O Recorrente, João Antonio Volante, consulta a respeito da constitucionalidade da exigência da aprovação no exame da OAB, constante do art. 8º, inciso IV, do Estatuto da Ordem dos Advogados (Lei nº 8.906/94) e de sua regulamentação em Provimento do Conselho Federal da OAB, prevista pelo §1º do mesmo artigo.
O Supremo Tribunal Federal, como não poderia deixar de ser, reconheceu a existência de repercussão geral da questão constitucional suscitada nesse Recurso Extraordinário (10.12.2009):
"EMENTA: ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL - EXAME DE ORDEM – LEI Nº 8.906/94 – CONSTITUCIONALIDADE ASSENTADA NA ORIGEM – Possui repercussão geral a controvérsia sobre a constitucionalidade do artigo 8º, § 1º, da Lei nº 8.906/94 e dos Provimentos nº 81/96 e 109/05 do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, no que condicionam o exercício da advocacia a prévia aprovação no Exame de Ordem."
Tendo em vista que há mais de sete anos advogo essa causa, em defesa da liberdade de exercício profissional dos milhares de bacharéis em direito impedidos de advogar por essa exigência inconstitucional, que atenta contra direito fundamental consagrado no inciso XIII do art. 5º da Constituição Federal, cláusula pétrea, que nem mesmo uma emenda constitucional poderia abolir, ou poderia ser "tendente a abolir" (Constituição Federal, art. 60, §4º, IV), ofereço o seguinte
PARECER
SUMÁRIO: 1. Inconstitucionalidade material do Exame de Ordem; 2. Inconstitucionalidade formal do Exame de Ordem; 3. O atentado contra os princípios constitucionais; 3.1. O Exame de Ordem atenta contra o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana; 3.2. O Exame de Ordem atenta contra o princípio constitucional da igualdade; 3.3. O Exame de Ordem atenta contra o princípio constitucional do livre exercício das profissões; 3.4. O Exame de Ordem atenta, finalmente, contra o princípio constitucional do direito à vida; 4. As justificativas da OAB; 5. A Ordem dos Advogados deveria defender a Constituição; 6. A necessidade de transparência; 7. Considerações finais.
1.Inconstitucionalidade material do Exame de Ordem
A Constituição Federal é a lei fundamental e suprema do Estado brasileiro. É dela que deriva toda e qualquer autoridade, até mesmo a da Ordem dos Advogados do Brasil. Somente a Constituição Federal pode delegar poderes e competências políticas.
A Constituição Federal consagra, no inciso XIII do art. 5º (cláusula pétrea), a liberdade de exercício profissional, que somente pode ser limitada por uma lei, que poderá exigir determinadas qualificações profissionais. Em diversos outros dispositivos, a Constituição Federal dispõe que a função de qualificar para o trabalho compete às instituições de ensino e que a avaliação e a fiscalização do ensino competem ao Estado, e não, evidentemente, à Ordem dos Advogados. De acordo com o art. 205 da Constituição Federal, a educação tem como uma de suas finalidades a qualificação para o trabalho. O ensino é livre à iniciativa privada e cabem ao Poder Público a autorização para a abertura e o funcionamento dos cursos e a avaliação de sua qualidade. A Constituição Federal assim o determina.
Portanto, os bacharéis em direito – bem como os bacharéis de todas as outras áreas, como os médicos, os engenheiros, os economistas, os administradores, etc. - são qualificados para o exercício da advocacia e tem essa qualificação certificada, de acordo com a legislação vigente, pelo reitor de cada universidade, através de um diploma. Aos Conselhos Profissionais, como o CRM, o CREA, a OAB, e outros, caberá apenas a fiscalização do exercício profissional.
Nos termos do art. 43, II, da Lei nº 9.394/96 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação), a educação superior tem por finalidade: "II - formar diplomados nas diferentes áreas de conhecimento, aptos para a inserção em setores profissionais e para a participação no desenvolvimento da sociedade brasileira, e colaborar na sua formação contínua." (grifamos)
Essa aptidão para o exercício profissional será atestada, evidentemente, por um diploma da instituição de ensino superior: "Os diplomas de cursos superiores reconhecidos, quando registrados, terão validade nacional como prova da formação recebida por seu titular." (Lei nº 9.394/96, art. 48)
No entanto, apenas para os bacharéis em direito, esse diploma não tem hoje qualquer validade, porque o exercício da advocacia ainda dependerá da aprovação no exame da OAB!!
Evidentemente, em face das disposições constitucionais que regem a educação brasileira, depois de diplomado por uma instituição de ensino superior, devidamente autorizada e fiscalizada pelo MEC, o bacharel em direito já se encontra juridicamente apto ao exercício da advocacia, cabendo à Ordem dos Advogados, apenas, a fiscalização do exercício profissional, e não a suposta avaliação da qualificação profissional desse bacharel em direito.
Nenhuma outra instituição tem competência para qualificar os bacharéis ao exercício de suas profissões, nem mesmo a Ordem dos Advogados do Brasil. Por expressa delegação do Estado brasileiro (art. 207 da Constituição Federal de 1.988 e Lei 9.394/96, art. 53, VI), somente os cursos jurídicos detêm a prerrogativa legal de outorgar ao aluno o diploma de Bacharel em Direito, que certifica a sua qualificação para o exercício da advocacia.
O Exame da OAB é, portanto, materialmente inconstitucional, e deve ser fulminado pela nossa jurisdição constitucional, que atuando como instrumento de concreção da Lei Fundamental deve objetivar a realização efetiva do regime democrático e o respeito aos direitos fundamentais e à cidadania, sob a inspiração dos princípios da legalidade, da democracia, da liberdade, da igualdade e da Justiça Social.
2.Inconstitucionalidade formal do Exame de Ordem
A Lei nº 8.906/94 (Estatuto da Ordem), em seu art. 8º, exigiu, para a inscrição do bacharel na Ordem dos Advogados, a aprovação em Exame de Ordem. Disse, ainda, no §1º desse artigo, que o Exame de Ordem seria regulamentado pelo Conselho Federal da OAB. Esses dispositivos são inconstitucionais, tanto formal como materialmente.
Materialmente, conforme exposto no item anterior, porque a Ordem dos Advogados não tem competência para qualificar o profissional para o exercício da advocacia, ou para avaliar o diploma de uma instituição de ensino superior.
Formalmente, porque as leis, no Brasil, devem ser regulamentadas pelo Chefe do Executivo, e nunca por um Provimento do Conselho Federal da OAB. Tratando-se de lei federal, o Poder Regulamentar é privativo do Presidente da República, nos termos do art. 84, IV, da Constituição Federal.
Assim, conforme previsto pela Constituição Federal, em seu art. 5º, XIII, somente a Lei poderia estabelecer as qualificações necessárias ao exercício profissional, e nunca um Provimento do Conselho Federal da OAB, e essas qualificações já existem, para os bacharéis em direito, bem como para todas as outras áreas profissionais, exatamente aquelas que se consubstanciam pela aprovação em um curso superior, devidamente certificada pelo diploma da instituição de ensino superior, registrado pelo MEC.
O Conselho Federal da OAB não tem competência para regulamentar as leis, como pode ser observado pela simples leitura do art. 84, IV, da Constituição Federal. De acordo com esse dispositivo, compete privativamente ao Presidente da República regulamentar as leis, para a sua fiel execução.
Assim, a Lei nº 8.906/94 é também inconstitucional, neste ponto, porque não poderia atribuir ao Conselho Federal da OAB a competência para regulamentar o Exame de Ordem. Conseqüentemente, o Provimento nº 109/2.005, do Conselho Federal da OAB, que aliás já foi substituído pelo Provimento nº 136/2009, é também inconstitucional. Trata-se, no caso, especificamente, de uma inconstitucionalidade formal, porque não compete ao Conselho Federal da OAB o poder de regulamentar as leis federais. Ressalte-se, uma vez mais, que essa inconstitucionalidade, que prejudica os bacharéis reprovados no exame de ordem, atinge direito fundamental, constante do "catálogo" imutável (cláusula pétrea) do art. 5º da Constituição Federal, com fundamento, tão-somente, em um Provimento (ato administrativo), editado pelo Conselho Federal da OAB. Como se sabe, nem mesmo uma Emenda Constitucional poderia ser tendente a abolir uma cláusula pétrea (Constituição Federal, art. 60, §4º).
A respeito desta questão, no meu entendimento, equivocou-se, data vênia, o Parecer da Procuradoria Geral da República, ao fazer a distinção entre reserva de lei e reserva de norma, respaldada, aliás, em jurisprudência de nossa Excelsa Corte.
Data máxima vênia, não acho possível aceitar essa interpretação, porque ela iria esvaziar completamente o poder regulamentar privativo do Presidente da República, que o art. 84 da Constituição Federal considera indelegável a quem quer que seja – vide o parágrafo único desse artigo.
Ora, se nem o próprio Presidente da República poderia delegar aos seus Ministros, por exemplo, o poder de "baixar decretos e regulamentos" para a fiel execução da lei, como seria possível, então, que uma Lei transferisse esse poder regulamentar ao Conselho Federal da OAB, que nem ao menos pertence ao poder público??
Ressalte-se que, nesta hipótese, do Exame de Ordem, esse Poder Regulamentar, atribuído ao Conselho Federal da OAB, consubstanciou-se em verdadeira "carta branca", para que este decida, arbitrariamente, quais os percentuais de reprovação que deverão ser alcançados pelo Exame.
Talvez o Dr. Rodrigo, que elaborou o referido Parecer, tenha sido influenciado, também, em sua conclusão referente à inexistência da inconstitucionalidade formal, pela nova doutrina da "deslegalização", que "consiste em uma lei rebaixar hierarquicamente determinada matéria para que ela possa vir a ser tratada por regulamento. Como todo instituto importado do Direito alienígena, é necessário fazer algumas adaptações para compatibilizá-lo com o nosso ordenamento. E, como toda novidade, surgem várias vozes contrárias, argumentando no sentido de sua inconstitucionalidade."
(Fonte: A deslegalização no poder normativo das agências reguladoras, disponível na internet em: http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=6961)
Essa doutrina, portanto, não é aceita pacificamente entre nós, e, mesmo assim, ela se refere a uma forma de ampliar o poder normativo do Executivo e das Agências Reguladoras. Nunca, de forma alguma, poderia justificar a atribuição, ao Conselho Federal da OAB, de qualquer competência normativa, mesmo porque a OAB não é autarquia, nem tem qualquer vínculo com o Estado, como já decidiu o próprio Supremo Tribunal Federal, no julgamento da ADIN nº 3026-DF:
"...A OAB não é uma entidade da Administração Indireta da União. A Ordem é um serviço público independente, categoria ímpar no elenco das personalidades jurídicas existentes no direito brasileiro. 4. A OAB não está incluída na categoria na qual se inserem essas que se tem referido como "autarquias especiais" para pretender-se afirmar equivocada independência das hoje chamadas "agências". 5. Por não consubstanciar uma entidade da Administração Indireta, a OAB não está sujeita a controle da Administração, nem a qualquer das suas partes está vinculada."
De qualquer maneira, mesmo que não existisse a inconstitucionalidade formal, bastaria a inconstitucionalidade material para derrubar o Exame da OAB e, principalmente, o atentado contra os princípios constitucionais, a exemplo do princípio da igualdade, que ninguém, em sã consciência, poderia negar, a não ser que tenha o seu entendimento obnubilado pela ganância e pelos interesses pessoais ou corporativos. Afinal de contas, o Exame existe apenas para os bacharéis em Direito, sem qualquer razoabilidade, o que obviamente vulnera o princípio da igualdade.
3.O atentado contra os princípios constitucionais
Além da inconstitucionalidade material e da inconstitucionalidade formal, o Exame de Ordem vulnera, ainda, os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, da igualdade, do livre exercício das profissões e do próprio direito à vida.
Nunca é demais recordar a importância do respeito aos princípios constitucionais:
"Princípio, já averbamos alhures, é, por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas, compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido humano. É o conhecimento dos princípios que preside a intelecção das diferentes partes componentes do todo unitário, que há por nome sistema jurídico positivo. Violar um Princípio é muito mais grave que transgredir uma norma. É a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio atingido, porque representa insurgência contra todo o sistema, subversão de seus valores fundamentais, contumélia irremissível a seu arcabouço e corrosão de sua estrutura mestra." (Fonte: Mello, Celso Antonio Bandeira de. Conteúdo jurídico do princípio da igualdade. 3ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2000)
3.1. O Exame de Ordem atenta contra o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, ao impedir o exercício da advocacia e o direito de trabalhar, aos bacharéis qualificados pelas instituições de ensino fiscalizadas pelo Estado, ferindo assim o disposto nos incisos III e IV do art. 1° da Constituição Federal, que consagram como fundamentos da República Federativa do Brasil a dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa.
3.2. O Exame de Ordem atenta contra o princípio constitucional da igualdade, porque qualquer bacharel, no Brasil – exceto, naturalmente, o bacharel em Direito -, pode exercer a sua profissão (médicos, engenheiros, administradores, etc.), bastando para isso solicitar a inscrição no conselho correspondente. O bacharel em Direito é o único que, depois de diplomado, ainda está sujeito a um Exame de Ordem. Evidentemente, as funções desempenhadas pelo advogado são muito importantes, como costumam afirmar os dirigentes da OAB, porque o advogado defende a liberdade e o patrimônio de seus clientes. No entanto, apenas para exemplificar, ao médico compete salvar vidas, enquanto que o engenheiro incompetente poderia causar um enorme desastre, como a queda de um prédio, com a perda, também, de inúmeras vidas e de bens patrimoniais. Mesmo assim, não existe um exame similar ao Exame de Ordem para médicos, nem para engenheiros. O Exame de Ordem da OAB viola, portanto, o princípio constitucional da igualdade, porque atinge apenas os bacharéis em Direito, sem que para isso exista qualquer justificativa, ou qualquer razoabilidade.
Ressalte-se, ainda, que o próprio Congresso Nacional, que aprovou o Estatuto da OAB, prevendo a realização do Exame de Ordem apenas para os bacharéis em Direito, tipificou como crime o exercício ilegal da profissão de médico, dentista ou farmacêutico (Código Penal, art. 282), mas considerou uma simples contravenção penal o exercício ilegal de qualquer outra profissão regulamentada, inclusive a advocacia (Lei das Contravenções Penais, art. 47). Reconheceu, portanto, indiretamente, para o exercício da medicina por alguém inabilitado, a maior possibilidade de dano ao interesse público, mas autorizou, apesar disso, a realização do Exame de Ordem apenas para os bacharéis em Direito, aprovando o anteprojeto do Estatuto da Ordem dos Advogados, elaborado pela própria OAB. Nunca é demais lembrar que, antes da elaboração desse anteprojeto, o Congresso Nacional já havia aprovado um projeto de lei que pretendia criar o exame de ordem, mas esse projeto foi vetado pelo Presidente Collor, que dois meses depois foi denunciado pela OAB ao Congresso Nacional, para o início do processo de impeachment.
3.3. O Exame de Ordem atenta contra o princípio constitucional do livre exercício das profissões,
consagrado no art. 5º, XIII, verbis: "é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer." De acordo com esse dispositivo, o profissional já qualificado, pelas instituições de ensino superior, não poderia ser obrigado a submeter-se ao Exame de Ordem da OAB, como condição para a inscrição no Conselho e para o exercício da advocacia. O texto constitucional, ressalte-se, utiliza a expressão qualificações profissionais que a lei estabelecer e não exames estabelecidos em lei. A qualificação profissional, como já foi dito, é feita pelas instituições de ensino jurídico, reconhecidas e fiscalizadas pelo Poder Público. De acordo com o art. 43 da Lei de Diretrizes de Bases da Educação (Lei 9.394/96), a educação superior tem a finalidade de formar "diplomados nas diferentes áreas de conhecimento, aptos para a inserção em setores profissionais". Ressalte-se, ainda, uma vez mais, que o art. 48 dessa mesma Lei dispõe que "Os diplomas de cursos superiores reconhecidos, quando registrados, terão validade nacional como prova da formação recebida por seu titular". Não resta dúvida, assim, de que os bacharéis em Direito não poderiam ser impedidos de exercer a sua profissão, em decorrência da exigência inconstitucional da OAB. O Exame de Ordem, que pretende avaliar as qualificações profissionais dos bacharéis em Direito, é inconstitucional, portanto, porque invade a competência da Universidade, para qualificar, e a do Estado, através do MEC, para avaliar.3.4. O Exame de Ordem atenta, finalmente, contra o princípio constitucional do direito à vida, porque esse direito não se refere, apenas, à possibilidade de continuar vivo, mas também à necessidade de prover a própria subsistência, através do exercício de sua profissão, para a qual o bacharel se qualificou, durante cinco anos, em um curso superior, autorizado, fiscalizado e avaliado pelo Estado. Assim, o Exame de Ordem, ao atentar contra a liberdade de exercício profissional, atenta, também, contra o próprio direito à vida, do bacharel em Direito.
4. As justificativas da OAB
Demonstrada, assim, sobejamente, a inconstitucionalidade do Exame de Ordem, formal e material, além do evidente atentado contra os referidos princípios constitucionais, não se entende por que os atuais dirigentes da OAB, que nos termos do art. 44 de seu Estatuto (Lei 8.906/94), tem a missão de defender a Constituição e a ordem jurídica do Estado Democrático de Direito, continuam defendendo, ao contrário, intransigentemente, o Exame de Ordem, como necessário e indispensável, para a avaliação da capacidade profissional de todos os bacharéis em Direito.
Em suas manifestações, até esta data, os dirigentes da OAB não têm conseguido justificar, juridicamente, - e nem seria possível - a existência do Exame de Ordem. Dizem eles, apenas, essencialmente, que: (a) ocorreu uma enorme proliferação de cursos jurídicos, no Brasil, o que é a mais absoluta verdade; (b) o ensino jurídico, em muitos casos, é extremamente deficiente, o que também é verdade; (c) a OAB tem competência para avaliar os cursos jurídicos, o que é falso, porque a avaliação da qualidade do ensino compete ao Poder Público, nos termos do art. 209, II, da Constituição Federal; (d) a OAB tem a obrigação de afastar os maus profissionais, o que também é verdade, mas apenas na fiscalização do exercício da advocacia, o que envolverá também as questões éticas, ou seja, a deontologia profissional.
Portanto, se o MEC não fiscaliza corretamente os cursos superiores, como costumam alegar os dirigentes da OAB, isso não justifica, juridicamente, a transferência de sua competência para a OAB, através do Exame de Ordem e, também, através do veto à abertura de novos cursos jurídicos, e isso é tão evidente que dispensa qualquer tipo de comprovação.
Afinal de contas, os dirigentes da OAB não aceitariam que algum outro órgão pudesse fiscalizar o exercício profissional dos advogados, alegando que a OAB não está desempenhando corretamente as suas atribuições. Da mesma forma, é evidente, também, que as atribuições do Judiciário não poderiam ser desempenhadas por um outro poder, ou pela própria OAB, para que se pudesse evitar a procrastinação dos feitos. O absurdo é tão gritante, que custa crer que os dirigentes da OAB, até esta data, ainda afirmem que o Exame de Ordem é indispensável, porque o MEC não fiscaliza corretamente os cursos jurídicos.
Outra alegação que costuma ser feita, pelos defensores do Exame de Ordem, é a de que os cursos jurídicos "formam bacharéis e que o Exame de Ordem forma advogados". No entanto, essa afirmação não tem cabimento, também, porque, de acordo com os diversos dispositivos constitucionais, e os da Lei de Diretrizes e Bases da Educação, já citados, é evidente que a qualificação para o trabalho, em qualquer área, decorre da formação profissional, adquirida através do ensino, em uma instituição de nível superior, e que somente o ensino qualifica para o trabalho, e não o Exame de Ordem da OAB. A ela, cabe apenas a fiscalização do exercício profissional, e não a seleção dos bacharéis formados em nossos cursos jurídicos.
Na mesma linha da alegação anterior, há quem afirme, também, que o Exame de Ordem é um concurso público, tendo em vista que o advogado exerce "função pública", sendo indispensável à administração da Justiça, nos termos da Constituição. Nada mais falso, evidentemente, porque o advogado exerce uma profissão liberal e a exigência de um concurso público somente teria cabimento quando se tratasse do provimento de cargos ou empregos públicos. Assim, se o Exame de Ordem fosse um concurso público, o bacharel em Direito, uma vez aprovado pela OAB, nesse exame, passaria a exercer um cargo público, ou um emprego público, remunerado pelos cofres públicos. Afinal, é para isso que servem os concursos públicos.
Há quem diga, finalmente, que ainda não houve uma decisão judicial declarando a inconstitucionalidade do Exame de Ordem e que, por esse motivo, ele é válido e constitucional. Esse é outro argumento absurdo, porque a propositura da ação não tem nada a ver com o debate jurídico. Mesmo que o Supremo Tribunal Federal, por pressão dos dirigentes da OAB, talvez, decidisse que o Exame de Ordem é constitucional, poderíamos continuar discutindo o assunto e dizendo que esse Exame é inconstitucional. Felizmente, a opinião doutrinária, neste país, ainda é livre. Ainda não inventaram, para isso, uma súmula vinculante, que possa nos impedir de pensar e de manifestar a nossa opinião.