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A incidência econômica dos tributos

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3 O MODELO TRIBUTÁRIO PREVISTO NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988

Neste ponto, faz-se necessário pontuar a ordem jurídica tributária inaugurada pela Constituição Federal de 1988. Passadas 2 (duas) décadas da promulgação da Constituição, observa-se que o modelo de financiamento estatal adotado pouco contribuiu para a resolução dos infindáveis problemas sociais brasileiros. Coincidência ou não, mas a verdade é que a redemocratização brasileira ocorre concomitantemente com o ressurgimento do liberalismo econômico, travestido agora do neoliberalismo.

O resultado concreto desta infeliz coincidência histórica se fez presente no texto constitucional, que no caso específico do modelo de financiamento estatal adota dois eixos centrais: i) severa tributação sobre a renda e o consumo individuais; e ii) desoneração do patrimônio, do capital e do lucro.

Deve-se salientar que ambos têm íntima relação com a ideologia neoliberal, que defende, de um lado, o afastamento da incidência tributária sobre o capital e o lucro; e, por outro, a maciça transferência de recursos públicos da sociedade para a atividade econômica, por meio de empréstimos de agentes financeiros estatais, subsídios, obras de infra-estrutura e benefícios fiscais. Esta realidade deixa transparecer as tênues fronteiras entre os sistemas político, econômico e legal. Neste sentido, Barcellona (2000, p. 153) afirma:

Il sistema econômico definisce in ultima istanza i fini e gli obiettivi entro cui l’agire político viene collocato come puramente strumentale e contestualmente definisce lo spazio delle regola giuridiche como regola del gioco, procedure e tecniche funzionali allá negoziazione degli interessi economici.

Da Rosa (2009, p. 51) é mais enfático ao alertar para a criação de um novo princípio jurídico "[...] «o do melhor interesse do mercado». O Direito é um meio para atendimento do fim superior do «crescimento econômico»".

Evidentemente que as repercussões sócio-econômicas provocadas pela ordem jurídica atual podem ser alcançadas e mensuradas quantitativamente. Isto não representa um reducionismo, um enclausuramento de uma realidade social em uma fórmula matemática, em um resultado exato; mas uma possibilidade objetiva de confrontar uma face mensurável realidade concreta (plano material) com o plano normativo.

3.1 OS RESULTADOS MACROECONÔMICOS

Embora o Brasil ainda se encontre distante de ser reconhecido como um Estado que proporciona uma ampla rede de segurança social, é patente o fenômeno do crescimento das receitas tributárias. Neste sentido, os dados levantados, relativos ao período de 1990 a 2007, indicam que a carga tributária brasileira (CTB) teve um incremento real superior, por exemplo, ao PIB e à Conta Nacional Salários e Remunerações, conforme mostrado no gráfico 1.

Gráfico 1 – Variação real acumulada das contas nacionais

No período de 1990 a 2007 a carga tributária brasileira teve um incremento de 101,58%, superior ao próprio crescimento do PIB no mesmo período (67,04%). Por outro lado, os dados indicam que, entre 1990 a 2006, a carga tributária teve um incremento real de 83,77%, enquanto a conta nacional Salários e Remunerações [01] de apenas 51,52%. Isto implica em um maior comprometimento da renda individual destinada ao pagamento de tributos e, consequentemente, uma diminuição da renda individual disponível. Além disso, existe a perda do poder aquisitivo da renda dos trabalhadores, resultante das próprias condições do mercado de trabalho. Por exemplo, entre 1990 a 2006, os salários e remunerações apresentaram um incremento de 51,52%, inferior, portanto, ao do crescimento econômico (PIB) no período analisado.

Outros dados demonstram que, no período analisado, a carga tributária foi suportada prioritariamente pela pessoa física, conforme mostrado no gráfico 2.

Gráfico 2 – Carga tributária incidente sobre pessoas físicas e jurídicas

O Gráfico 2 mostra que, no período de 1990 a 2007, a carga tributária em relação ao PIB teve uma elevação de 28,79% para 34,74%. Mas, em todo o período analisado, os tributos indiretos e diretos suportados pelas pessoas físicas corresponderam, aproximadamente, a 2/3 da carga tributária nacional.

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O resultado acima induz a discussão sobre a questão do limite dos tributos indiretos na composição total da carga tributária nacional. Os dados estão dispostos no gráfico 3.

Gráfico 3 – Composição da carga tributária brasileira

No período analisado, a participação dos tributos indiretos na carga tributária total passou de 52,45% para 43,45%. Longe de comemorar o decréscimo da incidência dos tributos indiretos, há sérias preocupações quanto à repartição da carga tributária brasileira, principalmente porque em aproximadamente metade da carga tributária se verifica a impossibilidade de mensuração da capacidade contributiva individual. A experiência internacional (DUE, 1974) tem apontado que a tributação indireta acima de 30% da carga tributária passa a ter natureza regressiva.


CONSIDERAÇÕES FINAIS

A discussão sobre o modelo político-econômico dominante, para se efetivar, necessitará perpassar temas controversos que a cultura de poder no Brasil nunca autorizou discuti-los, posto que envolvem interesses econômicos inestimáveis, imprevisíveis e, até então, intocáveis. São comportamentos políticos que veiculam privilégios históricos e indevidos, que afetam direta e indiretamente à sociedade brasileira. Dentro deste contexto, inclui-se a questão do ônus econômico do tributo, um dos temas mais controvertido, exatamente porque a democracia e o consenso social não foram capazes ainda de equacionar a relação entre tributação e justiça social.

Como fenômeno associado ao exercício do poder, a esfera política apresenta-se vulnerável a grupos de pressão. A norma jurídica, neste caso, representa o instrumento através dos quais os grupos dominantes satisfazem seus interesses. Por exemplo, contrapondo-se à vontade geral e em atendimento à vontade econômica dominante, é possível ocorrer o direcionamento da política tributária com o fim de desonerar a atividade econômica privada (capital, lucro e patrimônio) e imputar uma maior carga tributária à sociedade (consumo e renda). Neste sentido, os dados da realidade sócio-econômica apontam que a carga tributária é suportada prioritariamente pela pessoa física. No período de 1990 a 2007 o PIB brasileiro experimentou uma elevação de 67,04%; os Salários e Remunerações incremento, até 2006, de 44,11%; enquanto a carga tributária elevou-se em 101,58%. A primeira conclusão a se tirar desse fenômeno é que a carga tributária eleva-se independentemente da geração de novas riquezas. O problema é saber de onde estão sendo retirados esses recursos.

Os dados indicam que a realidade brasileira neste período pouco foi alterada, com a tributação suportada pela pessoa física permanecendo em torno de 2/3 do total da carga tributária. À atividade econômica privada restou arcar com os outros 1/3 da carga tributária no período.

A análise da composição da carga tributária revela que os tributos indiretos ainda têm forte participação no total arrecadado, apesar do decréscimo de 52,45%, em 1990, para 43,45%, em 2007.

Evidentemente que este panorama torna-se potencialmente mais ofensivo quando a realidade econômica subjacente restringe a renda individual decorrente do trabalho. Por um lado, as regras de mercado impõem uma renda habilmente mensurada para fornecer, apenas, o mínimo necessário à sobrevivência humana, calculada em função apenas das necessidades mais elementares, como alimentação e vestuário, restringindo ou impossibilitando o consumo autônomo de bens e serviços fundamentais à existência humana digna, como saúde, educação e laser. Por outro, as escolhas políticas das bases econômicas de incidência tributária privilegiam o consumo e a renda individuais, desonerando o capital, o lucro e o patrimônio. Em adição, constata-se a pífia presença social do Estado, cuja prestação de bens, serviços e equipamentos públicos essenciais, tais como a saúde, educação, segurança, transporte público e tutela jurisdicional, são mínimos e precários. Evidentemente que a sobreposição desses fenômenos tem colocado uma parcela considerável da sociedade brasileira em situações de vulnerabilidade social.


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Nota

01 Os dados das Contas Nacionais de 2007 ainda não estão disponíveis.

Sobre os autores
Raymundo Juliano Rego Feitosa

Professor da Universidade Federal de Pernambuco, Pós-doutor em Direito

Alexandre Henrique Salema Ferreira

Professor de Direito Tributário e de Direito Financeiro do Curso de Direito da Universidade Estadual da Paraíba (UEPB), Auditor Fiscal da Receita Estadual da Paraíba, Mestre em Ciências da Sociedade pela UEPB e Especialista em Auditoria Fiscal-contábil pela UFPB

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FEITOSA, Raymundo Juliano Rego; FERREIRA, Alexandre Henrique Salema. A incidência econômica dos tributos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 3012, 30 set. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/20055. Acesso em: 22 dez. 2024.

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