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A questão do necrochorume em Sergipe

Agenda 12/12/2011 às 08:56

O processo de decomposição do corpo humano ou animal produz uma substância altamente poluente e tóxica conhecida como necrochorume. Há regras que devem ser observadas pelos municípios para deter o seu escoamento e proteger os lençóis freáticos de contaminação.

Sumário: 1.introdução. 2. CONAMA-resolução 335. 3.Cemitérios em Sergipe. 4.Conclusão. 5.Referências


1. INTRODUÇÃO

O sepultamento ou inumamento de entes falecidos é uma prática de cunho religioso adotada por grande parte da humanidade por milênios, das tumbas faraônicas até os atuais moldes de criptas, cemitérios, seja, horizontal, vertical, parque ou jardim, sendo ainda interessante observar, hodiernamente, as questões também aderentes ao tema sobre os cemitérios para animais não humanos.

A prática de enterrar corpos, embora de longas datas, torna-se cada vez mais relevante ao se levar em consideração às formas de organização de sociedades, o crescimento populacional e a construção quantitativamente maior de necrópoles por onde passam lençóis freáticos, rios e solos úteis para atender a crescente demanda. Neste sentido, não é incomum observar em países como o Brasil o crescimento desorganizado das cidades, impondo construir cemitérios em determinados terrenos sem levar em consideração os impactos ambientais e os transtornos oriundos de locais passíveis de enchentes.

Uma das problemáticas que envolvem a construção e mantença de cemitérios advém do processo natural de decomposição do corpo humano ou de animal que produz uma substância altamente poluente e tóxica conhecida como necrochorume. Em definição de Leoni (2010, p.01):

é um escoamento viscoso, com coloração acinzentada, cuja composição é 60% de água, 30% de sais minerais e 10% de substâncias orgânicas, duas delas altamente tóxicas, a putrescina e a cadaverina, que com precipitação em forma de chuva, atinge o lençol freático.

Desta feita, tornou-se estritamente relevante encontrar meios de regularizar as construções de espaços específicos para sepultamento, com estudos e técnicas de conter o escoamento da supracitada substância a fim de preservação ambiental, exigindo-se inclusive um Estudo de Impacto Ambiental e Licença Ambiental para a instalação de qualquer local destinado ao sepultamento de corpos orgânicos. Assim, o Conselho Nacional do Meio Ambiente editou a resolução 335 de 28 de maio de 2003 para dispor sobre o licenciamento ambiental de cemitérios.


2. CONAMA – RESOLUÇÃO 335

Esta resolução editada pelo Conselho Nacional do Meio Ambiente regulamenta a construção e o licenciamento de cemitérios, atendendo a Política Nacional do Meio Ambiente (Decreto nº 99.274/1990), em comunhão com a Resolução 237 do mesmo Conselho.

A resolução determina regras com o intuito de deter o escoamento do necrochorume e proteger o meio ambiente de contaminação. Segundo pesquisa feita pelo geólogo e professor da Universidade São Judas Tadeu, São Paulo, Leziro Marques Silva, uma pessoa de 70 quilos pode produzir cerca de 30 litros desta substância ao longo da decomposição e esta poderá vazar de dentro da sepultura atingindo o solo / lençol freático e, ainda, podendo percorrer uma distancia de 400 metros além do cemitério [01].

[…] a Resolução n° 335 / 2003 do CONAMA, a qual dispõe que as sepulturas devem estar a uma distância de pelo menos um metro e meio acima do mais alto nível do lençol freático. Bem como buscar soluções através das autoridades municipais e órgãos de regulamentação para a diminuição e mitigação da contaminação, sendo necessário restringir o uso do solo, promover um sistema de drenagem adequado, controle sanitário nos sepultamentos, a preferência por crematórios como alternativa, entre outros, gerando um benefício para a saúde pública (NEIRA, 2008, p. 5).

É importante destacar que a resolução em seu artigo 3º, II, parágrafo 1º, proíbe a instalação de cemitérios em áreas de preservação permanente; que exijam desmatamento de mata atlântica; em estágio médio ou avançado de regeneração; dentre outras situações, ressalvando as exceções legais previstas.

Atender a resolução é imperativo para a construção de novos cemitérios desde a edição daquela, contudo não se exigiu a retirada de cemitérios anteriores à mesma, mas impondo-lhes prazo, ou seja, aos gestores das necrópoles, para adequação à resolução sob pena de fechamento, exigindo, ainda, medidas de recuperação das áreas atingidas e indenização de possíveis vítimas, segundo Art. 12 da Resolução 402 do CONAMA.

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Contudo a realidade sobre os cemitérios brasileiros ainda se encontra em desfavor ao meio ambiente, visto que a pesquisa desenvolvida pelo geólogo Leziro Marques Silva [02] aponta que 75% dos 600 cemitérios do Brasil ainda poluem, de forma que representam um perigo para a população, pois a contaminação pelo necrochorume pode transmitir diversas doenças, tais como:

[...] tétano, gangrena gasoso, tóxi infecção alimentar, tuberculose, febre tifóide, febre paratifóide, disenteria bacilar e o vírus da hepatite tipo "A". Além de tudo isso, há um grande potencial na proliferação do Aedes Aegypti, que transmite dengue e febre amarela pela conservação de água nos vasos, de escorpiões, habitantes de lugares escuros úmidos e abrigados, e também de baratas [03].

A adequação dos cemitérios à resolução 335 do CONAMA tem transcendido a própria questão das técnicas de sepultamento, distancia em metros do lençol freático, instalação de filtros biológicos (através de micro-organismos capazes de tratar o necrochorume) e outras formas de cumprir as exigências ambientais para adentrar na própria oferta de produtos melhorados pelas funerárias em detrimento da responsabilidade ambiental, como:

Pastilhas contendo uma imensa quantidade de bactérias selecionadas [...] que possuem alta capacidade de digerir matéria orgânica. Essas bactérias vêm em forma de esporos e são ativadas gradativamente na medida em que entram em contato com líquido contendo alimento (necrochorume), transformando compostos orgânicos de difícil metabolização (gorduras, óleos, graxas e lipídeos) em dióxido de carbono e água. As pastilhas são colocadas dentro da urna funerária, na região lombar, e na medida em que o corpo vai liberando o necrochorume elas são ativadas e vão digerindo essas substâncias [...]. Manta Absorvente de Necrochorume também é um recurso eficiente [...] é fabricada com um plástico resistente e possui uma camada de celulose e um pó que em contato com líquido se transforma num gel. Nas bordas tem um fio de náilon que na ocasião da exumação ele é puxado transformando a manta num saco de ossos. É colocada dentro da urna revestindo todo o seu interior e na medida em que o corpo vai liberando líquidos a celulose vai absorvendo impedindo que o mesmo extravase e fazendo com que ele permaneça na urna pelo tempo necessário a decomposição sem contaminar a urna, a sepultura e o meio ambiente como um todo [04].


3. CEMITÉRIOS EM SERGIPE

No Estado de Sergipe não existe legislação específica ou complementar que trate sobre o licenciamento e instalação de cemitérios até o momento, adotando-se exclusivamente as determinações da Resolução 335 do CONAMA. Segundo o presidente da Administração Estadual do Meio Ambiente, Genival Nunes, somente uma necrópole atende aos requisitos legais, o cemitério do tipo parque, o único do Estado, chamado "Colina da Saudade", na capital Aracaju.

Ainda segundo o presidente da ADEMA todos os cemitérios sergipanos são datados antes de 2003, com exceção do cemitério supracitado.

Com isso, a partir de 2010, os gestores das necrópoles terão que adequar à distância que o nível inferior das sepulturas deve ter do lençol freático, o recuo das áreas de sepultamento, estudos de fauna e flora, entre outras medidas. Genival avisa que a fiscalização será pesada e os cemitérios que não se enquadrarem na legislação ambiental específica será punido e terá o seu estabelecimento fechado. "Iremos avaliar de um por um. Essa será mais uma função rigorosa dos órgãos ambientais estaduais" [05].

É recorrente exposto na imprensa sergipana a situação dos cemitérios, sendo inclusive alvo de ações judiciais, como se pode observar na notícia abaixo:

Tribunal de Justiça mantém decisão que obriga município a construir cemitério público na Zona de Expansão de Aracaju. Tal obrigação foi decorrente de uma ação civil pública, ajuizada em outubro de 2006 pelo Ministério Público de Sergipe, através da Promotoria do Meio Ambiente de Aracaju, em função da superlotação dos cemitérios públicos de Aracaju (São João Batista e Atalaia) e da proliferação de cemitérios clandestinos na Zona de Expansão da cidade.

Segundo o promotor de Justiça responsável pela ação na época, Dr. Sandro Luiz da Costa, "a situação dos cemitérios públicos na cidade de Aracaju é calamitosa, haja vista que o cemitério da Atalaia está com a lotação esgotada e o São João Batista há muito está superlotado, sendo que, para agravar a situação, a população da zona de expansão de Aracaju não dispõe de cemitérios regulares, vendo-se obrigada a utilizar cemitérios clandestinos, em prejuízo ao meio ambiente, à saúde pública e à dignidade destas pessoas enquanto cidadãos. Com este posicionamento do Tribunal de Justiça em favor do meio ambiente e da sociedade aracajuana, consolidando o entendimento de que o Poder Judiciário pode e deve intervir em casos de omissão do poder público, esperamos que o município cumpra a decisão judicial".

O Tribunal de Justiça manteve também a determinação para que o município de Aracaju interdite os cemitérios clandestinos e forneça alternativas de transporte e sepultamento à população afetada enquanto não construído um novo cemitério público [06].


4. CONCLUSÃO

É bem transparente observar a situação precária de diversos cemitérios no Brasil e em Sergipe a situação é bem calamitosa. Pode-se observar durante a pesquisa que o próprio presidente da ADEMA de Sergipe confirma a situação de diversas necrópoles ao longo do Estado, destacando-se unicamente a Colina da Saudade, cemitério-parque, construído dentro dos padrões de licenciamento ambiental e atendendo a resolução 335 da CONAMA.

Na capital, Aracaju, a grande maioria dos cemitérios é do tipo criptas, covas, calvários e tumbas de concreto, que em muitos casos são gavetas em paredes pertencentes a famílias que comumente sucedem seus falecidos. O procedimento se repete com a retirada das ossadas, colocadas em gavetas menores.

Aparentemente estes cemitérios por serem totalmente pavimentados em concreto aparentam um certo aspecto higiênico, visto todas as gavetas serem lacradas com cimento e lápides com fotos dos entes, além de mensagens, colocadas decorando-as. Entretanto são construções antigas e não possuem tratamentos específicos para o necrochorume. Além disso, devido suas estruturas e grande números de gavetas, covas, criptas, etc, torna-se complicado qualquer tentativa de adequação, além de ameaças de familiares ante as possibilidades de remoção das necrópoles dos locais para serem reconstruídas em novos terrenos que atendam todo o processo de licenciamento ambiental previsto.

O único aspecto menos danoso das necrópoles da capital sergipana é o fato de se localizarem em zonas afastadas de rios e lagos, embora existam algumas próximas a canais de esgotos. Outrossim, não é de conhecimento da população a existência de cemitérios específicos para animais, sendo comumente adotados procedimentos antigos de ensacar os animais e jogar em lixeiras. Algumas pessoas mais preocupadas com questões ambientais chamam órgãos sanitários para darem fim aos corpos dos animais e pouco se fala sobre cremação dos mesmos. Interessante citar que a cremação humana ainda é pouco difundida em Sergipe, mas já se espera a construção de crematórios na capital. Todavia, crematórios importam em outros problemas ambientais, como os gases poluentes expelidos no processo de cremação..

No interior do Estado a situação é ainda mais precária, com locais de sepultamentos que colocam os caixões diretamente ao solo sem proteção para o meio ambiente, ou qualquer medida de distancia entre qualquer lençol freático ou mesmo distancia entre um túmulo para outro. Ademais, existem necrópoles próximas a rios e comunidades reclamando do péssimo cheiro exalados pelo necrochorume destes locais.

Por demais, em toda a pesquisa pouca ou nenhuma documentação sobre a situação dos cemitérios em Sergipe foram encontradas, destacando-se um certo descaso do Governo em atender a resolução 335 da CONAMA, mesmo tendo páginas na Internet da ADEMA, Secretaria do Meio Ambiente, Prefeitura e Governo do Estado.


REFERÊNCIAS

LEONI, Álvaro Henrique. Necrochorume: um veneno. In: D'Incao Instituo de Ensino [Internet]. Disponível em hhttp://www.dincao.com.br/noticias/2010/04/07/

necrochorume-um-veneno/. Acesso em 24/05/2011.

Neira DF, Terra VT, Prate-Santos R & Barbiéri RS. Impactos do necrochorume nas águas subterrâneas do cemitério de Santa Inês, Espírito Santo. Brasil Natureza on line 6, 36-41, 2008 [Internet]. Disponível em http://www.naturezaonline.com.br/natureza/conteudo/pdf/07_NeiraDFetal_3641.pdf. Acesso em 24/05/2011.

Resolução 335. CONAMA. Ed. 101 de 28/05/2003. Disponível em http://www.mma.gov.br/port/conama/res/res03/res33503.xml. Acesso em 22/05/2011.


Notas

  1. Notícia: Cemitérios poluem rios de Sergipe. Jornal da Cidade. Disponível em http://2008.jornaldacidade.net/2008/noticia.php?id=30040. Acesso em 24/05/2011.
  2. Op. Cit. 1.
  3. Op. Cit. 2.
  4. Funerária On Line. Tratamento de Necrochorume. Disponível em http://www.funerariaonline.com.br/Dicas/Default.asp?idnews=5292. Acesso em 24/05/2011.
  5. Op. Cit. 1.
  6. Notícia: Tribunal de Justiça mantém decisão que obriga município a construir cemitério público na Zona de Expansão de Aracaju. Informe Sergipe. Disponível em http://www.informesergipe.com.br/pagina_data.php?sec=2&&rec=21816&&aano=2008&&mmes=4. Acesso em 24/05/2011.
Sobre o autor
Luiz Gustavo de Oliveira Ramos

Especialista em Direito Civil e Processo Civil pela FaSe, Faculdade Estácio de Sergipe, 2013, Aracaju (SE). Especialista em Docência no Ensino Superior pela FaSe, 2009. Graduado em Direito pela FaSe, 2011. Graduado em Sistemas de Informação pela UNIT, Universidade Tiradentes, 2005, Aracaju (SE).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RAMOS, Luiz Gustavo Oliveira. A questão do necrochorume em Sergipe. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 3085, 12 dez. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/20617. Acesso em: 2 nov. 2024.

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