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A auditoria governamental na avaliação do controle primário

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Agenda 10/10/2011 às 16:39

3.A AVALIAÇÃO DO CONTROLE PRIMÁRIO

O presente capítulo tem como objetivo analisar de que forma a auditoria governamental pode induzir a melhoria do controle primário, como instrumento típico de avaliação utilizado pelos órgãos de controle.

3.1- A importância de se avaliar o controle primário

Nós avaliamos diariamente, emitindo opiniões que nos subsidiam as escolhas e nos orientam as ações. Temos que:

Quando detectam algum problema, as pessoas recolhem informação para poder tomar decisões que lhes permitam enfrentá-lo da melhor maneira possível. Do mesmo modo, realizadas as ações que consideraram oportunas em seu momento, costumam refletir sobre o acerto ou o erro que incorreram ao agir desta maneira. Desta forma, avaliando ações e obtendo informações para ajustar seu comportamento futuro (COHEN; FRANCO, 1999, p.72).

Avaliar é um processo contínuo, que nos permite refletir sobre o concreto e a realização de escolhas, e ocorre de maneiras formais ou não.

O processo de avaliação do controle primário tem sido valorizado na gestão, ainda que de forma incipiente, dado que as orientações do Tribunal de Contas da União - TCU contidas na Portaria TCU nº 277, de 7.12.2010 e o Anexo II da Decisão Normativa nº 107, de 27.10.2010, também do TCU, indicam que os relatórios de gestão (2010) das unidades jurisdicionadas devem apresentar informações sobre o funcionamento do seu controle primário, contemplando alguns aspectos vinculados ao COSO (2007), sem contudo, considerar a visão mais ampla de gerência de riscos incorporadas na segunda versão desse documento. Assim, nos termos da referida Portaria, esses dados objetivam:

Demonstrar a estrutura de controles internos da Unidade Jurisdicionada, de forma a evidenciar a suficiência desses controles para garantir, com razoável segurança, a confiabilidade das informações financeiras produzidas, a obediência (compliance) às leis e regulamentos que a regem ou ao seu negócio, a salvaguarda dos seus recursos, de modo a evitar perdas, mau uso e dano e a eficácia e eficiência de suas operações (TCU, 2010e, p. 82)

Assim, cabe às equipes dos órgãos de controle interno efetuarem testes no controle primário das unidades que foram selecionadas pelo TCU para serem avaliadas pela Auditoria Anual de Contas [22]. Essa iniciativa, ainda que embrionária e carente de expertise e reflexões, por parte de quem audita e de quem preenche o relatório de gestão, trouxe a mesa de discussões o controle primário, no escopo do processo sistemático de prestação de contas.

Todavia, a ideia de avaliar o controle primário já existia, antes dessa ação diretiva do TCU de 2010, na Instrução Normativa nº 01/SFC/2001, o Manual do Sistema de Controle Interno do Poder Executivo Federal, quando:

4. Avaliação dos controles internos administrativos – quando ficar identificado na ordem de serviço a necessidade de avaliação dos controles internos administrativos, o servidor do Sistema de Controle Interno do Poder Executivo Federal deve efetuar um adequado exame com vistas à avaliação da capacidade e da efetividade dos sistemas de controles internos administrativos – contábil, financeiro, patrimonial, de pessoal, de suprimento de bens e serviços e operacional - das unidades da administração direta, entidades da administração indireta, projetos e programas (BRASIL, 2001b, p. 55).

Apesar dessa normatização datada de 2001, estudos de Aragão (2010) indicam, em relação ao Tribunal de Contas da União, que "[...] de forma geral, as auditorias do órgão ou não tiveram o foco principal voltado para os controles internos ou não utilizaram metodologia robusta para avaliação dos controles [...] (ARAGÃO, 2010, p. 229)", apresentando a questão como carente de implementação na prática.

Apesar do modelo do COSO ser adotado por instituições como a US Government Accountability Office (EUA) e a INTOSAI (2007), a implementação desses princípios nos arcabouços legais, processos de capacitação e ainda, nas avaliações dos órgãos de controle, se faz de forma tímida, com roupagens estranhas à administração pública brasileira, reforçando a visão do controle como uma questão alheia à gestão.

A avaliação do controle primário de uma determinada unidade se prende a dois objetivos, de um modo geral. Inicialmente, na tradição contábil, avalia-se o controle primário, para "[...] saber o risco que se corre quando se dá opinião com base em testes, para avaliar uma gestão ou certificar um balanço (CASTRO, 2009, p.56)", na visão de avaliação do controle primário como levantamento de riscos, no planejamento dos testes que serão utilizados no processo de auditoria da gestão.
Essa avaliação, geralmente feita por testes de aderência (observância), é costumeira nos trabalhos de auditoria interna e independente [23], e busca racionalizar e orientar o trabalho de auditoria, este já com predominância de testes substantivos.

Levantamento do Tribunal de Contas da União (2009) em função da demanda de um parlamentar, indica que alguns países, como o Chile, Peru, Paraguai e Colômbia, atribuem aos órgãos centralizados de controle funções de avaliação e elaboração de marcos teóricos do controle primário, reforçando que o assunto controle é pertinência desses órgãos, em níveis de responsabilidade distintos.

O segundo objetivo da avaliação dos controles primários se dá

[…] com o intuito de confirmar se existem riscos para o alcance dos principais objetivos perseguidos pelo programa ou órgão público e apresentar recomendações para a melhoria de sua eficácia. Essa análise é fundamental para se poder opinar sobre a regularidade e os resultados de uma gestão e constitui uma das formas da auditoria para o aperfeiçoamento da gestão pública (ARAGÃO, 2010, p. 223).

E na visão do mesmo autor, ainda carece esse objetivo de metodologias próprias e de presença mais amiúde nas atividades dos órgãos de controle, ainda voltados de forma predominante para o aspecto financeiro e de conformidade.

Assim, a ideia de se avaliar o controle primário de uma organização, com a finalidade de induzir a melhoria da gestão pública, apesar de incipiente, traz em si o potencial de valorizar o papel dos órgãos de controle interno e externo, na condição de especialistas do assunto "Controle", o que possibilita, na interação desses órgãos com os gestores, assessorá-los da melhor maneira de controlar e ainda, promovendo o controle como um valor organizacional.

Da mesma forma, o controle primário não é um fator absoluto, binário, como implantado ou não. Ele é um processo, gradativo, com peculiaridades de unidade para unidade, e que para isso precisa de uma avaliação contínua, com interação visando à melhoria.

Essa interação, de caráter preventivo e com fulcro pedagógico, permite um fortalecimento da função controle na gestão - dado que esse foi vilipendiado no discurso da reforma do Estado -, e consequentemente, reduz a corrupção e contribuindo para o atingimento dos objetivos da organização, com eficácia e eficiência, agindo também para melhorar a credibilidade do órgão público diante de suas partes interessadas.

3.2- A auditoria governamental como instrumento de avaliação da gestão

A auditoria é um instrumento de uso corrente dos órgãos de controle, consagrado em suas práticas e que tem várias definições na literatura, onde destaca-se:

A auditoria é o conjunto de técnicas que visa avaliar a gestão pública, pelos processos e resultados gerenciais, e a aplicação de recursos públicos por entidades de direito público e privado, mediante a confrontação entre uma situação encontrada com um determinado critério técnico, operacional ou legal (BRASIL, 2001b, p. 31).

Também recebe de alguns autores a denominação de Auditoria Governamental, conforme estudo da Associação dos Tribunais de Contas:

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AUDITORIA GOVERNAMENTAL: exame objetivo, sistemático e independente, pautado em normas técnicas e profissionais, efetuado em entidades estatais e paraestatais, funções, subfunções, programas, projetos, atividades, operações especiais, ações, áreas, processos, ciclos operacionais, serviços, sistemas e na guarda e aplicação dos recursos, em relação aos aspectos contábeis, orçamentários, financeiros, econômicos, patrimoniais e operacionais, assim como acerca da confiabilidade do sistema de controle interno, por servidores públicos integrantes do quadro permanente das EFs, denominados de profissionais de auditoria governamental, através de levantamentos de informações, análises imparciais, avaliações independentes e apresentação de informações seguras, devidamente consubstanciadas em provas, segundo os critérios de legalidade, legitimidade, economicidade, eficiência, eficácia, efetividade, eqüidade, ética e preservação do meio ambiente, além de observar a probidade administrativa e a responsabilidade social dos gestores da coisa pública (BRASIL, 2010d, p.11).

Por seu turno, a classificação dotada pelas normas de auditoria do TCU indicam dois tipos de auditoria, de acordo com a sua natureza:

Auditorias de regularidade que objetivam examinar a legalidade e a legitimidade dos atos de gestão dos responsáveis sujeitos à jurisdição do Tribunal, quanto aos aspectos contábil, financeiro, orçamentário e patrimonial. Compõem as auditorias de regularidade as auditorias de conformidade e as auditorias contábeis.

Auditorias operacionais, que objetivam examinar a economicidade, eficiência, eficácia e efetividade de organizações, programas e atividades governamentais, com a finalidade de avaliar o seu desempenho e de promover o aperfeiçoamento da gestão pública.

(BRASIL, 2010b, p.14).

A auditoria é um mecanismo, um instrumento que nos permite se aproximar de um determinado objeto o qual desejamos apreender informações, no caso, a gestão pública. Segue critérios, normalmente vinculados a conformidade e a eficiência/eficácia e procura ter independência, dentro do possível, de forma a construir um olhar externo, certificador, que tenha isenção na emissão de opinião.

Conforme Jund (2003), a auditoria, formalizada no cenário profissional, tem a sua Gênese no século XV, na profissão de guarda-livros, que analisava todos os lançamentos contábeis na busca de falhas, sendo uma profissão que cresceu a medida que a sociedade capitalista se tornou mais complexa e com o surgimento da sociedade por ações de forma mais abrangente, os grupos de acionistas passaram a demandar mecanismos de verificação da gestão do seu capital aplicado.

Assim, o produto fundamental da auditoria é uma opinião abalizada sobre a gestão, construída mediante métodos próprios. Uma opinião que tem um fim gerencial, de norteamento de mudanças. A auditoria governamental, na linha da melhoria da gestão, busca identificar situações, levantar as causas e propor medidas que, atuando sobre as causas, mitiguem os problemas.

A auditoria não é lastreada pelo fato de no controle existirem doutos e especialistas. Até por que, empiricamente, quem está na prática cotidiana, sabe muito mais das tarefas do que o profissional de controle. A questão não é de saber. A questão é de olhar. O profissional do controle tem um olhar diferenciado, que o permite, diante das situações encontradas, apontar recomendações que possam contribuir para a melhoria da gestão.

E no caso do Controle Primário, considerando-se que o controle não é apenas um valor organizacional, mas uma área do conhecimento, tem-se que os órgãos de controle, na sua prática cotidiana, desenvolvem essa expertise, de aprender a gerenciar o risco e de garantir que os objetivos serão atingidos, tornando-se núcleos de referência na arte de controlar, podendo aí assessorar os órgãos com conhecimento técnico, e com olhar diferenciado. Não ensinam, como órgão de controle, a fazer licitações e sim como fazê-las com gerência de risco. E avaliam como essa lição é aprendida, em uma tarefa eminentemente pedagógica.

Mas, para isso, os profissionais de controle devem aperfeiçoar essa visão, de que o controle é o seu negócio, o seu assunto e que deve ser produzido conhecimento nesse sentido, adaptando-se as discussões no âmbito nacional e internacional, no campo público e privado, para as peculiaridades da gestão pública brasileira.

Assim, a realização de uma ação de controle por uma equipe de auditoria é uma atividade de pesquisa, de se debruçar sobre um objeto para apreender conhecimento, que poderá ser utilizado em diversas situações. È uma absorção de dados, com o posterior processamento e a entrega, para outras instâncias e para o próprio gestor.

A ação de controle produz um relatório, que tem reflexos em várias dimensões, algumas formais, outras não:

Quadro 3- Dimensões das informações de um relatório de ação de controle

 

Dimensão

Subsidia

Gera

Foca no

ADMINISTRATIVA

Processo Administrativo Disciplinar e processo no Tribunal de Contas

Encaminhamento ao órgão correicional e ao Tribunal de contas

Conduta do servidor

PENAL

Inquérito

Encaminhamento ao Ministério Público

Tipificação de ato previsto em Lei

CIVIL

Tomada de Contas Especial

Encaminhamento ao Gestor e depois ao Tribunal de Contas

Quantificação do dano ao Erário

POLITICO-INFORMATIVA

Matéria jornalística

Nota a imprensa

Impacto da conduta na opinião pública

GERENCIAL

Reformulação de rotinas administrativas

Recomendação estruturante

Melhoria da gestão pública

Construção do autor

A informação gerada pelo processo de auditoria tem grande valor, dentro e fora da organização pública. Mesmo que o órgão de controle não queira, por força da conjuntura vigente e do arcabouço legal, um relatório de auditoria tem reflexos nessas diversas dimensões, com efeitos de várias matizes, ainda que na sua construção, no processo de testes e análise de dados e documentos, esses futuros produtos estejam imbricados.

A questão é que, a despeito da importância de todos os aspectos apresentados, o viés gerencial tem o condão de propiciar um processo de melhoria da gestão e de prevenção de novas ocorrências similares, atacando pela via da recomendação as causas dos problemas apontados.

Esses aspectos coexistem e visam a finalidades diferentes, condicionadas por visões diferentes. Mas, no que tange ao fortalecimento do Controle Primário, o aspecto gerencial, que se faz preponderante, para não dizer exclusivo, em uma auditoria de natureza operacional, permite esse retorno à conduta do gestor de forma mais efetiva, dentro do papel de interlocução do órgão de controle, ainda que os outros aspectos demandem atuações não menos importantes.

Já que a auditoria trata-se de um instrumento consolidado nos órgãos de controle, e que permite não só a formação de opinião consignada em um documento, o relatório, mas também a formulação de recomendações, que retroalimentam o processo de gestão, e que são monitoradas ao longo do tempo; a auditoria se apresenta como uma forma adequada de interação dos órgãos de controle no campo do controle primário. Mas, resta a questão. Qual o tipo de auditoria mais adequada para a avaliação do controle primário?

A análise do exposto sobre a avaliação do controle primário aponta que a auditoria operacional, pela sua análise das dimensões de eficácia e de eficiência, poderia servir melhor a esse propósito, já que as auditorias operacionais:

[...] possuem características próprias que as distinguem das auditorias tradicionais. Ao contrário das auditorias de regularidade, que adotam padrões relativamente fixos, as auditorias operacionais, devido à variedade e complexidade das questões tratadas, possuem maior flexibilidade na escolha de temas, objetos de auditoria, métodos de trabalho e forma de comunicar as conclusões de auditoria. (BRASIL, 2010c, p. 13).

É da natureza das auditorias de regularidade, que os resultados sejam apresentados como uma opinião concisa e padronizada. Nas auditorias operacionais, a análise trata da economicidade, da eficiência e da efetividade dos resultados alcançados, podendo seu produto (relatório) variar consideravelmente em escopo e natureza, informando, por exemplo, sobre a adequada aplicação dos recursos, sobre o impacto de políticas e programas e recomendando mudanças destinadas a aperfeiçoar a gestão (BRASIL, 2010c, p.13).

Assim, considerando-se a estreita ligação do controle primário com a questão da dinâmica cotidiana e a cultura organizacional, e ainda, dado que determinadas normas abordam a questão, como no caso da transparência, mas tem-se que no campo do controle primário, cada unidade traz peculiaridades, apresenta-se a auditoria operacional como instrumento mais adequado para esse tipo de avaliação.

3.3- A avaliação do controle primário utilizando a Auditoria

Esse tópico procura, à luz de um exemplo fictício e resgatando as componentes do controle primário já estudadas, em associação às técnicas de auditoria previstas na literatura sobre o assunto, apresentar, em linhas gerais, como uma auditoria operacional em uma determinada unidade pode contribuir para a melhoria do controle primário.

Como exemplo, tomaremos então uma agência de previdência social do INSS. O  Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) é uma autarquia federal vinculada ao Ministério da Previdência Social, criada pela Lei nº 8.029, de 12.04.1990, e visa concretizar políticas previdenciárias,  de forma a garantir proteção ao trabalhador e sua família. Nos termos do Decreto nº 6.934, de 11.08.2009, a interação dessa entidade com o público se faz por meio de Agências de Previdência Social - APS:

Art. 17.  Às Agências da Previdência Social, subordinadas às respectivas Gerências-Executivas, compete:

I - proceder ao reconhecimento inicial, manutenção, recurso e revisão de direitos aos benefícios administrados pelo INSS, perícia médica, habilitação e reabilitação profissional, serviço social, bem como a operacionalização da compensação previdenciária e a emissão de certidões de tempo de contribuição;

II - propor consulta formal às áreas técnicas da Gerência-Executiva à qual se vincula;

III - executar as atividades de orientação e informação, de acordo com as diretrizes estabelecidas nos atos específicos que definem o assunto;

IV - atender as demandas da Ouvidoria-Geral da Previdência Social;

V - prestar as informações requisitadas pela Procuradoria para subsidiar a defesa do INSS em juízo e cumprir, sob orientação da Procuradoria, as decisões judiciais; e

VI - executar as atividades de orientação, informação e conscientização da sociedade, inclusive aquelas decorrentes das parcerias locais, regionais ou nacionais, de acordo com as diretrizes estabelecidas no Programa de Educação Previdenciária - PEP, em articulação com a Gerência-Executiva (BRASIL, 2009).

Sendo esta a unidade operacional nos processos de verificação e manutenção de benefícios, entendida essa unidade, a APS, como ponto de interação com o público, uma auditoria operacional que se proponha a avaliar o controle primário, eleito o sentido de sua eficácia, como dimensão principal, deve verificar o atingimento de metas pré-fixadas nesse sentido.

Assim, na análise exemplificada, o INSS publicou uma resolução fictícia da política de gerência de riscos da Autarquia, onde estabelece metas de desenvolvimento do controle primário pelas suas APS, estabelecendo uma classificação desses níveis, com base nas componentes do controle primário, a saber:

Categoria A- A APS deve ter identificado os seus objetivos no cenário que está inserida, no nível estratégico, tático e operacional, relacionando a esses objetivos os riscos percebidos.

Categoria B- A APS, após validação das hipóteses de risco em um processo de construção junto aos atores envolvidos, efetua a elaboração de ações de resposta ao risco, envolvendo alterações na cultura organizacional e estabelecimento de rotinas próprias de verificação. No caso da APS, os processos de concessão de benefícios previdenciários e assistenciais [24] tem mais relevância no atingimento desse patamar do que os processos de manutenção de benefícios e de atendimento ao público, na área fim, pelos riscos envolvidos.

Categoria C- A APS apresenta, de forma perceptível, na sua cultura organizacional, nas normas e estruturas, indicativos de implementação de uma resposta ao risco e uma cultura de controle. Efetua  testes nos seus próprios mecanismos de prevenção e mitigação ao risco, de forma periódica. Apresenta redução em relação a período anterior de indicadores de risco externo. Inicia uma política de transparência, pela linha do acesso dos segurados ao andamento dos fluxos de trabalho.

Categoria D- As APS que atingirem o último nível, além de terem processos de resposta ao risco adequados, efetivos e implantados, adotam uma política de transparência com a identificação do público-alvo, interno e externo, e um acesso a informações de forma clara e compreensível.

Essas categorias são apenas uma referência de requisitos classificatórios, exemplificados para um caso concreto. Uma vez estabelecidos, a Auditoria Interna do INSS encaminha ao final de cada exercício um questionário com itens a serem respondidos por cada APS,  que permitirão o enquadramento desta, de forma declaratória, em uma categoria.

No contexto fictício do exemplo,  e tendo por base o rito do Manual de Auditoria Operacional do TCU (BRASIL, 2010c), com adaptações, a Auditoria Interna, levando em consideração  a materialidade (volume de benefícios geridos pela APS), relevância (localização em relação a comunidades com vulnerabilidade social) e criticidade (risco construído por meio de denúncias, reportagens e outras fontes de informação); seleciona as APS, por categoria e base territorial, que serão avaliadas, com o fim de certificar o processo de enquadramento, mas de principalmente coletar informações com o fim de melhorar o controle dessas APS, permitindo que elas progridam de categoria em outros exercícios e ainda, que estas informações possam gerar recomendações generalizantes, a serem utilizadas por outras APS em seu processo de implantação contínua do controle primário.

No processo de planejamento da Auditoria de Natureza Operacional, a equipe deve estudar não só o questionário preenchido pela APS e sim diversas informações externas relativas ao atingimento de objetivos pela APS e os riscos percebidos em vários indicadores, como denúncias, resultados de auditorias de conformidade, matérias em jornal, pesquisas de opinião, e comportamentos de saldos discrepantes com os padrões do órgão. Tais informações serão a base para a avaliação dos resultados declarados no processo de gerência de risco.

Efetuado esse levantamento, a equipe deve formular questões de auditoria, como norteadoras do trabalho. No caso em comento: 1) Em que medida a APS preenche os requisitos na qual ela se declarou enquadrada? 2) Que práticas tem sido adotadas pela APS na resposta ao risco? E 3) Em que medida essas práticas tem sido eficazes na melhoria do controle primário? As questões abrangem o problema da Auditoria, que se detém a avaliar o controle primário da APS em um prisma classificatório, mas indutor.

A avaliação demandará procedimentos, compostos de testes substantivos e de observância. A Instrução Normativa nº 1/SFC/2001 apresenta técnicas que podem ser adaptadas para o trabalho em comento, tais como: indagação oral, análise documental, confirmação externa, correlação de informações obtidas, inspeção física e observação de atividades.

A peculiaridade da verificação pode demandar a elaboração de outras técnicas, que envolvam mais amiúde o ambiente e a estrutura, como a : análise do organograma, análise do fluxo de informações, bem como a realização de testes substantivos específicos sobre os procedimentos de controle elaborados pelo gestor.

Os princípios do controle interno administrativo, citados por Castro (2009) e Jund (2003), como rodízio de pessoal, segregação de funções, perfil na seleção de pessoal, rodízio de chefias, manualização, limites de alçadas, são elementos objetivos de avaliação, dentro da linha das componentes do controle primário, que podem servir de base para a avaliação, com as devidas adaptações, para o levantamento de boas práticas e ações menos eficazes, que surjam como oportunidade de melhoria.

Ao final do trabalho, que deve ser executado com constante interação com os auditados, como característica das auditorias operacionais, os achados podem ser consignados na Matriz de Achados, como no exemplo a seguir:

Quadro 4- Matriz de achados hipotética para avaliação do controle primário

 

Critério

Causas e Efeitos

Recomendação

Práticas inovadoras

Em relação ao declarado, risco percebido e em relação a práticas já catalogadas

Relação de situações que conduziram aos efeitos, identificando os pontos de atuação das recomendações

Medidas a serem adotadas para mitigar as causas ou maximizar boas práticas e de correção de procedimentos

Controles

Eficazes

Controles pouco eficazes

Riscos sem controles

 Construção do autor, baseado em Brasil (2010c).

Dessa matriz de achados será possível identificar em que grau a situação indicada no questionário se faz na prática, e relacionar as práticas adotadas, efetivas ou não, e a lacunas de riscos sem cobertura, permitindo ainda a segregação do conhecimento inovador que poderá ser catalogado e permitir o benchmarking [25] das APS na melhoria do seu controle primário, fruto de seu trabalho de auditoria.

As situações da matriz de achados devem ser discutidas com as APS e consignadas em relatório, com recomendações de caráter gerencial, e com a veiculação em canal próprio das boas práticas na rede de agências da previdência, devendo indicar, se for o caso, correções no processo de enquadramento.

Dada as limitações de escopo dessa monografia, que se ateve a referências bibliográficas apenas, o exemplo se apresentou de forma singela, ressaltando as peculiaridades desse tipo de avaliação em relação a outras, de conformidade, ou ainda, as próprias auditorias operacionais de avaliação de eficácia, eficiência, economicidade e efetividade.

Assim, cabe o registro de que o processo criou uma categoria prévia de enquadramento, o que considera o aspecto processual e subjetivo do controle primário, o que demanda parâmetros balizadores para aferição e estímulo ao desenvolvimento. Esses critérios, permitem uma atuação direcionada do órgão de controle no seu papel avaliativo.

Outro aspecto a ser destacado é que a avaliação busca produzir e sistematizar conhecimento generalizável sobre a melhoria do controle primário. Da mesma forma, o levantamento de informações se diferencia por ser voltado aos riscos percebidos na gestão e não aos processos de trabalho somente.

Por fim, a análise demanda técnicas e abordagens a serem construídas na auditoria, que envolvam aspectos da estrutura e da subjetividade, bem como a identificação de práticas, suplantando apenas a análise de documentos.

Assim, de modo a exemplificar a ideia de se avaliar o controle primário, a monografia apresenta uma situação concreta, porém fictícia, de um órgão com uma rede padronizada de unidades, em visões que podem ser aproveitadas em redes de hospitais, escolas, agências de fiscalização e outras congêneres, presentes na administração pública a mancheias.

O assunto demanda estudos adicionais, elaboração e validação de modelos e técnicas no campo prático, bem como de discussões em função da possibilidade dos achados melhorarem os processos de controle primário. Como demonstrado, é um tema que é antigo na gestão pública, mas que por várias questões históricas, ainda se faz incipiente no caso brasileiro, apresentando um largo horizonte de produção de conhecimento, já que a sua implementação apresenta ganhos na eficiência e eficácia da gestão, por agir na gerência de riscos, na garantia de atingimento dos objetivos e por reduzir as probabilidades de fraudes e de outras práticas patrimonialistas.

A auditoria de natureza operacional, pela sua valorização do aspecto gerencial em relação a busca de subsunção de práticas às normas, apresenta-se como instrumento flexível e adequado  para a avaliação do controle primário, dado também a sua estruturação e a possibilidade de se efetuar recomendações formais, construídas e que podem ser monitoradas.

Sobre o autor
Marcus Vinicius de Azevedo Braga

Analista de Finanças e Controle (CGU-PR). Mestre em Educação pela Universidade de Brasília (UnB). Bacharel em Pedagogia pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Bacharel em Ciências Navais com Habilitação em Administração (Escola Naval).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BRAGA, Marcus Vinicius Azevedo. A auditoria governamental na avaliação do controle primário. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 3022, 10 out. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/20173. Acesso em: 23 dez. 2024.

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