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A arbitragem como forma de solução de conflitos no processo civil.

Aspectos práticos, críticos e teóricos

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Agenda 01/01/2012 às 10:22

ASPECTOS HISTÓRICOS

Parece conveniente que se inicie a abordagem do presente capítulo, de modo a dividi-lo em duas partes básicas, a primeira delas, visando detectar vestígios e traços da abordagem desde a Antiguidade, em caráter mais universal para que se tente compreender (ainda dentro de um caráter interdisciplinar que se busca conferir ao presente trabalho) os fatores que levaram ao surgimento do instituto.

E, num segundo momento, delimitadas, ainda que de forma breve ( posto que o tarefa seria por demais ampla, podendo-se escrever um livro autônomo sobre o tema ), as raízes do instituto, passar-se ao estudo da história da aplicação do instituto no ordenamento jurídico pátrio ( o que, pelo óbvio, diante da tradição histórica nacional, passa por um período de vigência do direito português no território nacional ).

Prestado tal esclarecimento, como forma de justificar um plano preliminar do capítulo, para a melhor compreensão do leitor, em relação aos escopos visados pela separação, de se passar à abordagem dos aspectos históricos da arbitragem, pelos seus antecedentes mais remotos na história mundial.

E isso, obviamente, se faz, como em relação a qualquer instituto jurídico, eis que o direito é antes de mais nada, um fenômeno social, a partir do momento em que o homem passou a deixar registros de sua escrita, sendo prematuras conjecturas sobre a forma de solução de conflitos em períodos mais remotos (possivelmente usar-se-iam formas de auto-tutela e vingança familiar ou grupal – as conhecidas vindictas privatas).

2.1 – Abordagem geral

Convém que se destaque, antes de mais nada, que parece adequado situar-se o tema inicialmente numa abordagem de história geral, mais ampla, buscando-se as raízes mais remotas do instituto, para, depois, a partir do direito lusitano que foi aplicado no território nacional, e se fundou em tais premissas, passar-se ao exame de como o instituto foi inserido e se desenvolveu no ordenamento jurídico brasileiro.

Ao contrário do que se possa supor, a arbitragem não é um instituto moderno, não obstante a nova configuração que o mesmo veio a ter no direito nacional, com a desnecessidade da homologação da decisão arbitral pelo Poder Judiciário, tal como estabelecido pela nova lei ( a Lei nº 9.307/96 ).

Existe segmento doutrinário, inclusive, que localiza a existência da arbitragem, até mesmo cerca de três mil anos antes de Jesus Cristo, fundada em preceitos basicamente costumeiros (direito consuetudinário), entre os povos babilônios e hebreus. [22]

Isso poderia ser explicado, partindo-se da constatação segundo a qual, há muito tempo, em virtude de um problema de base econômica, a sociedade convive com os conflitos de interesses, isso porque, como assevera parte da doutrina, os homens têm necessidades ilimitadas e um número de bens e recursos limitados, base do chamado problema econômico, surgindo daí, conflitos de interesses [23].

E, em se cuidando de um instituto de base civil, passível de ser aplicado aos conflitos de interesses envolvendo direitos disponíveis, inegável que possa ter como antecedente histórico a constatação de que seja aplicável à solução dos conflitos de interesses decorrentes da necessidade de solução do aludido problema econômico.

É bem verdade que, tal como também apontado pela doutrina, no início da vida em sociedade, o que se aplicava aos conflitos de interesse eram soluções diferenciadas, fundadas numa idéia de auto-tutela, com vindictas privatas, pois inexistia um Estado suficientemente forte, e tais vinganças privadas acabavam por não contribuir para a pacificação social ( ao contrário, implicavam, geralmente, em retaliações do outro pólo atingido ). [24]

Surge a idéia de que existe a necessidade de estabelecimento de um terceiro, preferencialmente imparcial, que possa solucionar tais conflitos de interesse, e, neste contexto, de se destacar a origem da arbitragem.

.Como assevera outro segmento doutrinário, mais especificamente, Carreira Alvim [25], em consonância com o entendimento acima, no início inexistia Estado como poder político, portanto, os conflitos de interesse eram resolvidos pelos próprios litigantes ou grupos a que pertenciam, o que já era feito na Roma Antiga.

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Nesse contexto, se assevera que ocorreu o surgimento de uma justiça privada, que evoluiu para a justiça pública, de forma lenta e pode-se dizer que isto ocorreu em quatro etapas.

Na primeira delas, os conflitos eram resolvidos através da força, entre a vítima e o ofensor, o Estado apenas intervinha em questões religiosas, sendo certo, ainda, que os costumes aos poucos foram distinguindo violência legítima e ilegítima. Um exemplo que se enquadra bem nessa etapa é a pena de talião, em Roma, estabelecida pela Lei das XII Tábuas, na qual a vingança era privada "olho por olho, dente por dente".

Na segunda etapa dessa lenta evolução, surge o arbitramento facultativo, no qual a vingança contra o ofensor cede lugar a uma indenização, a qual deve parecer justa para ambas as partes, podendo-se, inclusive, escolher um terceiro para fixá-la. Pode-se dizer que tal forma de arbitragem esteve presente durante toda a evolução do direito romano.

Após o arbitramento facultativo, que muitas das vezes acabava em violência por não haver um acordo, surge o arbitramento obrigatório, no qual o Estado obriga os litigantes a escolherem um árbitro, que determine o valor a ser indenizado e assegure a execução da sentença. Nesse modo de arbitramento surgem os sistemas das legis actiones e o per formulas, que compunham a ordo iudiciorum privatorum, ou seja, ordem dos processos civis.

Em tais sistemas a instância se dividia em duas fases, quais sejam, in iure, perante o pretor que seria o magistrado; e in iudicio, isto é, perante o iudex ou arbiter, que seria um particular.

Por fim, na última etapa, o emprego da justiça privada é afastado e os conflitos passaram a ser resolvidos por seus funcionários, sendo executados à força caso se fizesse necessário.

Segundo J. E. Carreira Alvim [26], no momento em que surge o arbitramento obrigatório, desaparecem a in iure e in iudicio, passando ao sistema da cognitio extraordinária, concentrando-se, assim, o processo numa única fase que se desenvolvia diante do pretor, sendo este um juiz, que era funcionário do Estado.

Outro segmento doutrinário já vislumbrava um ideal de arbitragem nas cidades gregas, eis que Platão ( na sua obra Das Leis ) já havia destacado a conveniência, como um ideal, de que as partes pudessem resolver seus conflitos de interesses, a partir da eleição dos juízes. [27]

Durante a Idade Média a arbitragem teve grande importância no âmbito do direito internacional público, posto que, a partir da mesma, começou-se a evitar a utilização da solução militar para conflitos entre grupos rivais. [28]

2.2. – Arbitragem no Brasil

No Brasil o instituto da arbitragem foi trazido da legislação portuguesa, sendo certo que as Ordenações Filipinas já disciplinavam o processo arbitral em seu Título XVI, Livro II, sob o título "Dos Juízes Árbitros" [29], tendo se mantido em vigência, segundo tal entendimento doutrinário, com a Independência em 1822 e, inclusive, possuindo expressão que irá coincidir com a Constituição de 1824 mais tarde.

Sobre o tema, bastante elucidativo o comentário de Sérgio Pinto Martins, para quem:

"Encontramos as raízes da arbitragem nas Ordenações do Reino de Portugal, do século XVII, em que se distinguia entre juízes árbitros e arbitradores. Os juízes árbitros deveriam conhecer não somente de coisas e razões, mas também do Direito. Os arbitradores somente conheciam das coisas, sendo que, se houvesse alguma alegação de Direito, deveriam remetê-la aos juízes da terra." [30]

E, nessa linha de raciocínio, a arbitragem veio a ser regulamentada no Brasil, por uma legislação nacional, com a vigência da "Constituição Política do Império do Brasil" em 1824, que já se referia ao instituto, em seu artigo 160, como destacado, por Carreira Alvim, com o seguinte teor:

"Entre nós, a Constituição Imperial de 1.824 dispunha que: "Art. 160. Nas causas cíveis e nas penais civilmente intentadas, poderão as partes nomear juízes árbitros. Suas sentenças são executadas sem recurso, se assim o convencionarem as partes"" [31].

Mas a questão não se resumiu ao plano constitucional, eis que, igualmente, o instituto veio a ser previsto na legislação infraconstitucional, no plano da legislação ordinária do Império.

Anos mais tarde, surgem o Código Comercial e o Regulamento nº 737, ambos de 1.850, que, respectivamente, em seus artigos 294 e 411, passaram a estabelecer a arbitragem, como forma de solução de conflitos, inclusive com natureza obrigatória, o que perdurou até o advento da Lei n° 1.350 de 14 de setembro de 1.866 que revogou expressamente os dispositivos que privilegiavam a solução arbitral que, a partir daí, passou a cair em desuso. [32]

Inclusive, em vários trechos do mesmo Código Comercial, se encontram referências à solução arbitral em alusão a várias espécies de institutos mercantis, como se dá, por exemplo, em relação às questões de liquidação e partilha das companhias (artigos 294 e 348), aos litígios de direito marítimo ( artigo 739 ) e versando sobre avarias, e, até mesmo, a contestação dos créditos nas quebras ( falência ), tal como verificado no artigo 846 deste mesmo Código. [33]

A Constituição republicana de 1.891, por sua vez, não foi expressa em relação ao instituto da arbitragem, de modo que nela não se encontra nenhum artigo com teor análogo ao do artigo 160 da Constituição do Império, mas, nem por isso, se entendeu que a arbitragem estaria proibida no direito nacional.

Ao contrário, em uma época em que os Estados tinham autonomia para estabelecer Códigos Processuais próprios, vários Estados Membros passaram a prever, expressamente, sob a égide desta Constituição, a disciplina da arbitragem, de forma expressa, com destaque para os Estados de Minas Gerais, Bahia e Rio de Janeiro [34], em situação que perdurará, inclusive, com a posterior unificação processual civil, que viria a ocorrer em meados de 1.939.

Nesse período, no Estado de São Paulo, por exemplo, o Código de Processo Civil estadual de 14 de janeiro de 1.930, tratava da arbitragem nos seus artigos 1.139 a 1.160, e previa, por exemplo, a vedação de que analfabetos e incapazes pudessem ser árbitros. [35]

No âmbito internacional, novamente, o Brasil vem a aderir ao Protocolo de Genebra de 1.923, o qual foi incorporado à ordem jurídica interna do país, em virtude do Decreto nº 21.187 de 22 de março de 1.932, prevendo a validade de compromissos ou cláusulas compromissórias nos acordos internacionais entre Estados, e, no mesmo entendimento, veio a fazer parte da Convenção Interamericana sobre Arbitragem Comercial Internacional, assinada no Panamá, em 1.975.

Na Constituição de 1934 foi estabelecido em seu artigo 5º, XIX, que uma das competências da União seria legislar sobre "normas fundamentais da arbitragem comercial", sendo certo que a Constituição decretada em 1937, permitiu aos Estados, em seu artigo 18, "d", legislar sobre: "organizações públicas, com o fim de conciliação extrajudiciária dos litígios ou sua decisão arbitral".

Todas as demais Constituições (1891, 1946, 1967 e 1969, com exceção da Constituição em vigor, a de 05.10.1.988 que, como se destacará abaixo, abriu um espaço para a desestatização do monopólio estatal de aplicação de Justiça ) omitiram em seus textos qualquer menção mais específica sobre o instituto da arbitragem.

Destaca-se, ainda, que, no âmbito infraconstitucional, os Códigos de Processo Civil de 1.939 e 1.973 continuaram a prever e disciplinar o instituto da arbitragem, mas de modo a que dependesse da homologação do então laudo arbitral pelo Poder Judiciário, o que acabava por desestimular os interessados, uma vez que a questão teria que ser, novamente, avaliada pela jurisdição estatal (com isso, obviamente, a eventual vantagem da celeridade restava prejudicada).

Tal situação veio a ser alterada pelo advento da Lei nº 9.307/96 ( para autores como Luiz Fernando do Vale de Almeida Guilherme isso se deu para que o legislador atendesse aos anseios da população [36] ), que modificou a aplicação do instituto, trazendo inúmeras inovações que, inclusive, alteraram o sistema anterior, deixando de exigir a homologação judicial, estabelecendo que se cuidaria, não mais de um laudo, mas de uma sentença arbitral, o que será melhor examinado mais adiante, em outros capítulos.

Vale acrescentar que não obstante a Constituição Federal de 05.10.1.988, em seu artigo 98, inciso I ( ou mesmo a Emenda Constitucional nº 22/99 que autorizou a criação de Juizados Especiais Federais ) tenha se referido à possibilidade de julgadores que não componham o Poder Judiciário Nacional, em referência a juízes leigos, diversos dos juízes togados, parece que não seria o caso de vislumbrar, neste aspecto, uma referência direta ao juízo arbitral, posto que esses juízes leigos destacados atuam, nos termos da Lei nº 9.099/95 ( não se esquecendo que no âmbito federal o regime jurídico será dado pela Lei nº 10.259/01 ), que disciplina a questão, em condição próxima de mediadores e não de verdadeiros árbitros.

Sem dúvida, a Constituição de 1.988 lança as bases constitucionais para que o sistema de monopólio estatal de aplicação da Justiça seja superado, mas isso não se dirige especificamente à arbitragem, mas a todas as formas alternativas de heterocomposição de um conflito de interesses.

Convém, ainda, destacar que, para certo segmento doutrinário ( inclusive um dos co-autores desta obra, como já restou manifesto em capítulo anterior ), a globalização teria sido decisiva na implantação do modelo atual de arbitragem no país, tendo o governo pátrio cedido a pressões de organismos internacionais, como o Fundo Monetário Internacional ( FMI ) e o Banco Mundial (Bird).

Isso porque, pelo Documento Técnico nº 319 do referido Banco Mundial, elaborado pela economista Maria Dakolias, que contou a adesão do Brasil e outros países da América Latina e do Caribe, houve o compromisso de se atomizar o Poder Judiciário Nacional para facilitar a livre circulação de riquezas. [37]

Sobre o autor
Julio Cesar Ballerini Silva

Advogado. Magistrado aposentado. Professor da FAJ do Grupo Unieduk de Unitá Faculdade. Coordenador nacional dos cursos de Pós-Graduação em Direito Civil e Processo Civil, Direito Imobiliário e Direito Contratual da Escola Superior de Direito – ESD Proordem Campinas e da pós-graduação em Direito Médico da Vida Marketing Formação em Saúde. Embaixador do Direito à Saúde da AGETS – LIDE.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Julio Cesar Ballerini. A arbitragem como forma de solução de conflitos no processo civil.: Aspectos práticos, críticos e teóricos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3105, 1 jan. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/20760. Acesso em: 22 nov. 2024.

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