CAPÍTULO III - CLASSIFICAÇÃO, CORRENTES E LIMITES: PANORAMA SOBRE A FLEXIBILIZAÇÃO TRABALHISTA
Após o estudo das causas geradoras, ou motivadoras, da flexibilização trabalhista, insta-nos trabalhar, neste momento, com questões doutrinárias circundantes do tema.
No presente capítulo, serão abordadas questões doutrinárias pertinentes à flexibilização trabalhista, segundo as mais diversas vertentes dos doutos na questão, com intuito de conceder ao leitor uma visão mais ampla sobre o tema.
Tendo em vista que o presente trabalho, em momento algum, buscou defender uma posição definitiva acerca da questão, cumprindo somente a instrutiva intenção de trazer luzes acerca do tema, importante enfocar aspectos doutrinários abordados por diversos autores que enfrentaram a questão.
Quando da abordagem das possíveis classificações da flexibilização trabalhista, busca-se trazê-las da forma mais ampla possível, notando-se que por diversas vezes, esta classificação confundir-se-á com a própria classificação do ordenamento jurídico trabalhista.
Quanto aos limites da flexibilização, pertinente o foco nas questões legais, principiológicas e doutrinárias que limitam o alcance da relativização das normas trabalhistas, de forma a não deixar o trabalhador sem qualquer forma de proteção estatal.
Segundo Pedro Paulo Teixeira Manus (2006, p. 211), "o Direito do Trabalho caracteriza-se como um ramo do Direito de natureza marcadamente protecionista", de forma que não pode manter-se completamente alheio, não havendo de falar-se em "desregulamentação", conforme já exposto no primeiro capítulo do presente estudo.
Acerca das correntes sobre a flexibilização, patente o caráter doutrinário da abordagem, conquanto apontar-se-ão alguns autores, e posições, acerca do tema. Tratam-se de opiniões técnicas nas mais diversas vertentes, que vão da afirmação da possibilidade de relativização dos direitos laborais, à completa negativa desta possibilidade.
Indica-se ao leitor que, ao estudar o presente capítulo, desprenda-se de qualquer posição pré-formada, de forma a alcançar o mais amplo conhecimento acerca da matéria, em uma visão panorâmica acerca da questão.
3.1 Classificações doutrinárias da flexibilização trabalhista
A abordagem acerca das diversas classificações da flexibilização trabalhista é de grande interesse acadêmico, sendo também de utilidade prática para entendimento das formas através das quais se efetiva a relativização dos direitos obreiros. Importante a lição de Carrió (1986, p. 99, apud MARTINS, 2009, p. 31), quando aduz que "as classificações não são verdadeiras ou falsas, mas úteis ou inúteis". Busca-se no presente trabalho limitar-se o número de classificações, de forma a trazer aquelas de conteúdo mais prático.
Quanto à legalidade, a flexibilização pode ser legal (ou autorizada), ou ilegal (MARTINS, 2009, p. 31). Será legal ou autorizada quando a própria lei permite a flexibilização trabalhista, como na redução da jornada de trabalho (Art. 7º, XIII, da CF), ou na redução salarial mediante negociação coletiva (Art. 7º, VI, da CF). Será ilegal ou ilícita quando a flexibilização for utilizada para fins escusos, com o intento de burlar a lei e os direitos trabalhistas. Pedro Paulo Teixeira Manus é preciso ao abordar o tema (2006, p. 130):
Todavia, a redução de custos deve ser feita de forma lícita, isto é, buscando reduzir despesas possíveis de se evitar, sob pena de infringir a lei. Nesse sentido é que se condena a terceirização, quando se busca utilizá-la de forma ilícita, precarizando as condições de trabalho. É possível terceirizar quando a empresa que passa a prestar aqueles serviços tem condições de fazê-lo de forma melhor que a tomadora de serviços por conta própria. Mas tal modificação encontra óbice quando as condições contratuais dos novos trabalhadores passam a ser desvantajosas em relação aos contratos mantidos pela tomadora de serviços.
Na obra de Amauri Mascaro Nascimento encontramos exemplos de flexibilizações legais operadas no direito estrangeiro (2009, p. 171):
O Chile, com o Código do Trabalho de 1973, igualou os direitos mais amplos previstos para determinadas profissões com os fixados para o trabalhador em geral, aumentou o poder do empregador para alterar as funções dos empregados, o local de trabalho e os horários e vetou a duplicidade de indenizações de dispensa, a legal e a convencional, e a reintegração do trabalhador no emprego pela via judicial.
O Panamá, com a Lei n. 1/86, Lei de Reforma Laboral, ampliou a duração do contrato de experiência, reduziu o adicional de horas extraordinárias e redefiniu o salário.
A Colômbia, com a Lei n. 50/90, também diminuiu o adicional de horas extras e reconceituou o salário.
O Equador, com a Lei n. 133/91, promoveu restrições à atividade sindical e à autotutela(...).
A flexibilização também pode ser legislada ou negociada (MARTINS, 2009, p. 31). Confunde-se a flexibilização legislada com a flexibilização legal, tendo em vista que ambas pautam-se na questão da origem da relativização ser a própria Lei. Já flexibilização negociada, segundo Amauri Mascaro Nascimento (2009, p. 171), é "resultante da autonomia coletiva para adaptação e re-regulamentação do direito do trabalho(...)". Na legislação pátria, temos já exemplos de flexibilização negociada, a exemplo da possibilidade de redução salarial mediante negociação coletiva (Art. 7º, VI, da CF).
Importante e pertinente a lição oferecida por Maurício Godinho Delgado (2008, p. 207):
Em linhas gerais, porém, pode-se esclarecer que as diversas garantias fixadas pela ordem jurídica não tem caráter absoluto, usualmente acolhendo restrições. Ilustrativamente, a proteção relativa ao valor do salário ainda não o preserva de perdas decorrentes da corrosão monetária; a vedação a mudanças contratuais e normativas provocadoras da redução de salários pode ser flexibilizada mediante negociação coletiva (Art. 7º, VI, da CF/88); a garantia de integralidade salarial, com controle de descontos em seu montante, é excepcionada pela própria norma jurídica que a instituiu (Art. 462, CLT); a proteção contra constrições externas, como a penhora, embora ampla, encontra exceção na prestação alimentícia (art. 649, CPC).
Arnaldo Sussekind (2005, p. 209), em sua obra conjunta com outros mestres, nos traz uma classificação quanto aos agentes da flexibilização, aduzindo que, quanto a esta, a flexibilização pode ser:
a)Unilateral, quando imposta por autoridade pública ou pelo próprio empregador (p. ex.: Chile, Panamá e Peru);
b)Negociada com o sindicato ( p. ex.: Brasil, Espanha e Itália);
c)Mista, isto é, unilateral ou negociada, conforme a hipótese (p. ex.: Argentina).
Quanto à fonte do direito da qual emana, a flexibilização pode ser heterônoma ou autônoma (MARTINS, 2009, p. 32). Será heterônoma quando vier de forma externa às partes, a exemplo do Estado, que estabelece Leis sem prévio ou necessário consentimento de empregado ou empregador. É considerada autônoma a forma de flexibilização feita pela vontade das partes, a exemplo da forma negociada, já trabalhada no presente tópico.
Ainda, quanto à finalidade, ou seja, o intuito do Estado ou das partes quando da relativização das normas jurídicas trabalhistas, a flexibilização pode ser de proteção, adaptação ou de desproteção. Segundo Sergio Pinto Martins (2009, p. 32):
Com respeito à finalidade, a flexibilização pode ser: (a) de proteção, visando preservar a ordem pública social, de forma a adaptar a lei à realidade dos fatos, mediante acordos derrogatórios; (b) de adaptação, em que são feitos acordos derrogatórios; (c) de desproteção: quando há a total supressão de direitos dos trabalhadores, que foram adquiridos no curso do tempo.
Quanto à finalidade de "desproteção", insta salientar não ser esta uma finalidade permitida no Brasil, tendo em vista a constitucionalização dos direitos trabalhistas, que ganharam status de direitos e garantias fundamentais do ordenamento pátrio. Segundo Carlos Roberto Cunha, Juiz do Trabalho e ex-professor da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul (2004, p. 289):
Os direitos sociais inscritos na Constituição de 1988 são direitos fundamentais e, em face disso, não podem ser alvo de desconstitucionalização e escapam da alçada do Poder Constituinte derivado. Trata-se de matéria imutável, que não pode ser objeto de emenda constitucional. É verdadeiro que o constituinte ‘não deve converter-se em tirano, aprisionando em camisa de força as gerações futuras e subtraindo-lhes a autonomia decisória e a capacidade de adaptação às mutações sociais’, mas em contrapartida é preciso salvaguardar a constituição das pretensões de maioria parlamentar de ocasião, de derrubada de matéria que constitui pilar da ordem jurídica."
Entrementes, pondera Arnaldo Sussekind (2005, p. 209) que, nas hipóteses de flexibilização esculpidas na própria Constituição Federal, não poderá ser invocada a garantia prevista no artigo 468 da CLT (inalterabilidade contratual lesiva), tendo em vista que a Carta Magna delegou aos entes trabalhistas coletivos a possibilidade de dispor de direitos individuais dos empregados por eles representados. Trata-se de verdadeiro aval constitucional para que o sindicato, em situações pertinentes, sopesando benefícios e ônus, restrinja direitos trabalhistas de seus representados.
Outra classificação pertinente é a que divide a flexibilização em quantitativa externa, quantitativa interna e flexibilização funcional. Tal classificação relaciona-se ao âmbito do empregador (âmbito empresarial) e da atividade produtiva empresarial. Segundo Sergio Pinto Martins (2009, p. 32):
Tem-se dividido a flexibilização do trabalho em: (a) quantitativa externa, que trata da contratação do trabalhador e das facilidades com que pode ser despedido de acordo com as necessidades da empresa; (b) quantitativa interna, que engloba a utilização do tempo do empregado, como o horário de trabalho, o trabalho a tempo reduzido, a modificação da função do trabalhador; (c) flexibilização funcional, que diz respeito aos métodos ou técnicas de gestão de mão-de-obra em decorrência das exigências da produção.
Esta forma de classificação enfoca sobremaneira os interesses empresariais em detrimento do interesse do empregado. Pode-se visualizar nesta forma de classificação uma grande relativização do princípio da proteção, já consagrado no direito laboral pátrio. Maurício Godinho Delgado (2008. p. 196-197) enfoca sobremaneira a importância do princípio da proteção nas relações laborais, que atua como verdadeiro balanceador das relações entre empregados e empregadores, tendo em vista a patente diferença de forças entre as partes:
Informa este princípio que o Direito do Trabalho estrutura em seu interior, com suas regras, institutos, princípios e presunções próprias, uma teia de proteção à parte hipossuficiente na relação empregatícia – o obreiro –, visando retificar (ou atenuar), no plano jurídico, o desequilíbrio inerente ao plano fático do contrato de trabalho.
Quanto à mobilidade, a flexibilização pode ser externa e interna (MARTINS, 2009, p. 33). Reputa-se externa a flexibilização que reflete sobre a contratação do empregado pelo empregador, ou seja, sobre a forma de pactuação do contrato de trabalho (se por tempo determinado ou indeterminado, em caráter de experiência ou não, o período de jornada a ser exercida, etc.). A flexibilização interna, por sua vez, analisa a mobilidade horizontal ou vertical do trabalhador, no que diz respeito à possibilidade de alteração de funções de um mesmo trabalhador, transferência em caso de necessidade, promoção ou rebaixamento de função.
Amauri Mascaro Nascimento (2009, p. 169), acerca da flexibilização externa e interna, respectivamente, aduz a seguinte proposição:
A primeira designa os tipos de contrato de trabalho diante da nova tecnologia, da economia de serviços, da sociedade de informação e do desemprego; a segunda, dentro do contrato individual de trabalho, isto é, inerente aos direitos do trabalhador, como já foi acima mostrado.
Entretanto, deve-se observar a garantia mínima de direitos aos obreiros, de forma que a maleabilização das normas jurídicas laborais não seja uma forma oculta de extinção dos direitos fundamentais dos trabalhadores.
Para encerrar as classificações expostas pela doutrina abalizada, trazidas em caráter exemplificativo, e não exauriente, fala-se em flexibilização in mellius e flexibilização in pejus (Martins, 2009, p. 34). A primeira diz respeito às formas de flexibilização que trazem melhorias às condições de trabalho, sendo benéficas ao empregado. A segunda, por sua vez, reflete-se nas medidas tomadas em tempos de crise, e que por sua vez são prejudiciais aos trabalhadores, à exemplo do que ocorre com a possibilidade de redução salarial mediante negociação coletiva, utilizada em épocas de crise para que se possa evitar a dispensa dos empregados dos postos de trabalho que ocupam.
Verifica-se o vasto espectro de classificações dadas pela doutrina à flexibilização das normas trabalhistas. Muitas se confundem, ou são verso e anverso de uma mesma folha. De toda forma, bastante úteis são estas classificações para que se entenda a dimensão e o alcance da flexibilização no âmbito normativo e empresarial
3.2 Correntes doutrinárias sobre a aplicabilidade da flexibilização trabalhista
A doutrina consente em ao menos três correntes sobre a flexibilização trabalhista: a flexibilista, a antiflexibilista e a semi-flexibilista (NASCIMENTO, 2009, p. 169). Pela própria nomenclatura, evidencia-se, em apanhado raso, tratarem-se de teorias pró, contra e mista acerca da flexibilização. Cada uma destas teoria possuem defensores no plano nacional e internacional.
Para aqueles filiados à corrente flexibilista, a flexibilização é uma realidade palpável e necessária ante a realidade econômica vivenciada em determinados períodos. Adaptação é a palavra chave para esta corrente, que vê na relativização das normas trabalhistas uma forma de atenuar os efeitos de crises econômicas no âmbito empresarial, e também como forma de evitar dispensa em massa de empregados. Segundo Amauri Mascaro Nascimento (2009, p. 169):
Primeira, a flexibilista, cujas ideias são sintetizadas na manifestação de Lobo Xavier, em Portugal, no seu Curso de direito do trabalho (1993), que mostra que o direito do trabalho passa por fases diferentes, a da conquista, a promocional e a de adaptação à realidade atual, com as convenções coletivas de trabalho desenvolvendo cláusulas in melius e in pejus, na tentativa de dar atendimento às condições de cada época e de cada setor. É a posição, no Brasil, dentre outros, de Robortella, ao mostrar a natureza cambiante da realidade econômica, com o que uma norma pode ser socialmente aceita num período de abastança, mas absolutamente nociva numa sociedade em crise e desemprego.
De fato, temos em Luiz Carlos Amorim Robortella (1994, p. 94) um dos maiores expoentes nacionais da corrente flexibilista, tendo em vista que já no século passado defendia posição favorável à adaptação normativa à realidade econômica. Em sua obra O Moderno Direito do Trabalho, trabalhou com grande profundidade a questão da flexibilização em contraponto com os dogmas trabalhistas. Veja-se o seguinte (1994, p. 113-114):
A flexibilização é uma realidade do mercado de trabalho, a exigir o devido diagnóstico da ciência jurídica e, em decorrência, o estudo das soluções normativas adequadas. Não se pode ignorá-la, como se não dissesse respeito ao direito do trabalho. É uma realidade inafastável, palpitante, que anseia pela intervenção do jurista, dando-lhe o tom, o ritmo e o conteúdo.
A polêmica sobre a conciliação das políticas flexibilizatórias com os princípios do direito do trabalho é intensa. Os defensores da flexibilização muitas vezes caem em certo dogmatismo em suas posições.
Esbarram os defensores da corrente flexibilista, de fato, na grande tutela do Estado para com o trabalhador, tendo em vista o vasto rol normativo e principiológico que ampara o obreiro, com o intuito, anteriormente já dito, de equiparar juridicamente forças diferentes.
Para Sergio Pinto Martins (2009, p. 29), a corrente flexibilista pressupõe o fato de o Direito do Trabalho passar por fases distintas, sendo que em um primeiro momento deve-se assegurar os direitos trabalhistas, enquanto uma conquista dos trabalhadores. Em um segundo momento, ocorre a promoção, a divulgação ou popularização, das normas trabalhista. E, por fim, em um terceiro momento, devem as normas trabalhistas se adaptarem à realidade dos fatos, aplicando-se normalmente a lei em períodos de tranquilidade, e flexibilizando-a em épocas de crise, como forma de atenuar os seus efeitos nocivos, inclusive prejudicando a condição dos trabalhadores enquanto a situação assim perdurar.
Em uma leitura global da obra de Sergio Pinto Martins, observa-se sua tendência flexibilista, como podemos ver no excerto a seguir, ainda na introdução da obra (2009, p. 2):
A necessidade das mudanças nas relações trabalhistas, de forma a reduzir os custos do trabalho para o empregador, levam à necessidade da flexibilização do Direito do Trabalho e de serem estabelecidas modificações.
Afirma Portalis que "é preciso mudar, quando a mais funesta de todas as inovações seria, por assim dizer, não inovar. Não devemos ter preconceitos cegos. Tudo o que é antigo já foi novo.
Como dizia Camões: "mudam-se os tempos, mudam-se as vontades; muda-se o ser, muda-se a confiança; todo mundo é composto de mudança, tomando sempre novas qualidades".
Há, portanto, necessidade de mudanças também no campo do Direito do Trabalho.
A segunda corrente citada pela doutrina é a denominada corrente antiflexibilista. São defensores dessa proposição aqueles que veem a flexibilização como um retrocesso as garantias dos trabalhadores. Segundo Amauri Mascaro Nascimento (2009, p. 169):
Segunda, a antiflexibilista, sustentada, de certo modo, por Vazquez Vialard, em sua obra La flexibilidade em el derecho Del trabajo (1998), que pergunta se essa proposta é mero pretexto para reduzir os direito dos trabalhadores ou é, na verdade, uma adequação dos direito do trabalho à realidade. É a posição, no Brasil, dentre outros, de Orlando Teixeira da Costa, que diz que a flexibilização pode agravar a condição dos hipossuficientes sem contribuir para o fortalecimento das relações de trabalho.
Para Sergio Pinto Martins (2009, p. 29), a corrente antiflexibilista, para seus defensores, aponta a relativização de direitos trabalhistas como um grave retrocesso, tendo em vista que os direitos sociais, conquistados ao decorrer de longos anos, a duras penas, pelos trabalhadores, não podem ser simplesmente suprimidos. Cumpre evidenciar o excerto que sintetiza tal ideia (2009, p. 29):
A teoria antiflexibilista mostra que a flexibilização do Direito do Trabalho é algo nocivo para os trabalhadores e vem a eliminar certas conquistas que foram feitas nos anos, a duras penas. Seria uma forma de reduzir direitos dos trabalhadores. Poderia haver agravo das condições dos trabalhadores, sem que houvesse qualquer aperfeiçoamento ou fortalecimento das relações de trabalho.
Para os defensores dessa corrente, os direitos trabalhistas, tanto aqueles consubstanciados em normas quanto aqueles expressos em princípios, constituem óbice à flexibilização, que, por sua vez, seria um verdadeiro retrocesso aos direitos conquistados pelos obreiros. No Brasil, Pedro Paulo Teixeira Manus (2006, p. 129) adere à teoria antiflexibilista, propugnando ser a flexibilização um teoria prejudicial ao obreiro. Cumpre colacionar trecho de sua lição:
[...] a flexibilização e a terceirização são prejudiciais aos trabalhadores. Isso porque ambas são modos de tratamento da prestação de serviços que oferecem vantagens ao capital, mesmo porque, se assim não fosse, ao empregador de nada adiantaria e, portanto, delas não se utilizaria. E, se são formas de economizar com mão-de-obra, é evidente que resultam prejuízo aos trabalhadores. Não obstante isso, tais fenômenos são fruto dos tempos atuais, da grande concentração de capitais e das leis de mercado que vivemos.
Temos em Maurício Godinho Delgado também um ferrenho defensor dos direitos trabalhistas, propugnando que a função do direito do trabalho é equilibrar a posição jurídica de partes economicamente diversas. Nesse sentido, propugna o ilustre Ministro (DELGADO, 2008, p. 195):
Toda estrutura normativa do Direito Individual do Trabalho constrói-se a partir da constatação fática da diferenciação social, econômica e política básica entre os sujeitos da relação jurídica central desse ramo jurídico específico. Em tal relação, o empregador age naturalmente como ser coletivo, isto é, um agente socioeconômico e político cujas ações – ainda que intra-empresariais – têm a natural aptidão de produzir impacto na comunidade mais ampla.
Em contrapartida, no outro polo da relação inscreve-se um ser individual, consubstanciado no trabalhador que, como sujeito desse vínculo sócio jurídico, não é capaz, isoladamente, de produzir, como regra, ações de impacto comuniário. Essa disparidade de posições na realidade concreta fez emergir um Direito individual do Trabalho largamente protetivo, caracterizado por métodos, princípios e regras que buscam reequilibrar, juridicamente, a relação desigual vivenciada na prática cotidiana da relação de emprego. (Grifo nosso)
Sendo a função primordial do Direito Individual do Trabalho o equilíbrio jurídico das partes pactuantes do contrato laborativo, evidencia-se ma flexibilização um desnível que não poderia ser aceita pelas normas trabalhistas, tendo em vista o prejuízo a ser arcado pelos trabalhadores.
Por fim, temos a chama corrente semiflexibilista. Essa corrente, e os defensores a ela filiados, propugna que a flexibilização tem cabimento somente quando há intervenção do ente coletivo representante dos trabalhadores. É dizer: somente pela autonomia coletiva pode se dar a flexibilização dos direitos individuais dos trabalhadores. Segundo Amauri Mascaro Nascimento (2009, p. 170):
Terceira, a semiflexibilista, que nos parece resultar de posicionamentos como o de Romagnoli (1992), na Itália, para quem a flexibilização deve começar pela autonomia coletiva, para evitar riscos, por meio de negociações coletivas, tese que é simpática também a Uriarte (1992), no Uruguai, que propõe a desregulamentação do direito coletivo.
Pressupõe esta corrente que, representados os obreiros pelo seu órgão coletivo (sindicato), haveria uma maior proteção aos seus direitos, que só seriam feridos em casos extremos, como forma de se evitar, por exemplo, a dispensa do posto de trabalho ocupado. Segundo Sergio Pinto Martins (2009, p. 29):
Prega a teoria semiflexibilista a observância da autonomia privada coletiva e também sua valorização plena. A flexibilização seria feita pela norma coletiva, havendo uma desregulamentação do Direito Coletivo do Trabalho, por meio das convenções ou acordos coletivos.
Evidencia-se, portanto, a diversidade de correntes adotadas por aqueles que enfrentam o tema da flexibilização dos direitos trabalhistas. As três correntes possuem méritos, devendo o leitor filiar-se àquela que melhor coaduna com o entendimento jurídico acerca do tema. Cada uma destas correntes privilegia uma determinada finalidade: enquanto a corrente flexibilista visa a adequação do direito à realidade econômica, a corrente antiflexibilista põe em evidência os direitos dos trabalhadores e a teoria semiflexibilista ressalta a importância da liberdade da negociação coletiva.
3.3 Limites aos atos de flexibilização das normas trabalhistas
Como já exposto em capítulo anterior do presente trabalho, e rememorado na introdução do presente capítulo, a flexibilização dos direitos trabalhistas não implica, para a maioria dos autores que a defendem, uma prática de desregulamenção.
Embora já explicitado no tópico pertinente, que abordava o conceito de flexibilização, cumpre novamente evidenciar, aos estudarmos os limites da flexibilização trabalhista, que esta não implica a total omissão, ou falta de tutela, estatal em relação ao trabalhador. Há um mínimo, segundo cada autor, que deve ser respeitado como forma de preservação da dignidade do trabalhador. Conforme apontado por Arnaldo Sussekind (2005, p. 206):
A nosso entender, portanto, a desregulamentação do Direito do Trabalho, que alguns autores consideram uma das formas de flexibilização, com esta não se confunde. A desregulamentação retira a proteção do Estado ao trabalhador, permitindo que a autonomia privada, individual ou coletiva, regule as condições de trabalho e os direitos e obrigações advindos da relação de emprego. Já a flexibilização pressupõe a intervenção estatal, ainda que básica, com normas gerais abaixo das quais não se pode conceber a vida do trabalhador com dignidade. Precisamente porque há leis é que determinados preceitos devem ser flexíveis ou estabelecer fórmulas alternativas para sua aplicação.
Sergio Pinto Martins (2009, p. 129) aponta que os limites à flexibilização trabalhista, sob o prisma da admissibilidade, podem ser entendidos como admissíveis ou inadmissíveis. Admissíveis são os limites que, mesmo em momentos de crise, garantem um mínimo de direitos aos trabalhadores, permitindo a continuidade da empresa (setor produtivo). Inadmissíveis são os limites estabelecidos com fim único de suprimir direitos trabalhistas.
Insta salientar que os limites à flexibilização variam segundo a corrente defendida acerca da aceitação da relativização das normas trabalhistas. Assim, para a corrente antiflexibilista, toda forma de flexibilização não permitida pela Constituição será considerada lesiva ao interesse do trabalhador, e portanto não será aceita (MANUS, 2006, p. 130). Para aqueles defensores da corrente flexibilista, os limites serão os mínimos possíveis. Assim pontifica Luiz Carlos Amorim Robortella (1994, p. 122):
A proteção do trabalho se obtém por meios outros que não a norma estatal. Os interesses do trabalhador podem ser defendidos pelos entes coletivos, no exercício da autonomia privada, até mesmo quando, por livre deliberação do grupo, se entenda adequada e necessária uma redução de direitos. O grupo sempre será o melhor juiz de seus interesses e, com isto, se estará assegurando a plena vigência do princípio da proteção.
O que se propõe é a superação da polêmica entre protecionismo e flexibilidade, para vir à luz o que se pode denominar protecionismo dinâmico ou protecionismo flexível, em lugar do protecionismo estático.
Criticada a posição acima delineada, tendo em vista a concepção de muitos mestres de que o mercado, ou unicamente a autonomia privada, não é capaz de garantir um mínimo digno ao trabalhador, marcadamente hipossuficientes em relação aos empregadores, donos dos meios produtivos. Conforme pondera Arnaldo Sussekind (2005, p. 207):
Como bem acentuou Lúcio Rodrigues de Almeida, "nos tumultuados tempos em que vivemos, mais avulta a importância do Direito do Trabalho, com a imperatividade de suas normas, como instrumento de luta pelo estabelecimento de uma ordem social justa". Essa imperatividade, com a condição de indisponibilidade, deve corresponder, no entanto, ao nível de proteção abaixo do qual não se pode admitir o trabalho humano com dignidade. Afinal, prescreve o art. 1º da Constituição brasileira que um dos fundamentos do "Estado Democrático de Direito" é "a dignidade da pessoa humana". O que nos parece inconcebível, uma vez que socialmente inaceitável e politicamente perigoso, é que o mundo seja impulsionado unicamente pelas leis do mercado. (grifo nosso)
Interessante a lição trazida por Amauri Mascaro Nascimento (2009, p. 177), quando aponta a tendência moderna, iniciada na Itália, da substituição do garantismo heterônomo pelo garantismo coletivo. Desta forma, intentam alguns defensores da flexibilização que a proteção ao trabalhador, que via de regra se pauta em regras estatais (garantismo heterônomo), passe a se dar a partir da intervenção dos entes coletivos representantes das classes empregadas (garantismo coletivo), de forma que se relegue à iniciativa privada a possibilidade de regular-se sem a intervenção do Estado. Conforme abordado anteriormente, na doutrina brasileira, não é bem vista qualquer possibilidade de se relegar ao setor privado, à economia de mercado, a possibilidade de cuidar das relações empregatícias sem a tutela estatal.
Conforme a didática empregada por Sergio Pinto Martins (2009, p. 129-138), dividiremos os limites à flexibilização em constitucionais e legais, segundo origem de onde emanam (Constituição Federal ou normas infraconstitucionais).
O conhecimento de tais limites é fundamental ao profissional jurídico e ao legislador na abordagem da flexibilização das normas trabalhistas, e seu desconhecimento pode levar o operador do direito a desconsiderar os benefícios trabalhistas conquistados a duras penas, no decorrer de vários anos, em prol da classe trabalhadora.
3.3.1 Limites Constitucionais à flexibilização trabalhista
A Constituição Federal do Brasil, ao mesmo tempo em que prevê formas de flexibilização de alguns direitos trabalhistas, pontifica limites a sua implementação, buscando a proteção do trabalhador, de forma que não seja prejudicado pela desproporção de forças com o empregador.
O primeiro limite constitucional a ser trabalhado refere-se à possibilidade de redução salarial somente por acordo ou convenção coletiva (Art. 7º, inciso VI, Constituição Federal de 1988). A redução salarial, no ordenamento jurídico brasileiro não é possível de forma individual, sendo considerada alteração contratual lesiva ao empregado, revestindo-se o salário de indisponibilidade na esfera individual (MARTINS, 2009, p. 130). Desta forma, a negociação coletiva é um limite a ser respeito para a flexibilização operada sobre os salários, prevista constitucionalmente.
Entretanto, tal limitação constitucional vem sendo acolhida de forma restrita pela jurisprudência. Conforme leciona Maurício Godinho Delgado (2008, p. 765):
A ordem justrabalhista, entretanto, não tem conferido a semelhante garantia toda a amplitude possível. Ao contrário, como se sabe, prevalece, ainda hoje, a pacífica interpretação jurisprudencial e doutrinária de que a regra da irredutibilidade salarial restringe-se, exclusivamente, à noção do valor nominal do salário obreiro (art. 468 da CLT, combinado com art. 7º, VI, CF/88). Interpreta-se ainda hoje, portanto, que a regra não assegura percepção ao salário real pelo obreiro ao longo do contrato. Tal regra asseguraria apenas a garantia de percepção do mesmo patamar de salário nominal anteriormente ajustado entre as partes, sem viabilidade à sua diminuição nominal. Noutras palavras, a ordem jurídica heterônoma estatal, nesse quadro hermenêutico, teria restringido a presente proteção ao critério estritamente formal de aferição do valor do salário.
A redução salarial prevista na Constituição federal abrange todas as verbas explicitadas no parágrafo 1º do artigo 457 da CLT (verbas de natureza salarial). Entretanto, não se deve confundir a irredutibilidade salarial com a remuneração. Esta, por sua vez, pode ser individualmente diminuída, como demonstra Sergio Pinto Martins (2009, p. 130):
A Constituição determina a impossibilidade de redução de salários e não da remuneração. O art. 457 da CLT estabelece que a remuneração é composta de salário mais gorjeta. Salário é o que é pago diretamente pelo empregador ao empregado. Gorjeta é paga pelo cliente. Nada impede, portanto, a redução das gorjetas, que não são salário. O que é proveniente do empregador, que é o salário, não poderá ser reduzido, salvo por negociação coletiva. Salário compreende as verbas contidas no §1º do art. 457 da CLT, como abonos, diárias, gratificações ajustadas, comissões, percentagens, prestações in natura.
Ademais, a própria negociação coletiva concernente à redução de salários não é ilimitada. Conforme pontuado por Sergio Pinto Martins (2009, p. 131), em hipótese alguma a redução salarial pode deixar este em montante inferior ao salário mínimo, garantido constitucionalmente aos trabalhadores (Art. 7º, inciso IV, CF/88).
Ainda que se pactue, no acordo ou convenção coletiva, a redução de jornada de trabalho juntamente com a redução salarial, o salário nunca poderá ficar em margem inferior ao salário mínimo. Ademais, não é conditio sine qua non a existência de uma situação econômica de extrema gravidade, bastando estipularem-se no acordo ou convenção coletiva os limites e condições para redução salarial, que deve possuir caráter temporário, tendo em vista ser medida excepcional (MARTINS, 2009, p. 131).
Ademais, muito embora não seja necessária a comprovação de situação econômica grave à atividade empresarial, patente está que a redução salarial possui um nítido caráter de excepcionalidade. Se assim não fosse, seria utilizado como expediente corriqueiro, de forma prejudicial ao empregado (alteração contratual lesiva). Carlos Roberto Cunha, citando Arnaldo Sussekind acentua este aspecto (2004, p. 265):
A quebra do princípio da irredutibilidade salarial só é válida sob a tutela sindical. Aos contratantes, per si, individualmente considerados, é defeso transacionar a compressão salarial, entretanto a entidade de classe, representante dos interesses coletivos da categoria ou de determinada empresa "poderá – obviamente em situações excepcionais – formalizar essa redução, com as condições em que ele perdurará, no instrumento pertinente da negociação coletiva", acentua Arnaldo Sussekind.
É de suma importância abordar que a redução salarial deve estar acompanhada da garantia de emprego. Isto porque não faria sentido a redução salarial se o escopo não fosse a manutenção do posto de trabalho, de forma a sacrificar temporariamente os ganhos do empregado em prol de um fim maior, que é a continuidade da relação empregatícia. Neste sentido é a arguta lição de Carlos Roberto Cunha (2004, p. 266):
A redução de salários como proposta de negociação coletiva surge sempre acompanhada da ameaça de desemprego. E a negociação coletiva tem por escopo, justamente, preservar o emprego, em troca de um salário menor. Neste passo, a redução salarial, pura e simplesmente, sem a contrapartida do emprego garantido, padece de juridicidade. Sob aparente transação, o que estará sendo convencionado é a renúncia e a disponibilidade injustificada de direitos, o que não é possível, diante de uma suposta autonomia de vontade, entorpecida pelo forte temor reverencial dos trabalhadores, expostos a uma situação de fragilidade mais acentuada, suscetíveis de acatar uma renúncia quase imposta. Dessarte, "só é lícita a redução salarial se o empregado auferir em troca a garantia de emprego. No mínimo, enquanto vigorar o acordo escrito entre os signatários".
Eis uma das formas de flexibilização que coaduna sobremaneira com a ideia do presente trabalho, onde, mediante negociação coletiva, há a redução temporário do salário do empregado, garantindo-se, em contrapartida, a manutenção do posto de trabalho, o que em tempos de altas taxas de desemprego, é um bônus de grande valia ao trabalhador.
Outra forma de flexibilização limitada à negociação coletiva é a que diz respeito à jornada de trabalho, no que concerne à redução ou compensação de horas, na forma do artigo 7º, inciso XIII, da Constituição Federal.
A flexibilização da duração da jornada de trabalho, ou dos períodos em que o trabalhador deverá exercer suas funções (compensação de horas), deve ser objeto de negociação coletiva, conforme pondera Sergio Pinto Martins (2009, p. 132):
Se o empregado pactuar, mediante acordo individual com o empregador, a compensação do horário de trabalho, terá o segundo de pagar como extras as horas trabalhadas além da oitava diária, pois a compensação de horários, a partir de 5 de outubro de 1988, somente pode ser feita por acordo coletivo ou por convenção coletiva de trabalho, nunca por acordo individual. [...]
Tal entendimento poderia, em uma leitura inicial, esbarrar no conteúdo do enunciado nº 85 [07] do TST, o qual dispõe o seguinte:
- A compensação de jornada de trabalho deve ser ajustada por acordo individual escrito, acordo coletivo ou convenção coletiva.Regime de Compensação de Horário Semanal - Pagamento das Horas Excedentes
I
II
- O acordo individual para compensação de horas é válido, salvo se houver norma coletiva em sentido contrário. (ex-OJ nº 182 da SBDI-1 - inserida em 08.11.2000)III
- O mero não-atendimento das exigências legais para a compensação de jornada, inclusive quando encetada mediante acordo tácito, não implica a repetição do pagamento das horas excedentes à jornada normal diária, se não dilatada a jornada máxima semanal, sendo devido apenas o respectivo adicional. (ex-Súmula nº 85 - segunda parte - alterada pela Res. 121/2003, DJ 21.11.2003)IV
- A prestação de horas extras habituais descaracteriza o acordo de compensação de jornada. Nesta hipótese, as horas que ultrapassarem a jornada semanal normal deverão ser pagas como horas extraordinárias e, quanto àquelas destinadas à compensação, deverá ser pago a mais apenas o adicional por trabalho extraordinário. (grifou-se)Muito embora seja aceito doutrinária e jurisprudencialmente a pactuação individual da compensação de horas, há um limite, imposto constitucionalmente (art. 7º, inciso XIII, da CF) para tal pacto: a negociação coletiva. Ainda que possam empregadores e empregados decidir na esfera individual a compensação de horas, tal acordo fica adstrito aos limites ponderados pelo acordo ou convenção coletiva aplicável ao caso concreto. Neste sentido, pontua Sergio Pinto Martins (2009, p. 133):
Cabe à norma coletiva estabelecer o limite da compensação e não à lei ordinária, sendo inconstitucional a determinação do §2º do art. 59 da CLT. Assim, a norma coletiva determinará qual é o limite para a compensação da jornada, que pode ser de 120 dias, de um ano, de dois anos, ou qualquer outro período, pois a lei não pode limitar a matéria.
A pactuação em acordo coletivo, e posteriormente o contrato individual de trabalho, da redução da jornada, não implica necessariamente na redução salarial, conforme bem esclarecido por Pedro Paulo Teixeira Manus (2006, p. 291). Isto porque, segundo o autor, "se o legislador tencionasse acompanhar a redução da jornada de redução salarial, teria sido explícito". Como a Constituição não fez a ligação da flexibilização da jornada de trabalho com a flexibilização do salário, não pode o empregador estipular tal situação em caráter individual, ficando a matéria reservada à negociação coletiva.
Ainda na Pontual lição de Sergio Pinto Martins, devemos colocar em pauta o artigo 7º, inciso XIV da Constituição Federal, o qual estipula o a jornada de 6 horas de trabalho em turnos ininterruptos de revezamento, salvo por negociação coletiva. Pondera que (MARTINS, 2009, p. 133):
Determina o inciso XIV do art. 7º da Lei Magna ser de 6 horas o trabalho em turnos ininterruptos de revezamento, salvo negociação coletiva. O limite de horas a serem trabalhadas nos turnos ininterruptos de revezamento será determinado na norma coletiva, que poderá especificar 7 horas de trabalho, 8 horas de trabalho, 9 horas, 10 horas etc. O inciso XIV do art. 7º da Constituição não dispõe que adotada jornada superior a 6 horas deve-se observar o limite de 44 horas ou de 36 horas. Se a lei não distingue não cabe ao intérprete fazê-lo. A Constituição ressalva a previsão de negociação coletiva, que portanto não precisa respeitar o módulo semanal, salvo se a norma coletiva dispuser exatamente nesse sentido.
Conforme ainda pontificado pelo autor, devemos observar a súmula 423 do TST (2009, p. 133), a qual dispõe [08]:
Turno Ininterrupto de Revezamento - Fixação de Jornada de Trabalho - Negociação Coletiva
Estabelecida jornada superior a seis horas e limitada a oito horas por meio de regular negociação coletiva, os empregados submetidos a turnos ininterruptos de revezamento não tem direito ao pagamento da 7ª e 8ª horas como extras. (grifou-se)
A súmula estipula, corroborando com o texto constitucional, que, somente mediante negociação coletiva, podem-se estender os turnos interruptos de revezamento além das 6 horas previstas normativamente. Em uma interpretação contrariu sensu, entende-se que qualquer forma de ampliação da jornada, em turnos ininterruptos de revezamento, para além das 6 horas previstas, que seja feita de forma individual, é inválida.
Quanto aos limites constitucionais, é bastante explícita a Carta Magna, nas poucas situações em que flexibiliza direitos trabalhistas, em aclarar que estes só poderão ser modificados com intervenção do ente coletivo representante dos trabalhadores. Conforme abordado no tópico referente às classificações da flexibilização, diz-se que a forma adotada pela Constituição Federal é a forma negociada (MARTINS, 2009, p. 31), onde se privilegia a pactuação coletiva, entendendo-se que esta preserva de melhor forma os interesses do obreiro, de forma que haja de fato uma transação entre empregados e empregadores, e não uma mera renúncia.
3.3.1 Limites Legais à flexibilização trabalhista
Estudados os limites constitucionais, de valor primordial na ordem jurídica trabalhista pátria, cumpre ainda a busca e estudo de alguns limites à flexibilização que, embora amparados pela Carta Constitucional, possuem previsão expressa nas normas infraconstitucionais, constituindo óbice à livre relativização dos direitos dos trabalhadores, atuando na proteção destes.
Pontua a doutrina de Sergio Pinto Martins (2009, p. 135), que são limites legais todas as normas infraconstitucionais de caráter público, imperativo, que não podem ser derrogadas por iniciativa das partes, por revestirem-se de patente caráter de indisponibilidade.
É o exemplo das normas referentes ao intervalo intrajornada a ser gozado pelo trabalhador. Segundo Maurício Godinho Delgado (2008, p. 922):
As normas jurídicas estatais que regem a estrutura e dinâmica dos intervalos trabalhistas também são, de maneira geral, no Direito brasileiro, normas imperativas. O caráter de obrigatoriedade próprio às regras do Direito do Trabalho também é aqui especialmente enfatizado.
[...]
A transação meramente bilateral, sem substrato em negociação coletiva, também se submete ao mesmo conjunto indissolúvel de princípios e regras. Desse modo, como critério geral, será inválida a transação bilateral que provoque prejuízo ao trabalhador. Ilustrativamente, redução de intervalo por aquém do mínimo fixado na legislação (como o intervalo para refeição e descanso de, pelo menos, uma hora – art. 71, caput, CLT); ou eliminação de intervalo remunerado habitual, espontaneamente concedido pelo empregador (súmula 118, TST).
Conforme bem pontuado por Maurício Godinho Delgado (2008, p. 923), somente na situação prevista no artigo 71, §3º da CLT pode o empregador diminuir o período de intervalo intrajornada, pois tal condição não representa prejuízo ao trabalhador, tendo em vista que se aplica no caso do local de trabalho contar com todo aparato para alimentação de forma ágil e higiênica para seus empregados, devendo haver aval do Ministério do Trabalho para que ocorra tal diminuição.
Aduz ainda o renomado autor (DELGADO, 2008, p. 923) que o limite para negociação coletiva acerca do intervalo é o chamado princípio da adequação setorial negociada, onde só podem prevalecer as normas negociadas quando implementarem, aos trabalhadores, um padrão setorial superior ao padrão geral (a norma coletiva for mais benéfica que a norma geral), e versarem sobre normas trabalhistas de indisponibilidade relativa (vedação à transação sobre direitos absolutamente indisponíveis dos empregados).
Tais normas de ordem pública constituem limites à flexibilização, pois inibem a pactuação (negociação) individual acerca de direitos revestidos de indisponibilidade pelo ordenamento jurídico. Segundo pondera Arnaldo Sussekind (2005, p. 202):
O Estado moderno, que deve regular a ordem econômica e social de maneira que sejam respeitados os princípios da justiça social, conciliando a liberdade de iniciativa com a valorização do trabalho como condição da dignidade humana, inclui nos próprios textos constitucionais os preceitos mínimos de proteção ao trabalho, sublinhando, com essa atitude, a preponderância dos preceitos de ordem pública atinentes ao Direito do Trabalho. Nas relações de trabalho, ao lado do conteúdo contratual, que é livremente preenchido pelo ajuste expresso ou tácito entre as partes interessadas, prevalece, assim, o conteúdo institucional ditado pelas normas jurídicas de caráter imperativo (leis, convenções coletivas, sentenças normativas, etc.).
Esclarecidos, de forma sucinta, os limites constitucionais e legais da flexibilização trabalhista, cumpre por fim, expor interessante trecho da obra de Sergio Pinto Martins (2009, p. 137), quando expõe que:
As condições de trabalho deveriam, ainda, respeitar a cláusula rebus sic stantibus. Enquanto as coisas permanecerem como estão, não haverá modificação da situação de fato. Havendo alteração das condições econômicas, como nas crises, é que devem existir mecanismos jurídicos para estabelecer a flexibilização.
Aclara o renomado autor que a flexibilização trabalhista, a redução de certos direitos dos trabalhadores, reveste-se de um caráter de excepcionalidade, sendo que este caráter pode, também, ser considerado um limite à ação dos empregadores. A flexibilização não pode ser utilizada como prática corriqueira, nem muito menos ser regra dentro do contrato de trabalho individual.
Conforme assevera Maria Helena Diniz (2007, p. 164), em lição pertinente ao Direito Civil, mas com alguns reflexos pertinentes à matéria ora estudada, a cláusula rebus sic stantibus: "[...] corresponde à fórmula de que, nos contratos de trato sucessivo ou a termo, o vínculo obrigatório ficará subordinado, a todo tempo, ao estado de fato vigente à época de sua estipulação".
Aponta esta teoria que, em momentos em que a conjuntura torna-se diversa daquela do momento em que o contrato foi pactuado, há possibilidade de revisão ou resolução contratual.
No Direito do Trabalho, concernente à flexibilização trabalhista, esta regra demonstra o caráter de excepcionalidade da redução de direitos, e por isso foi usada por Sergio Pinto Martins, tendo em vista que em períodos de crise, na opinião do autor, urgem medidas capazes de adequar a realidade do contrato de trabalho à realidade da conjuntura econômica.
Com o presente capítulo, encerram-se os aspectos de maior relevância que circundam o tema da flexibilização dos direitos trabalhistas, cabendo, no próximo e último capítulo, a abordagem das formas em que pode dar-se a flexibilização, por óbvio em rol exemplificativo, tendo em vista as inúmeras formas em que a mesma pode ocorrer.
É de extrema necessidade a abordagem dos temas tratados nos três primeiros capítulos, tendo em vista que o entendimento doutrinário, jurisprudencial e legal acerca do assunto só se dá de forma completa com o entendimento das suas circunstâncias circundantes, de forma que, ao adentrar-se no estudo das formas de flexibilização, o leitor já esteja apto a criar um ponto de vista sobre a matéria.