de conflitos de interpretações sobre normas federais por tribunais diferentes. Impende trazer a questão de que é tido como critério de grande probabilidade de aceitação de apreciação para julgamento do apelo pela impugnação do julgando quando se trata de caso onde há conflito entre a interpretação de norma constitucional ou lei federal por parte de qualquer tribunal estando em conflito com a interpretação, ou com a orientação jurisprudencial da Suprema Corte. Esta admissibilidade se faz pela necessidade intrínseca de a Suprema Corte impor sua própria autoridade como Tribunal de Cúpula do Judiciário dos Estados Unidos.

A Suprema Corte não aceita apreciação de questões versando sobre norma estadual onde não esteja presente consistente conflito de interpretação envolvendo norma federal ou constitucional. Este não cabimento de apelo sobre questões de lei estadual tem espelhamento no direito brasileiro, bem visível, nas súmulas 280 e 282 do Supremo Tribunal Federal.

Uma questão que afeta a Suprema Corte dos Estados Unidos é o volume de crescente de julgamentos. Importante ser trazida a observação quanto a correlação direta com a atividade legislativa do Congresso Norte Americano, uma natural fonte de crescimento pela demanda de apelos solicitando apreciação pela Corte. As razões são óbvias, quanto maior o número de leis federais, maiores números de fontes de litígio, por conseguinte maior o número de conflitos de interpretação entre diferentes tribunais. Sendo as regras de admissão de apelos a serem julgados pela Suprema Corte bastante discricionárias do próprio tribunal de cúpula, cada vez mais apenas os casos realmente paradigmáticos, de repercussões políticas. Conflitos de interpretações parciais ou menores deixam de ser apreciados, sendo levados à julgamento pela Suprema Corte as questões que representem conflitos maiores, dos quais os julgamentos resultem em decisões paradigmáticas.

Bastante eficaz para dar uma perspectiva de concretude ao antes exposto trazer um Case Law recente da Suprema Corte como exemplo. O caso JAMEY L. WILKINS v. OFFICER GADDY [16], do qual fazemos reduzidíssimo resumo, tem aspectos interessantes que refletem o ante exposto. Trata-se de um julgamento recente, de fevereiro de 2010, envolvendo questão de direitos fundamentais. Qual o limite legalmente aceitável de emprego de força física por agentes carcerários, e até que ponto, e sob que critérios, o uso de força, independente de seqüelas ou não, estaria dentro da legalidade? Em termos gerais a decisão foi de que a ilegalidade da violência não estaria nas seqüelas, ou na ausência de lesões, nem na extensão do uso da força, e sim na motivação. Mesmo que não deixando seqüelas transitórias, o uso da força se motivado por sadismo, desproporcional, desnecessário, viola a Oitava Emenda da Constituição. Este caso tem a peculiaridade de ter sido processado na forma antes dita, de favorecer os pobres. "The petition for certiorari and the motion for leave to proceed in forma pauperis are granted".

Quanto à questão da guarda da força normativa da Constituição, em um momento onde no Brasil se propala discursos de que os direitos fundamentais de nossa Constituição não são absolutos diante da necessidade de enfrentar o crime organizado, a corrupção, é de extremo didatismo o caso MAPP v. OHIO,de onde extraímos o seguinte excerto.

But, as was said in Elkins, "there is another consideration - the imperative of judicial integrity." 364 U.S., at 222 . The criminal goes free, if he must, but it is the law that sets him free. Nothing can destroy a government more quickly than its failure to observe its own laws, or worse, its disregard of the charter of its own existence. As Mr. Justice Brandeis dissenting, said in Olmstead v. United States, 277 U.S. 438, 485 (1928): "Our Government is the potent, the omnipresent teacher. For good or for ill, it teaches the whole people by its example. . . . If the Government becomes a lawbreaker, it breeds contempt for law; it invites every man to become a law unto himself; it invites anarchy."

Considerando que a criação do nosso Supremo Tribunal Federal, por ocasião da Proclamação da República, consistiu em algo inspirado no modelo da Suprema Corte dos Estados Unidos, entendemos estes elementos de informação serem não apenas algo simplesmente ilustrativo, e sim de bastante utilidade para podermos melhor entender a evolução dos nossos modelos de recursos excepcionais. Igualmente nos trazem referências de comparação para análise de problemas que são associados a estes recursos. Questões como o excesso de demandas por julgamentos de número maior de recursos, refletindo na carga de trabalho dos Tribunais Superiores. Por conseguinte as tentativas de se encontrar mecanismos para adequar o acesso aos Tribunais Superiores não como uma terceira ou quarta instância revisora, o que equipararia os tribunais de sobreposição às instâncias ordinárias, mas sim como cortes com importantes funções de zelar pela nomofilaquia em relação à norma nacional e à norma constitucional. Na mesma esteira, trazer dois casos paradigmáticos da Suprema Corte dos EUA pode ser um modo de desmistificar comentários depreciativos tentando reduzir funções de mais alta importância da Corte Suprema a uma putativa "natureza política menor, diminuta", do Supremo Tribunal Federal. Os Tribunais de Cúpula não tem as mesmas motivações das Instâncias Ordinárias. Igualmente não é qualquer matéria que é cabível de apreciação por recursos excepcionais.

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3 – A CRISE DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL COMO A CRISE DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO

Até o advento da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, cabia ao Supremo Tribunal Federal a análise dos recursos de impugnação de violações tanto da norma constitucional, quanto da norma nacional, conforme antes visto nas alíneas do inciso III do artigo 114 da Constituição de 1967, e anteriormente ainda pelas alíneas do inciso III do artigo 101 da Constituição de 1946.

É o momento que surge como oportuno para analisarmos o processo de formação de nossa Federação. Enquanto nos EUA a Federação se formou de forma centrípeta, os Estados-Membros resolveram se unir em torno de uma Constituição Comum, e regidos por leis federais a valerem para todos, ao mesmo tempo cada Estado-Membro mantendo sua organização legislativa e judiciária, com liberdade para formular suas próprias organizações legislativas em matéria penal e civil, no Brasil o processo foi em sentido inverso, centrífugo. Com a República o Império uno se dividiu em Estados-Membros. E enquanto os EUA adotaram um modelo de constituição sintética, nossa tradição é de um modelo de constituição analítica.

Extraindo das lições de Inocêncio Mártires Coelho [17] sobre a matéria, podemos ter nossa Constituição como escrita, analítica, quiçá realmente prolixa, e hiper-rígida, considerando-se a existência de cláusulas pétreas indicando matérias fora de modificações pelo poder constituinte derivado ou revisor. Tão mais importante do que classificar genericamente uma constituição, é entender seus significados para o direito. Na obra citada é feita referência ao conceito de Peter Harbële [18], uma constituição escrita é o marco zero da República. Vem a ser uma ordem-quadro da República.

"...uma lei fragmentária, indeterminada, e carecida de interpretação, do que decorre, por outro lado, que a verdadeira Constituição será o resultado ─ sempre temporário e historicamente condicionado ─ de um processo de interpretação conduzido à luz da publicidade."

Partindo da premissa concreta de que temos uma constituição escrita, temos, por conseguinte, comandos lingüísticos. O texto em dita linguagem comum, ou seja, linguagem natural, comandos lingüísticos que devem ser interpretados, traduzidos a uma compreensão minimamente comum a todos operadores do direito regidos pela mesma norma, e, sobretudo, de pragmático cunho normativo, paradigmático. Embora represente, no que é visto apresentado pelos mais conceituados juristas, o que há de mais atual, e, sobretudo, científico no direito, não pretenderemos aqui aprofundar na questão da Filosofia da Linguagem, passível de aprofundamento à Hermenêutica Filosófica. Contudo o Conceito de Normas Constitutivas e Normas Regulativas segundo Searle (APUD Penco [19]) podem nos trazer uma clareza mais imediata de como interagir com a nomofilaquia constitucional, e com a interpretação das normas nacionais infraconstitucionais.

Conforme Carlo Penco, Searle fez a seguinte distinção entre duas espécies de regras que regem os atos lingüísticos. Primeiro, regras constitutivas, sendo estas as regras que definem qual o jogo está sendo jogado. Como analogia seriam, por exemplo, as regras do jogo de xadrez. O fato de se usar as peças do xadrez, se não forem seguidas suas regras, como por exemplo, se seguir as regras do jogo de damas, não se joga xadrez. A segunda espécie de regras seriam as regulativas. As regras regulativas sugerem, indicam como se desenvolver estratégias em consonância com as regras constitutivas. A exemplo de comparação, seriam como regras regulativas todo o rol de estratégias que podem ser lançadas mão no jogo de xadrez, sem faltar com as regras do jogo, constitutivas.

Se tomarmos a Constituição como o rol de regras constitutivas do que entendemos por Estado, inclusive as regras da separação dos Três Poderes, teremos todo um rol de possibilidades de regras regulativas a serem exercidas pelas normas infraconstitucionais. Uma norma inconstitucional equivaleria, no plano do Direito, a uma jogada do xadrez que violaria as regras do jogo, ao ponto de descaracterizar o xadrez em um outro jogo qualquer se aceitas. Por óbvio que podemos ter em mente a imagem do árbitro, do guardião das regras constitutivas. Não sem razão, pelo artigo 102, a guarda da interpretação da Constituição foi outorgada pelo Poder Constituinte Originário ao Supremo Tribunal Federal. Dentro desta perspectiva, além da defesa da Constituição, as atribuições do STF de exegeta da Norma Nacional, como antes de 1988 eram prenúncio de um colapso anunciado.

Insta-se aqui, por conta da própria natureza deste trabalho, fazer nova remissão às regras da Suprema Corte dos EUA [20]. Está claramente inscrito no caput da Regra nº. 10.

PART III. JURISDICTION ON WRIT OF CERTIORARI

Rule 10. Considerations Governing Review on Certiorari

Review on a writ of certiorari is not a matter of right, but of judicial discretion. A petition for a writ of certiorari will be granted only for compelling reasons. The following, although neither controlling nor fully measuring the Court’s discretion, indicate the character of the reasons the Court considers:

(a) a United States court of appeals has entered a decision in conflict with the decision of another United States court of appeals on the same important matter; has decided an important federal question in a way that conflicts with a decision by a state court of last resort; or has so far departed from the accepted and usual course of judicial proceedings, or sanctioned such a departure by a lower court, as to call for an exercise of this Court’s supervisory power;

(b) a state court of last resort has decided an important federal question in a way that conflicts with the decision of another state court of last resort or of a United States court of appeals;

(c) a state court or a United States court of appeals has decided an important question of federal law that has not been, but should be, settled by this Court, or has decided an important federal question in a way that conflicts with relevant decisions of this Court.

A petition for a writ of certiorari is rarely granted when the asserted error consists of erroneous factual findings or the misapplication of a properly stated rule of law.

Importante observar um ponto de extrema relevância, a ser retomado adiante. Quem decide por último a admissibilidade de um recurso ao Tribunal de Cúpula, a instância ordinária ou o próprio Tribunal?

As regras de admissão do writ of certiorari, nova designação dada ao antigo writ of error a partir da reforma judicial dos EUA, de 1928, deixando de ser um juízo de erro para ser denominado juízo de certeza, não são, em sua essência, muito diferentes das regras insculpidas na Constituição do Brasil de 1891. Regras estas sobre as quais é útil se dizer de quanto, apesar das sucessivas revisões, vieram, no entanto, mantendo sua essência, até a Constituição de 1988.

Esta inspiração em normas dos EUA se mantiveram até período recente de nossa história republicana, visto o disposto nos artigos 115 e da Constituição de 1967, na forma dada pela Emenda Constitucional nº 7 de 1977.

Art. 119. Compete ao Supremo Tribunal Federal:

(...)

§ 3º O regimento interno estabelecerá: (Incluída pela Emenda Constitucional nº 7, de 1977)

a) a competência do plenário, além dos casos previstos nas alíneas a, b, c, d, i, j, l e o do item I dêste artigo, que lhe são privativos; (Incluída pela Emenda Constitucional nº 7, de 1977)

b) a composição e a competência das turmas; (Incluída pela Emenda Constitucional nº 7, de 1977)

c) o processo e o julgamento dos feitos de sua competência originária ou recursal e da argüição de relevância da questão federal; e (Incluída pela Emenda Constitucional nº 7, de 1977)

d) a competência de seu Presidente para conceder o exequatur a cargas rogatórias e para homologar sentenças estrangeiras. (Incluída pela Emenda Constitucional nº 7, de 1977)

Nesta mesma perspectiva, devemos suscitar a redação do artigo 115 da mesma constituição.

Art. 115. Compete aos Tribunais:

III - elaborar seus regimentos internos e neles estabelecer, respeitado o que preceituar a Lei Orgânica da Magistratura Nacional, a competência de suas câmaras ou turmas isoladas, grupos, seções ou outros órgãos com funções jurisdicionais ou administrativas; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 7, de 1977)

Por óbvio que estes dispositivos não foram repetidos pelo Constituinte de 1988, no entanto geraram praxes arraigadas até hoje, quer pelo modo de interpretar os artigos 22 e 24 da atual Constituição, inobstante a clareza solar do parágrafo quarto do artigo 24, no modo como é ponderado quando se trata da aplicação dos regimentos internos dos tribunais, frente ao parágrafo segundo do mesmo dispositivo constitucional.

Tendo em mãos essas informações, podemos analisar o explanado por Mancuso [21], a partir da Reforma Constitucional de 1926 até a presente data o Supremo Tribunal Federal foi mantido como a Corte com competência para julgar, em Recurso Extraordinário, as violações à norma constitucional. Importante lembrar de que até 1988, além da exegese sobre a interpretação constitucional, também a tarefa de analisar e se manifestar por instrumento do mesmo Recurso Extraordinário, sobre a interpretação e aplicação da norma nacional dada pelas instâncias ordinárias. Em 1901 a média registrada foi de 26 Recursos Extraordinários que deram entrada no Supremo, em 1933 a média foi de 55. Em 1960, ano da transferência do STF para Brasília, o número de julgamentos de Recursos Extraordinários alcançou 5.946, alcançando o número de 17.798 processos em 1985. Por óbvio que nem toda matéria tem escopo de ser apreciada pela Suprema Corte, natural então a formulação de mecanismos de filtragem à subida de recursos extraordinários.

Em agosto de 1963 foi realizada emenda regimental ao RISTF, criando o sistema de súmulas com instrumento de trabalho da Corte. Impende trazer à questão que a Emenda Constitucional nº. 1 de 1969 permitia ao STF, por meio de seu regimento, determinar qual matéria seria passível de apreciação pela corte e qual não, e os critérios, isto por meio do Regimento Interno da Corte. Logo, já antes da EC 07 de 1977, vários mecanismos de filtragem à admissibilidade de recursos extraordinários foram sendo formulados através de reformas e emendas ao Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal. Já em 1970 um rol de restrições à admissibilidade de recursos ao STF foi formulado. Em 1975 a Emenda Regimental 3 introduziu com força cogente o instituto da argüição de relevância da matéria objeto de recurso como requisito à admissibilidade do apelo extraordinário. Esta argüição de relevância foi revista, consolidada, atualizada e ampliada nas alterações do RISTF em 1980. Em 1977 a Emenda Constitucional nº. 7 consolidou força de lei ao Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, teleologicamente, de fato, dando à Corte poderes de legislar sobre material processual ao largo do Congresso Nacional. Foi então introduzida a argüição de relevância da questão federal que se pretenderia ver apreciada pela via recursal extraordinária. Pode se observar a historicidade de se tentar usar do RISTF como mecanismo de óbice ao conhecimento e julgamento de recursos extraordinários, criando-se critérios de exclusão, ou seja, só seriam submetidos ao conhecimento e julgamento pela Corte aqueles recursos que lograssem êxito em demonstrar não estarem passíveis de retenção em nenhum dos critérios de filtragem criados.

No que a Constituição de 1988 não manteve dispositivos anteriormente citados, não sendo mais facultada força de lei processual ao RISTF, bem como não sendo trazida à nova ordem constitucional a argüição de relevância da matéria a ser apreciada pelo STF, por óbvio que deixar a massa de causídicos, inclusive pressionados pelas partes que os remuneram, o critério de discernir o que seja matéria realmente constitucional, e o que não seja, levou a uma explosão recursos extraordinários. Considerando o critério trifásico de admissão dos recursos excepcionais, onde o primeiro juízo de admissibilidade é realizado no próprio Tribunal a quo, cabendo da negativa de seguimento do recurso o agravo ao Tribunal Superior, a segunda fase, da qual cabe uma terceira fase, o agravo regimental ao colegiado da decisão do Relator; nada inesperado que questões sem nenhum fulcro constitucional viessem a serem levadas ao Supremo Tribunal Federal, tratadas tais questões processuais como fossem mais um recurso à instância ordinária.

Em 1963, ao publicar uma monografia sobre o recurso extraordinário, o jurista José Afonso da Silva preconizava a criação de um novo Tribunal de Sobreposição [22], qual denominou de Superior Tribunal de Justiça, preconizando que esta Corte estaria sobreposta aos Tribunais Estaduais e aos Tribunais Federais, correspondente ao TST, STM e TSE, com competência para exegese e guarda da nomofilaquia da norma nacional de natureza cível, penal e administrativa. O recurso a este Tribunal seria denominado Recurso Especial. Com poucas modificações a idéia encampada pela Comissão Afonso Arinos, ou seja, a Comissão Provisória de Estudos Constitucionais, instituída pelo Decreto 91.450 de 1985, cujos resultados dos trabalhos foram apresentados na forma de um anteprojeto constitucional [23] que precedeu os trabalhos da Assembléia Nacional Constituinte. A título de exemplificação a proposta da estrutura do Superior Tribunal de Justiça está disposta nos artigos 281 a 283 do anteprojeto. Impende, pela atualidade do tema, suscitar do mesmo anteprojeto o Artigo 280, prevendo a criação do Conselho Nacional da Magistratura, idéia não acolhida pelo Constituinte Originário, e que, no entanto, tem conteúdo normativo muito próximo do que se consolidou na criação do Conselho Nacional de Justiça através da EC nº 45 de 2004.

Com a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, através de seu artigo 105, foi criado o Superior Tribunal de Justiça, com funções de exegese e uniformização da norma nacional infraconstitucional. Pragmaticamente se tratou de um avanço, no que não apenas se retira um imenso volume de trabalho da responsabilidade do Supremo Tribunal Federal, quanto se oferece racionalidade ao sistema. Tendo o Supremo Tribunal Federal, composto de apenas onze Ministros, analisar a correta aplicação da norma constitucional e da norma nacional, ter-se-ia um processo de natureza bifásica. Uma primeira fase da análise da aplicação da norma constitucional como regras constitutivas, estando a norma nacional revisada como regras regulativas. Numa segunda fase haveria a análise da conformidade de interpretação da norma nacional na condição de regras constitutivas e a interpretação pelas instâncias ordinárias como um juízo sobre regras regulativas. Incumbindo ao Supremo Tribunal Federal, num sistema monofásico, a análise da norma constitucional como regra constitutiva, é natural que se tenha uma maior racionalidade, por outro lado cria-se, inexoravelmente, alguma zona de conflitos interpretativos entre o STF e o STJ. O que o Superior Tribunal de Justiça possa considerar escorreito, poderá, e não é incomum acontecer, o Supremo Tribunal Federal considerar merecedor de revisão por violar as regras constitutivas do Estado, a Constituição Federal.

Mesmo com a distribuição de tarefas a partir da Constituição de 1988, considerando que temos uma constituição extensa, analítica, de natureza prolixa, e hiper-rígida, não seria mais que um simples óbvio a alegação de violações de mandamentos constitucionais para as causas mais simples. O controle de constitucionalidade exige racionalidade. Se há um consenso de inexistir até agora um sistema ótimo, alcançável por soluções ótimas, usar de tal argumento para justificar o nada tentar em termos de soluções pragmáticas é mais que uma simples falácia, podendo ser verdadeiro sofisma a dar falsa sustentação a imenso rol de intenções. Não se poderia esperar que a Suprema Corte Nacional soçobrasse diante da carga de trabalho, diante do número de agravos em crescimento exponencial, para que depois pudesse até se alegar a inviabilidade do sistema de controle de constitucionalidade por tribunais de cúpula.

A Emenda Constitucional 45 de 2004 está no rol das soluções que são tidas pelos especialistas como as não ótimas, mas as tentativas possíveis de se chegar a um aprimoramento do sistema. Em fria análise, a nova redação do parágrafo terceiro do artigo 102 da Constituição, analisada à luz do atual RISTS [24], visto a redação deste e mais a redação do artigo 543 e parágrafos, não traz nenhum óbice instransponível de que uma causa seja apresentada ao Supremo Tribunal Federal. Requer que haja no cerne da lide fundamentos constitucionais sólidos cuja repercussão da interpretação dos fatos e das normas infraconstitucionais aplicadas ultrapasse o simples interesse das partes, e, sobretudo, haja habilidade técnica dos causídicos em demonstrar previamente a questão constitucional. Pragmaticamente as barreiras encontradas estão presentes numa questão fundamental na apresentação de recursos aos Tribunais de Cúpula: o prequestionamento. Imprescindível, contudo, antes de adentrar neste tema, explorar os requisitos essenciais de admissibilidade dos recursos excepcionais. Considerando a similitude e o aspecto comum destes pré-requisitos tanto ao Recurso Extraordinário, quanto ao Recurso Especial, tomaremos como método tratar tais questões conjuntamente.

Sobre o autor
Ramiro Carlos Rocha Rebouças

Advogado, Especialista em Direito Penal e Processual Penal pela Universidade Estácio de Sá, Mestre em Fisiologia pela FMRP-USP.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

REBOUÇAS, Ramiro Carlos Rocha. O recurso especial e o recurso extraordinário cíveis à luz da jurisprudência. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 3003, 21 set. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/20037. Acesso em: 22 nov. 2024.

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