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A importância das serventias extrajudicias no processo de desjudicialização

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Agenda 17/10/2011 às 15:10

A atuação das serventias notariais e registrais em procedimentos antes de competência exclusiva do Poder Judiciário. Características e vantagens dos institutos civis já desjudicializados, seu trâmite nos cartórios extrajudiciais, e prognóstico de quais outros institutos serão, em um futuro próximo, trazidos para o âmbito administrativo.

"Justiça atrasada não é justiça, senão injustiça qualificada e manifesta".

RUI BARBOSA


RESUMO

O presente trabalho monográfico tem por escopo demonstrar como o fenômeno da desjudicialização acarreta significativa redução das demandas judiciais, bem como analisar a importante função dos notários e registradores nesse processo que, a cada dia, ganha maior importância no cenário jurídico brasileiro. A pesquisa analisa, outrossim, a atuação das Serventias Notariais e Registrais em procedimentos antes de competência exclusiva do Poder judiciário. Trata-se de uma abordagem a respeito das características e vantagens dos institutos civis já desjudicializados, seu trâmite nos cartórios extrajudiciais, e de um prognóstico de quais outros institutos serão, em um futuro próximo, trazidos para o âmbito administrativo.

Palavras chave: desjudicialização, serventias extrajudiciais, segurança jurídica, celeridade.

SUMÁRIO: 1. INTRODUÇÃO. 2. O PROCESSO DE JUDICIALIZAÇÃO BRASILEIRO E UM PARALELO ENTRE A FUNÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO E A DOS TITULARES DE CARTÓRIO. 2.1. O PROCESSO DE JUDICIALIZAÇÃO BRASILEIRO E A URGÊNCIA DA DESJUDICIALIZAÇÃO. 2.2. PARALEO ENTRE AS FUNÇÕES DO PODER JUDICIÁRIO E AS DOS TABELIÃES E REGISTRADORES. 2.3. SEGURANÇA JURÍDICA NO PROCESSO DE DESJUDICIALIZAÇÃO . 3. INSTITUTOS REPRESENTATIVOS DA DESJUDICIALIZAÇÃO . 3.1. PROTESTO DE TÍTULOS REGULADO PELA LEI 9.492/97. 3.2. EXECUÇÃO EXTRAJUDICAL NA ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA DE BENS IMÓVEIS INSTITUÍDA PELA LEI 9.514/97. 3.3. RETIFICAÇÃO DE ÁREA EXTRAJUDICIAL REGULADA PELA LEI 10.931/04. 3.4. INVENTÁRIO, PARTILHA, SEPARAÇÃO E DIVÓRCIO EXTRAJUDICIAIS REGULAMENTADOS PELA LEI 11.441/07. 3.5. USUCAPIÃO ADMINISTRATIVA REGULADA PELA LEI 11.977/09. 3.6. RETIFICAÇÃO DE REGISTRO DE ASSENTAMENTO CIVIL JUNTO AO REGISTRO CIVIL REGULADA PELA LEI 12.100/09 . 4. ATRIBUIÇÕES QUE PODERÃO SER TRANSFERIDAS PARA A SERVENTIAS EXTRAJUDICIAIS.4.1. SEPARAÇÂO, DIVÓRCIO, PARTILHA, E INVENTÁRIO QUANDO HOUVER INTERESSE DE MENORES OU INCAPAZES. 4.2. TODAS AS MODALIDADES DE USUCAPIÃO. 4.3. PROCEDIMENTO DE DÚVIDA PELA VIA ADMINISTRATIVA 4.4. ARBITRAGEM REALIZADA PELOS TABELIÃES DE NOTAS. 5. CONCLUSÃO. 6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.


1. INTRODUÇÃO

O presente trabalho aborda a atual situação do Poder Judiciário brasileiro, bem como apresenta meios alternativos, no âmbito extrajudicial, para a solução de questões não contenciosas, examinando a atuação dos tabeliães e registradores no processo de desjudicialização brasileiro.

O sistema jurisdicional hodierno, apesar de todos os avanços tecnológicos e logísticos dos últimos anos, se apresenta ineficaz ante as necessidades sociais. O princípio da inafastabilidade do Judiciário na solução dos litígios, corroborado pela Constituição Federal de 1988, no art.5º, XXXV, que pressupõe que "a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito [01]" promoveu um aumento significativo de demandas propostas perante o Poder Judiciário, provocando um acúmulo extraordinário de processos em todos os graus de jurisdição.

Embora os órgãos jurisdicionais estejam abarrotados de processos, o que se constata é que a população está cada vez mais alijada do acesso à justiça. O Professor Leonardo Greco, em seu texto Acesso ao Direito e à Justiça alerta para o fato de que:

Muitos direitos se perdem porque seus titulares não estão dispostos a lutar por eles, conscientes de que nenhum proveito concreto lhes trará a proteção judiciária tardia, ou, até, de que os ônus e sofrimentos da perseguição do direito sobrepujarão o benefício de sua conquista, e mais do que em países ricos, acesso à justiça dependerá, em grande parte, da estruturação e fortalecimento de várias modalidades de tutela jurisdicional diferenciada. [02]

Pelo exposto, observa-se que a morosidade dos procedimentos judiciais, bem como a burocracia dos trâmites processuais fazem com que a sociedade se veja desprovida da efetiva tutela jurisdicional, que constitui um direito garantido constitucionalmente. Portanto, diante do quadro caótico em que se encontra a justiça brasileira, o legislador viu-se compelido a criar meios alternativos para solução das questões advindas das relações sociais e econômicas. A partir de então, leis visando à desjudicialização começaram a ser editadas, e dentre elas, vale ressaltar a de protestos; a da alienação fiduciária de bens imóveis; a de retificação de área administrativa; a de inventário, partilha e divórcio extrajudiciais; a de usucapião administrativa; e a de retificação de assentos civis, leis estas que serão objeto de análise no próximo capítulo.

Constata-se, por conseguinte, uma tendência irreversível no processo de desjudicialização dos institutos relativos a direitos disponíveis e que versem sobre questões não contenciosas. Neste diapasão, serão apresentadas indagações quanto a outros institutos que poderão, a curto e médio prazo, ser transferidos para a esfera administrativa, assim como as vantagens conferidas pela desburocratização da efetivação dos direitos dos cidadãos.

Tratando-se de uma abordagem sobre a desjudicialização das relações sócio-econômicas, faz-se necessário definir as características deste fenômeno. O termo desjudicialização constitui uma faculdade conferida às partes para compor suas pretensões fora da esfera estatal, desde que sejam juridicamente capazes e que tenham, como objeto, direitos disponíveis. Ressalta-se que a utilização das vias extrajudiciais é uma escolha do jurisdicionado, ou seja, o cidadão continua tendo o direito de acesso ao Judiciário para resolver qualquer das situações destacadas como passíveis de serem objeto da esfera administrativa [03]. Portanto, este processo não fere qualquer garantia constitucional quanto ao acesso ao Poder Judiciário, pelo contrário, ele garante ao cidadão um meio alternativo de solução de suas pretensões sem que seja obrigado a submetê-las às delongas do processo judicial. A partir de então, desenvolveu-se uma nova mentalidade em meio à sociedade, qual seja: o indivíduo não mais terá que buscar os morosos ritos processuais para resolver questões de jurisdição voluntária (e até mesmo de jurisdição contenciosa, como no caso do inventário e da usucapião), podendo para tanto escolher um dos meios oferecidos pelo legislador no âmbito administrativo.

As Serventias Extrajudiciais, neste contexto, atuam como parceiros que permitem desafogar os órgãos judiciais. A eficácia e rapidez conferida pelos tabeliães de protesto nas relações de crédito; a possibilidade de retificação administrativa tanto do registro civil quanto de áreas no registro de imóveis; a execução célere e segura na alienação fiduciária; a facilidade do inventário e partilha, bem como do divórcio extrajudiciais; e a simplicidade da usucapião administrativa são iniciativas capazes de trazer para a população a garantia de ter seus direitos assegurados com eficácia e total segurança jurídica.

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2. O PROCESSO DE JUDICIALIZAÇÃO BRASILEIRO E UM PARALELO ENTRE A FUNÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO E A DOS TITULARES DE CARTÓRIO.

Neste capítulo, serão analisadas algumas das razões históricas que motivaram o abarrotamento dos órgãos jurisdicionais nas últimas décadas, demonstrando-se a premente necessidade de meios alternativos de solução de questões não contenciosas. Serão definidas, outrossim, as funções exercidas pelo Poder Judiciário, na figura do magistrado, bem como a atuação dos titulares de cartório nas relações sociais e jurídicas. Por fim, abordar-se-á a questão da segurança jurídica conferida aos atos realizados nas Serventias Extrajudiciais.

2.1. O PROCESSO DE JUDICIALIZAÇÃO BRASILEIRO E A URGÊNCIA DA DESJUDICIALIZAÇÃO

Ao longo do século XX, ocorreu um intenso processo de judicialização dos conflitos sociais. Este fenômeno pode ser explicado, em parte, pelo surgimento de novos direitos, os de terceira geração, como os transindividuais [04].

No início dos anos 80, os movimentos sociais progressivamente dedicaram-se à promoção dos direitos sociais e econômicos dos setores mais menos favorecidos da população. Surgiram novas reivindicações, como: o movimento a favor dos indígenas; a defesa dos chamados grupos minoritários, tais como os negros, os homossexuais, e os portadores de deficiências. Houve, também, a promoção do direito à moradia, à saúde, e ao meio ambiente. Aliadas a estes movimentos, as recentes reformas processuais alargaram as hipóteses de legitimação para agir nas ações coletivas, possibilitando amplo acesso ao Judiciário na defesa desses direitos.

Todavia, o maior impulso à judicialização foi, indubitavelmente, promovido pela Constituição Federal de 1988, a Constituição Cidadã. Por ter sido elaborada após um longo período de repressão política, a nossa Carta Magna, buscando a redemocratização brasileira, tornou o acesso à justiça um princípio constitucional, trazendo, em seu bojo, direitos e garantias que enaltecem o exercício da cidadania, estimulando assim o cidadão a buscar seus direitos através do Poder Judiciário.

Este acesso à justiça firmou-se no plano normativo por intermédio de vários comandos constitucionais, e dentre eles pode-se citar:

1) a assistência judicial integral aos necessitados, nos termos do inciso LXXIV, do art. 5º;

2) a criação de juizados especiais pela União, DF e Estados, para a conciliação, o julgamento e a execução de causas cíveis de menor complexidade e infrações penais de menor potencial ofensivo, mediante os procedimentos oral e sumaríssimo, nos termos do art. 98;

3) a elevação da Defensoria Pública à categoria de instituição essencial à função jurisdicional do Estado, cabendo-lhe a orientação jurídica e a defesa em todos os graus dos necessitados, conforme o art. 134;

4) a reestruturação do Ministério Público como instituição essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe atribuições para a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses coletivos e difusos, prevista nos arts. 127 e 129 [05].

A Constituição Cidadã trouxe inegáveis e inestimáveis avanços ao exercício da cidadania. Não se deve olvidar, entretanto, que, se por um lado a judicialização das questões sociais representa o amadurecimento do processo de democratização de uma sociedade, por outro lado impõe ao Estado, como ente provedor, um volume imenso de litígios a serem dirimidos. Esta crescente demanda, por conseguinte, faz com que o aparelho judiciário torne-se extremamente moroso trazendo, muitas vezes, ineficácia à prestação jurisdicional. Na opinião de Marco Antonio Botto Muscari, Juiz de Direito em São Paulo:

O Judiciário pede socorro. A demanda de processos que diariamente chegam à Justiça, muitos deles beneficiados pelos abusos da gratuidade, faz com que as pessoas promovam um excesso de litígios, até estimuladas pelo benefício da assistência judiciária gratuita [06].

A sociedade hodierna exige efetividade e celeridade na solução das pretensões individuais. Portanto, o Poder Constituinte Reformador, através da Emenda Constitucional nº45 de 2004, inseriu o inciso LXXVII ao art. 5º do Texto Republicano, trazendo um novo direito fundamental: "A todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação [07]". Neste diapasão, a desjudicialização é tema de suma importância para a plena, rápida e eficaz realização do Direito.

Este comando constitucional demonstra a necessidade de uma reestruturação do sistema da administração da Justiça. Impõe, outrossim, a busca por meios alternativos de promover a efetividade dos direitos, evitando o acesso generalizado, e muitas vezes injustificado, ao Poder Judiciário, e retirando da esfera judicial procedimentos que podem ser transferidos a outras entidades capazes de solucionar questões não contenciosas de forma mais célere e menos onerosa às partes. Neste sentido discorre o atual Ministro da Justiça José Eduardo Martins Cardozo:

Sou daqueles que pensam que o Poder Judiciário só deveria intervir, salvo raríssimas exceções, em situação que exista verdadeiro conflito de interesse. Naquilo que se chama de jurisdição voluntária, quanto mais puder ser delegada a particulares, isso desentulhará a máquina judiciária, possibilitará a liberação dos magistrados, para se concentrarem naquilo que realmente é seu papel – julgar litígios – e permitirá uma maior eficiência no funcionamento da máquina estatal como um todo [08].

Embora o maior impulso à desestatização jurídica tenha se dado nas últimas duas décadas, faz-se necessário ressaltar que a desjudicialização não representa um fenômeno inédito no ordenamento brasileiro. O Decreto-Lei nº58 de 1937, que dispõe sobre o loteamento e a venda de terrenos para pagamento em prestações, foi o precursor ao permitir a rescisão dos contratos de promessa de compra e venda celebrados nos termos do Decreto referido, sem a intervenção do Poder Judiciário, tramitando todo o procedimento no âmbito do registro imobiliário, conforme previsto no art. 14:

Art. 14 - Vencida e não paga a prestação, considera-se o contrato rescindido 30 (trinta) dias depois de constituído em mora o devedor.

§ 1º Para este efeito será ele intimado, a requerimento do compromitente, pelo ofício do registro a satisfazer as prestações vencidas e as que se vencerem até a data do pagamento, juros convencionados e custas da intimação.

§ 2º Purgada a mora, convalescerá o compromisso.

§ 3º Com a certidão de não haver sido feito pagamento em cartório, os compromitentes requererão ao oficial do registro o cancelamento da averbação. [09]

Como demonstrado, já, naquela época, havia uma preocupação em se tornar mais célere e simples o procedimento de rescisão contratual, no caso de inadimplemento das obrigações assumidas, por ocasião de contrato de promessa de compra e venda de imóveis loteados [10].

2.2. PARALELO ENTRE AS FUNÇÕES DO PODER JUDICIÁRIO E AS FUNÇÔES DOS TABELIÃES E REGISTRADORES

Para se ter uma clara compreensão de como se processa o fenômeno da desjudicialização, faz-se mister traçar um paralelo entre o papel desempenhado pelo Poder Judiciário, através da figura do magistrado, e a função exercida pelos Titulares de Cartório.

Segundo Alexandre de Moraes,

A função típica do Poder Judiciário é a jurisdicional, é julgar, aplicando a lei a um caso concreto, que lhe é posto, resultante de um conflito de interesses. Portanto, a função jurisdicional consiste na imposição da validade do ordenamento jurídico, de forma coativa, toda vez que houver necessidade. [11]

Cabe ao magistrado, portanto, definir o direito sempre que houver litígio a respeito da titularidade deste. Este profissional do direito é o único que detém competência para determinar qual das partes tem razão nas causas a ele apresentadas, já que é investido de jurisdição. A partir do trânsito em julgado de uma decisão, surge a certeza de que aquela questão está definitivamente solucionada. Portanto, quando se busca o Judiciário, o que se deseja é a tutela jurisdicional prestada pelo Estado-Juiz que determina a quem assiste razão em determinada causa. A partir de então, adquire-se a almejada segurança jurídica, tão essencial a qualquer ato da vida civil.

Dentre as funções atípicas do Poder Judiciário, por outro lado, está a administração pública de interesses privados, na qual não há partes, mas apenas interessados, onde, também, não há coisa julgada material, apenas meramente processual, estando, por isso, sujeita à revisão pelo processo contencioso.

Com relação aos Titulares de Cartório, o art. 236 da Constituição Federal de 1988 dispões que "Os serviços notariais e de registro são exercidos em caráter privado, por delegação do Poder Público [12]." Pela redação do referido artigo, observa-se que o exercício das funções notariais e de registro deverá ser obrigatoriamente realizado por pessoas físicas, através de delegação do Poder Público, mediante ingresso por meio de concurso público de provas e títulos.

Na dicção de Walter Ceneviva:

Notários e registradores são profissionais cujos atos, atribuídos por lei, são remunerados por pessoas naturais ou jurídicas (as partes) e não pelo Estado. Por isso se diz que são titulares de serventias não oficializadas, querendo, assim, afirmar que se trata de serviços não estatizados [13].

Hely Lopes Meirelles coloca esses profissionais na categoria que denomina "agentes delegados", formada por "particulares que recebem a incumbência de determinada atividade, obra ou serviço público, por sua conta e risco, mas segundo normas do Estado e sob permanente fiscalização do delegante" [14].

Eduardo Pacheco Ribeiro de Souza, tabelião e registrador na cidade de Teresópolis - RJ, ao discorrer sobre a natureza jurídica dos serviços notariais e de registro como serviços públicos, afirma que:

[...] São, portanto, serviços públicos exercidos em caráter privado por um profissional do direito em razão de delegação, organizados técnica e administrativamente para garantir publicidade, autenticidade, segurança e eficácia dos atos jurídicos [15].

A Lei 8.935/94, Lei Orgânica dos Notários e Registradores, dispõe sobre a natureza e os fins dos serviços notariais e de registro. O serviço notarial é prestado pessoalmente por tabeliães, com a finalidade de redigir, formalizar e autenticar, com fé pública, documentos que contenham atos jurídicos extrajudiciais do interesse das partes. Para Ceneviva, "o notário é a ponte entre a lei e a declaração feita pelos solicitantes [16]". Já os serviços de registro, prestados pelos registradores, se prestam para garantir aos títulos de interesse privado ou público a publicidade necessária para a garantia da oponibilidade erga omnes. Nos termos do art. 6º da Lei 8.935/94:

Art. 6º. Aos notários compete:

I- formalizar juridicamente a vontade das partes;

II- intervir nos atos e negócios jurídicos a que as partes devam ou queiram dar forma legal ou autenticidade, autorizando a redação ou redigindo os instrumentos adequados, conservando os originais e expedindo cópias fidedignas de seu conteúdo;

III- autenticar fatos. [17]

E quanto aos registradores, o art. 12 da referida lei dispõem:

Art. 12. Aos oficiais e registradores de imóveis, de títulos e documentos e civis de pessoas jurídicas e de interdições e tutelas compete a prática dos atos relacionados na legislação pertinente aos registros públicos, de que são incumbidos, independentemente de prévia distribuição, mas sujeitos os oficiais de registro de imóveis e civis das pessoas naturais às normas que definem as circunscrições geográficas. [18]

Em suma, notários e registradores atuam decisivamente no encaminhamento da vontade das partes e no aperfeiçoamento da relação jurídica. Assumem os notários, outrossim, a função de aconselhar e orientar imparcialmente as partes quando da realização do ato ou negócio, obstando a sua execução sempre que constatar a existência de vícios que possam comprometer sua validade em face da legislação em vigor.

Esses profissionais têm como função conferir segurança jurídica aos negócios que envolvam questões não contenciosas, ou seja, aquelas nas quais não haja qualquer dúvida quanto à titularidade do direito em questão. Atos como a lavratura de uma escritura de compra e venda ou de divórcio consensual, bem como aqueles referentes a registro civil ou de imóveis, via de regra, não envolvem disputas entre os interessados, Nesses casos, o que se verifica é uma verdadeira atuação preventiva por parte dos Titulares de Cartório, posto que, ao orientar as partes quanto à melhor forma de atender seus interesses, eles evitam que diversas questões sejam levadas ao Poder Judiciário.

Atuam os tabeliães, também, de forma curativa na hipótese prevista no art. 842 do Código Civil [19], quando formalizam por escritura pública a transação sobre direitos contestados em juízo.

Art. 842. A transação far-se-á por escritura pública, nas obrigações em que a lei o exige, ou por instrumento particular, nas em que ela o admite; se recair sobre direitos contestados em juízo, será feita por escritura pública, ou por termo nos autos, assinado pelos transigentes e homologado pelo juiz.

Por conseguinte, quando se busca os serviços notariais e registrais, o que se espera é que seja conferida ao ato em questão a segurança jurídica que, nestes casos, advém da fé pública da qual registradores e notários são investidos, e da publicidade dos atos realizados nas Serventias Extrajudiciais.

Em outras palavras, a função atípica exercida pelo magistrado de desempenho da jurisdição voluntária pode perfeitamente ser exercida pelos Titulares de Cartório, desafogando assim o Poder Judiciário, que poderá se ocupar precipuamente das questões contenciosas.

Pelo exposto, conclui-se que a busca pela tutela jurisdicional prestada pelo Estado-Juiz deve ocorrer somente quando já houver uma pretensão resistida entre as partes, como uma medida curativa, ao passo que a atividade notarial e registral tem como escopo evitar litígios, representando assim uma medida preventiva que evitará futuras disputas judiciais.

2.3. A SEGURANÇA JURÍDICA NO PROCESSO DE DESJUDICIALIZAÇÃO

A partir da constatação da importância da desjudicialização dos institutos de jurisdição voluntária, surge a questão da segurança jurídica.

Durante o processo de judicialização, desenvolveu-se a crença de que a segurança jurídica só poderia ser conferida pelo Poder Judiciário, através das decisões dos magistrados que transitassem em julgado. Contudo, deve-se ressaltar que a referida segurança aos negócios não contenciosos pode ser conferida pelos notários e registradores, posto que são profissionais do direito dotados de fé pública. Por isso, os atos realizados nos cartórios extrajudiciais gozam de total segurança nas relações negociais. Nesse sentido, discorre o registrador e tabelião da Comarca de Sapucaia do Sul, Rio Grande do Sul, João Pedro Lamana Paiva, ao defender a usucapião administrativa:

Portanto, da sociedade em geral seria exigida a reformulação de conceitos, deixando de lado o apego excessivo ao processo judicial, à reclamação judicial, ao litígio, prestigiando o trabalho de outro profissional que, ao lado do juiz, do promotor, do defensor público, do advogado, também é responsável por proporcionar segurança jurídica: o notário [20].

A segurança jurídica que se faz presente nos cartórios extrajudiciais baseia-se na independência e imparcialidade do notário e do registrador. A independência pode ser definida como a garantia de liberdade e autonomia no exercício de suas atividades. Esta independência impede que qualquer pressão externa contamine uma das funções mais importantes desses profissionais, que é a de impedir a injustiça. A imparcialidade, por sua vez, significa dizer que notários e registradores mantêm-se equidistantes das condições pessoais das partes, orientando-as de forma a satisfazer suas pretensões satisfatoriamente. A nobre missão de conferir segurança jurídica aos negócios realizados nas Serventias Extrajudiciais faz de notários e registradores verdadeiros garantidores da paz social.

O atual Ministro da Justiça José Eduardo Cardozo, ao falar sobre os desafios e a importância da atividade notarial na desjudicialização, na prevenção de litígios e no desenvolvimento econômico e social do Brasil, afirma que:

A atividade notarial tem um papel importantíssimo nesse aspecto (combater as fraudes e a lavagem de dinheiro), porque o notário, historicamente, sempre foi aquele que assessora o aperfeiçoamento de vínculos jurídicos, e com sua formação técnica pode viabilizar situações jurídicas que não sejam questionadas no futuro. [...] Eu a considero (a atividade notarial) relevantíssima e que não pode ser menosprezada na sua importância e no seu significado social [21].

Os documentos produzidos pelos notários e registradores, por conferirem total segurança jurídica, têm o condão de prevenir eventuais litígios, desonerando, assim o Judiciário de demandas oriundas de negócios realizados sem a devida eficácia e segurança.

Segundo Kioitsi Chicuta, desembargador no Estado de São Paulo, ao analisar quando e como devem o notário e o registrador intervir na atividade contratual do homem:

Na sua elaboração, o notário garante a moralidade e a legalidade dos fins e meios, encaminhando e aconselhando as partes desde o princípio [...]. O registrador, por seu lado, zela pela eficácia dos negócios, principalmente em relação a terceiros, com observância de princípios que lhe são próprios, e com intensa publicidade. [...]. Funções sociais por excelência, mais que qualquer outra profissão, têm eles sabido manter o direito de propriedade em uma ordem de liberdade e justiça, que tem permitido, em toda a história, brindar a suficiente segurança, em uma matéria transcendental cuja sorte está intimamente ligada à paz dos homens [22].

Feita a distinção entres as funções do Poder Judiciário e as dos tabeliães e registradores, e abordada a questão da segurança jurídica conferida por esses profissionais, o próximo capítulo discorre sobre os institutos de Direito Civil que já passaram a ser realizados nos cartórios extrajudiciais, demonstrando o avanço do processo de desjudicialização brasileiro. Estes institutos serão apresentados de forma sumária de modo a evidenciar as vantagens conferidas pelo procedimento extrajudicial, e a descrever como a atuação dos notários e registradores configura uma verdadeira parceria na difícil tarefa de desafogar o Poder Judiciário.

Sobre a autora
Lígia Arlé Ribeiro de Souza

Substituta do 2º Ofício de Teresópolis - RJ.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SOUZA, Lígia Arlé Ribeiro. A importância das serventias extrajudicias no processo de desjudicialização. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 3029, 17 out. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/20242. Acesso em: 5 nov. 2024.

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