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Da sujeição dos motoristas aos testes de alcoolemia: obrigação ou faculdade?

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Agenda 30/11/2011 às 08:16

A Constituição Federal confere direitos ao condutor de se recusar aos testes de alcoolemia, sem que sofra qualquer punição administrativa, vez que está por exercer um direito de cunho fundamental.

RESUMO: Verifica e compara as alterações havidas no Código de Trânsito Brasileiro por meio da edição da Lei 11.705 de 19 de junho de 2008. Demonstra as principais alterações com relação à comprovação da quantidade de álcool no sangue do condutor e, também, com relação às infrações administrativas e penais. Traz apontamentos da medicina legal relacionados à credibilidade dos testes de alcoolemia, inclusive, o Bafômetro. Apresenta a discussão doutrinária e jurisprudencial acerca da obrigatoriedade de submissão do motorista aos testes de alcoolemia e, sobretudo, do direito de se recusar sem sofrer qualquer penalidade administrativa. Destaca a importância dos princípios da não auto-incriminação e presunção de inocência, como fundamento do direito de recusa do motorista aos testes de alcoolemia. Traz, também, em contrapartida, a importância do princípio da proporcionalidade como fundamento do Estado em garantir a todos a inviolabilidade do direito à vida por meio de um trânsito seguro, a ponto de se tornar legítima a submissão obrigatória dos motoristas aos testes de alcoolemia. No decorrer do trabalho demonstra de forma clara e objetiva os pontos controvertidos, positivos e negativos trazidos pela Lei 11.705/08, com maior atenção aos posicionamentos jurisprudenciais e doutrinários. Verifica que a nova legislação é alvo de muitos questionamentos na esfera judicial, em razão da forma em que foi colocada a tipificação das condutas na legislação, sobretudo, com relação a exigência de prova técnica para confirmação da embriaguez. Enfim, o trabalho esclarece os fundamentos que garantem o condutor a se recusar aos testes de alcoolemia, bem como fundamentos que o torna obrigatória a sua submissão, cabendo o juiz da causa defender o melhor posicionamento acerca da justa medida no caso concreto, ou seja, defender o direito da coletividade ou o direito individual, relacionados a obrigatoriedade ou a faculdade de submissão aos testes de alcoolemia.

Palavras-chave: Lei seca. Testes de alcoolemia. Recusa ou submissão. Princípios fundamentais. Bem jurídico individual e coletivo.

SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO; 2 DAS INFRAÇÕES ADMINISTRATIVAS E PENAIS EM RAZÃO DO CONSUMO DE ÁLCOOL PELOS CONDUTORES DE VEÍCULOS AUTOMOTORES; 2.1 Das Infrações Administrativas; 2.2 Dos Crimes De Trânsito RelacionadoS Ao Consumo De Alcóol 20; 2.3 DA POSSIBILIDADE DE CONFIGURAÇÃO DA TENTATIVA NO CRIME DE EMBRIAGUEZ AO VOLANTE; 3 DOS MEIOS DE PROVA DA EMBRIAGUEZ; 3.1 Teste de aparelho ar alveolar pulmonar - Etilômetro; 3.2 Exame de sangue - exame clínico com laudo conclusivo e firmado pelo médico examinador da Polícia Judiciária; 3.3 Exames realizados por laboratórios especializados, indicados pelo órgão ou entidade de trânsito competente ou pela Polícia Judiciária; 3.4 Exame clínico/prova testemunhal; 4 DIREITO DE RECUSA; 4.1 Princípio da não auto-incriminação "NEMO TENETUR SE DETEGERE"; 4.2 PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA; 5 DA SUBMISSÃO; 5.1 Princípio da proporcionalidade; 5.2 Da alternativa brasileira para produção de provas da embriaguez; 6 CONCLUSÃO; REFERÊNCIAS.


1 INTRODUÇÃO

O trabalho a seguir exposto propõe uma análise aprofundada sobre as alterações havidas no Código de Trânsito Brasileiro por meio da edição da Lei 11.705 de 19 de junho de 2008, demonstrando, sobretudo, os aspectos relevantes sobre a comprovação da concentração de álcool no sangue do condutor embriagado, bem como as conseqüências previstas aqueles que infringirem a legislação em regência.

De início, tratar-se-á das condutas realizadas pelos condutores embriagados passíveis de configurar a infração administrativa e a infração penal, ressaltando, inclusive, que a diferença entre tais condutas relaciona-se com a quantidade de álcool existente no sangue do motorista.

No capítulo seguinte, tem-se a demonstração dos meios de provas da embriaguez, que, por sua vez, são imprescindíveis para a tipificação das condutas dos motoristas relacionadas ao consumo de álcool ou outra substância psicoativa que determina dependência.

Ainda, serão amplamente demonstradas as divergências doutrinárias e jurisprudenciais existentes quanto à credibilidade dos testes de alcoolemia, que são passíveis de falhas e capazes de gerar resultados falso-positivos.

Em seguida, passa-se a verificar os princípios que amparam o direito do condutor de se recusar aos testes de alcoolemia, a saber: o princípio contra a auto-incriminação "nemo tenetur se detegere" e o princípio da presunção de inocência, justificando a impossibilidade de aplicação de penalidades ao referido condutor que se recusa aos testes de embriaguez.

No último capítulo vem demonstrar que a legislação 11.705/2008 se encontra em conformidade com a Constituição Federal, diante da aplicação do princípio da proporcionalidade, visto que o Estado vem amparar toda a coletividade que clama por um trânsito seguro, em face daqueles que insistem em dirigir embriagado.

Por fim, tratar-se ainda neste capítulo, das possíveis alternativas do Estado Brasileiro em albergar maior eficácia na legislação de trânsito, no tocante a incriminação do condutor embriagado, ou seja, demonstrar que uma alteração da norma pode facilitar a forma de incriminar o motorista infrator.


2 DAS INFRAÇÕES ADMINISTRATIVAS E PENAIS EM RAZÃO DO CONSUMO DE ÁLCOOL PELOS CONDUTORES DE VEÍCULOS AUTOMOTORES

A nova lei nº 11.705/2008 trouxe significativa alteração no tocante a definição das infrações aplicadas aos motoristas que aliarem a condução do veículo com o consumo de álcool. Para tanto, a distinção de cada autuação seja ela administrativa ou penal, será atribuída com base na quantidade de álcool no sangue, conforme será esclarecido nos itens seguintes.


2.1 Das Infrações Administrativas

As infrações administrativas são definidas nas palavras de Celso Antonio Bandeira de Mello (2007, pág.834) como o "descumprimento voluntário de uma norma administrativa para o qual se prevê sanção cuja imposição é decidida por uma autoridade no exercício".[1]

Malgrado o Código de Trânsito Brasileiro já previsse infrações administrativas para inibir o consumo de álcool aliado à direção do veículo, verifica-se que não houve eficácia na sua aplicação, razão pela qual a Lei 11.705 de 19 de junho de 2008 foi criada e introduzida no ordenamento jurídico, ou seja, para trazer penalidades mais severas ao motorista que for flagrado dirigindo embriagado.

Ao par disso, destaca-se a finalidade imposta pela Lei Seca no tocante a redução do consumo de álcool pelos motoristas, através do seu artigo primeiro. Veja-se:

Art. 1º Esta Lei altera dispositivos da Lei nº 9.503, de 23 de setembro de 1997, que institui o Código de Trânsito Brasileiro, com a finalidade de estabelecer alcoolemia 0 (zero) e de impor penalidades mais severas para o condutor que dirigir sob a influência do álcool, e da Lei nº 9.294, de 15 de julho de 1996, que dispõe sobre as restrições ao uso e à propaganda de produtos fumígeros, bebidas alcoólicas, medicamentos, terapias e defensivos agrícolas, nos termos do § 4º do art. 220 da Constituição Federal, para obrigar os estabelecimentos comerciais em que se vendem ou oferecem bebidas alcoólicas a estampar, no recinto, aviso de que constitui crime dirigir sob a influência de álcool.[2]

Com esta redação, deu-se ensejo ao popular nome à Legislação, ou seja, Lei seca, visto que se passou a não mais aceitar que o condutor dirija sob qualquer influência de álcool para aplicação das penas cabíveis.

As novas alterações havidas pela Lei Seca serão claramente esplanadas, a fim demonstrar se houve benefício ou malefício à população brasileira e, também, para justificar o direito do condutor de recusar-se ou submeter-se aos referidos testes de alcoolemia.

É de bom alvitre destacar os artigos do Código de Trânsito Brasileiro que sofreram significativa alteração pela Lei 11.705/2008, demonstrando, desde já, a sua redação anterior e posterior a esta, haja vista que passou a tipificar de forma diferente às condutas consideradas ilegais na Lei de Trânsito.

A iniciar pelo artigo 165[3] do Código de Trânsito Brasileiro, que prescrevia:

Art.165. Dirigir sob a influência de álcool, ou de qualquer substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica.

Infração - gravíssima;

Penalidade - multa (cinco vezes) e suspensão do direito de dirigir;

Medida administrativa - retenção do veículo até a apresentação de condutor habilitado e recolhimento do documento de habilitação.

Parágrafo único. A embriaguez também poderá ser apurada na forma do art. 277.

A redação atual passou a determinar:

Art. 165. Dirigir sob a influência de álcool ou de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência.

Infração - gravíssima;

Penalidade - multa (cinco vezes) e suspensão do direito de dirigir por 12 (doze) meses;

Medida Administrativa - retenção do veículo até a apresentação de condutor habilitado e recolhimento do documento de habilitação.

Parágrafo único. A embriaguez também poderá ser apurada na forma do art. 277.

Com a alteração houve a substituição das palavras "qualquer substância entorpecente", para "qualquer substância psicoativa", significando que o condutor poderá sofrer sanção administrativa pelo Estado, quando estiver com seu sistema nervoso alterado por alguma substância que prejudique a segurança do trânsito, não precisando ser exclusivamente álcool ou alguma substância ilícita.

Noutras palavras, Eduardo Luiz Santos Cabette, diz:

Quanto a descrição da conduta a Lei 11.705/08 não procedeu a grandes mudanças, tão somente enxugando o texto legislativo. Assim sendo, manteve a descrição de "dirigir sob a influência de álcool", apenas lapidando o texto restante ao estabelecer como infração também dirigir sob a influência "de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência. A nova lei extirpou do texto a palavra "entorpecente", aliás, em consonância com a nova Lei de Drogas (Lei 11.343/06), que atualmente evita o emprego da mesma palavra, um tanto quanto restrita, para utilizar o termo mais amplo ("Drogas"). Ademais, a nova redação a Lei 11.705/08, ao não mencionar "entorpecentes" ou mesmo "drogas" em seu texto e sim "substância psicoativa que determine dependência", deixa claro que as substâncias que impedem o condutor de dirigir não se restringem somente ao álcool e às drogas ilícitas, mas abrange qualquer espécie de estupefacientes ou excitantes provocadores de dependência física ou psíquica e que atuem sobre o sistema nervoso, provocando alterações em seu funcionamento que possam ser prejudiciais ä segurança do tráfego.[4]

Vale salientar que o artigo mencionado esclarece que o mero fato do condutor ingerir bebida alcoólica ou outra substância semelhante e, após, dirigir seu veículo, não basta para a caracterização da infração, pois é necessário comprovar que o condutor estava dirigindo sob a influência da substância e, que na ocasião em que foi flagrado, tinha perturbações em razão da ingestão. [5]

Tem-se, assim, que a elementar "sob a influência" de bebida alcoólica ou substância semelhante, significa dizer que o motorista precisa sofrer os efeitos do consumo deste, noutras palavras, quer dizer que precisa ficar evidenciado a direção anormal, fazendo ziguezagues, dirigir em alta velocidade, não respeitar a sinalização do trânsito. Com isto, caso o motorista for surpreendido dirigindo o veículo após de ingerido álcool, com atitudes normais, não poderá sofrer punição administrativa, por inexistir a elementar "sob a influência".[6]

Outra alteração importante ocorreu no artigo 276, que previa:

Art. 276. A concentração de seis decigramas de álcool por litro de sangue comprova que o condutor se acha impedido de dirigir veículo automotor.

Parágrafo único. O CONTRAN estipulará os índices equivalentes para os demais testes de alcoolemia.

Nova redação passou a disciplinar do seguinte modo:

Art. 276. Qualquer concentração de álcool por litro de sangue sujeita o condutor às penalidades previstas no art. 165 deste Código.

Parágrafo único. Órgão do Poder Executivo federal disciplinará as margens de tolerância para casos específicos.

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O artigo mencionado preconiza que a ingestão de bebida alcoólica pelo condutor de veículo automotor já é suficiente para estar impedido de dirigir, além de que sofrerá uma punição administrativa na forma do artigo 165 do CTB.

No entanto, segundo Damásio de Jesus, com esta alteração criou-se um falso entendimento, pois na verdade faz-se necessário comprovar 3 (três) exigências: "1º) que o condutor tenha bebido; 2º) que esteja sob a "influência" da bebida; 3º) que, por causa do efeito da ingestão de álcool ou substância de álcool ou substância análoga, dirija o veículo de "forma anormal"("direção anormal").[7]

Desta forma, a redação atribuída ao artigo 276 deveria especificar a elementar "sob a influência" para ter validade – requisito esse necessário para aplicação das penalidades administrativas impostas pelo artigo 165 do Código de Trânsito Brasileiro.

Com relação ao artigo 277 do Código de Trânsito Brasileiro, é certo que não ocorreu mudança no seu caput e, também, no parágrafo 1º, no entanto, houve alteração na redação do parágrafo 2º e inserção do parágrafo 3º:

Cite-se a redação anterior do parágrafo 2º do artigo mencionado:

Art. 277. Todo condutor de veículo automotor, envolvido em acidente de trânsito ou que for alvo de fiscalização de trânsito, sob suspeita de dirigir sob a influência de álcool será submetido a testes de alcoolemia, exames clínicos, perícia ou outro exame que, por meios técnicos ou científicos, em aparelhos homologados pelo CONTRAN, permitam certificar seu estado.

§ 1o [...].

§ 2o No caso de recusa do condutor à realização dos testes, exames e da perícia previstos no caput deste artigo, a infração poderá ser caracterizada mediante a obtenção de outras provas em direito admitidas pelo agente de trânsito acerca dos notórios sinais de embriaguez, excitação ou torpor, resultantes do consumo de álcool ou entorpecentes, apresentados pelo condutor.

A nova Lei nº 11.705/08 passou a disciplinar o parágrafo 2º de forma diferente e incluiu o parágrafo 3º, se não, vejamos:

Artigo 277 [...]

§1º [...]

§ 2º A infração prevista no art. 165 deste Código poderá ser caracterizada pelo agente de trânsito mediante a obtenção de outras provas em direito admitidas, acerca dos notórios sinais de embriaguez, excitação ou torpor apresentados pelo condutor.

§ 3º Serão aplicadas as penalidades e medidas administrativas estabelecidas no art. 165 deste Código ao condutor que se recusar a se submeter a qualquer dos procedimentos previstos no caput deste artigo.

Nota-se que no referido parágrafo 2º manteve a possibilidade de caracterizar a infração prevista no artigo 165 do CTB, "acerca dos notórios sinais de embriaguez, excitação ou torpor apresentados pelo condutor".

Sendo assim, não é necessária a produção de prova pericial para que o condutor sofra as penalidades administrativas, bastando à comprovação através de outros meios de provas, tais como a constatação pelo senso comum do agente de trânsito, exames clínicos, etilômetro e etc.[8]

Por sua vez, o parágrafo 3º passou a motivar que o condutor que recusar aos testes de alcoolemia previstos no caput do artigo 277, será penalizado na forma do artigo 165 (sanção administrativa).

Nesta linha de raciocínio, Eduardo Luiz Santos Cabette, afirma:

Considerando esse comando, passa o condutor a ser obrigado a submeter-se aos testes e exames previstos no artigo 277, CTB. O que o legislador fez foi criar uma espécie de infração administrativa por equiparação. Ele equiparou a negativa de submissão aos testes e exames à infração efetiva ao artigo 165, CTB.[9]

É de se destacar que a legislação prevê a sanção administrativa ao motorista que se recusar aos testes e exames de alcoolemia, muito embora não esteja efetivamente sob a influência do álcool ou outra substância, tal fato constitui uma afronta aos princípios da presunção de inocência e da não auto-incriminação, conforme será tratado no item próprio.

Há, inclusive, o entendimento doutrinário e jurisprudencial no sentido de que o artigo 277 do CTB atribui ao agente de trânsito a obrigatoriedade de exigir a submissão do condutor aos testes de alcoolemia, em casos de acidentes de trânsito ou que for alvo de fiscalização.

Sobre tal dilema, destaca-se trecho da decisão judicial proferida em sede de Habeas Corpus, ocasião em que o Relator Desembargador Paulo Teles do Tribunal de Justiça do Goiás, afirmou:

A autoridade de trânsito deve realizar o teste do bafômetro em todo condutor de veículo automotor, envolvido em acidente de trânsito ou que for alvo de fiscalização de trânsito, sob suspeita de dirigir sob a influência de álcool. Se não o fizer, não poderá validamente autuar o motorista suspeito de dirigir embriagado. Logo, a obrigatoriedade do bafômetro não está dirigida para o motorista, mas para a autoridade de trânsito.[10]

Em suma, o agente de trânsito deverá determinar que o condutor seja submetido aos testes de alcoolemia nas hipóteses já mencionadas e, caso haja recusa, restará caracterizada a infração administrativa na forma do artigo 165 do CTB, ou seja, infração gravíssima, acrescido da penalidade de multa de cinco vezes, suspensão do direito de dirigir por 12(doze) meses e medida administrativa, qual seja, retenção do veículo até a apresentação de condutor habilitado e recolhimento do documento de habilitação.


2.2 Dos Crimes De Trânsito RelacionadoS Ao Consumo De Alcóol

Quanto à concepção de crime, a doutrina preconiza três conceitos, a saber: o material, o formal e o analítico.

O conceito material está ligado à concepção da sociedade com relação o que deve ser proibido e merecedor de sanção penal, ou seja, é a conduta que traz a ofensa de um bem juridicamente tutelado, atribuindo-lhe uma aplicação de pena. Já o conceito formal, seria a formalização do direito material, constituindo a conduta tida como proibida por Lei, juntamente com a ameaça de aplicação da pena. E, por conseguinte, o conceito analítico traz a figura de crime como sendo uma conduta típica, antijurídica e culpável, sendo, na realidade, a fragmentação do conceito formal em elementos que proporcionam um melhor entendimento. [11]

Os crimes de trânsito estão previstos a partir do artigo 291 do Código de Trânsito Brasileiro, sendo que a Lei nº 11.705/2008 alterou o parágrafo do referido artigo, que antes prescrevia:

Art. 291. Aos crimes cometidos na direção de veículos automotores, previstos neste Código, aplicam-se as normas gerais do Código Penal e do Código de Processo Penal, se este Capítulo não dispuser de modo diverso, bem como a Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995, no que couber.

Parágrafo único. Aplicam-se aos crimes de trânsito de lesão corporal culposa, de embriaguez ao volante, e de participação em competição não autorizada o disposto nos arts. 74, 76 e 88 da Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995.

Veja-se que os crimes de embriaguez ao volante eram apreciados pelos Juizados Especiais Criminais (Lei 9.099/95). No entanto, a nova redação revogou o parágrafo único e criou dois novos parágrafos 1º e 2º no artigo 291:

Artigo 291 [...]

§ 1º Aplica-se aos crimes de trânsito de lesão corporal culposa o disposto nos arts. 74, 76 e 88 da Lei nº9.099, de 26 de setembro de 1995, exceto se o agente estiver:

I - sob a influência de álcool ou qualquer outra substância psicoativa que determine dependência;

[...]

§ 2º Nas hipóteses previstas no § 1º deste artigo, deverá ser instaurado inquérito policial para investigação da infração penal.

Desta feita, é certo que, atualmente, nos casos de crimes de trânsito causados por motoristas que estão sob a influência de álcool ou qualquer outra substancia psicoativa, será causa para instauração de inquérito policial.

A respeito disto, cite-se as palavras de Eduardo Luiz Santos Cabette:

Agora, a norma extensiva do §1º, do artigo 291, CTB, restringindo-se somente aos casos de lesões corporais culposas do trânsito com aumento de pena, tirante as exceções dos artigos I, II e III, conforme demonstrado, estabelece o §2º da mesma norma que "nas hipóteses previstas no §1º deste artigo, deverá ser instaurado inquérito policial para a investigação da infração penal"

[...]

Hoje a lei é expressa no sentido de que em todos os casos do §1º, do artigo 291, CTB, a apuração dar-se-á em sede de Inquérito Policial.[12]

Nesse sentido, no que concerne a parte criminológica da legislação de trânsito, tem-se que somente os casos de lesão corporal culposa serão submetidos ao procedimento do Juizado Especial Criminal, deixando a tipificação de outras condutas de embriaguez no trânsito como causa de instauração de inquérito policial.

Importante alteração havida ocorreu no artigo 306 do Código de Trânsito Brasileiro, que, agora, passou a disciplinar de forma diferente a configuração de infração penal devido ao consumo de álcool aliado direção de veículo automotor.

A redação anterior a Lei Seca, descrevia:

Art. 306. Conduzir veículo automotor, na via pública, sob a influência de álcool ou substância de efeitos análogos, expondo a dano potencial a incolumidade pública.

Penas - detenção, de seis meses a três anos, multa e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor.

Nova redação, assim dispõe:

Art. 306. Conduzir veículo automotor, na via pública, estando com concentração de álcool por litro de sangue igual ou superior a 6 (seis) decigramas, ou sob a influência de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência:

Penas – [...]

Parágrafo único. O Poder Executivo federal estipulará a equivalência entre distintos testes de alcoolemia, para efeito de caracterização do crime tipificado neste artigo.

Verifica-se que na segunda parte do caput consagra ser causa de infração penal o motorista que conduzir veículo estando sob a "influência de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência".

Sendo assim, tem-se que neste caso, não é necessária a prova técnica, pois inexiste a exigência de comprovação de determinada concentração da substância no sangue do condutor, mas somente a comprovação dos efeitos da "influência".

Para tanto, destaca-se as lições de Renato Marcão[13]:

Na segunda hipótese estará configurado o crime quando o agente se colocar a conduzir veículo na via pública sob a influência de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência.

Sob tais condições, para a persecução penal não é imprescindível prova pericial, sendo suficiente a produção de prova oral.

Em razão disto, torna-se possível a configuração da infração prevista no artigo 306 do CTB através da prova oral, por ser meio hábil a confirmar que o motorista se encontra sob os efeitos de substância psicoativa, ao contrário da comprovação do nível de álcool por litro de sangue, o qual exige prova técnica, conforme se verá abaixo.

Primeiramente, importante frisar que não houve alteração nas penas do artigo 306 do CTB continuando a aplicação de "detenção, de seis meses a três anos [...]", contudo a redação do caput teve significativa permuta, pois, anteriormente, bastava a comprovação de "sob a influência de álcool" para a configuração de infração no âmbito penal, ao contrário de hoje que, obrigatoriamente, faz-se necessário comprovar a concentração de 0,6 (zero vírgula seis) decigramas de álcool por litro no sangue.

Nesta linha de raciocínio, cite-se as lições de Eduardo Luiz Santos Cabette:

Uma primeira alteração de norma de monta se processa na situação de embriaguez por álcool. Antes a lei incriminava a direção "sob influência de álcool", sem delimitar um grau específico de concentração de álcool no sangue.

Agora quando da ebriedade por álcool, exige a lei, para que o crime se perfaça, a comprovação de ao menos 6 decigramas de álcool por litro de sangue.[14]

Cabe mencionar que, anteriormente, havia uma discrepância muito grande na Lei de Trânsito no tocante a diferenciação da infração administrativa com a infração penal, posto que, o artigo 276 do CTB preconizava a exigência de confirmação de 0,6 (zero vírgula seis) decigramas por litro de sangue para a configuração da infração administrativa, ao passo que, o artigo 306 exigia apenas o estado de influência do álcool.

A discrepância estava relacionada, sobretudo, pelo fato de adotar uma pena mais branda ao condutor que se encontrava com pouca concentração de álcool no sangue, ou seja, menos que 0,6 decigramas por litro no sangue, ao revés do condutor que estivesse com concentração superior de álcool no sangue, que sofreria apenas uma infração administrativa.

Com relação a isto, a doutrina adotava dois posicionamentos. Primeiro no sentido de aplicar uma interpretação sistemática entre os artigos 276 e 306 do CTB, para reconhecer a embriaguez mediante a comprovação de no mínimo 0,6 decigramas de álcool no sangue e, conseqüentemente, aplicando as sanções administrativas e penais, sob o fundamento de que, caso não fosse essa a concepção a ser adotada, estaria criando uma anomalia legal, em razão de que o Direito Penal atinge sempre a infrações mais graves, deixando para o administrativo as menores, o que não seria razoável aplicar o contrário. [ 15]

O segundo posicionamento condizia que o artigo 306 do CTB merecia uma análise casuística, pelo fato de não especificar qual a quantidade de álcool seria necessária para a configuração de crime, razão pela qual, deveria analisar o caso concreto, isto é, se a referida quantidade de álcool encontrada no sangue do condutor causava alguma alteração psicológica, física (sistema nervoso), a ponto de reduzir as suas funções perceptivas e motores, evidenciando o perigo na condução do veículo automotor, para somente assim, aplicar-lhe as infrações cabíveis. Posicionamento este majoritário na doutrina. [ 16]

Ademais, é certo que a nova redação atribuída ao artigo 306 do Código de Trânsito Brasileiro, que, por sua vez, alterou a tipificação para o crime de embriaguez, trouxe benefícios aos condenados, ou que respondem processo pela mesma conduta, que não foram submetidos aos testes de alcoolemia para comprovação da quantidade de 0,6 (zero vírgula seis) decigramas por litro no sangue.

Sobre tal dilema, destaca-se a ementa do acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça de Santa Catarina:

Apelação Criminal n. 2008.041427-2, de Gaspar

Relator: Salete Silva Sommariva

Juiz Prolator: Sérgio Agenor de Aragão

Órgão Julgador: Segunda Câmara Criminal

Data: 24/10/2008

Ementa: APELAÇÃO CRIMINAL - CONDUÇÃO DE VEÍCULO AUTOMOTOR SOB EFEITO DE ÁLCOOL (CTB, ART. 306) - ALTERAÇÕES DO CÓDIGO DE TRÂNSITO BRASILEIRA CONFERIDAS PELA LEI N. 11.705/2008 - VALOR TAXATIVO PARA CARACTERIZAÇÃO DO CRIME - NOVATIO LEGIS IN MELLIUS - RETROATIVIDADE DA NORMA MAIS BENÉFICA (CF, ART. 5º, INC. XL E CP, ART. 2º, PAR. UN.) - ATESTADO DE EMBRIAGUEZ POR PROVA TESTEMUNHAL - IMPOSSIBILIDADE - TESTE DO BAFÔMETRO REALIZADO - QUANTIDADE MUITO SUPERIOR À EXIGIDA PELA NOVA LEI - ABSOLVIÇÃO IMPOSSÍVEL.

I - Com o advento da lei n. 11.705/2008, o artigo 306 do código de trânsito brasileiro passou a dispor acerca da comprovação de no mínimo 6 dg (seis decigramas) de álcool por litro de sangue para se atestar a embriaguez do condutor de veículo automotor.

Nesse diapasão, pressupõe-se que o novo diploma legal constitui-se norma mais benéfica, ao passo que, na antiga redação do preceptivo em comento, não constavam dados objetivos para a aferição da embriaguez ao volante, bastando, para tanto, que o motorista apresentasse qualquer quantidade de álcool no sangue ou sinais exteriores, não restam dúvidas, destarte, que a lei superveniente se reputa como novatio legis in mellius neste ponto, razão pela qual deve retroagir para favorecer aqueles contra os quais fora instaurado processo crime pelo fato de apresentarem concentração alcóolica menor ou mesmo, ainda, aos que não fizeram exame pericial.

"diante de tal quadro, as investigações criminais em andamento relacionadas com o delito de embriaguez ao volante os processos penais em curso, onde não se fez prova técnica ou, onde, ainda que feita, não se apurou presença de concentração de álcool por litro de sangue igual ou superior a 6 (seis) decigramas, estão fadadas ao insucesso.

Os inquéritos policiais onde não se produziu referida prova não poderão resultar em ação penal; as ações penais em curso, sob tais condições, não poderão ensejar condenação". (Embriaguez ao volante, exames de alcoolemia e teste DO bafômetro. Uma análise DO novo art. 306, caput, DA LEI nº 9.503/1997 (Código de Trânsito Brasileiro). Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/11454>. Acesso em: 19-8-2008)

II - O novel diploma legal em estudo também procedeu alterações no pertinente ao método de aferição do grau de embriaguez do condutor, acabando por estabelecer que tal procedimento passará a se limitar à utilização do bafômetro ou exame de sangue, ia ponto de inviabilizar qualquer outro meio lícito de comprovação.

Tal entendimento fundamenta-se na tese de que, primeiro, por fixar um valor certo de concentração alcóolica no sangue para fins de apuração da infração em tela, tem-se que tal resultado somente poderá ser obtido por intermédio dos aludidos meios, uma vez que apenas mediante a utilização destes é que se permite aferir tanto a presença quanto o grau da substância; segundo porque, o art. 227, §2º, do CTB, que previa a possibilidade de variação nos meios de provas, também passou por alterações, a fim de que as declarações dos agentes de trânsito e outros elementos comprobatórios somente se prestem à apuração da responsabilidade administrativa prevista no art. 165 (multa e suspensão da habilitação), não se lhes admitindo como fundamento para a condenação pela conduta descrita no refalado art. 306 DO CTB.

III – [...].[17]

Ainda, a título ilustrativo, a doutrina de Renato Marcão[18] preconiza nos seguintes termos acerca da retroatividade da lei mais benéfica no caso de crime de embriaguez ao volante anterior a lei 11.705/08:

Observada a nova redação do art. 306 do Código de Trânsito Brasileiro, fica claro em relação à embriaguez ao volante que só haverá processo e eventual condenação se houver a prática (bafômetro, por exemplo) indicando a presença de concentração de álcool por litro de sangue igual ou superior a 6(seis) decigramas. A prova testemunhal isolada não é suficiente.

Nesse sentido, a nova redação do art.306 é mais benéfica que a redação anterior em relação ao réu que responde criminalmente pela conduta em comento, pois cria obstáculo à configuração do ilícito, estabelecendo, elementar antes não prevista.

Por força do dispositivo no art. 5º, XL, da Constituição Federal, e do parágrafo único do artigo 2º do Código Penal, a lei posterior benéfica deve retroagir em favor do réu.

Diante de tal quadro, as investigações criminais em andamento relacionadas com o delito de embriaguez ao volante e os processo penais em curso, onde não se fez prova técnica, ou onde, ainda que feita, não se apurou presença de concentração de álcool por litro de sangue igual ou superior a 6(seis) decigramas, estão fadados ao insucesso.

Os inquérito policiais em que não se produziu referida prova não poderão resultar em ação penal; as ações penais em curso, sob tais condições, não poderão ensejar condenação.

Neste toar, a nova alteração passou ser causa de absolvição de réus pela prática do delito de embriaguez anterior a edição da Lei 11.905 de 2008, que não tiveram a comprovação de no mínimo 0,6 (zero vírgula seis) decigramas de álcool por litro no sangue, visto que a Lei mencionada retroage em favor deles, conforme preceitua o artigo 5º, VL da Constituição Federal de 1988 e artigo 2º, parágrafo único do Código Penal.

Ademais, imperioso consignar que a edição da Lei 11.905 de 2008 causou um ponto final na divergência que existia entre os artigos 276 e 306 do CTB, de modo que passou a tratar da infração penal somente com a comprovação de 0,6 decigramas de álcool por litro de sangue do condutor, retirando o antigo termo "sob a influência".

Contudo, com a comprovação de nível menor de 0,6 decigramas no sangue do condutor haverá apenas infração de ordem administrativa, em virtude da nova redação do artigo 276 conceber "qualquer concentração de álcool por litro no sangue sujeita o condutor às penalidades previstas no artigo 165 deste Código".

Diante disto, tem-se que, atualmente, o motorista sofrerá a sanção penal quando ficar devidamente comprovado através dos testes de alcoolemia a concentração de no mínimo 0,6 decigramas de álcool no sangue. Por isso, na hipótese do condutor que, por ventura, recusar-se aos testes de alcoolemia, poderá, no máximo, sofrer punição no âmbito administrativo, vez que na seara criminal exige a comprovação através de prova técnica da quantidade de álcool por litro de sangue.

Neste contexto, Renato Marcão[19] dispõe:

"[...] para que se tenha por autorizada a persecução criminal será imprescindível produzir prova técnica indicando que o agente, na ocasião, se colocou a conduzir veículo na via pública estando com concentração de álcool por litro de sangue igual ou superior a 6(seis) decigramas.

O dispositivo penal aqui é taxativo no que tange à quantificação de álcool por litro de sangue para que se tenha por configurada a infração penal, e tal apuração só poderá ser feita tecnicamente, de maneira que a prova respectiva não poderá ser suprida por outros meios, tais como exames clínicos ou prova oral.

Portanto, a prova técnica é imprescindível na comprovação do nível de álcool no sangue para fins de persecução criminal em face do condutor, razão pela qual a recusa aos testes de alcoolemia é uma forma de impedir a tipificação da infração penal, posto que não haverá prova cabal para instruir o processo e, conseqüentemente, condenar o réu.

Ainda, no âmbito do direito penal, há uma classificação dos crimes, como sendo de dano e de perigo, bem como de crime de perigo concreto e de perigo abstrato.

Mirabete (2008, pág.124) conceitua a diferença dos crimes de dano dos crimes de perigo, sendo que no primeiro somente se consumam com a lesão a um bem jurídico, como, por exemplo, a ocorrência de um homicídio. Contudo, os crimes de perigo se consumam simplesmente pelo fato do agente criar algum perigo de ofensa a um bem jurídico.[20]

Com relação aos crimes de perigo concreto são aqueles que necessariamente deverão ser comprovados, ao contrário dos crimes de perigo abstrato, que a norma os presume ser a prática do fato, por si só, perigosa, sem a comprovação da lesão.[21]

Antes da Lei 11.705/2008 o crime de embriaguez previsto no artigo 306 do Código de Transito Brasileiro era tratado como crime de perigo concreto, razão pela qual tinha que comprovar a situação de perigo concreto, ou seja, que o motorista alcoolizado causou ofensa a um bem jurídico, para que, assim, sofresse a penalidade penal.

Desta feita, cite-se o entendimento jurisprudencial:

APELAÇÃO CRIMINAL - PRELIMINAR DE NULIDADE DO PROCESSO, EM VIRTUDE DA INÉPCIA DA DENÚNCIA E PELA AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO DO RECEBIMENTO DA MESMA - REJEITADA - EMBRIAGUEZ AO VOLANTE - ART. 306, DO CTB - ANTES DO ADVENTO DA LEI 11.705?08 - CRIME DE PERIGO CONCRETO - COMPROVAÇÃO DA POTENCIALIDADE LESIVA - IMPRESCINDÍVEL PARA CONFIGURAÇÃO DO DELITO - NÃO DEMONSTRADO NOS AUTOS - RECURSO DESPROVIDO. 1. Não restou constatado qualquer diminuição no exercício da ampla defesa, visto que o fato está descrito adequadamente e o suposto autor foi identificado de maneira precisa na peça exordial, em consonância com o que preceitua o art. 41, do Código de Processo Penal. 2. O recebimento da denúncia é ato processual irrecorrível, visto que os recursos cabíveis no processo penal são taxativos, dependendo de previsão legal, o que não ocorre para tal situação. Preliminar rejeitada. 3. O delito de embriaguez ao volante, previsto no art. 306, do CTB, antes do advento da Lei 11.705?08, era de perigo concreto, necessitando, para a sua configuração, da demonstração da potencialidade lesiva. 4. Não havendo demonstração de situação concreta de perigo, o crime de embriaguez ao volante não se configurou no presente caso, havendo apenas infração administrativa, estando correta a sentença que absolveu o recorrido, com fulcro no art. 386, inciso III, do Código de Processo Penal. 5. Recurso a que se nega provimento. (TJES, Classe: Apelação Criminal, 14060036325, Relator : SÉRGIO BIZZOTTO PESSOA DE MENDONÇA, Órgão julgador: PRIMEIRA CÂMARA CRIMINAL, Data de Julgamento: 28/01/2009, Data da Publicação no Diário: 17/02/2009)[22]

Tem-se que, atualmente, o crime de embriaguez ao volante passou a ser tratado como crime de perigo abstrato, visto que o simples fato de dirigir embriagado já expõe a risco um bem jurídico.

Fernando Célio de Brito Nogueira[23] ressalta que a nova redação do artigo 306 do Código de Trânsito Brasileiro trouxe a figura do crime de perigo abstrato por expor a dano potencial a sociedade:

O delito do artigo 306, do Código de Trânsito, com redação determinada pela Lei n. 11.705/08, tornou-se crime de perigo abstrato, pois suprimiu a elementar da redação primitiva expondo a dano potencial a incolumidade de outrem. Agora basta o condutor de veículo automotor, pela via pública, ter 0,6 decigramas de álcool por litro de sangue ou outra substância psicoativa, em qualquer quantidade, para que o delito de embriaguez ao volante de perfaça.

Portanto, o fato do motorista conduzir seu veículo automotor em via pública com a dosagem de 0,6 (zero vírgula seis) decigramas de álcool por litro de sangue é o suficiente para a configuração do crime, sem a necessidade de comprovação de dano concreto a um bem jurídico, por se tratar de crime de perigo abstrato.

Convém repisar que a configuração do crime de embriaguez previsto no artigo 306 do Código de Trânsito Brasileiro somente ocorrerá com confirmação da referida dosagem de álcool 0,6 (zero vírgula seis) decigramas por litro no sangue do condutor, que, por sua vez, somente é possível mediante prova técnica.

Neste contexto, o Tribunal de Justiça do Estado do Paraná por reiteradas vezes vem absolvendo motoristas que são réus em processos penais, nos quais não foram realizadas provas técnicas ou exame de alcoolemia, para comprovação da quantidade de álcool no sangue que detinham no momento da abordagem do agente de trânsito. Cite-se:

RECURSO CRIME EM SENTIDO ESTRITO. EMBRIAGUEZ AO VOLANTE. ARTIGO 306 DO CTB.. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE. CONCENTRAÇÃO DE PELO MENOS SEIS DECIGRAMAS DE ÁLCOOL POR LITRO DE SANGUE. ELEMENTAR TÍPICA INTRODUZIDA PELA NOVA REDAÇÃO DO CITADO TIPO PENAL, PELA LEI 11.705/08. NÃO COMPROVAÇÃO DA MATERIALIDADE. INEXISTÊNCIA DE PROVA TÉCNICA OU CLÍNICA. EXTINÇÃO MANTIDA. RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO. Com a nova redação do artigo 306 do CTB, dada pela Lei n. 11.705/08, a concentração de pelo menos seis decigramas de álcool por litro de sangue foi alçada à condição de elementar típica, e, por demandar certa precisão técnica, não pode ser simplesmente presumida, razão pela qual deve ser comprovada, tão-somente, por exames técnicos ou clínicos, sob pena de caracterização da atipicidade da conduta e de falta de justa causa para a ação penal.

(TJPR - 2ª C.Criminal - RSE 0578780-6 - Pato Branco - Rel.: Des. João Kopytowski - Unânime - J. 27.08.2009)[24](destacou-se)

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. OMISSÃO. ACÓRDÃO QUE NEGOU PROVIMENTO AO RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. REDISCUSSÃO DA MATÉRIA DE MÉRITO. CARÁTER INFRINGENTE. INADMISSIBILI- DADE. DELITO DE EMBRIAGUEZ. PROVA TÉCNICA. NECESSIDADE. 1. Os embargos de declaração não têm a finalidade de devolver a matéria para reexame visto que o efeito modificativo é excepcional e previsto apenas para os casos de manifesto equívoco no julgado. 2. A caracterização do delito de embriaguez ao volante, tendo em vista a nova redação do art. 306 dada pela Lei 11.705/08, exige a quantidade igual ou superior a de 0,6 dg de álcool por litro de sangue, podendo esta somente ser aferida mediante prova técnica. EMBARGOS REJEITADOS

(TJPR - 2ª C.Criminal - EDC 0603835-7/01 - Foz do Iguaçu - Rel.: Des. Noeval de Quadros - Unânime - J. 18.02.2010)[25](destacou-se)

Na mesma linha, segue o entendimento do Superior Tribunal de Justiça:

HABEAS CORPUS. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. EMBRIAGUEZ AO VOLANTE. AUSÊNCIA DE EXAME DE ALCOOLEMIA. AFERIÇÃO DA DOSAGEM QUE DEVE SER SUPERIOR A 6 (SEIS) DECIGRAMAS. NECESSIDADE. ELEMENTAR DO TIPO.

1. Antes da edição da Lei nº 11.705/08 bastava, para a configuração do delito de embriaguez ao volante, que o agente, sob a influência de álcool, expusesse a dano potencial a incolumidade de outrem.

2. Entretanto, com o advento da referida Lei, inseriu-se a quantidade mínima exigível e excluiu-se a necessidade de exposição de dano potencial, delimitando-se o meio de prova admissível, ou seja, a figura típica só se perfaz com a quantificação objetiva da concentração de álcool no sangue o que não se pode presumir. A dosagem etílica, portanto, passou a integrar o tipo penal que exige seja comprovadamente superior a 6 (seis) decigramas.

3. Essa comprovação, conforme o Decreto nº 6.488 de 19.6.08 pode ser feita por duas maneiras: exame de sangue ou teste em aparelho de ar alveolar pulmonar (etilômetro), este último também conhecido como bafômetro.

4. Cometeu-se um equívoco na edição da Lei. Isso não pode, por certo, ensejar do magistrado a correção das falhas estruturais com o objetivo de conferir-lhe efetividade. O Direito Penal rege-se, antes de tudo, pela estrita legalidade e tipicidade.

5. Assim, para comprovar a embriaguez, objetivamente delimitada pelo art. 306 do Código de Trânsito Brasileiro, é indispensável a prova técnica consubstanciada no teste do bafômetro ou no exame de sangue.

6. Ordem concedida.

(HC 166377/SP, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEXTA TURMA, julgado em 10/06/2010, DJe 01/07/2010)[26](destacou-se)

Diante disto, tem-se que não é possível configurar o crime de embriaguez com a existência de prova presumida, como por exemplo, a prova testemunhal, visto que somente é possível a constatação de 0,6 decigramas por litro de sangue no condutor, mediante os testes de alcoolemia ou exame de sangue, sendo que a falta de prova técnica é causa de atipicidade para a configuração da infração penal.

Importante consignar que as penas previstas no artigo 306 do Código de Trânsito Brasileiro são de cunho penal e administrativo, veja-se: "Penas - detenção, de seis meses a três anos, multa e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor."

Exemplificando, verifica-se que a pena de detenção de seis meses a três anos é de natureza penal, quanto às penas de multa, suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor são de natureza administrativa.

Sobre isto, muito se discute no âmbito judicial da legalidade de aplicação de duas penas pelo mesmo fato, isto é, administrativa e penal, sobretudo se tal fato configura-se "bis in idem".

Entretanto, o entendimento jurisprudencial preconiza não ser causa de "bis in idem" a aplicação das penas criminais e administrativas, conforme se vê da ementa do acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado do Paraná:

APELAÇÃO CRIMINAL. - ART. 306 DA LEI 9.503/97, ALTERADO PELA LEI 11.705/2008. (DIRIGIR VEÍCULO AUTOMOTOR SOB A INFLUÊNCIA DE ÁLCOOL). - CONDUÇÃO DO VEÍCULO DE FORMA A COLOCAR EM RISCO A INCOLUMIDADE PÚBLICA. - DEPOIMENTOS JUDICIAIS E LAUDO PERICIAL VÁLIDOS. - PROVAS EFICIENTES A CONFIRMAR O ESTADO DE EMBRIAGUÊZ BEM COMO SEU EFEITO SOBRE A CONDUTA DO RÉU. - PRINCÍPIO BIS IN IDEM. - INOCORRÊNCIA. - NECESSÁRIA MINORAÇÃO DA PENA EM FACE DA ANÁLISE DAS CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS. - AGRAVANTE DA REINCIDÊNCIA PREPONDERA SOBRE A ATENUANTE DA CONFISSÃO ESPONTÂNEA. - DIMINUIÇÃO DO QUANTUM APLICADO.. - SENTENÇA REFORMADA DE OFÍCIO. - RECURSO NÃO PROVIDO.

I. O perfazimento da conduta criminosa tipificada no artigo 306 do Código de Trânsito Brasileiro se dá com a conduta de dirigir veículo automotor tendo seus reflexos afetados pela ingerência de álcool, extraindo-se deste comportamento a possibilidade de causar dano a outrem. Tem-se, portanto, prescindível a efetiva ocorrência do dano.

II. Em que pese o pedido de exclusão da pena de suspensão do direito de dirigir, não merece provimento, visto como, não se constata a ocorrência do "bis in idem" e qualquer excesso que exija a reforma nesse sentido, porquanto, a penalidade imposta encontra-se expressa no artigo 306 cominado com o artigo 293, ambos do Código de Trânsito Brasileiro.

III. Poderá o apelante mediante requerimento ao juízo de execução penal comprovar a impossibilidade da realização do pagamento fixado, podendo ser deferido o parcelamento do valor referido, nos termos do artigo 164 e 169, ambos da Lei 7.210 de 1984.

(TJPR - 2ª C.Criminal - AC 0565842-6 - Apucarana - Rel.: Des. Lidio José Rotoli de Macedo - Unânime - J. 06.08.2009)[27] (destacou-se)

Sendo assim, nota-se não ser causa de "bis in idem" pelo fato da penas previstas no artigo 306 do Código de Trânsito Brasileiro prever expressamente todas as penas administrativas e penais no mesmo artigo.

Em suma, os crimes de embriaguez ao volante serão causa de instauração de processo penal, salvo quando se tratar de lesão corporal culposa que se admite o procedimento pelo juizado especial criminal.

Além disso, a comprovação da embriaguez para fins de infração penal deverá ser demonstrada através dos testes de alcoolemia ou exame de sangue, que determine a concentração de no mínimo 0,6 (zero vírgula seis) decigramas de álcool por litro de sangue.

Entretanto, em havendo recusa do motorista aos testes de alcoolemia culminará apenas na infração administrativa, pois somente restará tipificada a conduta de conduzir o veículo automotor sob a influência do álcool.

Não se pode perder de vista também, a possibilidade de configurar infração penal através da prova oral nos casos de o condutor se encontrar sob a influência de substância psicoativa que determine a sua dependência, pelo fato da norma não exigir a comprovação de um nível específico de tal substância do sangue.

Por fim, a nova Lei 11.705/2008 trouxe a figura do crime de embriaguez como sendo de perigo abstrato, ou seja, para configurar a infração penal basta que esteja dirigindo seu veículo sob os efeitos de substância psicoativa que determina sua dependência, ou com a concentração de 0,6 de decigramas de álcool por litro no sangue.

Sobre o autor
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

NICASTRO, Pedro Henrique Waldrich. Da sujeição dos motoristas aos testes de alcoolemia: obrigação ou faculdade?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 3073, 30 nov. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/20528. Acesso em: 24 nov. 2024.

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