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A Medida Provisória nº 2.147 é inconstitucional.

Uma análise sobre licitações

Agenda 01/04/2001 às 00:00

Foi publicada no Diário Oficial da União do dia 16 de maio de 2001 a Medida Provisória nº 2.147, de 15 de Maio de 2001, que cria e instala a Câmara de Gestão da Crise de Energia Elétrica, do Conselho de Governo, estabelece diretrizes para programas de enfrentamento da crise de energia elétrica e dá outras providências.

A denominada Câmara de Gestão da Crise de Energia Elétrica - GCE tem como objetivo propor e implementar medidas de natureza emergencial para compatibilizar a demanda e a oferta de energia elétrica, de forma a evitar interrupções intempestivas ou imprevistas do suprimento de energia elétrica. É o já denominado pela imprensa Ministério do Apagão. Até então tudo bem, dada a relevância e urgência por que passa o País diante da crise energética, ainda que essa crise pudesse ter sido evitada pelo Governo, a despeito do declarado pelo Chefe do Executivo.


O que foi permitido no art.7º da Medida Provisória é o objeto do presente estudo ante a inconstitucionalidade do dispositivo. Diz o art.7º que a GCE poderá reconhecer caráter de emergência para obras, serviços e compras necessários à implementação das medidas emergenciais para a superação da crise de energia elétrica, inclusive para os fins do disposto no inciso IV do art. 24 da Lei no 8.666, de 21 de junho de 1993.

O § 1º ainda do mesmo artigo estabelece que não se aplicam, nas hipóteses deste artigo, o prazo máximo de cento e oitenta dias para a conclusão das obras e serviços e a vedação de prorrogação estabelecidos no inciso IV do art. 24 da Lei no 8.666 de 1993.

Ora, qual o alcance dos dispositivos citados face ao Estatuto das Licitações? Trata-se de uma nova hipótese de dispensa de licitação? Entendo que não, mas, de fato, houve modificação da Lei nº 8.666/93 em seu art.24, IV. Para esclarecer melhor o que se afirma, transcrevo o art.24, IV:

"Art. 24 É dispensável a licitação:

IV – nos casos de emergência ou de calamidade pública, quando caracterizada urgência de atendimento de situação que possa ocasionar prejuízo ou comprometer a segurança de pessoas, obras, serviços, equipamentos e outros bens, públicos ou particulares, e somente para os bens necessários ao atendimento da situação emergencial ou calamitosa e para as parcelas de obras e serviços que possam ser concluídas no prazo máximo de 180 (cento e oitenta) dias consecutivos e ininterruptos, contados da ocorrência da emergência ou calamidade, vedada a prorrogação dos respectivos contratos"

Depreende-se que a Medida provisória inovou ao afastar a limitação do prazo de cento e oitenta dias e a vedação da prorrogação dos contratos. Vejamos, em breve exposição, a interpretação do art.24, IV, citado e seu fundamento.

Sabemos que toda contratação no âmbito da Administração Pública, em regra, deve ser precedida de uma licitação. A ausência de licitação seria a exceção, motivo pelo qual só a Lei pode prever as hipóteses em que se prescinde de licitação. São os casos da dispensa e da inexigibilidade, e isso assim se justifica porque a licitação tem como finalidades respeitar os princípios da isonomia, moralidade, impessoalidade e maior vantajosidade para a Administração.

A hipótese do art.24, IV, portanto, deve ser sempre vista com cautela, a fim de que o conceito de emergência não seja impropriamente alargado para abranger casos em que não se configurem emergência real. O art.24, IV, funciona, portanto, para os casos em que, o decurso de tempo do procedimento licitatório, se esse fosse realizado em todos os seus trâmites, seria prejudicial para a tomada de medidas que evitassem danos irreparáveis. É o ensinamento do eminente administrativista Marçal Justen Filho.

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O conceito legal de emergência, segundo o texto do Estatuto das Licitações, pressupõe uma urgência que seja concreta e efetiva, demonstrável por dados. Não é, também, qualquer prejuízo que autorize esse caso de dispensa: o prejuízo deve ser irreparável ou deve ser ameaça à segurança das pessoas, obras, serviços, equipamentos e outros bens públicos e particulares.

Deve ficar claro que a contratação direta é o que há de mais adequado, útil e eficiente para afastar o perigo, pois, do contrário, inexiste caso que autorize dispensa de licitação. Todas as medidas devem ser indicadas e justificadas, provando-se a viabilidade da atitude drástica e a compatibilidade com a necessidade.

Ainda, assim, cumpre observar que a contratação direta deverá ter limites e esses limites encontram fundamento na excepcionalidade da medida e imprevisibilidade da situação de urgência. O Estado, como responsável no combate a essas situações de urgência, deve sempre tomar atitudes que a previnam. Se a urgência era previsível então não há que se falar em dispensa de licitação, por que, nesse caso, o Governo deveria ter evitado. Se não pensássemos assim, num País tão problemático como é o Brasil, todas as medidas seriam deixadas para a última hora, quando aí se alegaria urgência para dispensar a licitação. A Administração deve ser eficiente e respeitar o princípio da moralidade. Burlar a Lei com esse raciocínio é infringir o princípio da moralidade administrativa. Não prevenir situações de urgência que sejam previsíveis é atentar contra a eficiência administrativa.

A Lei nº 8.666/93 foi sábia ao limitar essa hipótese de contratação direta. O art.24, IV, só se destina a contratar o absolutamente indispensável para afastar o perigo. A execução do contrato não pode ultrapassar cento e oitenta dias e a prorrogação é vedada. Observa-se, portanto, que a Lei atende aos princípios da moralidade e obriga indiretamente que o administrador seja eficiente. A Lei faculta à Administração a contratação de parte do objeto a ser executado, para depois ser concluído mediante contratação precedida de licitação. Enquanto o objeto contratado diretamente é executado, um procedimento licitatório deve ser aberto com a finalidade de concluir a outra parte da obra ou serviço executado sem licitação, e o prazo de cento e oitenta dias é razoável para a conclusão do certame. Esse é o intuito da Lei e se fundamenta nos princípios acima citados.

Concluindo, ou bem a Administração dispensa a licitação para a compra dos bens estritamente necessários ao atendimento da situação emergencial, ou bem a Administração contrata obras e serviços que possam ser executados no prazo de cento e oitenta dias ininterruptos e consecutivos, sendo vedada a prorrogação desses contratos. No último caso, se a contratação de obra ou serviço puder afastar o perigo em cento e oitenta dias ou menos, procede-se à dispensa sem necessidade de nova licitação. Do contrário, a Administração, enquanto é executado o contrato dentro do prazo legal, deve abrir procedimento licitatório para completar a obra e serviço, se necessário para afastar completamente o risco de dano.

O que a Medida Provisória prevê é exatamente o contrário. O art. 7º acima citado não institui prazo limite algum e ainda permite a prorrogação do contrato. Em outras palavras, a Medida Provisória não impõe rédeas para impedir a violação dos princípios da impessoalidade e da moralidade administrativa, o que se nos afigura inconstitucional. O Ministério Público e o Tribunal de Contas deverão atuar com muito esforço para evitar lesão aos cofres públicos, porque a urgência, no contexto da Medida Provisória, já foi prevista há mais de ano por especialistas no assunto, e o Governo ficou inerte. Ademais, se a urgência é tão imprevisível assim, que abrem-se as portas para a desesperada dispensa de licitação, porque não se faz uma licitação prévia e ampla fixando preços para obras, serviços e bens que poderão vir a ser essenciais ao afastamento do perigo de dano? Com essa licitação, que estaria submetida a uma condição suspensiva, só seriam adquiridos os bens ou contratados as obras e os serviços se e quando houvesse a urgente necessidade. É evidente que haveria um prazo de validade dessa licitação até mesmo para que a proposta não ficasse inexeqüível por motivos supervenientes ou quando já passasse a situação de alerta de perigo.

Concluo, portanto, que a Medida Provisória nesses termos é inconstitucional pelo risco de violação aos princípios da impessoalidade e moralidade administrativa. Proponho que seja realizada desde já licitação nos termos em que foi colocado, ou seja, prevendo, por um determinado prazo de validade, a possibilidade de compra de bens e contratação de obras e serviços no caso de um eventual risco de dano à segurança das pessoas, serviços e bens públicos ou particulares, necessários a afastar o perigo em que se fundamenta a Medida Provisória nº 2.147, de 15 de Maio de 2001.

Sobre o autor
Bruno Lemos Rodrigues

acadêmico de direito na Faculdade de Direito do Recife (UFPE)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RODRIGUES, Bruno Lemos. A Medida Provisória nº 2.147 é inconstitucional.: Uma análise sobre licitações. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 6, n. 50, 1 abr. 2001. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/2023. Acesso em: 22 nov. 2024.

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