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Legitimidade recursal do Ministério Público nas decisões que exoneram devedor de alimentos de filho maior de idade.

Agenda 19/01/2012 às 10:10

Nem sempre ao Ministério Público foi conferida ampla legitimidade recursal para recorrer nos processos em que não é parte. Há casos em que o Parquet não detém legitimidade para recorrer no processo civil, como naqueles em que ocorre a exoneração do devedor de alimentos, quando o alimentado já é maior de idade.

1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Segundo o doutrinador Sérgio Bermudes [01], recurso "é o direito objetivo, como mera e abstrata previsão legal, e direito subjetivo, quando se efetiva através da utilização pelo sucumbente."

Indaga-se: o Ministério Público tem legitimidade para recorrer das decisões que não é parte?

O intuito deste trabalho é mostrar que nem sempre ao Ministério Público foi conferida ampla legitimidade recursal para recorrer nos processos em que não é parte e que, apesar da nova sistemática, há casos em que o Parquet não detém legitimidade para recorrer no processo civil. Tal situação é mais facilmente percebida nos casos em que ocorre a exoneração do devedor de alimentos, quando o alimentado já é maior de idade.

Para melhor compreensão do assunto, sem pretender sair do foco do trabalho, vamos começar com um esclarecimento básico, diferenciando a necessidade alimentar dos filhos maiores e menores e a polêmica que se instalou nos anos de 2004 a 2008 acerca da exoneração automática dos alimentos com o advento da maioridade civil, exigindo da Corte Superior a edição da súmula 358.

Com a edição do enunciado, começou a surgir no STJ a orientação de que o Ministério Público não tem legitimidade recursal nas ações de alimentos que envolvem alimentando maior de idade. Tal posicionamento vigora até hoje.


2. DO DEVER DE PRESTAR ALIMENTOS

É pacífico o entendimento no sentido de que a necessidade alimentar dos filhos menores é presumida, incumbindo aos genitores o dever de sustento. Por isso, quando a ação envolve pedido de alimentos a filho menor, cabe ao alimentante o ônus de provar sua impossibilidade de prestar os alimentos pleiteados (art. 333, I, CPC).

Já em se tratando de filha ou filho maior de idade, impera o entendimento no sentido de que a maioridade civil do credor dos alimentos, por si só, não afasta a obrigação alimentar, cabendo a este provar a sua real necessidade. Esta é a exegese do artigo 1.694, do Código Civil.

Nesta linha, o que até pouco tempo se debatia era se, uma vez alcançada a maioridade civil do alimentado, o devedor dos alimentos ficava automaticamente desobrigado das prestações, o que ensejaria nova ação do filho maior de idade para provar sua necessidade. Foi então que em 2008, o STJ sumulou o entendimento de que os alimentos não podem ser extintos apenas com o advento da maioridade civil, devendo ser objeto de decisão judicial em processo com contraditório.

Nesse sentido o enunciado 358, da Súmula do STJ, in verbis:

O cancelamento de pensão alimentícia de filho que atingiu a maioridade está sujeito à decisão judicial, mediante contraditório, ainda que nos próprios autos.


3. DO MINISTÉRIO PÚBLICO E OS INTERESSES DOS INCAPAZES

Por missão Constitucional, cabe o Ministério Público a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis.

De acordo com o artigo 82, do CPC, compete ao Ministério Público intervir nas causas em que há interesses de incapazes.

Emerge, assim, de forma clara e evidente, a legitimidade do Parquet para intervir nas causas em que há interesses de pessoas incapazes e, portanto, naquelas em que são discutidos os alimentos devidos aos filhos menores. Para tanto, pode o Ministério Público juntar documentos, produzir provas em audiência, requerer diligências e, inclusive, recorrer das decisões que, no seu entendimento, forem contrárias aos interesses dos menores ou violarem as normas legais (83, II e 499, do CPC).


4. DO RECURSO DO MINISTÉRIO PÚBLICO

Nem sempre a legitimidade do Ministério Público para recorrer, na qualidade de fiscal da lei, foi bem aceita pela doutrina, pelo ordenamento jurídico e, inclusive, pela jurisprudência, ensina Hermann Homem de Carvalho Roenick [02].

Na vigência do código de processo anterior, a doutrina rejeitava a ideia de o Parquet recorrer quando a sua intervenção no processo era na qualidade de custos legis.

Segundo o doutrinador "os que admitiam o recurso do MP, "quando fiscal da lei", sustentavam não ser lógico e nem consoar com o sistema que o parquet tivesse presença obrigatória no processo, interessado na aplicação correta da lei e, prolatada a sentença, por exemplo, dela não pudesse apelar se convencido estivesse de haver sido violada a norma legal ou desconsiderada a prova produzida."

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Com o novo estatuto processual civil, tal discussão ficou ultrapassada, pois o novo código autorizou expressamente o Ministério Público a recorrer tanto como parte como quando fiscal da lei, senão vejamos:

"Art. 499.  O recurso pode ser interposto pela parte vencida, pelo terceiro prejudicado e pelo Ministério Público."

§ 2º  O Ministério Público tem legitimidade para recorrer assim no processo em que é parte, como naqueles em que oficiou como fiscal da lei.

E arremata ainda o mestre "(...) o órgão do Ministério público pode usar de todos os recursos que a lei processual estabelece, gozando, em relação às partes, das prerrogativas especiais a que aludem os arts. 188 (prazo em dobro) e 511, parágrafo único (dispensa de preparo)."

E, no que tange ao benefício do art. 188 do Código de Processo, o entendimento é no sentido de que o parquet goza de tal privilégio quando atua como parte e também quando custos legis, senão vejamos:

"Ministério Público. Quer atue como parte, quer como fiscal da lei, o MP tem sempre o prazo em dobro para recorrer. No mesmo sentido: RTJ 106/1036, 106/217 (Nelson Nery Junior, Código de Processo Civil Comentado, RT, 7ª edição, p. 582)."

Ocorre que, apesar da ampla legitimidade recursal do MP para recorrer, seja como parte ou fiscal da lei, o Superior Tribunal de Justiça consolidou entendimento no sentido de que, nas ações de alimentos, uma vez cessada a incapacidade, cessa também a atuação do parquet nos autos, motivo pelo qual não teria mais o Ministério Público legitimidade para recorrer da decisão que exonera o devedor de alimentos quando o alimentando já é capaz.

"RECURSO ESPECIAL. EXONERAÇÃO AUTOMÁTICA. ALIMENTOS. MAIORIDADE DO ALIMENTANDO. ILEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO PARA RECORRER.

1. Carece ao Ministério Público legitimidade para recorrer contra decisão que extingue o dever de prestar alimentos em razão do alimentando ter alcançado a maioridade, mormente se este tem advogado constituído nos autos.

2. Recurso especial não conhecido."

(REsp nº 982.410/DF, Relator o Ministro FERNANDO GONÇALVES, DJ de 17.12.2007)."


5. CONCLUSÃO

À vista do que foi esposado, podemos concluir que o Ministério Público detém ampla legitimidade recursal não só nos processos em que atua como parte, mas também nos que funciona como custos legis, tendo em vista o que estabelece o artigo 499, parágrafo 2º, do CPC. Ocorre que, à luz do entendimento do STJ, o referido dispositivo legal (499, CPC), há que ser conjugado com as hipóteses de intervenção do art. 82, CPC, ou seja, cessada a causa de intervenção do parquet no processo civil, cessa por consequência sua legitimidade para recorrer.

Esse é o entendimento consolidado naquela Corte de Justiça e que ainda vigora nos dias atuais, conforme abaixo se observa.

"RECURSO ESPECIAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. ALIMENTOS. MAIORIDADE DO ALIMENTANDO. MINISTÉRIO PÚBLICO. ILEGITIMIDADE PARA RECORRER.

O Ministério Público não detém legitimidade para recorrer contra decisão em que se discute alimentos quando o alimentando houver alcançado a maioridade. Recurso especial não conhecido." (4ª Turma, REsp n. 712.175/DF, Rel. Min. Cesar Asfor Rocha, maioria, DJU de 08.05.2006. Ante o exposto, nego seguimento ao recurso (art. 557, caput, do CPC).Publique-se. Brasília (DF), 03 de agosto de 2009.Relator Min. ALDIR PASSARINHO JUNIOR"

Ainda nesse sentido, o REsp 848394/DF, que teve como relator o Ministro Raul Araújo, tendo sido publicada a decisão em 02/12/2010.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

NERY JUNIOR, Nelson. Código de Processo Civil Comentado e Legislação Extravagante. RT, 7ª edição.

HOMEM DE CARVALHO ROENICK, Hermann. Recursos no Código de Processo Civil. Aide editora, 1ª edição.


Notas

  1. Bermudes, Sérgio – Curso de Direito Processual Civil (recursos), p. 11, Borsoi editora.
  2. HOMEM DE CARVALHO ROENICK, Hermann. Recursos no Código de Processo Civil, 1ª edição, 1997, pág. 32
Sobre o autor
Gustavo de Oliveira Bueno

Promotor de Justiça do Estado do Maranhão. Especialista em processo civil e pós-graduando em Ciências Criminais pela Escola Superior do Ministério Público do Maranhão.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BUENO, Gustavo Oliveira. Legitimidade recursal do Ministério Público nas decisões que exoneram devedor de alimentos de filho maior de idade.. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3123, 19 jan. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/20892. Acesso em: 23 dez. 2024.

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