3 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Desse estudo sobre a sustentabilidade em obras públicas no Brasil, pode-se concluir que o arcabouço jurídico ambiental brasileiro conta com dispositivos, desde a Constituição Federal até a PNMA, a PNMC, a PNRS e o Estatuto da Cidade, entre outras normas, que compreendem uma grande variedade de princípios, objetivos e instrumentos em prol do meio ambiente.
A Constituição Federal tutela o meio ambiente para as presentes e futuras gerações, segundo o entendimento de sua essencialidade para a dignidade humana. A fim de que ocorra o desenvolvimento nacional sustentável, o crescimento econômico deve se dar de modo a causar o mínimo impacto ambiental. Sob o princípio da precaução, as atividades ou obras que tenham a possibilidade de causar danos ao ambiente devem ser precedias de estudo analítico sobre esse impacto negativo. A Administração não se furta dessa obrigação, aliás, dela compartilha junto com a sociedade civil. Antes de qualquer ente privado, o Poder Público deve zelar pela defesa e proteção do meio ambiente. Portanto, seus atos devem se pautar pela sustentabilidade, a quê se juntam as licitações públicas, por meio das quais a Administração compra, contrata e constrói.
Na doutrina do Direito Ambiental Brasileiro, o princípio da equidade intergeracional, o princípio da ubiquidade e o da prevenção exigem que todos os atos oficiais do Estado contribuam para a sustentabilidade ambiental. A PNMA, a PNMC e a PNRS, políticas norteadoras da preservação do meio ambiente, têm dispositivos que fundamentam claramente a participação do Poder Público, por suas condutas administrativas, como instrumento econômico-financeiro a pesar em favor da sustentabilidade.
Ao lado da legislação nacional, compromissos externos como a Agenda 21, firmada na ECO-92, no Rio de Janeiro e a Conferência de Johanesburgo, foram assumidos voluntariamente, demonstrando a intenção de o Estado se adequar a padrões de produção e de consumo sustentáveis. Mais uma vez, se exige que a Administração passe a agir como outros países: reduzindo o consumo, conscientizando os stakeholders internos, racionalizando o uso dos recursos naturais, emitindo menos GEE, destinando adequadamente seus resíduos. Não é mais suficiente para a humanidade que o Estado seja apenas a polícia do meio ambiente, ou que pague para poluir.
Esse fundamento legal demonstra que a Administração Pública tem respaldo para, por meios diversos, estimular a prática de soluções sustentáveis. Uma forma de atuação econômica possível é por meio das licitações públicas, oportunidade singular em que o Estado, por seu poder de compra, pode exigir dos seus fornecedores e prestadores de serviços que adotem padrões condizentes com as políticas ambientais. Isso deve acontecer gradualmente, pois o próprio mercado produtor deve estar preparado para fornecer sob essas condições, que vai exigir qualificação, formalidade, adoção de padrões técnicos e respeito ao meio ambiente.
As licitações e contratações da Administração Federal contam com dispositivos na Lei nº 8.666/93 que impõem a exigência de critérios de sustentabilidade na definição do objeto. Pode-se dizer que, a partir de 2010, o desenvolvimento nacional sustentável foi elevado à categoria de objetivo das licitações. A opção por uma contratação sustentável não só não conflita com os princípios das licitações, como a partir de então passou a ser considerada também um objetivo com status de princípio.
A escolha dos licitantes deve observar a isonomia entre eles, quando da definição dos requisitos para a habilitação dos interessados no certame. As exigências de sustentabilidade devem estar nos predicados do objeto, no desempenho que se espera dele, nas suas características técnicas, à luz dos projetos básico e executivo da obra. Os requisitos de sustentabilidade devem ser comprovados quanto ao objeto e não quanto ao licitante. Esses requisitos devem servir à seleção da melhor proposta e não para a habilitação dos interessados. O que se exige para a participação do licitante são requisitos legais. Da obra licitada podem-se exigir certificações, desempenho e qualidade, desde que estes requisitos guardem nexo com o interesse público. As certificações, contudo, podem subsidiar a pontuação dos licitantes, como critério complementar, na análise técnica das propostas.
A Administração se vale da licitação para selecionar a proposta que lhe for mais vantajosa e, para isso, deve considerar o custo global do bem ou serviço, e não só o custo inicial de contratação. Nas obras públicas, a escolha da melhor proposta deve valorar o impacto ambiental durante toda a vida útil do edifício a ser construído, desde o projeto, até a alienação, passando pelo tempo de uso e manutenção. Deve ser avaliado, também o aspecto socioeconômico que envolve a construção.
Nas obras públicas, de acordo com o que será executado, por preceito constitucional, o ente contratante está obrigado à elaboração prévia de estudo de impacto ambiental. A Lei de Licitações e Contratações prescreve que nos projetos sejam considerados requisitos de sustentabilidade relacionados à economia de recursos na execução, na operação e na manutenção, bem como padronização técnica, segurança e respeito ao meio ambiente. A legislação prevê, também, a destinação de pequena parcela do orçamento da obra para prevenir e corrigir os danos socioambientais que venha a causar.
No ano de 2010, ocorreu a edição da Instrução Normativa nº 001/2010 – SLTI/MPOG em prol da adoção de práticas sustentáveis nas licitações da Administração Federal. Essa norma dita critérios que devem ser exigidos nas obras, nos serviços e nas compras, enfatizando o que a Lei de Licitações já recomendava. Na prática, as exigências legais e regulamentares funcionam como estímulo à sustentabilidade nas licitações, porque não há instrumento administrativo de cobrança dos administradores.
Podem-se estabelecer os seguintes momentos críticos de uma licitação de construção pública, quando se devem exigir critérios de sustentabilidade: o projeto básico, o projeto executivo e a fiscalização da obra. A Administração, entretanto, deve estar preparada para inserir critérios de sustentabilidade nos editais, exigir esses critérios nas propostas dos licitantes e fiscalizar a sua implementação nas obras, com o nível de detalhamento que o meio ambiente merece. Deve haver, também, a preparação dos gestores públicos para a operação e para a manutenção sustentável dos edifícios já existentes.
As decisões dos tribunais sobre as licitações relacionadas a soluções sustentáveis mostram que ora o órgão público não acerta na imposição de critérios de sustentabilidade no edital; ora o mercado não está preparado para atender o que a administração necessita. Quando o requisito técnico e o prestador de serviço se acertam, não há contenda.
As divergências se prendem à universalidade na participação nos certames; à necessidade de que as certificações sejam exigidas dos produtos, e não dos construtores; ao encadeamento lógico entre o requisito técnico e o interesse público; à necessidade de EIA/RIMA anterior à execução da obra; à resistência do construtor em sair da informalidade.
O Tribunal de Contas da União, nas oportunidades em que se tem manifestado sobre sustentabilidade em obras, abordou a questão da qualificação técnica dos construtores, reiterando que as certificações podem sim ser exigidas dos participantes, mas não como critério eliminatório da fase de habilitação, e sim como critério de pontuação, na fase de classificação da proposta mais vantajosa.
Da pesquisa na jurisprudência sobre o tema se conclui que as obras públicas sustentáveis pouco têm sido objeto de decisões nos tribunais. Nas raras vezes que isso ocorre por falha do Poder Público, a razão está em erros simples, que poderiam ter sido evitados com uma análise minuciosa do instrumento convocatório. Pode ser, também, que a pouca ocorrência de processos judiciais dessa natureza se deva à novidade do assunto, ou pior, porque os gestores públicos não têm feito uso das licitações sustentáveis em prol do meio ambiente.
É difícil, também, encontrar editais de licitações de obras públicas que usem critérios de sustentabilidade. Desde o início de 2010, vários editais passaram a fazer referência à Instrução Normativa nº 001/2010 – SLTI/MPOG, mas raros editais definiram como por em prática a sustentabilidade na obra. Isso faz supor que a referência à sustentabilidade é uma mera obrigação formal, sem valor efetivo. Nestes casos, se alguém ousar cobrar a sustentabilidade da obra, ter-se-á um entrave sob o aspecto material e normativo.
Outros editais, ao contrário, são ricos em exigências que favorecem o meio ambiente. Exigem diversas certificações, que devem estar coerentes entre si, para o quê os servidores encarregados devem estar atentos, a fim de serem evitados conflitos. Não é raro verificar, também, que alguns padrões de "selos verdes" priorizam critérios que não são os mais ambientalmente adequados ao local da obra. Por isso, é importante que a equipe que conduzirá os serviços tenha a composição especializada o suficiente, pois essas certificações independentes têm um custo elevado que sairá do orçamento, e devem levar a um resultado satisfatório.
Qualquer que seja o tipo de serviço contratado, elaboração de projeto básico, projeto executivo, construção, reforma, gerenciamento de obra ou fiscalização, fornecimento de material, cessão de uso ou arrendamento de imóvel, desde uma grande construção até uma pequena reforma, é possível a inserção de requisitos de sustentabilidade na licitação. Há respaldo jurídico para isso. Exigir o cumprimento do edital e do contrato é que pode ser um desafio. Esse trabalho eleva a importância da fiscalização do contrato. Nas obras maiores, o esforço da comissão de fiscalização deve incluir o cuidado com a formalidade da mão de obra empregada, ao lado dos aspectos técnicos relacionados diretamente à sustentabilidade ambiental da construção. Isso fica mais fácil em uma obra de menor porte, na qual é possível a conferência da sustentabilidade pelo próprio fiscal, dispensando as certificações.
Cabe ressaltar que o que se deseja é que o edifício construído ou reformado tenha o desempenho sustentável, desde o projeto até a sua demolição. A rotulagem não pode ser o fim da licitação, mas sim o meio para se assegurar a sustentabilidade da construção.
Os administradores públicos têm que ser conscientizados da importância da sustentabilidade em obras, bem como da obrigação que têm de buscar esse objetivo nas licitações. Isso se dá pelo empenho do Governo na promoção de políticas bem estruturadas, que engajem gestores de todos os níveis da administração, que lhes deem apoio e bases regulamentares. A Agenda Ambiental na Administração Pública do Ministério do Meio Ambiente pode auxiliar nesse desafio, mas a adesão aos seus compromissos ainda é restrita. Para se alcançarem resultados satisfatórios, é impositivo que haja maior envolvimento político e melhor estruturação no âmbito administrativo, estabelecendo-se objetivos bem definidos.
Analisada a situação das obras públicas na França, encontrou-se um quadro normativo com bases semelhantes às do Brasil, ainda que naquele país a preocupação jurídica do meio ambiente tenha iniciado depois. As preocupações com a igualdade de tratamento, com a escolha da oferta mais vantajosa e com a precisão na definição das necessidades são valoradas igualmente nas licitações sustentáveis dos dois países. O Código de Contratações Públicas, combinado com atos do Ministério da Economia, e o Código de Construção e Habitação, somado a atos do Conselho de Estado, contêm as diretrizes legais suficientes para a edificação sustentável na administração pública.
Comparadas com o Brasil, as diferenças entre as licitações de obras com critérios de sustentabilidade destacam-se na velocidade e na intensidade com que essa prática foi adotada na França. Ressalta-se, também, a força política que trouxe essas inovações, considerando-se aí a liderança do Chefe de Governo à frente do processo e a sujeição às normas da União Europeia.
É marcante, na França, que há elevadas metas estabelecidas e prazos fixos a serem atingidos para a incorporação de requisitos de sustentabilidade em construções novas e em reformas de edifícios. Isso é monitorado pelo Governo Francês. Há uma estrutura de apoio aos gestores, os quais são submetidos a programas de conscientização e de formação. Os administradores públicos têm a obrigação de avaliar a possibilidade de adoção de critérios de sustentabilidade nas licitações de obras públicas, não só em função das citadas metas, mas principalmente porque a sustentabilidade é um princípio a ser observado nas contratações públicas francesas.
No Canadá a estrutura legal que explicita a sustentabilidade nas licitações de obras está concentrada nas Políticas do Governo, mais do que nas leis. A Política de Contratações, a Política de Compras Ecológicas e a Lei Federal do Desenvolvimento Sustentável são a estrutura normativa das construções sustentáveis do governo. Fundamentalmente, preserva-se a igualdade, a publicidade e a transparência nas licitações. A avaliação dos custos ao longo de toda a vida útil do bem ou serviço contratado, assim como a inserção de critérios ambientais na descrição do objeto são recomendações comuns também no Brasil. O Governo do Canadá assume com seriedade o seu papel de líder e de incentivador do mercado de sustentabilidade.
O Governo Canadense é responsável pela administração de todos os prédios federais de forma centralizada, o que facilita o controle das obras, bem como sua padronização. Em termos técnicos, a preocupação mais frequente nas políticas ambientais ligada aos edifícios públicos é com a sua eficiência energética.
As normas dirigidas às obras e edifícios públicos canadenses determinam aos administradores que sejam atingidas metas de sustentabilidade, que o desempenho dos edifícios seja avaliado e que prestem contas da sustentabilidade nas suas administrações. O Governo Canadense possui normas que estabelecem metas altas de ecoeficiência para os prédios públicos, e pretende alcançar certificações tanto para as obras futuras como para os edifícios existentes, a serem reformados. Esses resultados têm sido atingidos tanto por força da estrutura legal eficiente como pela ação dos administradores, que não têm as soluções sustentáveis como uma opção, mas como uma obrigação, que perseguem com afinco.
No Chile, a Constituição assegura a todos o direito a um meio ambiente sadio, por quê é dever do Estado zelar. A legislação sobre meio ambiente e sobre avaliação do impacto ambiental nas obras públicas aborda o tema de forma equivalente à legislação brasileira.
A legislação chilena sobre licitações é bem diferente da brasileira. Naquele país, a Lei de Bases sobre Contratos Administrativos de Fornecimento e Serviços disciplina as compras e serviços, enquanto o Regulamento para Contratos de Obras Públicas regra as construções. Os processos também são diferentes, porque para as compras e serviços há maior possibilidade de acesso à participação dos interessados; para as obras, que são conduzidas de forma centralizada, somente são chamados os empreiteiros previamente cadastrados, de acordo com as categorias dos serviços a serem executados. Nas obras, portanto, a habilitação dos interessados não é uma fase do certame. Mais, na licitação para compras e fornecimento há a possibilidade de valoração de diversos aspectos da oferta que não o preço, podendo ser consideradas externalidades e critérios técnicos do objeto; na licitação de obras a técnica é sempre definida pela administração, e o critério de seleção das propostas é o preço.
A introdução de critérios de sustentabilidade nas licitações é uma prática muito recente no Chile, que ainda está desenvolvendo mecanismos de apoio aos administradores públicos em parceria com órgãos locais e internacionais. Nota-se a preocupação do Governo Chileno com a eficiência energética e com a capacidade de o parque produtor interno atender a demanda das licitações sustentáveis.
A Diretiva de Contratação Pública nº 9, de 2008, do Ministério da Fazenda Chileno, é um marco na legislação, pois foi a primeira norma a tratar de licitações sustentáveis objetivamente. Essa Diretiva assim como a maior parte dos esforços administrativos, todavia, são dirigidos às compras e aos serviços, e não às obras públicas sustentáveis, para as quais não há referência normativa. Por esse motivo, esvaziou-se a expectativa de colher referências legais chilenas no tema estudado.
Uma visão crítica sobre o tema deste estudo leva à conclusão de que o Brasil possui instrumentos legais para exigência e a valorização de critérios de sustentabilidade nas licitações de obras de engenharia. O desenvolvimento nacional sustentável é um dos objetivos das licitações e contratos públicos, e nos projetos de obras e de serviços devem ser considerados requisitos próprios. Detalhando os mandamentos legais, a Instrução Normativa nº 001/2010 – SLTI/MPOG orienta quanto aos requisitos de sustentabilidade ambiental nos processos licitatórios de, compras, serviços e obras.
É possível buscar a sustentabilidade em obras públicas de todos os tamanhos e modalidades, observando que é mais fácil atingir este objetivo nas obras menores, porque são de mais fácil controle pelos administradores públicos. Apesar disso, poucas são as experiências em que efetivamente são valorados os aspectos ambientalmente amigáveis nas licitações de obras públicas do Governo Federal.
Na elaboração dos editais e contratos de construção, é essencial que não se frustre o caráter competitivo da licitação com exigências técnicas dos licitantes. Por outro lado, na seleção da melhor proposta, além do preço, devem ser valorizados aspectos ambientais e socioeconômicos que ultrapassam o valor da obra. Deve ser observado, ainda, que o interesse público está no desempenho ambiental da obra licitada, e não nas certificações que lhe forem concedidas. Os momentos críticos para que se tenha uma licitação sustentável de obra são a elaboração dos projetos básico e executivo, a especificação do material, a fiscalização dos contratos, a operação do edifício acabado e a sua manutenção.
Da apresentação da legislação sobre obras públicas sustentáveis na França e no Canadá, verificou-se que a legislação desses países é muito bem estruturada técnica e juridicamente sobre esse tema. Junte-se a isso a base administrativa e o peso político das autoridades francesas e canadenses que estão à frente dos projetos. Do estudo sobre a França, percebe-se a preocupação com a conscientização dos gestores públicos; do Canadá, a cobrança na avaliação dos resultados alcançados. Os administradores públicos de ambos os países são obrigados à adoção de gestões sustentáveis, entretanto, seus governos investem em sua formação e nas ferramentas de apoio, antes de estabelecerem rigorosas metas e monitorarem seu desempenho. Do Chile ainda não há ensinamentos a importar, porque a prioridade do governo quanto à sustentabilidade em licitações é para as compras e serviços, sem descuidar da capacidade de atendimento pelos produtores.
Os ensinamentos que se colhem desse estudo é que, desde 1981, quando o Brasil iniciou sua Política Nacional do Meio Ambiente, muitos aspectos foram aperfeiçoados nas práticas públicas sobre meio ambiente e sustentabilidade. Isso, porém, não é suficiente, porque o meio ambiente exige mais mudanças, com maior velocidade, amplitude e eficiência. As obras públicas sustentáveis são um campo a ser mais bem regulamentado pelo Governo, o que será positivo para o mercado. É essencial estabelecer metas e avaliar o desempenho dos entes públicos, de acordo com índices de sustentabilidade ambiental. É imperativo, antes disso, conscientizar os gestores públicos, em todos os níveis, investir na sua adequada formação e dar-lhes apoio técnico.
A Agenda Ambiental na Administração Pública do Ministério do Meio Ambiente pode ser um elemento facilitador para se alcançar a sustentabilidade nas obras públicas, mas não pode ser o único ponto de apoio. Há necessidade de força política e de apoio de todos os setores da sociedade, para que se valorize o custo socioambiental e o papel de cada um na persecução desse importante objetivo.