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O princípio da boa-fé objetiva como balizador de condutas na relação de emprego

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Agenda 05/01/2012 às 15:57

Não há como deixar de reconhecer a complexidade alcançada pela relação de emprego, verdadeiro feixe obrigacional,sendo notória a relevância do agir ético por ambos os sujeitos nos lapsos pré-contratual, contratual e pós-contratual.

"As coisas geometrizadas pelo frio mostravam-se voláteis."

RAMIL (2008, p. 08)


Sumário: 1. Introdução.2. Boa-fé objetiva como Princípio de Direito. Conceito. Histórico.3. Boa-fé objetiva na relação de emprego. Fases pré-contratual, contratual e pós-contratual.4. Conclusões.5. Referências.


1. Introdução.

O Direito do Trabalho tem origem no Direito Civil, alcançando sua autonomia por fatores das variadas ordens, tais como a complexidade da matéria, a homogeneidade da doutrina, a metodologia específica e a sistematização normativa, esta inclusive em sede constitucional, de acordo com CAMINO (2004, p. 59), mas principalmente pela distinção material intransponível existente entre os contratantes.

Contudo, sendo o contrato de trabalho a base da vinculação entre empregado e empregador e a causa - direta ou indireta - de todos os direitos e deveres das partes, se faz inevitável a influência de regras e Princípios caros ao Direito Privado, se compatíveis com a dogmática juslaboral (art. 8º da CLT). [01]

Como expoente deste quadro, o Princípio da Boa-Fé Objetiva, cuja importância transcende a esfera acessória dos negócios jurídicos, exercendo papel de verdadeiro norte aos contratantes, por um agir diligente e livre de vícios.

Assim, propõe-se no presente estudo a análise daboa-fé objetiva, partindo do conceito e origem, passando pela influência em todas as fases do contrato de trabalho, inclusive a anterior à formação e a posterior à ruptura, e chegando a propostas de cunho prático em decorrência da análise de influência no direito material. Para tanto, serão examinados textos doutrinários e normativos, além de precedentes jurisprudenciais.


2. Boa-fé objetiva como Princípio de Direito. Conceito. Histórico.

Inexiste um conceito abrangente de boa-fé no Ordenamento Jurídico Brasileiro, argumentando ARAÚJO (1996, p. 21) não possuir a expressão "uma definição exata, tanto no Direito Privado genericamente quanto no Direito do Trabalho especificamente". Tal circunstância não resulta do acaso, sendo decorrência de sua própria evolução histórica no Direito Ocidental.

Em Roma, a questão recaía sobre o termo fides, separado em dois planos: interno e externo. O primeiro correspondia às promessas e aos deveres por proteção, do cliens, classe intermediária entre cidadãos e escravos, enquanto que o segundo dizia respeito à "submissão dos povos conquistados e sua assimilação à ordem romana", também de acordo com ARAÚJO (1996, pp. 23-4).

Com o passar do tempo, o vocábulo passou a ser adotado de modo complexo, como fides bona ou bona fides, permitindo, em contendas submetidas a um Juiz, que a controvérsia fosse examinada de forma mais ampla e dinâmica, sem a fiel observância, comum à época, da ritualística vigente.

Sob a influência grega, houve uma aproximação da boa-fé à aequitas (equidade), fórmula de interpretação ou Princípio de Direito útil a orientar o julgador na resolução de casos não disciplinados pelas regras.

Posteriormente, a partir da Idade Média, incorporou o Direito Romano, pelo contato com a cultura germânica, a ideia de lealdade e confiança à boa-fé, figurando pela primeira vez em uma codificação em 1804, no Código Civil de Napoleão. Porém, era tido como um valor menor, prevalecendo uma visão individualista pautada na autonomia da vontade (ARAÚJO, 1996, pp. 26-7). Neste cenário, o Juiz deveria atuar como mero aplicador da lei, a qual pretendia reger todas as hipóteses fáticas, sem qualquer lacuna ou contradição.

Apenas em 1900, com o Código Civil alemão (Bürgerliches Gesetzbuch–BGB), alcançou a boa-fé maior reconhecimento, sendo feita, inclusive, a distinção entre suas faces subjetiva e objetiva (guter glauben e treu und glauben), vindo a influenciar diversas codificações, por todo o mundo, como a italiana (1942), portuguesa (1966) e espanhola (1974) (HENTZ, 2007).

No ordenamento jurídico brasileiro, foi positivada pela primeira vez no Código Comercial (1850, art. 131, "1"), [02] não alcançando qualquer efetividade, tendo papel limitado a mero critério de interpretação.

O registro seguinte no país veio com o Código Civil (1916, art. 112), [03][04] novamente com pouca importância, por conta da pretensão de Clóvis Beviláqua, autor do projeto, à plenitude e de seu apego à segurança, certeza e clareza, inviabilizando a formulação de cláusulas abertas, segundo MARTINS-COSTA (2000, p. 267).

Após o término da Segunda Grande Guerra, ainda sob o impacto do legado deixado por regimes ditatoriais legitimados pelo positivismo jurídico levado a seu extremo, ocorre a reavaliação em diversos países das estruturas que formavam cada ordenamento normativo, perdendo espaço o modelo rígido, com aspiração à completude e sem incongruências, composto basicamente por regras formais harmonizadas segundo critérios lógicos e primando pela segurança jurídica.

Ganha evidência o conceito de um complexo de normas, aí incluídos além das regras os Princípios, inacabado e em constante evolução, objetivando um maior grau de justiça. Os valores, considerados até então um mal a ser expurgado do direito, passam a ocupar o papel de legítima fonte, deixando o Juiz de ser "a boca da lei", para se tornar um verdadeiro construtor do sentido das normas.

A este respeito, leciona REALE (2003):

"O resultado da compreensão superadora da posição positivista foi a preferência dada às normas ou cláusulas abertas, ou seja, não subordinadas ao renitente propósito de um rigorismo jurídico cerrado, sem nada se deixar para a imaginação criadora dos advogados e juristas e a prudente, mas não menos instituidora, sentença dos juízes."

Assim, quase ao final do século XX, pela promulgação do Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/90, arts. 4º, inciso III, e 51, inciso IV), [05] conseqüência direta dos fundamentos adotados pela nova Constituição, em especial ao presente estudo, de valorização social do trabalho e da livre iniciativa (1988, arts. 1º, inciso IV e 170), [06] ocorre a plena consagração da boa-fé objetiva no direito brasileiro, como elemento útil à interpretação de cláusulas contratuais e à integração das obrigações.

Seguindo a escola alemã, também no Brasil há consenso na doutrina e na jurisprudência sobre a manifestação da boa-fé sob duas vertentes diversas, porém complementares: a subjetiva e a objetiva.

A primeira corresponde ao animus dos sujeitos envolvidos na relação jurídica e ocupa o plano volitivo, de intenções. É capaz de acarretar a declaração de invalidade do negócio, quando maculada por vício grave (art. 112 do Código Civil). [07]

A segunda se apresenta como um "padrão ético de conduta e lealdade, indispensável para o próprio desenvolvimento normal da convivência social", nas palavras de AGUIAR JÚNIOR (1991, p. 239), ou seja, o agir de quem se preocupa de modo razoável em não causar danos a terceiros, sob quaisquer aspectos (art. 749 do Código Civil). [08]

Para COUTO E SILVA (1976, p. 30), a boa-fé objetiva "contribuiu para determinar ‘o que’ e ‘como’ da prestação e, ao relacionar ambos os figurantes do vínculo, fixa, também, os limites da prestação", esclarecendo PONTES DE MIRANDA (2000, p. 374):

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"Regras de boa-fé são regras do uso do tráfico, gerais, porém de caráter cogente, que de certo modo ficam entre as regras jurídicas cogentes e o direito não-cogente, para encherem o espaço deixado pelas regras jurídicas dispositivas e de certo modo servirem de regras interpretativas."

Ambas as faces se encontram em todos os vínculos, não sendo a subjetiva, por vezes, passível de análise ou prova pela parte contrária, o mesmo não ocorrendo com a objetiva.

Por conta do grau de abstração e da importância para as relações obrigacionais, é considerada verdadeiro Princípio Geral de Direito (AGUIAR JÚNIOR, 1991, p. 239), do qual emanam legítimas diretrizes, as quais, para PLÁ RODRIGUES (1978, p. 15), possuem tripla função, pois "podem servir para promover e embasar a aprovação de novas normas, orientar a interpretação das existentes e resolver os casos não previstos".

Apresenta-se no Direito Brasileiro, explícito quanto ao conceito, porém implícito, no tocante ao dever de observância (arts. 113, 187 e 422 do Código Civil). [09]

Acerca dos Princípios implícitos, de grande valia a posição de GRAU (2002, p. 38), no sentido de que "não constituem criação jurisprudencial; e não preexistem externamente ao ordenamento", sendo, na realidade, apenas descobertos em cada caso, pois se "encontravam, em estado de latência".

A relação de emprego, por conta da desigualdade de forças dos contratantes é influenciada pelo Princípio Protetivo e suas projeções (in dubio pro operario, aplicação da regra mais favorável e da condição mais benéfica), atraindo a influência dos demais, principalmente o da Boa-Fé Objetiva, em todas as fases do contrato (antes, durante e depois), norteando o agir de ambos os sujeitos.


3. Boa-fé objetiva na relação de emprego. Fases pré-contratual, contratual e pós-contratual.

Embora as obrigações principais de empregado e empregador sejam prestar trabalho e pagar salários, não há como deixar de reconhecer a complexidade alcançada pela relação de emprego, verdadeiro feixe obrigacional, [10] sendo que notória a relevância do agir ético por ambos os sujeitos nos lapsos pré-contratual, contratual e pós-contratual.

Na fase anterior à admissão do trabalhador, devem os contratantes evitar a criação de falsas expectativas no outro, fornecendo informações verídicas a respeito de tudo o que for relevante ao ajuste, independentemente de solicitação, tal como experiências prévias, conhecimentos técnicos, valores de salários, horários de trabalho e benefícios, sempre observados os limites estabelecidos em lei(art. 373-A, inciso IV, da CLT). [11]

Encerrada a etapa de tratativas, ficam os sujeitos vinculados às próprias ofertas (art. 427 do Código Civil), [12]não podendo delas desistir sem uma justificativa relevante, sob pena de gerar danos e o dever de repará-los.

Neste sentido, os seguintes precedentes:

EMENTA: RECURSO ORDINÁRIO. INDENIZAÇÃO PELA PERDA DE UMA CHANCE. Demonstrado nos autos não só a promessa de emprego por parte da empresa, como também, a prática de ato que levou o autor a uma legítima expectativa de contratação, em estrita violação ao princípio da boa fé objetiva, o deferimento de indenização pela perda de uma chance é medida que se impõe, a qual deverá reparar os danos sofridos pelo demandante quanto à ‘perda da oportunidade de concretização da vitória esperada, in casu, a contratação e prestação de serviços em prol da Reclamada’ (Sentença, fl. 153). (TRT da 3ª Região, processo nº 0000035-32.2011.5.03.0012, Relator Des. Federal do Trabalho Marcelo Lamego Pertence, 7ª turma, publicado em 09.6.2011)

EMENTA: PROMESSA DE CONTRATAÇÃO FRUSTRADA. FASE PRÉ-CONTRATUAL. DANO MORAL. Tendo havido entrevista, exame admissional, abertura de conta para recebimento de salário e entrega da documentação, há a formação de um pré-contrato, fase em que também as partes devem respeitar o princípio da boa-fé objetiva consagrado no art. 422 do Código Civil. A promessa de contratação frustrada por parte da reclamada caracteriza a afronta à boa-fé, gerando a obrigação de indenizar o empregado pela falsa expectativa criada. Recurso da reclamada a que se nega provimento. (TRT da 4ª Região, processo nº 00305-60.2010.5.04.0304-RO, Relator Des. Federal do Trabalho Hugo Carlos Scheuermann, 4ª turma, publicado em 08.11.2010)

EMENTA: PRÉ-CONTRATO – TRATATIVAS CONSISTENTES – DEVER DE INDENIZAR - Desse comportamento exsurge o dever de indenizar: em que uma parte viola o dever de boa-fé das negociações que antecedem o contrato e lesa, com esse comportamento, outra pessoa. Trata-se da violação à boa-fé objetiva, relativa ao dever recíproco de se comportar com lealdade, boa-fé esta que se exige dos contraentes desde o momento anterior à formação do contrato até, muitas vezes, após seu término, como é o caso do sigilo de empresa, que exige do ex-empregado a abstenção de revelá-lo mesmo após anos de ruptura contratual. A injusta frustração de uma expectativa razoável na futura conclusão do contrato é fato jurígeno do dano moral (art. 427 do CCB). Não é necessário, portanto, a prova da violação da boa-fé subjetiva, bastando, para fins de delineamento do dano moral e material, a ruptura às figuras parcelares da boa-fé objetiva (teoria dos atos próprios), notadamente do venire contra factum proprium, que veda atos contraditórios dos sujeitos nas negociações, como forma de coibir o abuso de direito. (TRT da 15ª Região, processo nº 0000413-35.2010.5.15.0029-RO, Relatora Des. Federal do Trabalho Mariane Khayat, 1ª turma, 2ª câmara, publicado em 11.3.2011)

Com efeito, não pode o trabalhador, em observância ao Princípio da Boa-Fé Objetiva, ser levado a crer, por quaisquer motivos, que foi contratado, embora tal fato não tenha ocorrido. O dever de informação impõe aos empregadores, mesmo os apenas potenciais, a obrigação de deixar clara e de forma inequívoca a realização de mera entrevista ou triagem para banco de currículos, sem prazo definido para chamamento ou certeza de sua realização.

Deixar de assim atuar, configura postura omissiva e negligente, contrária a um padrão de comportamento desejável e cauteloso, provocando situações dúbias e potencialmente lesivas.

No direito norte-americano, por exemplo, é comum ser questionada perante o Judiciário a validade da exigência de determinados requisitos para a ocupação de um posto de trabalho, reconhecida apenas em casos de motivo plausível, como em atendimento às necessidades do negócio (business necessity) ou à qualificação ocupacional de boa-fé (BFOQ-Bona Fide Occupational Qualification) (JAKUTIS, 2006, pp. 156-7).

No curso do contrato, dada a multiplicidade de direitos e deveres de cada um dos sujeitos, seu trato sucessivo e o prazo indeterminado, ainda maior se faz a influência da boa-fé objetiva.

No rol dos arts. 482 e 483 CLT são descritas de modo genérico condutas atribuíveis aos integrantes da relação de emprego, cuja gravidade pode amparar sua terminação.

O grau de indefinição de algumas hipóteses, verdadeiras cláusulas abertas, ainda que alvo de críticas, possibilita concretamente a atualização de seu conteúdo pelos Operadores do Direito, pela via hermenêutica, sem necessidade de modificação do texto.

A embriaguez habitual ou em serviço (art. 482, alínea "f", da CLT), por dificultar a execução do contrato, prejudicar o desempenho do trabalhador, acarretar problemas de relacionamento com colegas, superiores e até clientes, por exemplo, foi considerada falta a ensejar a despedida por justa causa.

Contudo, quase 70 anos após a criação da norma, incontáveis e expressivas modificações ocorreram em todo o mundo, nas mais variadas áreas do conhecimento, alterando de modo significativo a vida em sociedade.

Com isso, determinados fatos, como a embriaguez, foram objeto de análise, sendo revelada sua condição de verdadeira patologia, tratada pela OIT como "síndrome de dependência" (CID F10.2). Acaba desconstituída a imagem do alcoolismo como falha de conduta.

Promover a dispensa de empregado doente, lhe atribuir a pecha de culpado pelo término da relação, lhe privar do recebimento de verbas alimentares e do acesso ao seguro-desemprego, agravando ainda mais situação de vulnerabildade já acentuada, são atos diametralmente contrários a um standard de conduta e diligência, ferindo, inclusive, a função social do contrato (art. 421 do Código Civil). [13]

Ao invés disso, deve o empregado ser encaminhado a tratamento clínico, a fim que seja enfrentada a moléstia como tal, dando margem ao pagamento pelo INSS de auxílio-doença ou mesmo de aposentadoria por invalidez, conforme recomendar o caso, e à suspensão ou extinção do contrato (Lei nº 8.213/91, arts. 42 e 59). [14]

Embora tal enfrentamento não possua previsão expressa em lei, decorre, como defendido por GOLDSCHMIDT e MÜLLER (2005, pp. 143-4), de "uma reinterpretação da alínea ‘f’ do artigo 482 da CLT à luz do princípio da dignidade da pessoa humana e do caput do artigo 7º da Constituição", sendo ponderado com propriedade, que "a punição hoje é, além de ineficaz, completamente descontextualizada."

No tocante aos contratos a prazo determinado, em específico o de experiência, a boa-fé objetivatambém possui relevância a ser examinada.

Concretizada a admissão do trabalhador para um período de testes, a prazo certo, pode qualquer das partes, antes do decurso ou da conversão em contrato a prazo indeterminado, por fim ao negócio, bastando pagar ao outro contratante uma indenização em valor limitado por lei, de acordo com o disposto nos arts. 479 e 480 da CLT. [15]

Da literalidade destas regras, conclui-se regerem hipótese rara no Direito do Trabalho, na qual a autonomia da vontade pode ser livremente exercida.

Ocorre que em matéria obrigacional, por vezes, as formas acabam por subverter o conteúdo, causando uma ilusão a quem busca analisá-lo.

Como já sustentado, devem os contratantes ser diligentes em todos os sentidos, não criando falsas expectativas na parte contrária e adotando as medidas necessárias a minimizar riscos.

Formalizar negócio a prazo e, em exíguo tempo, insuficiente de modo notório para avaliar o posto de trabalho e o próprio trabalhador, promover sua extinção, sem qualquer motivo relevante, demonstra quebra de um padrão minimamente ético.

Mais uma vez, reconheço não haver lei que obrigue os contratantes a fundamentar a manifestação de vontade de promover a extinção antecipada. No entanto, ao assim proceder, o sujeito rompe a justa expectativa do outro, dando margem a prejuízos das mais variadas ordens, causados pelo desligamento de emprego anterior, cessação da busca de novo posto, iniciação de treinamento e substituição, bem como risco concreto de perda para um concorrente de um candidato pré-selecionado, por exemplo.

A este respeito, o seguinte precedente do TRT da 15ª Região, de lavra da Exma. Des. Federal do Trabalho Gisela R. M. de Araujo de Moraes:

EMENTA: DANO MORAL. DEMISSÃO NO DIA SEGUINTE AO DA CONTRATAÇÃO. BOA-FÉ OBJETIVA DO EMPREGADO VIOLADA. O dano moral encontra fundamento legal nas disposições contidas no art. 5º, V e X, da Carta Constitucional, caracterizando-se pela violação de direitos individuais, a saber: a intimidade, privacidade, honra e imagem da pessoa. A violação de quaisquer desses direitos deve ser provada e demonstrado que a vítima suportou sentimentos de humilhação, desamparo e teve seu estado psicológico abalado. Excluem-se, portanto, a comoção resultante de fatos regulares da vida, os melindres particulares desta ou daquela pessoa e as suscetibilidades decorrentes da maior sensibilidade desta ou daquela vítima. No presente feito, caberia ao reclamante provar as repercussões que o alegado ato ilegal produziu na esfera social, o que, após, consultar os autos, verifica-se que assim o fez. As provas dos autos demonstram que foi a recorrente quem convocou a obreira para participar, como única candidata, ao cargo de auditora júnior; que foi submetida à entrevista, exame admissional, abriu conta corrente em banco indicado pela empresa, participou de treinamento de Integração de Novos Colaboradores, sendo, inclusive, diplomada; recebeu o manual de solicitação e utilização de veículos da reclamada e que iniciou, de fato, a prestação de serviços, sendo dispensada no segundo dia após sua admissão, sob o fundamento de que a Diretoria não havia sua contratação. Desta forma, a reclamada, ao despedir a obreira no dia seguinte a sua admissão, violou a boa-fé objetiva da autora, a qual deve ser plenamente reparável na forma dos dispositivos civilistas retro mencionados (arts. 187 e 927 do CC/02). Recurso ordinário conhecido e não provido.(Processo nº 00446-2009-065-15-00-4-RO, 3ª Turma, 5ª Câmara, Publicado em 02.7.2010)

Mesmo entendimento acerca do agir prudente teria aplicação a situações envolvendo acidentes de trabalho no curso do período de prova.

Afastado o trabalhador por tempo superior a 15 dias e suspenso o contrato, via de regra, quando da alta previdenciária e de seu retorno, sequer lhe é exigido o cumprimento dos dias faltantes, sendo majoritária na jurisprudência a posição acerca da incompatibilidade entre a natureza a prazo certo do pacto e o direito à preservação do emprego por, no mínimo, 12 meses (Lei nº 8.213/91, art. 118). [16]

De fato, não há como impedir o empregador de considerar resolvido o negócio pelo decurso de prazo, por sua própria natureza. Contudo, ante a peculiaridade da ocorrência de um sinistro de média gravidade, plenamente razoável exigir a exposição do motivo que levou à rejeição da experiência, por presumível que o término do liame tenha decorrido, na realidade, dos efeitos do acidente, o que configura prática discriminatória e atrai a aplicação do disposto na Lei nº 9.029/95, art. 4º, c/c art. 129 do Código Civil, [17]e não da falta de predicados do trabalhador.

Mesmo após o término do pacto, seguem as partes com algumas obrigações recíprocas, nem sempre expressas e por isso dedutíveis da cláusula geral de boa-fé.

Como exemplos, os deveres de guardar sigilo por segredos industriais e dados privilegiados, de não prestar informações falsas e difamatórias, de não agir de modo a causar constrangimento público ou embaraço à recolocação no mercado ou, ainda, de manter benefícios não suprimidos tão-logo findo o contrato.

Sobre o tema, as seguintes decisões:

EMENTA: RESPONSABILIDADE CIVIL PÓS CONTRATUAL - ATO LESIVO À BOA FAMA DA EX-EMPREGADA - DANO MORAL. A reclamante logrou comprovar que o reclamado, diante de novo emprego ou simples proposta, comunicava-se com o novo ou potencial empregador, maculando sua imagem. A conduta, antijurídica e lesiva à boa fama da ex-empregada, viola o princípio da boa fé objetiva, que deve orientar os parceiros contratuais na celebração e execução do contrato, assim como nas fases pré e pós-contratual. Confirma-se, por isso, a r. sentença que condenou o reclamado ao pagamento de indenização por danos morais. (TRT da 3ª Região, processo nº 0168200-93.2009.5.03.0050-RO, Relatora Juíza Convocada Taísa Maria Macena de Lima, 10ª turma, publicado em 30.11.2010)

EMENTA: RECURSOS ORDINÁRIOS DO RECLAMADO E DO RECLAMANTE. MATÉRIA COMUM. INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. MONTANTE. Reclamante xingado e ameaçado via rede mundial de computadores pelo seu antigo empregador, em virtude daquele ter ajuizado reclamatória trabalhista. Dano moral configurado. Indenização adequadamente arbitrada. Recursos desprovidos. (TRT da 4ª Região, processo nº 0000098-34.2010.5.04.0701-RO, Relatora Des. Federal do Trabalho Maria da Graça Ribeiro Centeno, 7ª Turma, publicado em 09.12.2010)

EMENTA: QUEBRA DA BOA-FÉ OBJETIVA. A confiança é um dos fundamentos dos negócios jurídicos. A constituição de uma relação de confiança se realça quando vinculada a uma situação de fato que, no caso, vinha sendo mantida entre as partes desde 1979, como informa a petição inicial. Na espécie, a legítima expectativa do reclamante derivou da manutenção espontânea do seu plano de saúde por parte da ré, mesmo após a aposentadoria por invalidez. Por esse ato, dotado de inegável eficácia negocial, a ré vinculou-se na manutenção do plano de saúde do autor, fazendo com o que o demandante criasse uma sensação de segurança de que poderia contar com aquele benefício para fazer frente ao tratamento da doença que o torna incapaz para o trabalho.(TRT da 4ª Região, processonº0000222-65.2010.5.04.0006-RO, Relator Juiz Convocado Ricardo Hofmeister de Almeida Martins Costa, 7ª turma, publicado em 14.10.2010)

EMENTA: DIREITO AO TRABALHO - CLÁUSULA CONTRATUAL PROIBITIVA DO EXERCÍCIO LIVRE DO TRABALHO- DANO MORAL, A Declaração Universal dos Direitos Humanos registra, expressamente, que ‘toda pessoa tem direito ao trabalho, à livre escolha do seu trabalho e a condições equitativas e satisfatórias de trabalho e à proteção contra o desemprego’. O direito ao trabalho trata-se de postulado inerente à própria natureza humana. A Constituição da República adotou o primado do trabalho ao dispor a dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho como alguns dos fundamentos da República (CF/88 - artigo 1º, incisos III e IV). Nesse sentido, é abusivo ato do empregador que de forma unilateral dispensa o empregado da prestação de serviços e ao mesmo tempo cria óbice contratual que impede o exercício de atividade laboral livre sem sua prévia autorização e, diante desse fato, propõe distrato. Esse mecanismo antijurídico e nefasto imposto pelo empregador não lhe traz nenhuma utilidade, mas reflete apenas a intenção de prejudicar o empregado, atingindo regras de conduta contratuais anexas que se encontram presentes em cláusulas gerais referente à boa fé objetiva, função social do contrato, dignidade pessoa. Nessas circunstâncias, o processo pelo qual passou o obreiro traduz típico assédio moral. O dano moral advindo desse abuso de direito presume-se jure et de jure, decorre da própria ocorrência do fato. O obreiro teve a sua honra objetiva e subjetiva aviltada de forma grave. (TRT da 9ª Região, processo nº 00746-2008-892-09-00-3-RO, Relatora Des. Federal do Trabalho Ana Carolina Zaina, 2ª turma, publicado em 08.10.2010)

EMENTA: INFORMAÇÕES DESABONADORAS SOBRE EX-EMPREGADO. DANO MORAL. O empregador não está obrigado a prestar informações sobre o ex-empregado, mas ao fazê-lo não pode prestar informes que comprometam a vida profissional do trabalhador, inclusive a existência de ação trabalhista. Demonstrado nos autos que a empresa informava a quem lhe pedia referências que o empregado havia ajuizado ação trabalhista e decorrendo deste fato longo período de desemprego, forçosa a manutenção da sentença que deferiu o pagamento de indenização por dano moral, até para coibir atos desta estirpe, que configura verdadeira ‘lista negra’, atenta contra o direito de petição e incentiva o descumprimento da lei trabalhista, com prejuízo que ultrapassa a seara individual. (TRT da 12ª Região, processo nº 02233-2009-018-12-00-6, Relator Juiz José Ernesto Manzi, 2ª câmara, publicado em 17.3.2010)

Diante das ponderações formuladas, cabe aos Operadores do Direito aprofundar o debate acerca da influência do Princípio da Boa-Fé Objetiva sobre as obrigações que compõem o contrato de trabalho, a fim de promover o aperfeiçoamento das relações e a adoção de um padrão de agir diligente em face do outro, verdadeiro mandamento constitucional (arts. 1º, inciso IV, e 170) e primeiro passo rumo à construção de uma sociedade livre, justa e solidária indispensável à efetivação da dignidade da pessoa humana (arts. 1º, inciso III, e 3º, inciso I, da Constituição). [18]

Sobre o autor
Oscar Krost

Juiz do Trabalho do Tribunal Regional do Trabalho da 12ª Região (SC). Membro do Instituto de Pesquisas e Estudos Avançados da Magistratura e do Ministério Público do Trabalho - IPEATRA.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

KROST, Oscar. O princípio da boa-fé objetiva como balizador de condutas na relação de emprego. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3109, 5 jan. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/20779. Acesso em: 22 dez. 2024.

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