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"Nós górdios" da Lei nº 9.601/98

Sumário: 1. Introdução. 2. Considerações Gerais sobre a Lei 9.601/98. 3. O Aspecto Polêmico do F.G.T.S. no "novo" Contrato por Prazo Determinado. 4. O Aspecto Polêmico do "Banco de Horas". 5. Considerações finais.Notas


1. Introdução.

Segundo o "Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa", a expressão "nó górdio" pode ter dois sentidos.

O primeiro significado tem a conotação de um obstáculo inseparável, um "nó que é impossível desatar".

Já a segunda acepção transmite uma idéia de um óbice complexo, uma "dificuldade séria", um "busílis", ou seja, um ponto vital para a solução da questão.

Titulamos o presente estudo com a lembrança dos "nós górdios", justamente porque pretendemos apontar aspectos polêmicos da Lei nº 9.601/98, cuja superação ou não implicará na caracterização de sua constitucionalidade ou de sua incompatibilidade com o vigente ordenamento positivo.

Ressaltamos, porém, que a construção jurisprudencial que prevalecer terá que partir, indubitavelmente, da opção ideológica de uma das visões aqui expostas ou de suas variações dogmáticas.

Reconhecendo, portanto, que o novo diploma normativo vem suscitando vários debates acerca de sua constitucionalidade, não pretendemos esgotar o tema, mas sim tratar de alguns aspectos, em especial, que nos são mais intrigantes.

Assim é que abordaremos aqui o tratamento dado pela nova lei ao Fundo de Garantia por Tempo de Serviço, bem como quanto à instituição do chamado "Banco de Horas".


2. Considerações Gerais sobre a Lei 9.601/98.

Antes de enfrentarmos, todavia, os tópicos mencionados, consideramos salutar tecer algumas considerações sobre a proposta teórica, a priori, das novas previsões normativas, notadamente, a nova disciplina aplicável às contratações por prazo determinado.

Com efeito, dispõe o art. 1º da Lei nº 9.601, de 21/01/98, que as "convenções e os acordos coletivos de trabalho poderão instituir contrato de trabalho por prazo determinado, de que trata o art. 443 da Consolidação das Leis do Trabalho CLT, independentemente das condições estabelecidas em seu § 2º, em qualquer atividade desenvolvida pela empresa ou estabelecimento, para admissões que representem acréscimo no número de empregados" (grifos nossos).

Como verificamos, portanto, o sentido da nova previsão contratual é o fomento da criação de novos postos de trabalho, o que, tendo em vista a atual situação econômica do país e do mundo, deve ser objeto de aplausos.

Esse ponto, inclusive, deve ser sempre lembrado, quando da análise de cada aspecto polêmico dessa nova disciplina da contratação por prazo determinado.

Outro ponto salutar desse "novo" contrato por prazo determinado (atecnicamente chamado de contrato "temporário" pela mídia em geral, expressão que afastamos pela sua evidente confusão com a previsão da Lei nº 6.019/74), é o fato de que ele será sempre estipulado pela via da negociação coletiva, através de seus instrumentos normativos básicos (acordo coletivo ou convenção coletiva).

Tal circunstância infere o caráter flexibilizante da nova norma legal, pois, indubitavelmente, o caminho da desregulamentação das relações de trabalho subordinado passa pelo privilégio da autonomia coletiva da vontade, âmbito de negociações onde não há como se falar na desigualdade fática existente na relação individual de emprego..

Tecidas essas considerações gerais, passemos a analisar, finalmente, os aspectos polêmicos mencionados.


3. O Aspecto Polêmico do F.G.T.S. no "novo" Contrato por Prazo Determinado

O artigo 2º da Lei nº 9.601/98, a título de trazer "vantagens pecuniárias" para o empregador na nova forma de contratação por prazo determinado, pode ter cometido uma séria violação a princípios constitucionais.

A redação do referido artigo é a seguinte:

"Art.2º - Para os contratos previstos no artigo anterior, são reduzidas, por dezoito meses, a contar da data de publicação desta Lei:

I - a cinqüenta por cento de seu valor vigente em 1º de janeiro de 1996, as alíquotas das contribuições sociais destinadas ao Serviço Social da Indústria - SESI, Serviço Social do Comércio - SESC, Serviço Social do Transporte - SEST, Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial - SENAI, Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial - SENAC, Serviço Nacional de Aprendizagem do Transporte - SENAT, Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas - SEBRAE e Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária - INCRA, bem como, ao salário educação e para o financiamento do seguro de acidente do trabalho;

II - para dois por cento, a alíquota da contribuição para o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço - FGTS, de que trata a Lei nº 8.036, de 11 de maio de 1990.

Parágrafo Único - As partes estabelecerão, na convenção ou acordo coletivo, obrigação de o empregador efetuar, sem prejuízo do disposto no inciso II deste artigo, depósitos mensais vinculados, a favor do empregado, em estabelecimento bancário, com periodicidade determinada de saque."

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Sobre o inciso I, nada há a opor, do ponto de vista do Direito Constitucional do Trabalho, levando-se em consideração que a fixação dos percentuais devidos a título das contribuições para o sistema "S", de natureza para-fiscal, é mera questão de Direito Tributário, sem reflexos para a relação de emprego.

Todavia, no que diz respeito ao inciso II, em que pese nossa posição acerca do fim legítimo e necessário da nova lei (incentivo à criação de novos empregos), temos que, aqui, é possível vislumbrar-se uma inconstitucionalidade, com fundamento no princípio da isonomia.

Ainda que a Constituição Federal de 1988, no inciso III de seu artigo 5º, não tenha estabelecido a alíquota para recolhimento do FGTS (sendo, portanto, matéria deixada para o alvitre do legislador infra-constitucional), há que se considerar que este não pode imprimir recolhimento diverso para trabalhadores que se enquadram no mesmo tipo contratual.

Senão, vejamos.

O princípio da isonomia, norma constitucional que é, pois inserto em nossa carta magna no caput de seu artigo 5º, deve ser entendido não em seu caráter absoluto, mas sim, temperado por necessária interpretação.

Na doutrina pátria, sem dúvida quem esgotou o assunto foi Celso Antônio Bandeira de Mello, com quem podemos concluir que a análise da lei, dita contrária a tal princípio, deve passar por seu critério discriminatório e por sua justificativa(1).

Assim, no caso, o critério utilizado para discriminação é o contrato de trabalho firmado, ou seja, se o contrato firmado o for sob a égide da lei em comento, há uma redução no percentual de FGTS, para 2%.

Entretanto, a Lei 9.601/98 trouxe somente hipótese nova de contratação por prazo determinado(2), neste sentido, não há como adotar a redução do percentual, frente aos outros casos de contratação com prazo. Ou seja, se a lei trouxe outra hipótese de contrato a prazo, que vigora em nosso direito ao lado das hipóteses previstas no §2º do artigo 443 da CLT, não se pode sustentar o recolhimento de Fundo de Garantia por Tempo de Serviço em 8% para os trabalhadores por prazo cujos contratos se subsumem ao art. 443 da CLT e em 2% para os trabalhadores por prazo cujos contratos se subsumem à nova lei.

Neste sentido, a desigualdade não estaria sendo imposta a desiguais, mas sim a trabalhadores contratados sob o mesmo tipo contratual, que seja o contrato a prazo.

Ainda que se queira afirmar que a norma visa a diminuir custos para a contratação e combater o desemprego com esse tratamento diferenciado, em nada está sanado o vício, pois, não se trata de comparar o indivíduo que já foi contratado anteriormente por prazo indeterminado com outro, contratado sob a égide do novo diploma legal, mas sim, de comparar indivíduo contratado anteriormente por prazo determinado, pelo artigo 443 da CLT e outro, contratado sob a égide da nova lei.

A tese, todavia, dos que sustentam a constitucionalidade dessa redução do percentual do F.G.T.S. reside em dois argumentos básicos.

O primeiro fundamenta-se numa outra interpretação do princípio da isonomia, diante da nova hipótese jurídica.

Com efeito, a velha máxima de que "não se pode igualar os desiguais" seria lembrada sob um outro ângulo, qual seja, o fato de que essa nova forma de contratação por prazo determinado, ao conviver paralelamente com as previsões do § 2º do art. 443 consolidado, implicaria efetivamente num "novo" contrato, com características distintas da antiga hipótese.

Assim sendo, o fato de decorrer necessariamente da autonomia privada coletiva, através dos instrumentos do acordo coletivo e da convenção coletiva (instrumentos hábeis até mesmo para reduzir salário, conforme consta do art. 7º, VI, da CF/88) justificaria o tratamento jurídico diferenciado entre as duas formas de contratação por prazo determinado.

Ademais, como um segundo argumento, o fato do parágrafo único prever que as "partes estabelecerão, na convenção ou acordo coletivo, obrigação de o empregador efetuar, sem prejuízo do disposto no inciso II deste artigo, depósitos mensais vinculados, a favor do empregado, em estabelecimento bancário, com periodicidade determinada de saque" demonstraria a inexistência de "prejuízo" ao empregado contratado dessa forma, que teria uma "vantagem" prevista em norma coletiva que seria inaplicável ao empregado contratado sob a égide da disciplina consolidada.

Adotados quaisquer dos fundamentos, esse é, sem sombra de qualquer dúvida, um "nó górdio" da nova lei, seja no primeiro sentido, para os que defendem a sua inconstitucionalidade, seja no segundo (de mero óbice difícil, mas não insuperável), para os que a consideram "afinada" com a vigente ordem constitucional.

A resposta definitiva para esse embate, com certeza, somente será obtida através da manifestação do Supremo Tribunal Federal, pronunciamento esse que certamente não demorará, ante o ajuizamento de diversas ADIN’s, já em tramitação e pendentes de julgamento.


4. O Aspecto Polêmico do "Banco de Horas"

Instituído pela nova Lei em seu artigo 6º, que modifica a redação do artigo 59 da CLT, o chamado "Banco de Horas" também pode ser taxado de viciado pela inconstitucionalidade.

Analisemos os fundamentos de tais "acusações", lembrando como foi procedida a alteração, com a leitura do mencionado art. 6º da Lei 9.601/98.

Art.6º - O art. 59 da Consolidação das Leis do Trabalho - CLT passa a vigorar com á seguinte redação:

"Art.59 -..................

§ 2º - Poderá ser dispensado o acréscimo de salário se, por força de acordo ou convenção coletiva de trabalho, o excesso de horas em um dia for compensado pela correspondente diminuição em outro dia, de maneira que não exceda, no período máximo de cento e vinte dias, à soma das jornadas semanais de trabalho previstas, nem seja ultrapassado o limite máximo de dez horas diárias.

§ 3º - Na hipótese de rescisão do contrato de trabalho sem que tenha havido a compensação integral da jornada extraordinária, na forma do parágrafo anterior, fará o trabalhador jus ao pagamento das horas extras não compensadas, calculadas sobre o valor da remuneração na data da rescisão."

O inciso XIII do artigo 7º da Constituição Federal dita que a "duração do trabalho normal não (será) superior a oito horas diárias e quarenta e quatro semanais...". Observe-se que a previsão constitucional se refere à limitação normal das horas trabalhadas.

Quando o artigo 6º da Lei em comento modifica a letra do artigo 59 da CLT, o faz de maneira a que a compensação da jornada de trabalho seja feita dentro do período de, no máximo, cento e vinte dias.

Dessa forma, aqui a letra da lei permite que o trabalhador labore além das quarenta e quatro horas semanais, e seja pago como se hora normal fosse. Veja-se ainda que a Constituição não proíbe o trabalho acima de tais limites, só que tal trabalho não será, em hipótese alguma, trabalho normal, mas sim, configurará hora extraordinária, e como tal deverá ser percebido pelo trabalhador, conforme consta do seu art. 7º, XVI ("remuneração do serviço extraordinário superior, no mínimo, em cinquenta por cento à do normal").

Assim sendo, haverá quem defenda que o banco de horas instituído pela nova lei é, simplesmente, maneira de burlar a letra do texto constitucional. Na prática, o trabalhador estaria laborando em horas além da jornada normal, porém continuaria recebendo como se hora de trabalho normal fosse.

Ora, a Constituição está aí – diriam - para defender os indivíduos insertos em uma sociedade. Procura-se evitar a jornada em horário extraordinário justamente pelas suas consequências físicas e sociais deletérias para o trabalhador, reprimindo-a com a obrigação de que seja paga a maior. Se o banco de horas, como instituído, retira do trabalhador este pagamento, por certo não está em concordância não só com a letra da Carta Magna, como também com sua intenção.

Ademais, poder-se-ia argumentar que os limites para a compensação estariam no próprio texto constitucional, ao expressamente estipular ser direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social, "duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e quarenta e quatro semanais, facultada a compensação de horários e redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho" (grifos nossos).

Tal preceituação estabeleceria efetivamente os limites para a compensação, sendo exigida, portanto, para o "banco de horas" a modificação do seu texto por emenda constitucional (o que já seria questionável, pela natureza de "cláusula pétrea" da previsão), padecendo, pois, de um vício formal de inconstitucionalidade.

Esses argumentos, porém, são refutados por aqueles que defendem a constitucionalidade da lei nº 9.601/98, com base também em dois argumentos básicos.

O primeiro é novamente baseado na questão da autonomia coletiva da vontade.

Com efeito, é o próprio texto constitucional que faculta, na parte final do art. 7º, XIII, a "compensação de horários e redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho", ou seja, flexibilizando a limitação diária e semanal da jornada através da negociação coletiva.

Por isso mesmo, em linguagem simples e direta, afirmamos peremptoriamente o óbvio: o "banco de horas" somente ocorrerá se assim o quiser o legítimo representante da categoria profissional, ou seja, o seu respectivo sindicato.

Admitir-se amplamente a instituição do "banco de horas" pela via negocial direta individual entre empregado e empregador seria, assim sim, fazer tábula rasa da proteção constitucional da limitação da jornada de trabalho.

Por fim, como um segundo argumento para refutar a tese da inconstitucionalidade formal da nova previsão legal, pode-se sustentar que o texto constitucional apenas traz os limites temporais da jornada diária e semanal, mas não os limites temporais da compensação, o que poderia ser feito tranquilamente pela legislação infra-constitucional.

Em reforço desse argumento, basta lembrar a redação anterior do § 2º do art. 59, onde era realmente explicitada a limitação da compensação, nos seguintes termos:

"Art.59 -............

§ 2º - Poderá ser dispensado o acréscimo de salário se, por força de acordo ou convenção coletiva de trabalho, o excesso de horas em um dia for compensado pela correspondente diminuição em outro dia, de maneira que não exceda o horário normal da semana, nem seja ultrapassado o limite máximo de 10 (dez) horas diárias.

Visto dessa forma, podemos entender a tese dos que defendem que o art. 7º, XIII, também fazia referência à limitação temporal da compensação, pois esse posicionamento era fundamentado numa interpretação sistemática do ordenamento positivo com especial atenção ao dispositivo supra transcrito.

Com a sua modificação, admitindo-se a compensação "no período máximo de cento e vinte dias", talvez seja a hora de rever tais dogmas tão ardorosamente defendidos.


5. Considerações finais.

Enfim, o objetivo deste trabalho é somente delinear duas das questões que têm perturbado estudiosos do Direito em todos os cantos do país. Não cansamos de repetir que a decisão final caberá ao Supremo Tribunal Federal, que – acreditamos - deve, por força de nossa própria conjuntura social e econômica do país, decidir pela constitucionalidade da lei em comento.

De fato, o escopo precípuo da lei é o fomento de empregos, um dos elementos necessários para a estabilização econômica do país. Na perspectiva do próprio texto constitucional, o objetivo da lei deve ser considerado quando da análise de sua constitucionalidade, podendo ser um excelente motivo para adoção de uma ou outra corrente especificada acima.

Diante de todo o exposto, resta-nos, portanto, somente aguardar a manifestação da Corte Suprema do país, com a convicção de que, se preferimos "não tomar partido" diretamente de uma tese ou outra, pelo menos contribuimos para a análise crítica das novas previsões legais, cuja aplicação prática somente o tempo, senhor da razão, poderá explicar.


NOTAS

1. BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Conteúdo jurídico do princípio da igualdade. 3 ed., 4 tir., São Paulo: Malheiros, 1997, p.38.

2. Neste sentido também TEIXEIRA FILHO, Manoel Antônio. Contrato Temporário de Trabalho – Comentários à Lei nº 9.601/98. in Revista LTr 62-02/151.

Sobre os autores
Rodolfo Pamplona Filho

juiz do Trabalho na Bahia, professor titular de Direito Civil e Direito Processual do Trabalho da Universidade Salvador (UNIFACS), coordenador do Curso de Especialização Lato Sensu em Direito Civil da UNIFACS, mestre e doutor em Direito do Trabalho pela PUC/SP, especialista em Direito Civil pela Fundação Faculdade de Direito da Bahia

Danielle Anne Pamplona

advogada em Curitiba (PR), mestranda em Direito Constitucional pela PUC/SP

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PAMPLONA FILHO, Rodolfo; PAMPLONA, Danielle Anne. "Nós górdios" da Lei nº 9.601/98. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 6, n. 51, 1 out. 2001. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/2053. Acesso em: 22 dez. 2024.

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