1. Intróito
O instituto da tutela antecipada atribui ao magistrado a possibilidade de conceder, ainda que por meio da técnica de cognição sumária, os efeitos da tutela pretendida. Impede-se, com isso, que o tempo necessário ao desenvolvimento da atividade jurisdicional propicie danos ao bem da vida discutido ou a ineficácia do provimento final.
À vista da necessidade de tutelar o objeto da lide até o pronunciamento da decisão final, bem como pela sumariedade cogntiva que fundamenta a concessão da tutela antecipada, tem-se a provisoriedade como particularidade indissociável do provimento antecipatório.
A concessão da tutela antecipada é ato jurídico processual com eficácia até momento posterior em que outro ato, proveniente do mesmo juízo ou de órgão superior, produza o efeito de suspendê-lo ou revogá-lo. [01] E, sob o prisma da efetividade da prestação da tutela jurisdicional, o jurista deve se valer de instrumentos que viabilizem atender às necessidades adjudicadas por uma sociedade que se encontra em constante evolução.
Neste contexto, a superação aos obstáculos decorrentes da lentidão no recebimento e julgamento dos recursos de agravo de instrumento, agravo retido e de apelação está intimamente vinculada à concessão dos efeitos da tutela, a fim de que não se gerem graves e insuportáveis injustiças concretas às partes.
2. Eficácia temporal da tutela antecipada
A tutela antecipada, deferida por meio de decisão motivada, poderá, conforme reza o § 4º, do artigo 273, do Código de Processo Civil, ser revogada ou modificada a qualquer tempo por decisão devidamente fundamentada. A revogação implica cessação dos efeitos da medida previamente concedida, enquanto que a modificação consiste numa alteração que pode ser quantitativa ou qualitativa. [02]
Atualmente, a antecipação dos efeitos da tutela pode ser revogada ou modificada por duas vias processuais, quais sejam: através dos recursos de agravo de instrumento ou retido, ou por meio de novo decisum do juízo singular. [03]
Concedido ou negado o provimento antecipado, o legitimado poderá ‘agravar instrumentalmente a decisão antecipatória’ [04], seja para requerer, com fulcro no artigo 558 da Lei Processual Civil, a suspensão dos seus efeitos "até o pronunciamento definitivo da Turma ou Câmara", seja para pleitear junto ao relator a concessão da medida que fora denegada pelo juízo a quo. [05]
A revogação ou alteração da medida antecipatória pelo magistrado singular em momento prévio ao decisum é objeto de divergência na doutrina no que pertine à necessidade de requerimento do interessado para que o juízo possa cassar ou alterar tal provimento.
Fux, tomando por base o princípio dispositivo, defende que "tanto a revogação quanto a modificação devem ser ‘requeridas’, vedando-se em princípio a atividade ex officio" [06], porém, em situações de periclitação e em face do dever de segurança atribuído a todo e qualquer magistrado, "não se pode duvidar da necessidade de uma atuação independente da iniciativa da parte". [07]
Araken de Assis e Carreira Alvim [08], baseados no sistema binário italiano, trazem à lume o entendimento de que o pedido do interessado deve ser complementado pelo surgimento de fato novo que modifique as circunstâncias da lide, uma vez que é "manifesta a inconveniência de o juiz, a seu talante e em conformidade com os humores do momento, conceder o bem da vida para retirá-lo logo depois, ou vice-versa". [09]
Marinoni apud Carreira Alvim [10] compreende essa situação de maneira diversa, defendendo que para modificar ou revogar a tutela antecipada não se faz necessário o requerimento da parte interessada, mas tão-somente o surgimento de novas circunstâncias. Assim, "apresenta-se perfeitamente possível que diante, v.g., dos fundamentos jurídicos da contestação, da força de convicção dos argumentos jurídicos trazidos pelo réu, o juiz chegue à conclusão de que se equivocou". [11]
Desta feita, justifica-se, a revogação ou alteração da tutela antecipada pelo aparecimento de "novas circunstâncias" que alterem a situação da lide, bem como pelo "surgimento, derivado do desenvolvimento do contraditório, de uma outra evidência sobre a situação de fato. É o caso da situação de prova que pode alterar a convicção do julgador acerca da situação fática". [12]
A tutela antecipada, portanto, poderá ser modificada ou revogada pelo juízo de primeiro grau, bem como em qualquer instância, caso o magistrado verifique a ocorrência de "novas razões, no sentido de razões que não foram apresentadas" [13], que o levem à convicção da inexistência dos pressupostos que autorizam a concessão desta medida, ou, ainda, pela superveniente desnaturação dos mesmos.
3. Tutela antecipada e improcedência da demanda
No momento destinado ao proferimento da sentença meritória, o juízo confirmará ou não a tutela antecipadamente concedida. Na hipótese de provimento sentencial favorável ao pedido do autor, a tutela concedida previamente e, até então dotada de provisoriedade, será incorporada definitivamente à sentença. [14]
O decisum que ratifica a antecipação da tutela anteriormente concedida, à luz do que dispõe o artigo 520, inciso VII do Código de Processo Civil, possui eficácia imediata. O referido dispositivo determina expressamente que nessa hipótese o recurso de apelação será recebido, tão somente, em seu efeito devolutivo, não obstando, destarte, a imediata produção dos efeitos da sentença.
A teleologia desta previsão legal reside no fato de que se a cognição sumária, ensejadora do deferimento da tutela antecipatória, possui produção imediata dos seus efeitos, seria um contra senso que a cognição exauriente tivesse a produção de seus efeitos obstados, em virtude da interposição de recurso.
Ressalte-se que o magistrado deve se manifestar explicitamente na sentença sobre a confirmação ou não do provimento antecipatório anteriormente concedido, sob pena de sua omissão ensejar interposição de embargos declaratórios. [15]
Problema maior emerge quando o juízo conceder antecipadamente a tutela e sobrevier, ao final, pronunciamento judicial em sentido oposto. Alguns juristas, a exemplo de Athos Gusmão Carneiro [16], defendem que a sentença improcedente terá o condão de propiciar o desaparecimento do juízo de verossimilhança e, ausente um dos pressupostos essenciais à concessão da tutela antecipada, seria incoerente permitir a continuidade de tal benefício.
Para esta vertente doutrinária, a sentença contrária ao pedido do autor revoga, automaticamente [17], a tutela antecipatória concedida previamente. No entanto, para evitar dúvidas, o magistrado deve fazê-lo de modo expresso e fundamentado no ato sentencial. [18]
Eliana Calmon [19], aludindo, analogicamente, à súmula 405 do Supremo Tribunal Federal aplicada em sede de mandado de segurança, segue a linha argumentativa de que, após realizada a cognição exauriente, se o órgão judicante entender pela improcedência do pedido, então os efeitos da tutela não devem persistir. [20]
Bedaque, a fim de sofismar o problema gerado em torno da produção dos efeitos da tutela antecipada frente à sentença de improcedência, propõe que o magistrado, ao formular o seu juízo de convencimento acerca da rejeição do pedido, profira, primeiramente, decisão interlocutória revogando tal medida e, posteriormente prolate o decisum final. [21]
Marinoni [22], na esteia desse entendimento, assevera que mesmo em caso de improcedência, os efeitos da tutela antecipada deverão persistir, pois a sua não revogação por meio de decisão anterior à sentença corrobora a conclusão de que o juízo quis manter o provimento antecipatório.
Apesar da discussão que se instaura no campo doutrinário acerca dos efeitos da tutela antecipada, quando a pretensão do autor seja julgada improcedente, admite-se, em casos excepcionais, onde a preservação da tutela antecipada se revele indispensável, que o magistrado a mantenha, desde que o faça de modo expresso no ato sentencial. Com isso, haverá a persistência dos efeitos da medida concedida previamente na pendência de recurso. [23]
Cumpre, a título exemplificativo, consagrar uma situação em que a revogação da tutela antecipada e a subsequente demora no julgamento do recurso apelatório poderão causar dano irreparável. A saber:
Imagine-se que a vitima venha sendo tratada num hospital à custa do causador do dano, por força de antecipação parcial da tutela, e a sentença dê pela improcedência da ação. A paralisação, ainda que temporária, do tratamento pode comprometer irremediavelmente a saúde e até a vida do paciente, além do consectário de agravar a extensão da responsabilidade daquele que sai vitorioso no primeiro grau de jurisdição, mas vem a perder a causa em grau de recurso. [24]
A essência desta concepção reside no pressuposto de que ainda que inexista um dos requisitos necessários à tutela antecipada – a probabilidade de existência do direito –, subsiste o fundado receio de dano, sendo possível, portanto, a manutenção do provimento antecipatório. [25]
Adotando o entendimento de que, nos casos em que a demora no julgamento do recurso possa tornar inútil o direito buscado pelo provimento antecipatório, Scarpinella Bueno consagra que a medida concedida pela sumaria cognitio poderá sobreviver à sentença improcedente (grifo nosso):
Como bem doutrina Luiz Guilherme Marinoni, ao acolher as ponderações de Ovídio Baptista da Silva, não existe contradição entre a declaração de inexistência do direito e a necessidade de conversão da tutela, eis que tal declaração não elimina o fundado receio de dado, sendo certo que, quanto à afirmação do direito, o que valerá será o julgamento a ser feito pelo tribunal. De nada adiantaria, a final, ser provido o recurso ao beneficiário da medida concedida initio litis se a possibilidade de fruição plena de sua afirmação de direito frustrou-se por completo durante o segmento recursal. [26]
Costuma-se, ainda, refletir sobre a eficácia da tutela, a qual fora antecipadamente deferida, frente à sentença contrária ao pedido do demandante, tendo em vista os efeitos em que o recuso apelatório será recebido.
O legislador pátrio restou silente no que se refere aos efeitos em que a apelação deva ser recebida, quando interposta em face de sentença improcedente que terá o condão de revogar a tutela antecipada concedida no curso do processo. Frente a tal lacuna, presume-se que o recurso apelatório será recebido em seu duplo efeito.
Renomados processualistas, no entanto, doutrinam que o efeito suspensivo em que é recebido o recurso de apelação não se mostra suficiente para preservar a eficácia da tutela antecipada, vez que impede, exclusivamente, a execução provisória das verbas sucumbenciais. [27]
Na esteia desse entendimento, Sérgio Sahione Fadel explica que, nesse caso, o efeito suspensivo tem o condão de "inibir a execução da sentença, si et in quantum não é decidido o recurso" [28], porém este não constitui obstáculo à produção dos efeitos do pronunciamento judicial recorrido no mundo fático-jurídico.
À luz dessa concepção, tem-se a proposta de que, ante a sentença contrária à tutela deferida anteriormente, o interessado só disporia da seguinte alternativa: obter a preservação dos efeitos da tutela até o julgamento da apelação "junto ao relator no tribunal, através de ação cautelar". [29]
Joaquim Felipe Spadoni, opõe-se às construções doutrinárias até aqui expostas e, numa perspectiva inovadora defende a possibilidade de subsistência dos efeitos da antecipação da tutela após a sentença meritória contrária ao pedido do autor, uma vez que "a prolação da sentença não produz, sempre e imediatamente, o efeito de substituir ou revogar a decisão que concedeu anteriormente a tutela antecipada". [30]
Assim, defende o doutrinador, que a decisão concessória da tutela antecipada só poderá ser substituída ou revogada pelo decisum caso seu recurso impugnatório seja submetido ao efeito devolutivo, vez que, nessa situação, a sentença produz imediatamente os seus efeitos. [31]
No entanto, o recebimento do recurso de apelação em ambos os efeitos leva a crer que "a sentença não possui aptidão jurídica para substituir ou revogar a decisão de tutela antecipada. É ato jurídico processual inócuo, tendo os seus efeitos suspensos até o transcurso do prazo recursal ou até o final julgamento da apelação." [32]
Desta feita, a sentença ainda que prolatada e documentalmente acostada aos autos não produzirá eficácia imediata e, por conseguinte, não terá o condão de desconstituir e fazer cessar os efeitos da tutela inicialmente concedida, a qual só deixará de produzir seus efeitos com o trânsito em julgado do decisum.
Inexistindo consenso doutrinário, cabe ao magistrado, atendendo às peculiaridades do caso concreto "decidir o que considera mais adequado à preservação do direito invocado" [33], revogando ou preservando os efeitos da tutela antecipadamente concedida.
4. Institutos manutedores da tutela antecipada
A cessação dos efeitos da tutela antecipatória e a delonga no julgamento do recurso interposto são limitações com que os cidadãos brasileiros vêm se deparando no desenvolvimento da prestação da tutela jurisdicional.
Colimando atender aos anseios de uma justiça mais célere e buscando conferir à tutela antecipada o desígnio a que se propõe, o elaborador da lei previu a possibilidade de deferimento da medida na hipótese de agravo de instrumento.
A doutrina, por seu turno, aceita com bastante simpatia a extensão dessa possibilidade ao recurso de apelação, bem como a possibilidade de se obter por meio de medida cautelar a preservação dos efeitos da tutela revogada.
Neste sentido, serão analisados os referidos institutos, previstos no Ordenamento Jurídico brasileiro, que se mostram hábeis à conservação dos efeitos da tutela previamente concedida.
4.1 Agravo de instrumento
O Código de Processo Civil, em seu artigo 162, prescreve que os atos do juiz são classificados em sentenças, decisões interlocutórias e despachos. Indica, ainda, em seus parágrafos 1º e 2º, que "sentença [34] é o ato do juiz que implica alguma das situações previstas nos arts. 267 e 269 desta Lei" e "decisão interlocutória é o ato pelo qual o juiz no curso do processo, resolve questão incidente".
O agravo, insculpido no artigo 522 da Lei Processual Civil, é o recurso designado para servir de meio à impugnação de decisões interlocutórias, independentemente do seu conteúdo, leia-se: "sem limitação de qualidade ou quantidade". [35].
Com o implemento da Lei nº 11.187/2005, o agravo em sua forma retida tornou-se a forma regular de impugnação dos provimentos interlocutórios. No entanto, esta modalidade recursal não se presta a dar efetividade ao provimento final à vista de que limita-se a expressar a contrariedade com a decisão proferida, sendo apreciada pelo juízo ad quem apenas quando da eventual interposição de recurso apelatório.
Desta feita, nos termos da nova sistemática do recurso de agravo trazida pela lei supra mencionada, quando se tratar de decisão suscetível de causar à parte lesão grave e de difícil reparação – incluindo-se, portanto, as que se referem à antecipação da tutela em sede recursal - bem como nos casos de inadmissão da apelação e nos relativos aos efeitos em que a apelação é recebida, será admitida a sua interposição por instrumento.
Ao contrário da maior parte das vias recursais previstas em nosso sistema legal, o agravo de instrumento não é dirigido ao juízo a quo, mas interposto diretamente ao tribunal ad quem, segundo inteligência do artigo 524 da Lei Processual Civil e, geralmente, é recebido apenas no efeito devolutivo, devolvendo ao tribunal o conhecimento da matéria impugnada, e não oferecendo nenhum óbice ao cumprimento da decisão atacada.
A intenção do legislador em não atribuir efeito suspensivo ao recurso de agravo de "é facilmente explicável em função do interesse na continuidade do procedimento; se a impugnação de cada uma das decisões interlocutórias, no curso do processo, pudesse paralisar sua tramitação, certamente haveria alongamento excessivo de seu tempo". [36]
Com o advento da Lei n.º 10.352/2001, o legislador instituiu uma inovação ao artigo 527, inciso III do Código Processual Civil, prescrevendo que nos casos em que a decisão interlocutória concessiva "possa gerar danos irreparáveis aos interesses do recorrente" [37], poderá, o relator, no recebimento do recurso, determinar a suspensão do ato impugnado até o julgamento do agravo. [38]
Mister ressaltar, que a concessão do efeito suspensivo ao agravo está condicionada ao requerimento do agravante e à presença de alguma das hipóteses previstas no artigo 558, da legislação processual civilista. Presentes tais requisitos, o "agravante terá direito à concessão do efeito suspensivo, ficando o relator obrigado a outorgá-lo". [39]
Ao fenômeno que possibilita ao relator conceder efeito suspensivo ao agravo, o qual "já estava se incorporando à prática dos tribunais, embora ainda encontrasse algumas resistências" [40], dá-se o nome de agravo de instrumento de efeito suspensivo ativo.
Além desta inovação, a novel redação do artigo 527, inciso III, da Lei Processual Civil homenageou o princípio da efetividade processual, possibilitando ao relator "deferir, em antecipação de tutela, total ou parcialmente, a pretensão recursal, comunicando ao juiz sua decisão".
Marinoni ensina que o fundamento desta previsão legal reside no fato de que tendo a parte direito a obter algo imediatamente, a simples impugnação da decisão e sua eventual concessão muitas vezes não se mostra satisfatória a permitir preservação do direito tutelado, sendo necessário a previsão de mecanismos que garantam à parte, desde logo, "a providência que lhe foi injustamente negada pela decisão recorrida. [41]
Conclui-se que, à luz do referido dispositivo, o relator do agravo de instrumento, por meio de decisão monocrática, possa antecipar os efeitos da tutela recursal, disponibilizando ao recorrente o gozo do "próprio objetivo do recurso, total ou parcialmente, desde que presentes os requisitos do art. 273 do Código". [42]
Evidentemente, que na hipótese de o relator alterar a decisão de primeiro grau e conceder a antecipação da tutela, deverão estar presentes os requisitos impostos pela inteligência do artigo 273, do Diploma Processual Civil. Caso contrário, os pressupostos da tutela antecipatória recursal, limitar-se-iam ao perigo de lesão e de difícil reparação e relevantes fundamentos.
A decisão monocrática do relator que antecipa os efeitos da tutela recursal terá eficácia até que sobrevenha outra decisão, proveniente do mesmo relator ou do órgão colegiado em sentido contrário, seja no julgamento do próprio agravo ou de recursos regimentais previstos na legislação interna dos tribunais.
No que pertine ao procedimento da tutela antecipada, no juízo ad quem, Athos Gusmão Carneiro, leciona que:
Pelo recurso de agravo o tribunal reexamina, em sua validade e merecimento, a decisão concessiva ou denegatória da AT, com a possibilidade de o relator liminarmente suspender os efeitos da decisão de deferimento, ou de liminarmente deferir a medida (pelo impropriamente denominado ‘efeito ativo’ do provimento) nos casos de urgência urgentíssima e quando convencido o relator da ocorrência dos pressupostos referidos no art. 273. [43]
Com efeito, a concessão da tutela recursal "não deve ser tão excepcional quanto imaginam alguns, já que a demora no processo, principal responsável pela crise da Justiça Civil, não só excepcionalmente põe em risco os direitos". [44]
4.2. Apelação
A apelação, conforme preceitua o artigo 513 do Diploma Processual Civil, é o recurso cabível para impugnar sentenças definitivas ou terminativas que extinguem os procedimentos em primeiro grau de jurisdição, qualquer que seja a natureza do processo". [45] Eis o inteiro teor do referido artigo: "Da sentença caberá apelação (arts. 267 e 269)".
A apelação tem, ordinariamente, duplo efeito. Todavia, estabeleceu o legislador que o efeito suspensivo não se produz nas causas mencionadas no artigo 520 do Código de Processo Civil.
No que se refere ao efeito devolutivo, o recurso apelatório transfere ao juízo ad quem "o conhecimento de toda matéria efetivamente impugnada pelo apelante nas suas razões de recurso." [46] Desta feita, se a impugnação recair inteiramente sobre o decisum, toda matéria nela apreciada será devolvida ao tribunal, o que não ocorre na mesma extensão nas hipóteses de apelação parcial (tantum devolutum quantum apellatum).
Já o recebimento da apelação no efeito suspensivo implica não produção dos efeitos decorrentes do ato decisório impugnado enquanto pendente o prazo para interposição da apelação e, após seu oferecimento, até o julgamento do referido recurso.
Nas hipóteses em que o ordenamento jurídico isenta a presença do efeito suspensivo da apelação, o artigo 558 do Código de Processo Civil estipula a possibilidade de a parte requerer sua concessão "alegando que os efeitos da sentença poderão trazer-lhe prejuízos". [47]
Por outro lado, nos casos em que a sentença condenatória não seja recebida no efeito suspensivo, o interessado poderá proceder à sua "execução provisória", em consonância com o disposto no artigo 521 do Diploma Processual Civil.
Conforme já foi explanado, a sentença de procedência simplesmente confirma a tutela antecipada anteriormente concedida. Questiona-se, todavia, qual o meio disponibilizado à parte sucumbente que, não satisfeita com as restrições decorrentes dos diversos efeitos da apelação, deseja obter os efeitos da tutela antecipada não concedida pelo juízo originário.
A antecipação da tutela em sede de recurso de apelação tem representação muito tímida, tanto na doutrina quanto na jurisprudência brasileira. Numa perspectiva legal, pode-se afirmar que o Código de Processo Civil só admite que o relator antecipe a pretensão recursal, de índole satisfativa, quando se tratar de recurso de agravo de instrumento.
Nas situações em que a tutela antecipatória tenha sido denegada pelo juízo de primeiro grau no ato sentencial, entendem alguns doutrinadores, sob os mais variados argumentos, que a parte sucumbente, insatisfeita com as restrições inerentes aos efeitos recursais da apelação e desejosa de obter, prontamente, o deferimento do seu pedido, deve ter a prerrogativa de obtê-lo, por vias transversas, e antecipadamente, por meio de uma pretensa antecipação dos efeitos recursais finais.
Desta feita, a circunstância de estar o processo em fase recursal não constitui "empecilho a tal pretensão, eis que, como já se afirmou reiteradamente, antecipar a tutela constitui não antecipação de uma sentença, mas um adiantamento dos atos executivos da tutela definitiva". [48]
Seria, inclusive, alógico e antagônico ao sistema jurídico que o órgão julgador, diante da verossimilhança da alegação e da necessidade de concessão de tutela antecipada para afastar perigo de dano irreparável ao direito pretendido, não pudesse concedê-la em razão de já ter havido sentença em primeiro grau. "Negar a medida, nas circunstâncias, importaria sacrificar a efetividade da jurisdição, direito constitucional cuja preservação constitui a própria essência da tutela antecipada". [49]
Neste diapasão, cumpre trazer a baila o seguinte pronunciamento (grifo nosso):
É inclusive contraditório admitir-se que a tutela antecipada seja concedida em primeira instância, por mera cognição parcial e, em um processo de cognição exauriente pela primeira instância, que o órgão responsável pela reapreciação do julgamento não possa conceder a tutela antecipada apenas porque a sentença foi desfavorável ao apelante. [50]
O órgão julgador ad quem, avaliará a presença dos pressupostos indispensáveis à concessão da tutela antecipada não pelo que foi julgado pelo juiz a quo, "mas sim pelo que, provavelmente, será julgado pelo órgão colegiado em sede recursal". [51]
Encontrando-se o processo em âmbito recursal, o pedido de antecipação dos efeitos da tutela pretendida deverá ser formulado perante o órgão competente para processar e julgar o recurso, em analogia ao que ocorre com as medidas cautelares, disposto no artigo 800 da Código de Processo Civil.
E, diante do reexame das questões de fato e de direito provocado pela devolutividade do recurso apelatório, se o órgão judicante verificar a probabilidade de provimento do recurso, poderá conceder a antecipação dos seus efeitos, desde que presentes os seus pressupostos legais.
4.3. Medida cautelar inominada
É estreita a relação entre a atribuição de efeito suspensivo a recursos e processo cautelar, tendo em vista que ambos buscam, em sua essência, a proteção de um bem ou direito juridicamente tutelado.
Há certas situações excepcionais em que a execução imediata da decisão proferida pelo juízo a quo poderá provocar consequências irreversíveis e irreparáveis ao objeto da lide, exigindo, portanto, a paralisação dos efeitos da decisão proferida pelo juízo a quo e atacada pela via recursal.
À salvaguarda dos interesses das partes litigantes, reservou-se a utilização das denominadas cautelares inominadas. Esses instrumentos, estabelecidos no artigo 798 do Diploma Legal Processual, possibilitam ao juízo determinar as medidas provisórias que julgar adequadas, quando houver fundado receio de que a demora da prestação jurisdicional possa "ser capaz de provocar o surgimento de um risco para a efetividade do próprio processo". [52]
A doutrina moderna costuma conceber a tutela cautelar, ao lado das tutelas de cognição e de execução [53], como um tertium genus
de caráter instrumental e provisório, destinado a, com base em cognição sumária, afastar um dano capaz de comprometer a utilidade da prestação jurisdicional num processo de conhecimento ou execução, já ou a ser instaurado. [54]
A medida cautelar é de natureza provisória e tanto pode ser requerida na pendência da lide, como antes. Nesta hipótese, denomina-se medida cautelar preparatória e perde o seu valor, no decurso de 30 dias, contados a partir de sua concessão, se dentro deste prazo não for proposta a ação principal.
Tendo em vista que o sistema processual brasileiro é norteado pelo princípio do duplo grau de jurisdição, ao julgar improcedente o pedido, o órgão judicante não está proferindo a última apreciação jurisdicional sobre o direito em litígio, devendo, portanto, dispensar cuidado redobrado ao direito em guarida.
Cumpre ao magistrado ter em mente que a demora no provimento final poderá tornar ineficaz a tutela jurisdicional. Com o intuito de evitar essa situação, especialmente, no que se refere à revogação da tutela antecipada, o juízo deve ser zeloso na condução dos atos processuais e, sobretudo, coadunar-se com as necessidades daqueles que estão pleiteando um bem jurídico.
Diante de um ato sentencial improcedente, poderá o interessado opor impugnação por meio do recurso apelatório. Porém, nesta hipótese, conforme explicitado, a doutrina majoritária preconiza que a apelação, recebida em seu duplo efeito, terá aptidão, tão somente, para suspender apenas as verbas sucumbenciais.
Ciente de que o decisum improcedente ao produzir seus efeitos imediatos, poderá "provocar danos já nos primeiro momentos de sua existência" [55], deverá a parte, buscar meios a fim de que o feito suspensivo seja estendido à tutela antecipada revogada, para que esta persista até a final decisão e, acaso provido o recurso apelatório, não reste prejudicado o direito anteriormente tutelado.
Carreira Alvim assinala a interposição de medida cautelar inominada como a técnica hábil a proporcionar a continuidade dos efeitos da tutela antecipadamente concedida na pendência de recurso:
Na atual sistemática recursal, a única alternativa será apelar da sentença, que não terá nenhum efeito imediato por ser denegatória da pretensão, e buscar, no tribunal, preservar através de medida cautelar, a eficácia da tutela antecipada até o julgamento da apelação. Com a alteração do art. 558, pela Lei 9.139/95, é permitido ao relator – quando possa resultar lesão grave e de difícil reparação, sendo relevante a fundamentação – suspender o cumprimento da decisão até o pronunciamento definitivo do tribunal. [56]
Em relação às medidas cautelares, tem-se como frequente o ajuizamento desses instrumentos em nossos tribunais, com o objetivo de emprestar efeito suspensivo à apelação interposta contra sentença denegatória de mandado de segurança, em que se pretende manter a eficácia de uma liminar.
O Superior Tribunal de Justiça, por vezes, afirmou que, excepcionalmente, nos casos de flagrante ilegalidade ou para se evitar dano grave de difícil ou incerta reparação, é possível dar efeito suspensivo ao apelo, mantendo-se, assim, os efeitos da liminar antes concedida.
A 1ª Turma desta Corte Jurisdicional, referendou tal entendimento no julgamento de medida cautelar inominada que visava conferir efeito suspensivo a recurso ordinário em mandado de segurança interposto no Tribunal de origem. Nessa oportunidade, o eminente ministro Teori Albino Zavascki, afirmou em seu voto (grifos nossos):
A outorga de efeito suspensivo a recurso ordinário em mandado de segurança, que a lei não prevê, somente se justifica em face de situação de notório risco de dano grave, apto a comprometer um valor jurídico prevalecente, como o direito constitucional à efetividade da jurisdição. Ademais, imprescindível a verossimilhança dos fundamentos do recurso.
À luz dessa construção, com fundamento legal no artigo 558, parágrafo único da Lei Processual Civil, a medida cautelar inominada é apontada pela doutrina como o instrumento apto a imprimir efeito suspensivo à parte do ato decisório que dele seja desprovido, de forma a garantir e proteger o direito objeto da demanda e postergar a eficácia da tutela antecipada até eventual julgamento do recurso apelatório, analogicamente ao que ocorre com concessão de liminar em sede de mandado de segurança.