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Improbidade administrativa

Agenda 01/12/2011 às 14:25

Apresentam-se julgamentos representativos de temas diversos envolvendo a improbidade administrativa.

Sumário: 1. Regência constitucional e legal. 2. Constitucionalidade ou inconstitucionalidade formal e material. 3. Ato de improbidade/conceito. 4. Agentes e beneficiários. 5. Condutas. 6. Sanções/dosimetria. 7. Ressarcimento/peculiaridades da jurisprudência. 8. Prescrição. 9. Processo/peculiaridades/defesa prévia. 10. Prerrogativa de foro. 11. Legitimação do MP quanto ao ressarcimento do erário. 12. Sucumbência/MP. 12. Bibliografia.

A Constituição Federal inovou ao trazer disposições sobre a improbidade administrativa.

Assim estão redigidos seus arts. 15, V, e 37, parágrafo 4º.

Art. 15. É vedada a cassação de direitos políticos, cuja perda ou suspensão só se dará nos casos de:

(...)

V - improbidade administrativa, nos termos do art. 37, § 4º.”

“Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)

§ 4º - Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível.”

E a lei que rege os atos de improbidade é a de nº 8.429/92.

Houve quem levantasse sua inconstitucionalidade, porque, sendo ela federal, não se aplicaria aos servidores estaduais e municipais, pena de ofensa ao Pacto Federativo.

Dentre esses defensores está o professor Toshio Mukai.

Entanto, a jurisprudência sempre se firmou em sentido contrário, porquanto: "O artigo 37, parágrafo 4°, da Constituição Federal constitui a fonte normativa de validade da lei em questão e diante do que dispõe o seu artigo 1º, os atos de qualquer agente público contra qualquer dos Poderes da União, Estados, Distrito Federal ou Municípios serão punidos na forma da referida lei. Nítida, portanto, a aplicabilidade desse regramento nos atos dos agentes políticos municipais" (Ap. Cível nº 377.405-5/2-00, j. 29.08.07, relator o signatário).

Diz-se, ainda, que a Lei 8.429/92, em seu complicado trâmite de criação, não é fruto de um trabalho legislativo bicameral, acarretando, portanto, insanável constrangimento aos jurisdicionados nela enquadrados, espúrio que seria o processo legislativo respectivo. Haveria aí inconstitucionalidade formal, por ofensa ao rito do art. 65 da CF.

E mais, pondera-se que seu art. 11 feriria o dogma da segurança, porque elenca tipos abertos.

Mas, segundo bem respondem promotores do Paraná (Adauto Salvador Reis Facco, Carlos Alberto Hohmann Choinski, Guilherme Freire de Barros Teixeira, Maria Lúcia Figueiredo Moreira e Paulo Ovídio dos Santos Lima),“os diversos incisos do artigo 11 contêm previsão de condutas que, por serem expressas e definidas, descartam a necessidade de valoração em relação aos conceitos ‘francamente abertos’ indicados no caput do dispositivo, de modo que aquelas condutas guardam a reclamada precisão, clareza e densidade suficiente para permitir a definição das posições juridicamente protegidas e o controle da legalidade da ação administrativa. Outrossim, no que pertine à tipificação de condutas, reconhece-se que foi a doutrina penal quem mais avançou nessa seara, não se podendo, contudo, negar a utilidade de se buscar algumas noções ali já sedimentadas e fazer a devida transposição para o direito administrativo, observando-se as peculiaridades e os princípios de cada um desses ramos jurídicos.” (fonte: vide nota ao final)

De todo modo, o STF julgou constitucional essa lei, ao decretar a improcedência da ADI 2182, proposta pelo PTN (Partido Trabalhista Nacional), quanto à inconstitucionalidade formal, vencido o Ministro Marco Aurélio. E, antes, aquela Corte já havia entendido descabido o exame da inconstitucionalidade material da lei, também por maioria.

Mas, passando-se à análise desse diploma, que vem sendo largamente aplicado, diz seu art. 4º: “Os agentes públicos de qualquer nível ou hierarquia são obrigados a velar pela estrita observância dos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade e publicidade no trato dos assuntos que lhes são afetos.

Então, raciocinando conforme esse dispositivo, ato de improbidade é aquele que vai contra esses princípios, ou seja, a legalidade, a impessoalidade, a moralidade, a publicidade.

Lembra-se, ainda, o princípio da eficiência, inerente ao serviço público e aludido na Carta Magna, como visto, mas esse princípio não foi mencionado na lei, sucedendo que, por si só, não autoriza o enquadramento do administrador nas normas afetas à improbidade, embora a ineficiência, dependendo do grau, possa ser considerada atentatória à moralidade ou mesmo à legalidade, aí sim ensejando dito enquadramento. Há, ainda, quem distinga também o princípio da submissão (consonância com súmula vinculante - art. 103-A, parágrafo 3º), mas esse princípio já estaria compreendido no da legalidade, sentido amplo.

E agente público, segundo o art. 2º da Lei de Regência, “é todo aquele que exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função nas entidades mencionadas no artigo anterior.

Portanto, qualquer que seja o vínculo com a Administração, o agente, nessa qualidade, pode praticar ato de improbidade.

Nesse rol estão, inclusive, o administrador judicial na falência, o perito judicial e mesmo o depositário judicial, para se ter uma idéia da amplitude da norma.

Mas, os agentes passíveis de apenamento não se restringem aos mencionados no art. 2º, uma vez que o 3º também alcança todo aquele que, direta ou indiretamente, tenha concorrido, induzido ou se beneficiado com o ato.

Já as condutas ímprobas estão tipificadas nos arts. 9º, 10 e 11.

O art. 9º refere-se às condutas que causem enriquecimento ilícito, enquanto o art. 10 àquelas que provoquem prejuízo ao erário público e, finalmente, ao do art. 11, as de mera conduta, que venham a violar a moralidade administrativa.

Vale colacionar acórdão do STJ:

“A Lei 8.429/92 é aplicável aos agentes públicos que, por ação ou omissão, violem os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, lealdade às instituições e notadamente: a) importem em enriquecimento ilícito (art. 9º); b) causem prejuízo ao erário público (art. 10); c) atentem contra os princípios da Administração Pública (art. 11) compreendida nesse tópico a lesão à moralidade administrativa” (REsp. 878.506/SP, Primeira Turma, rel. Min. Luiz Fux, DJe 14.09.09).

Sendo de mera conduta, aquelas tipificadas no art. 11 dispensam o evento prejuízo para que tenham lugar.

De todo modo, o art. 21, I, reforça que o ato de improbidade, qualquer seja, independe do prejuízo à sua caracterização, ao passo que seu inciso II afasta, totalmente, o elemento político, tornando irrelevante também, à tipificação do ilícito em questão, a aprovação ou rejeição de contas.

Transcrevo o “caput” dos dispositivos, para se ter uma idéia:

Art. 9° Constitui ato de improbidade administrativa importando enriquecimento ilícito auferir qualquer tipo de vantagem patrimonial indevida em razão do exercício de cargo, mandato, função, emprego ou atividade nas entidades mencionadas no art. 1° desta lei, e notadamente: (...)”

“Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta lei, e notadamente: (...)”

“Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições, e notadamente: (...)”

Veja-se que, usando a lei os termos “notadamente”, deixou evidente que os incisos que se seguem aos mencionados artigos são meramente exemplificativos e não taxativos.

Com isso, outras condutas que não se encaixem nos incisos, mas estejam de acordo com o “caput” de cada um desses dispositivos configuram sim ato de improbidade.

Oportuno registrar que ilegalidade não se confunde com improbidade.

Para que haja improbidade é indispensável que, a exemplo do que ocorre no Direito Penal, a conduta esteja tipificada em um ou mais dos dispositivos suso declinados.

Assim, v.g., a autoridade de trânsito que, visando a aplicar penalidade, atropela o devido processo legal não comete, só por isso, ato de improbidade.

De consignar-se, ainda, que o STJ tem exigido o elemento subjetivo (dolo) nas condutas dos arts. 9º e 11, como segue:

“ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. ATRASO NO RECOLHIMENTO. CAIXA DE ASSISTÊNCIA DOS SERVIDORES MUNICIPAIS. CONTRIBUIÇÃO DO FUNDO DE SAÚDE. NECESSIDADE DO ELEMENTO SUBJETIVO PARA A CONFIGURAÇÃO DO ATO ÍMPROBO. JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA SEÇÃO DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. SÚMULA 83/STJ. AGRAVO NÃO PROVIDO. 1. Recentemente, o Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento pela imprescindibilidade do elemento subjetivo para a configuração do ato de improbidade administrativa. 2. ‘As duas Turmas da 1ª Seção já se pronunciaram no sentido de que o elemento subjetivo é essencial à configuração da improbidade: exige-se dolo para que se configurem as hipóteses típicas dos artigos 9º e 11 da Lei 8.429/92, ou pelo menos culpa, nas hipóteses do art. 10’ (EREsp 479.812/SP, Rel. Min. TEORI ALBINO ZAVASCKI, 1ª Seção, DJe 27/9/10). 3. O aresto impugnado reformou a sentença e entendeu pela não consumação do ato de improbidade do art. 11, II, da Lei 8.429/92 em face da ausência de dolo na conduta (fl. 1.383e). Assim, estando o acórdão recorrido em perfeita consonância com a jurisprudência deste Tribunal, incide, na espécie ora em exame, a Súmula 83/STJ. 4. Agravo regimental não provido.” (AgRg no REsp 1.122.474/PR, Primeira Turma, rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, DJe 02.02.11);

“A má-fé, consoante cediço, é premissa do ato ilegal e ímprobo e a ilegalidade só adquire o status de improbidade, quando a conduta antijurídica fere os princípios constitucionais da Administração Pública, coadjuvados pela má-intenção do administrador. 4. Destarte, o elemento subjetivo é essencial à caracterização da improbidade administrativa, à luz da natureza sancionatória da Lei de Improbidade Administrativa, o que afasta, dentro do nosso ordenamento jurídico, a responsabilidade objetiva. Precedentes: REsp 654.721/MT, Primeira Turma, julgado em 23/06/2009, DJe 01/07/2009; REsp 717.375/PR, Segunda Turma, DJ 08/05/06; REsp 658.415/RS, Segunda Turma, DJ de 3.8.2006; REsp 604.151/RS, Primeira Turma, DJ de 08/06/2006.” (REsp 1.130.198/RR, Primeira Turma, rel. Min. Luiz Fux, DJe 15.12.10).

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Já o art. 12 traz o apenamento segundo as respectivas condutas:

Art. 12. Independentemente das sanções penais, civis e administrativas previstas na legislação específica, está o responsável pelo ato de improbidade sujeito às seguintes cominações, que podem ser aplicadas isolada ou cumulativamente, de acordo com a gravidade do fato: (Redação dada pela Lei nº 12.120, de 2009).

I - na hipótese do art. 9°, perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, ressarcimento integral do dano, quando houver, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de oito a dez anos, pagamento de multa civil de até três vezes o valor do acréscimo patrimonial e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de dez anos;

II - na hipótese do art. 10, ressarcimento integral do dano, perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, se concorrer esta circunstância, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de cinco a oito anos, pagamento de multa civil de até duas vezes o valor do dano e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de cinco anos;

III - na hipótese do art. 11, ressarcimento integral do dano, se houver, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de três a cinco anos, pagamento de multa civil de até cem vezes o valor da remuneração percebida pelo agente e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de três anos.

Parágrafo único. Na fixação das penas previstas nesta lei o juiz levará em conta a extensão do dano causado, assim como o proveito patrimonial obtido pelo agente.

Veja-se que cada um dos incisos se refere a uma modalidade de conduta.

Assim, embora a inicial dispense tipificação precisa, bastando o relato adequado dos fatos, é preciso que a sentença bem tipifique o ato, ou seja, se ele se enquadra no art. 9º, 10 ou 11, para que se imponha a pena ou penas, uma vez que a dicção da lei não permite que se aplique um inciso pelo outro, em fazendo referência clara às hipóteses legais a que aludem esses incisos.

Não é demais lembrar que a sentença, obviamente, deve estar absolutamente em consonância com os fatos narrados na inicial, pena de ofensa ao princípio da correlação e mesmo ao do devido processo legal.

Outro aspecto importante e que já se acha pacificado, está na circunstância de não ser taxativo o parágrafo 4º do art. 37 da CF, quanto às penas que prevê (suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário), sucedendo serem constitucionais as demais penas previstas no art. 12 (multa civil e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente).

E, segundo a jurisprudência: “As sanções do art. 12, da Lei n.° 8.429/92 não são necessariamente cumulativas, cabendo ao magistrado a sua dosimetria; aliás, como deixa claro o Parágrafo Único do mesmo dispositivo. 2. No campo sancionatório, a interpretação deve conduzir à dosimetria relacionada à exemplariedade e à correlação da sanção, critérios que compõem a razoabilidade da punição, sempre prestigiada pela jurisprudência do E. STJ. (Precedentes).” (REsp 505.068/PR, Primeira Turma, rel. Luiz Fux, DJ 29.09.03, p. 164).

Cabe aqui mencionar, ainda, que a pena de “proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário” se estende a todo o território nacional, não ficando circunscrita à unidade da federação em que imposta a sanção, porque do contrário bastaria ao ímprobo migrar para outra unidade federada para livrar-se da pena e até cometer novas faltas, em detrimento do erário.

Não é esse, por certo, o espírito da lei e muito menos da Carta Magna.

Na verdade, trata-se não só de pena, mas inclusive de medida preventiva altamente moralizadora, em favor do Estado, na acepção ampla, contra aquele que já se mostrou indigno de contratar com o Poder Público.

Nessa linha:

“Essas sanções são de natureza graduada e administrativa, de caráter temporário, não previstas no art. 37, § 4º, da CF, mas constitucionais, pois, como já comentado, essa norma institui as punições principais, não impedindo à legislação infraconstitucional a instituição de outras sanções como as em exame. Essas medidas punitivas, de cunho administrativo, devem constar expressa e motivadamente graduadas na sentença que julgar procedente a ação civil por improbidade administrativa, e sua extensão extrapola o âmbito do ente lesionado, estendendo-se a todos os entes da Federação e seus organismos da administração direta e indireta” (Marino Pazzaglini Filho, Lei de Improbidade Administrativa Comentada, Atlas, 4ª ed., 2009, p. 140).

Não obstante, há acórdão isolado do STJ dispondo diversamente:

“ (...) 9. A sanção por ato de improbidade deve ser ajustada ao princípio da razoabilidade. (...) No que se refere à proibição de contratar com o Poder Público, a pena, no caso, deve ficar restrita aos limites do Estado de Rondônia, lesado com o ato de improbidade. Impedir que os demandados, especialmente a empresa de ônibus, possam contratar com outros órgãos da Administração Pública (da União, de outros Estados ou de Municípios), representaria pena desproporcional, incompatível com o princípio da com o qual deve ser ajustada.” (REsp 1.003.179/RO, Primeira Turma, rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJe. 18.08.08).

Entende-se a peculiaridade do caso referido no julgado, mas o interesse público vai além do privado, como cediço.

Em relação ao ressarcimento, importante dizer que a jurisprudência do STJ vem se firmando no sentido de ser necessário o prejuízo efetivo ao erário, para que se dê a composição.

E, se a Administração obteve ganho com o ato, ainda que nulo, anulável ou viciado de qualquer forma, deve pagar pelo que recebeu.

Assim, tem-se afastado a devolução de valores nessas hipóteses.

“Do exame dos artigos 39 e 49 do Decreto-lei n. 2.800/86, vigente à época, conclui-se que a anulação da licitação, com a conseqüente nulidade do contrato, opera efeitos ‘ex tunc’. No entanto, a Administração deve indenizar a empresa contratada pela execução de etapas das obras ajustadas até a data da declaração de nulidade, ainda que a anulação do contrato tenha ocorrido por utilização de documento fraudado pela empresa, como na hipótese em exame. Com efeito, recebida a prestação executada pelo particular, não pode a Administração se locupletar indevidamente e, com fundamento na nulidade do contrato, requerer a devolução de valores pagos por obras já realizadas, o que configuraria violação ao próprio princípio da moralidade administrativa. Precedentes. Recurso especial não conhecido.” (REsp. 408.785/RN, Segunda Turma, Ministro Franciulli Netto, DJ 30.06.03, p. 187).

Ou:

“Revela-se inequívoco o direito de a empresa contratada auferir contraprestação pelo serviço prestado (recebimento do preço avençado), mesmo em se tratando de contrato supostamente eivado de nulidade, uma vez que a devolução das quantias pagas por obra já executada implicaria no locupletamento indevido da Administração Pública, em frontal inobservância ao princípio da moralidade administrativa. (...) ‘mesmo no caso de contrato nulo pode tornar-se devido o pagamento dos trabalhos realizados ou dos fornecimentos feitos à Administração, uma vez que tal pagamento não se funda em obrigação contratual, e sim no dever moral de indenizar toda obra, serviço ou material recebido e auferido pelo Poder Público, ainda que sem contrato ou com contrato nulo, porque o Estado não pode tirar proveito da atividade do particular sem a correspondente indenização.’ (Hely Lopes Meirelles, in Licitação e Contrato Administrativo, Malheiros, 13ª ed., 2002, pág. 231).” (REsp. 662.924/MT, Primeira Turma, Min. Luiz Fux, DJ 01.07.05, p. 400).

Na mesma senda: STJ - REsp 514.820/SP, rel. Min. Eliana Calmon, DJ 06.06.05, p. 261; TJSP - Ap. Cível nº 656.717-5/0-00, rel. o signatário, arestos relativos a servidor irregularmente admitido e que percebeu remuneração pelo trabalho.

Esse posicionamento, aliás, decorre do parágrafo único do art. 59 da Lei 8.666/93, a saber: “Art. 59 (...) Parágrafo único. A nulidade não exonera a Administração do dever de indenizar o contratado pelo que este houver executado até a data em que ela for declarada e por outros prejuízos regularmente comprovados, contanto que não lhe seja imputável, promovendo-se a responsabilidade de quem lhe deu causa.

E a prescrição dos atos de improbidade está prevista no art. 23: “As ações destinadas a levar a efeitos as sanções previstas nesta lei podem ser propostas: I - até cinco anos após o término do exercício de mandato, de cargo em comissão ou de função de confiança; II - dentro do prazo prescricional previsto em lei específica para faltas disciplinares puníveis com demissão a bem do serviço público, nos casos de exercício de cargo efetivo ou emprego.

Com relação ao inciso I, já se decidiu que “o ajuizamento das ações de improbidade em face de agentes públicos eleitos, ocupantes de cargo em comissão ou de função de confiança, submetem-se ao prazo prescricional de 5 anos, cujo termo a quo é o término do mandato ou do exercício funcional, consoante a ratio essendi do art. 23, inciso I, da Lei 8.429/92” (REsp 727.131/SP, rel. Min. Luiz Fux, DJ 23.04.08).

E, no caso de reeleição:

“A Lei de Improbidade associa, no art. 23, I, o início da contagem do prazo prescricional ao término de vínculo temporário, entre os quais, o exercício de mandato eletivo. De acordo com a justificativa da PEC de que resultou a Emenda n. 16/97, a reeleição, embora não prorrogue simplesmente o mandato, importa em fator de continuidade da gestão administrativa. Portanto, o vínculo com a Administração, sob ponto de vista material, em caso de reeleição, não se desfaz no dia 31 de dezembro do último ano do primeiro mandato para se refazer no dia 1º de janeiro do ano inicial do segundo mandato. Em razão disso, o prazo prescricional deve ser contado a partir do fim do segundo mandato.” (REsp 1.107.833/SP, Segunda Turma, rel. Min. Mauro Campbell Marques, DJe 18.09.09).

Já o ressarcimento é imprescritível e por força do art. 34, parágrafo 5º, da Lei Maior, do seguinte teor: “§ 5º - A lei estabelecerá os prazos de prescrição para ilícitos praticados por qualquer agente, servidor ou não, que causem prejuízos ao erário, ressalvadas as respectivas ações de ressarcimento.”

Mas, “decorrido o prazo prescricional das ações civis de improbidade, estabelecido nos incisos I e II do art. 23, o ressarcimento dos danos sofridos pelo Erário, nas unidades da Federação (União, Estados, Distrito Federal e Municípios), decorrentes de atos de improbidade, somente pode ser pleiteado em ação autônoma” (Marino Pazzaglini Filho, Lei de Improbidade Administrativa Comentada, Atlas, 4ª ed., 2009, p. 232).

Nesse sentir:

“(...) configurada a prescrição da ação civil de improbidade administrativa prevista na Lei 8.429/92, é manifesta a inadequação do prosseguimento da referida ação tão somente com o objetivo de obter o ressarcimento de danos ao erário, o qual deve ser pleiteado em ação autônoma” (STJ - REsp nº 801.846/AM, rel. Mina. Denise Arruda, DJ 12.02.09).

Na mesma linha: TJSP - Apelação Cível nº 679.020-5/7-00, 1ª Câmara de Direito Público, rel. Des. Danilo Panizza, j. 12.08.08.

Há, porém, acórdão recente do STJ dispondo que não precisa ser ajuizada ação própria, podendo aproveitar-se a própria ação de improbidade:

“DIREITO ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. PEDIDO DE RESSARCIMENTO. POSSIBILIDADE. AÇÃO IMPRESCRITÍVEL. PRECEDENTES. 1. É entendimento desta Corte a ação civil pública, regulada pela Lei 7.347/85, pode ser cumulada com pedido de reparação de danos por improbidade administrativa, com fulcro na Lei 8.429/92, bem como que não corre a prescrição quando o objeto da demanda é o ressarcimento do dano ao erário público. Precedentes: REsp 199.478/MG, Min. Gomes de Barros, Primeira Turma, DJ 08/05/2000; REsp 1185461/PR, Rel. Min. Eliana Calmon, Segunda Turma, DJe 17/06/2010; EDcl no REsp 716.991/SP, Rel. Min. Luiz Fux, Primeira Turma, DJe 23/06/2010; REsp 991.102/MG, Rel. Min. Eliana Calmon, Segunda Turma, DJe 24/09/2009; e REsp 1.069.779/SP, Rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 13/11/2009. 2. Agravo regimental não provido” (AgRg no REsp 1138564/MG, Primeira Turma, rel. Min. Benedito Gonçalves, DJe 02.02.11).

Já os arts. 14 e seguintes tratam do procedimento administrativo para apurar ato de improbidade, o chamado inquérito administrativo, e do processo judicial.

Com relação ao último (arts. 17 e segs.), importante destacar que, pelo § 1º do art. 17, é “vedada a transação, acordo ou conciliação” nessas ações.

Outrossim, pelo § 4º: “O Ministério Público, se não intervir no processo como parte, atuará obrigatoriamente, como fiscal da lei, sob pena de nulidade”.

E aspecto que merece relevo é a defesa exigida no § 7º, assim expresso: “Estando a inicial em devida forma, o juiz mandará autuá-la e ordenará a notificação do requerido, para oferecer manifestação por escrito, que poderá ser instruída com documentos e justificações, dentro do prazo de quinze dias. (Incluído pela Medida Provisória nº 2.225-45, de 2001)

E completa o § 8º: “Recebida a manifestação, o juiz, no prazo de trinta dias, em decisão fundamentada, rejeitará a ação, se convencido da inexistência do ato de improbidade, da improcedência da ação ou da inadequação da via eleita. (Incluído pela Medida Provisória nº 2.225-45, de 2001). Já o § 9º: Recebida a petição inicial, será o réu citado para apresentar contestação.(Incluído pela Medida Provisória nº 2.225-45, de 2001)

Isso quer dizer que, antes da instauração da lide, com a citação, deve haver uma fase prévia, com direito de o réu se manifestar. Só depois, se caso, o juiz receberá a ação determinando a citação.

Os tribunais vinham formando posição de que a preterição desse artigo não implicava nulidade, se não provado prejuízo à defesa.

Mas, o STJ passou a entender diversamente:

“(...) A notificação dos réus é fase prévia é obrigatória nos procedimentos previstos para as ações que visem à condenação por atos de improbidade administrativa, já tendo sido a questão assentada por esta Corte por ocasião dos seguintes julgados: REsp 883.795/SP, Rel. Ministro Francisco Falcão, Rel. p/ Acórdão Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, DJe 26/3/2008; REsp 1008632/RS, Rel. Ministro Francisco Falcão, Primeira Turma, DJe 15/9/2008. 3. Somente após a apresentação da defesa prévia é que o juiz analisará a viabilidade da ação e, recebendo-a, mandará citar o réu. A inclusão desse dispositivo na lei de improbidade foi motivada para possibilitar o prévio conhecimento da controvérsia ao réu e, sendo inverossímeis as alegações, possibilitar que o magistrado as rejeitasse, de plano” (RMS 27543/RJ, Primeira Turma, Rel. Min. Benedito Gonçalves, DJe 09.10.09).

Nessa esteira, precedente desta Corte:

“Ação civil pública – Improbidade administrativa – Inobservância do art. 17, § 7°, da Lei 8.429/92 – Nulidade absoluta e insanável – Agravo provido” (Agravo de Instrumento n. 819.104-5/0-00, 2ª Câmara de Direito Público, rel. Des. Corrêa Vianna, j. 17.03.09).

No tocante ao inquérito, é bom ressaltar que se trata de peça meramente informativa, que não precisa estar cercada, plenamente, das garantias do contraditório, mesmo porque, segundo se tem decidido, as falhas nele ocorridas não se propagam para a ação judicial de improbidade.

No pertinente:

"’Os eventuais vícios e nulidade do inquérito civil não prejudicam os atos que deles independam, nem, muito menos, a ação civil pública que eventualmente venha a ser ajuizada. Com efeito, ao princípio que impede que a nulidade de uma parte de um ato prejudique outros atos que dele sejam independentes, dá o nome de princípio da incolumidade do separável.’ (In: O Inquérito Civil: investigações do Ministério Público, compromissos de ajustamento e audiências públicas. 3a. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 300.)” (AgRg no RMS 25763/RJ, Segunda Turma, rel. Min. Humberto Martins, DJe 24.09.10).

É fato, porém, que, em se fundando a sentença em prova ali colhida, essa prova deve passar pelo crivo do contraditório, pena de ofensa ao princípio da ampla defesa e, por conseguinte, do devido processo legal (art. 5º, LV, da CF/88).

Não pode o julgador pinçar no inquérito elemento dependente de dilação probatória, sem antes dar a oportunidade de o réu contrariá-lo.

No respeitante:

“O inquérito civil, como peça informativa, tem por fim embasar a propositura da ação, que independe da prévia instauração do procedimento administrativo. Eventual irregularidade praticada na fase pré-processual não é capaz de inquinar de nulidade a ação civil pública, assim como ocorre na esfera penal, se observadas as garantias do devido processo legal, da ampla defesa e do contraditório” (REsp 1119568/PR, Primeira Turma, rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, DJe 23.09.10);

Outra questão que se coloca é aquela referente à prerrogativa de foro.

O STF considerou inconstitucional os dispositivos, nessa linha, da Lei nº 10.628/02 (ADI 2797/DF, Tribunal Pleno, rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ 19.12.06, p. 37).

Portanto, essa prerrogativa se restringe à ação penal, nos casos previstos na legislação.

E os agentes políticos, aí inclusos os prefeitos estão sim sujeitos à lei cuidada.

“(...) Suficientemente fundamentada é a decisão que se baseou no firme posicionamento jurisprudencial desta eg. Corte de Justiça, estando superada a matéria em debate, para negar a pretensão deduzida no sentido de afastar a aplicação da Lei de Improbidade Administrativa ao caso em concreto, por serem os agravantes agentes políticos. Precedentes: EDcl no REsp n° 456.649/MG, Rel. p/ acórdão Min. LUIZ FUX, DJ de 20/11/2006, REsp n° 713.863/RS, Rel. Min. TEORI ALBINO ZAVASCKI, DJ de 14/09/2006 (...)” (STJ - AgRg no REsp 903855/PR, rel. Min. Francisco Falcão, DJ 30.04.07)

Aliás, o Supremo Tribunal Federal já definiu o seguinte sobre o tema, em sede de reclamação:

a decisão proferida pelo Plenário desta Casa, em 13.6.2007, no julgamento da Reclamação 2.138/DF, não possui efeito vinculante e eficácia erga omnes, não tendo a reclamante figurado no referido processo. Entendo, ainda, que não há que falar em usurpação da competência do Supremo Tribunal Federal, dado que a reclamante é Prefeita do Município de Altamira-PA. Assevere-se, finalmente, que não existe súmula vinculante quanto à matéria em debate nos presentes autos. Nesse sentido foram as decisões proferidas nas Reclamações 5.027/PB, rel. Min. Cármen Lúcia, DJ 30.3.2007; e 5.081/PB, rel. Min. Cezar Peluso, DJ 28.5.2007, casos semelhantes ao presente. 3. Ante o exposto, com fundamento nos arts. 38 da Lei 8.038/90 e 21, § 1°, do RISTF, nego seguimento à presente reclamação, ficando prejudicada a apreciação do pedido de liminar.” (Reclamação n° 5.393/PA, Ministra Ellen Gracie, DJ 02.08.07).

Também Maria Sylvia Zanella di Pietro leciona:

“Com relação aos Prefeitos Municipais, os crimes de responsabilidade estão disciplinados pelo Decreto-lei n° 201, de 27-2-67, sendo cabível a pena de reclusão ou detenção, conforme o caso (art. 1°, § 1°). Além disso, a condenação acarreta a perda do cargo e a inabilitação, pelo prazo de cinco anos, para o exercício de cargo ou função pública, eletivo ou de nomeação, sem prejuízo da reparação civil do dano causado ao patrimônio público ou particular (art. 1°, § 2°). Do mesmo modo que os crimes de responsabilidade definidos pela Lei n° 1.079/50, a instauração de processo criminal não impede a ação civil para apuração da improbidade administrativa.” (Direito Administrativo, 21ª Edição, 2008, Editora Atlas, p. 769).

Patente, outrossim, a legitimação do MP para ação civil ou de improbidade, com vistas à defesa apenas do patrimônio público:

“(...) O Ministério Público, por força do art. 129, III, da CF/88, é legitimado a promover qualquer espécie de ação na defesa do patrimônio público social, não se limitando à ação de reparação de danos. Destarte, nas hipóteses em que não atua na condição de autor, deve intervir como 'custos legis' (LACP, art. 5º, § 1º; CDC, art. 92; ECA, art. 202 e LAP, art. 9º)” (REsp. 792.996/RS, Primeira Turma, rel. Min. Luiz Fux, DJ 09.04.07);

“(...). ‘É orientação assentada no âmbito da 1ª Seção o entendimento de que o Ministério Público possui legitimidade ativa para ajuizar ação civil pública visando ao ressarcimento de dano ao erário por ato de improbidade administrativa’ (REsp nº 631.408/GO, Rel. Min. TEORI ALBINO ZAVASCKI, DJ de 30/05/2005) (...)” (REsp. 803.390/SP, Primeira Turma, rel. Min. Francisco Falcão, DJ 27.03.06, p. 236).

Por fim, cediço não haver encargo sucumbencial, quando a ação é proposta pelo Ministério Público:

“Sucumbência – Ação civil pública –Propositura pelo Ministério Público – Condenação nas custas e honorários de advogado – Inadmissibilidade – Inaplicabilidade dos artigos 20 do Código de Processo Civil e 17 da Lei Federal nº 7.347, de 1985, por atuar em defesa dos interesses da coletividade – Recurso provido” (JTJ 118/304 ou, na mesma senda, JTJ 140/31).

Oportuno lembrar, paralelamente e a título ilustrativo, que o STJ editou a Súmula 421, do seguinte teor: “Os honorários advocatícios não são devidos à Defensoria Pública quando ela atua contra pessoa jurídica de direito público ao qual pertença”.


Bibliografia:

Sobre o autor
Ivan Ricardo Garisio Sartori

Desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo. Professor de Direito Civil na Unisanta, Santos (SP).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SARTORI, Ivan Ricardo Garisio. Improbidade administrativa . Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 3074, 1 dez. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/20543. Acesso em: 22 dez. 2024.

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