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Exigência do exame da OAB para exercício da advocacia: análise do caso concreto no STF

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Agenda 25/10/2011 às 09:15

5. A Ordem dos Advogados deveria defender a Constituição

A Ordem dos Advogados, tendo natureza pública, precisa ser transparente, em sua atuação, e precisa responder, honestamente, às críticas que recebe, tentando, ao menos, justificar juridicamente o seu Exame de Ordem. É o mínimo, que dela se pode esperar. É impossível, mesmo para a Ordem dos Advogados, impor, arbitrariamente, as suas decisões, prejudicando milhares de advogados, de bacharéis, ou a própria sociedade, sem que para isso exista plausível fundamentação jurídica.

A Ordem, que sempre foi um baluarte em defesa da democracia, não pode ser titular de um poder absoluto, que não admita qualquer necessidade de justificação e que não aceite qualquer controle. Se a Ordem não for capaz de justificar juridicamente as suas decisões e o seu Exame de Ordem, ela perderá, cada vez mais, a sua credibilidade e a sua razão de ser, mesmo que a mídia a auxilie, de maneira extremamente eficaz, divulgando as suas manifestações e impedindo a divulgação das críticas.

Se os dirigentes da OAB não forem capazes de justificar juridicamente o Exame de Ordem, contestando, uma a uma, as razões acima enumeradas, deveriam, evidentemente, mudar de opinião, reconhecer a sua inconstitucionalidade e cessar esse atentado contra a liberdade de exercício profissional da Advocacia. Dessa maneira, estariam cumprindo a disposição do art. 44 de nosso Estatuto, já referida, porque incumbe à OAB a defesa da Constituição. O próprio advogado, em seu juramento (art. 20 do Regulamento Geral da Advocacia e da OAB, de 16.11.94), promete defender a Constituição.

Ressalte-se, ainda, que a insistência na defesa do Exame de Ordem, apesar de sua inconstitucionalidade, não se coaduna com as disposições do art. 2º de nosso Código de Ética, que foi instituído pelo próprio Conselho Federal da OAB e que reconheceu, em seu prêambulo, como um de seus princípios básicos, que o advogado deve lutar pelo cumprimento da Constituição e pelo respeito à Lei, fazendo com que esta seja interpretada com retidão, em perfeita sintonia com os fins sociais a que se dirige e às exigências do bem comum; ser fiel à verdade para poder servir à Justiça como um de seus elementos essenciais, etc.

Aliás, é o próprio Código de Ética e Disciplina da OAB, em seu art. 29, que desmente os defensores do exame de ordem:

"Títulos ou qualificações profissionais são os relativos à profissão de advogado, conferidos por universidades ou instituições de ensino superior, reconhecidas."

Portanto, não é verdade o que afirmam os defensores do Exame de Ordem. As Faculdades são de Direito e formam bacharéis, mas são de Advocacia, evidentemente. A profissão liberal do bacharel em Direito é a Advocacia. Os dirigentes da OAB não podem afirmar que o Exame de Ordem tem um caráter de qualificação profissional. O próprio Código de Ética os desmente. Ou será que a OAB é uma Universidade ou uma instituição de ensino superior? Será que as Escolas Superiores da Advocacia da OAB são instituições de ensino superior?

Não seria melhor, assim, fechar todas as Faculdades de Direito, públicas e privadas, e deixar que a OAB se encarregue de formar os futuros advogados?

O que não é possível é a prevalência dessa absurda inconstitucionalidade. O diploma do bacharel em Direito, obtido após cinco anos de estudos em uma instituição de ensino superior, autorizada e fiscalizada pelo MEC, não serve para nada. O bacharel em Direito tem que ser qualificado pela OAB, através do Exame de Ordem. E o Exame de Ordem reprova 90% dos bacharéis inscritos.

Muitos professores de Direito, que lecionam nessas instituições, e muitos dirigentes dos Cursos de Direito, são conselheiros da OAB. Como é possível que esses professores de Direito, os Diretores de Faculdades de Direito e até mesmo Reitores de instituições renomadas defendam o Exame da OAB como necessário para comprovar se os bacharéis em Direito estão tecnicamente qualificados para o exercício da Advocacia?

Na verdade, todos eles, acometidos dessa síndrome de dupla personalidade, estão apenas dizendo à sociedade brasileira, e às famílias dos bacharéis em Direito, que 40% de seus alunos – em alguns casos, até 90% ou mais – são analfabetos, despreparados e completamente incapazes de exercer a advocacia.

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E que eles, os Professores, os Diretores, os Coordenadores, os Reitores, os donos de Faculdades, os empresários da educação, que aprovaram esses bacharéis e que lhes entregaram os seus diplomas, devidamente registrados pelo MEC, não tem nada a ver com isso. A culpa é toda dos bacharéis, que só queriam saber de pagar as suas mensalidades e que não queriam estudar.

Seria hilário, realmente, se não fosse tão trágico, porque são milhões de pessoas que gastam o que não podem, e até mesmo se endividam, para pagar essas mensalidades, e depois ficam impedidas de trabalhar.

A Ordem dos Advogados deveria, portanto, defender a Constituição, intransigentemente, sempre, mesmo que para isso fosse preciso sacrificar, eventualmente, alguns interesses corporativos. Em nenhuma hipótese, poderiam os dirigentes da Ordem dos Advogados elaborar anteprojetos de lei que contrariam a Constituição Federal, ou defender, no Legislativo e no Judiciário, interesses corporativos, em detrimento do respeito devido à Constituição Federal.


6. A necessidade de transparência

Mesmo que fosse constitucional o Exame de Ordem, ele não poderia ser aplicado sem a necessária TRANSPARÊNCIA e sem qualquer controle externo. Não se sabe, até hoje, quais são os critérios adotados, se é que eles existem, e a Ordem já conseguiu unificar esse exame, nacionalmente, com certeza para evitar as enormes disparidades que têm ocorrido, com reprovações maciças em alguns Estados e altos índices de aprovação, em outros. Para não falar sobre as inúmeras denúncias, que resultaram em investigações da Polícia Federal.

Chega a ser ridículo que a Ordem dos Advogados fiscalize todo e qualquer concurso jurídico; que ela participe, com dois advogados, por ela própria escolhidos, do Conselho Nacional de Justiça, que controla a magistratura; que, da mesma forma, ela participe do Conselho Nacional do Ministério Público, que controla os membros do "parquet"; que ela indique advogados para o quinto constitucional, nos tribunais brasileiros; e, no entanto, ninguém possa controlar o seu Exame de Ordem, que é capaz de afastar, anualmente, do exercício da Advocacia, cerca de 80.000 bacharéis, que concluíram o seu curso jurídico em instituições reconhecidas e credenciadas pelo Poder Público, pelo Estado brasileiro, através do MEC.

Aliás, por mais absurdo que possa parecer, de acordo com o art. 3º do Provimento nº 109/2.005, as Comissões do Exame de Ordem, das diversas seccionais da OAB, podem ser integradas por advogados que nunca tiveram qualquer experiência didática. Esse dispositivo, que dispensa comentários, exige que os membros dessas Comissões, que avaliam todos os bacharéis em Direito formados no Brasil, e que impedem o exercício da Advocacia pelos candidatos reprovados, ou seja, mais de 80% do total, tenham cinco anos de inscrição na OAB e, preferencialmente – preferencialmente, apenas -, experiência didática.


7. Considerações finais.

O Exame de Ordem é inconstitucional. Fere o princípio constitucional da isonomia, porque se aplica apenas aos bacharéis em Direito. Não se aplica às outras áreas, e não se aplica, também, aos advogados já inscritos na OAB, que em sua imensa maioria nunca fizeram esse exame. Restringe, sem qualquer razoabilidade, a liberdade de exercício profissional dos bacharéis em Direito, cláusula pétrea consagrada em nossa Constituição, deixando ao livre arbítrio de um Conselho Profissional a determinação do percentual de bacharéis em Direito que devem ser aprovados nesse Exame.

Em suma: o Exame de Ordem é inconstitucional, porque contraria as disposições dos arts. 1º, II, III e IV, 3º, I, II, III e IV, 5º, II, XIII, 84, IV, 170, 193, 205, 207, 209, II e 214, IV e V, todos da Constituição Federal. Além disso, conflita com o disposto no art. 44, I da própria Lei da Advocacia (Lei n° 8.906/94). E, finalmente, descumpre, também, disposições contidas na Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei n° 9.394/96), em especial, as constantes dos arts. 1º, 2º, 43, I e II, 48 e 53, VI.

Não resta dúvida de que o ensino, no Brasil, é deficiente, e de que existe uma verdadeira proliferação de cursos jurídicos – e de tantos outros – sem o mínimo de condições para a formação de bons profissionais.

No entanto, isso não autoriza a OAB a fiscalizar os cursos universitários, nem a fazer um exame, para supostamente avaliar os bacharéis, e para impedir o exercício profissional dos candidatos reprovados.

Em substituição ao Exame da OAB, poderia ser adotado um Exame, pelo MEC, em todas as áreas, e não apenas nos Cursos de Direito, como condição para que o acadêmico fosse diplomado. Seria um Exame de Estado, nos moldes do que existe, por exemplo, na Itália, e que não seria inconstitucional, como o Exame da OAB.

Não cabe à OAB aferir os conhecimentos jurídicos dos bacharéis. Isso é função exclusiva das universidades, que deveriam ser fiscalizadas, com todo o rigor, pelo MEC, para que não se pudesse dizer, depois de concluído o curso, que a formação dos bacharéis é deficiente.

Ressalte-se, mais uma vez, que não se pretende defender, aqui, a proliferação desordenada de cursos jurídicos de baixa qualidade, mas não resta dúvida de que a Constituição e a lei atribuíram ao Estado, através do MEC, a fiscalização e a avaliação da qualidade desses cursos, e não à OAB, ou a qualquer outra corporação profissional.

O Exame de Ordem não é capaz de avaliar se os candidatos têm, realmente, condições de exercer a advocacia, o que envolve uma série de fatores, e não, apenas, o conhecimento da legislação, que é cobrado, preferencialmente, em provas mal elaboradas, que costumam privilegiar a capacidade de memorização, em vez do entendimento, da crítica e da síntese. Observa-se, também, que, na segunda etapa, costumam ser cobradas questões práticas, tão específicas e raras, que inúmeros advogados militantes, com largo tirocínio, seriam incapazes de resolvê-las, no período da prova e sem o acesso a qualquer material de consulta.

Além disso, a correção das provas - que não admite qualquer fiscalização externa, como também não existe a fiscalização, em sua elaboração -, deixa margem a um alto grau de subjetividade, o que permite a prática de inúmeras injustiças, reprovando os mais competentes e aprovando os incapazes, ou aqueles que se presume que seriam incapazes, para o exercício da Advocacia.

O Exame de Ordem tem sido usado, pela OAB, como instrumento para aumentar o seu poder e para impedir o ingresso de novos advogados no mercado de trabalho, que se alega já estar saturado.

Nenhum conselho de fiscalização profissional poderia pretender restringir o direito ao trabalho dos novos bacharéis, sob a alegação de que o mercado já está saturado. Esse é um outro problema, que não pode ser resolvido dessa maneira, por um motivo muito simples, de estatura constitucional, o de que todos são iguais perante a lei. Não se pode restringir o exercício profissional dos novos advogados, para resguardar o mercado de trabalho dos advogados antigos.

Os direitos do povo são mais importantes do que os lucros dos legisladores, dos governantes, dos políticos, dos juízes e dos advogados. São mais importantes, também, do que qualquer interesse corporativo. O Governo, as Casas Legislativas, os Tribunais e a própria Ordem dos Advogados do Brasil existem, na verdade, apenas para servir o povo, e não para atender aos interesses egoístas de qualquer minoria privilegiada. Ou, pelo menos, assim deveria ser, se a Constituição fosse respeitada.

Tomara que o Supremo Tribunal Federal saiba resistir às pressões espúrias dos dirigentes da OAB e possa atuar, realmente, como guardião da Constituição. Não é possível dizer, simplesmente, que o Exame da OAB é necessário, devido à proliferação de cursos jurídicos de baixa qualidade, se ele atenta contra uma cláusula pétrea de nossa Constituição.

O Supremo deverá julgar a questão juridicamente, e não de acordo com outros interesses, ou com "razões de Estado".

"Razão de Estado, interesse supremo, como quer que te chames, prevaricação judiciária, não escaparás ao ferrete de Pilatos! O bom ladrão salvou-se. Mas não há salvação para o juiz covarde". (Ruy Barbosa)

Belém, 15.09.2011

Sobre o autor
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LIMA, Fernando. Exigência do exame da OAB para exercício da advocacia: análise do caso concreto no STF. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 3037, 25 out. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/20278. Acesso em: 21 nov. 2024.

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