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Notas sobre o modelo argentino de parques nacionais e outras áreas naturais protegidas

Agenda 11/12/2011 às 10:22

A Argentina não possui propriamente um sistema ou um marco legal geral para todas as suas categorias de áreas protegidas. Há uma lei nacional que se aplica apenas a três categorias de áreas protegidas nacionais.

A criação de áreas naturais protegidas no uBrasil tem fundamento constitucional expresso: o art. 225, § 1º, inciso III, da Constituição preceitua que incumbe ao Poder Público "definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção".

Para regulamentar o referido dispositivo constitucional foi editada pela União, no exercício da competência legislativa concorrente [01], a Lei 9.985/2000, que instituiu o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza (SNUC). O SNUC consolidou e organizou a até então esparsa legislação brasileira sobre unidades de conservação da natureza, prevendo uma série de princípios, objetivos, diretrizes, estrutura orgânica e classificação das unidades de conservação, entre outros dispositivos. Mais recentemente, através da Lei 11.516/2007, foi criada uma autarquia [02] para responder, no âmbito federal, pela Política Nacional de Unidades de Conservação da Natureza.

Parte considerável do SNUC brasileiro é inspirada nas categorias de áreas protegidas classificadas pela União Internacional para a Conservação da Natureza e dos Recursos Naturais (IUCN), respeitável organização internacional dedicada à conservação dos recursos naturais. Diversos outros países, respeitadas as peculiaridades locais, também se apropriaram ou se inspiraram nas orientações da UICN. No presente artigo, pretende-se analisar o modelo argentino, que, apesar de guardar semelhanças com aquele proposto pela IUCN (e, portanto, com o brasileiro), apresenta traços bastante característicos. Nesse sentido, pertinente o estudo da modelagem institucional das áreas naturais protegidas argentinas, que pode servir de exemplo ou ao menos de parâmetro para a tomada de decisão para os legisladores ou para as autoridades públicas ambientais brasileiras, em questões em que haja similitude com o marco legal pátrio, bem como para ampliar os horizontes dos estudantes brasileiros na matéria.

Há algumas diferenças basilares entre o modelo brasileiro e o modelo argentino. Neste último, não existe um marco normativo nacional tão abrangente como o SNUC. Isso porque, como no regime federativo argentino, conforme a Constituição de 1994 [03], os recursos naturais são de domínio de cada um dos seus 23 (vinte e três) estados provinciais, cada um desses estados tem competência para legislar sobre o tema, que inclui as áreas protegidas. Aliás, na Argentina, a maioria dos estados provinciais tem sua própria lei de áreas protegidas.

As exceções são as chamadas áreas protegidas de "jurisdição nacional", reguladas pela Ley Nacional 22.351/1980, que trata de Parques Nacionais, Monumentos Naturais e Reservas Nacionais. Entretanto, para que possa ser criada uma área protegida de "jurisdição nacional", antes as províncias precisam ceder a área na qual se pretende criar a área protegida ao Estado Nacional, através de uma lei provincial. Apenas depois disso é que a área protegida nacional pode ser criada, por meio de ato do Congresso Nacional, e será gerida pela Administración de Parques Nacionales (APN), uma espécie de autarquia vinculada à Secretaría de Turismo de La Nación) [04].

Inclusive, essa vinculação ao equivalente argentino do Ministério do Turismo brasileiro foi objeto de severas críticas e alguns elogios. O ponto positivo é que efetivamente houve benefícios tangíveis para a gestão dos parques nacionais, que passaram a receber mais recursos e a ter mais visibilidade no cenário turístico do país. Entretanto, o órgão terminou por ficar afastado dos temas ambientais básicos, que se relacionam (em muitos casos, diretamente) com as áreas protegidas, tais como a Estratégia Nacional de Biodiversidade, de 2003, e a coordenação do Conselho Federal de Meio Ambiente (CONFEMA) [05]. A APN deixou de ser vinculada à Secretaría de Ambiente y Desarrollo Sustentable (equivalente ao Ministério do Meio Ambiente do Brasil) no ano 2000.

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No âmbito das províncias, "os órgãos a cargo das Áreas Protegidas tem um nível hierárquico e uma dotação de recursos quase insignificantes, salvo 2 ou 3 exceções" [06].

A despeito dos seus 37 (trinta e sete) artigos [07], a Ley Nacional 22.351/1980 é omissa na previsão de formas de efetiva integração e cooperação entre a APN e os órgãos correspondentes nos estados provinciais, para além da genérica possibilidade de celebração de convênios "con provincias, municipalidades, entidades públicas o privadas, sociedades del Estado o empresas del Estado o con participación mayoritaria estatal, ya sean nacionales, provinciales o municipales, para el mejor cumplimiento de sus fines" [08]. Também não há previsão para gestão territorial compartilhada, como se tem os mosaicos no SNUC brasileiro [09]. Além disso, o referido marco normativo não estabelece critérios ou ordem de prioridades para criação de novas áreas protegidas.

Todavia, esse vácuo normativo, no sentido de atribuir um caráter orgânico e sistêmico às áreas protegidas argentinas, tem previsão constitucional expressa no art. 41: "Corresponde a la Nación dictar las normas que contengan los presupuestos mínimos de protección, y a las provincias, las necesarias para complementarlas, sin que aquéllas alteren las jurisdicciones locales". Por isso, com base nesse fundamento constitucional, entende-se que o Congresso Nacional argentino pode avançar e fixar parâmetros mínimos de obrigatoriedade nacional para as áreas protegidas.

Fica claro, assim, que a Argentina não possui propriamente um sistema ou um marco legal geral para todas as suas categorias de áreas protegidas. Há, portanto, a lei nacional (Ley Nacional 22.351/1980) que se aplica apenas àquelas 03 (três) categorias de áreas protegidas nacionais (Parques Nacionais, Monumentos Naturais e Reservas Nacionais), e as leis de cada um dos estados provinciais.


Notas

  1. Competência legislativa concorrente: art. 24, incisos VI e VII, da Constituição. No âmbito da legislação concorrente, a competência da União limitar-se-á a estabelecer normas gerais, e a competência da União para legislar sobre normas gerais não exclui a competência suplementar dos Estados (art. 24, §§ 1º e 2º).
  2. Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (Instituto Chico Mendes ou ICMBio). As atribuições eram anteriormente do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA).
  3. Art. 124º: Corresponde a las provincias el dominio originario de los recursos naturales existentes en su territorio.
  4. Uma exceção a esse procedimento complexo de criação foram aquelas áreas protegidas nacionais criadas antes da transformação dos antigos territórios nacionais em províncias (como foi o caso da Patagônia).
  5. O CONFEMA tem papel estratégico: integra a gestão ambiental do governo nacional com a das províncias.
  6. ADMINISTRACIÓN DE PARQUES NACIONALES. Las áreas protegidas de la Argentina: herramienta superior para La conservación de nuestro patrimônio natural y cultural. Buenos Aires, 2007. p. 6.
  7. A equivalente brasileira (Lei 9.985/2000 - SNUC) conta com 60 artigos.
  8. Ley Nacional 22.351/1980, art. 23, alínea "k".
  9. Lei 9.985/2000, art. 26.
Sobre o autor
Geraldo de Azevedo Maia Neto

Procurador Federal. Especialista em Direito Público pela UnB. Especialista em Direito Constitucional pelo IDP/UNISUL. Procurador-Geral do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN). Foi Subprocurador-Geral do Instituto Chico Mendes (ICMBio). Foi Subprocurador-Regional Federal da 1ª Região. Foi membro da Câmara Especial Recursal do CONAMA.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MAIA NETO, Geraldo Azevedo. Notas sobre o modelo argentino de parques nacionais e outras áreas naturais protegidas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 3084, 11 dez. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/20594. Acesso em: 23 dez. 2024.

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