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A prática de contenção dos recursos especiais baseada em uma interpretação restritiva e formalista dos seus requisitos de admissibilidade

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Agenda 23/01/2012 às 07:58

5 CONCLUSÃO

O recurso especial, por sua qualidade de ato postulatório, comum a todos os recursos, precisa atender a determinados requisitos de admissibilidade para que seja admitido e tenha o seu mérito apreciado. Assim, passa por um duplo exame, dividido em juízo de admissibilidade e juízo de mérito. No primeiro, deve ser realizada uma análise superficial, onde será verificada a presença ou não dos requisitos previstos em lei, que são considerados essenciais para que o recurso possa ser admitido e então submetido ao segundo exame, referente ao conteúdo material da impugnação

Por seu caráter excepcional e finalidade distinta, o juízo de admissibilidade do recurso especial é realizado com maior rigor e estrita observância a determinadas normas específicas, além dos requisitos genéricos comuns a todas as espécies recursais. Por não se tratar de terceira instância, o Superior Tribunal de Justiça não pode examinar o feito de maneira ampla para rever erros de julgamento nas instâncias ordinárias.

Ocorre que, na prática, o juízo de admissibilidade do recurso especial tem se tornado um obstáculo quase intransponível para os recorrentes, tendo em vista que os requisitos de admissibilidade, denominados “filtros” recursais, tem tido uma interpretação cada vez mais restritiva, prestigiando-se o rigorismo formal em detrimento da efetividade da prestação jurisdicional. 

É de conhecimento de todos que o Superior Tribunal de Justiça é assolado diariamente por um grande volume de processos protocolados, o que dificulta a celeridade processual e a apreciação acurada do mérito de cada demanda. Contudo, o Superior Tribunal de Justiça vêm “criando” obstáculos processuais ilegítimos, com o único propósito de “encerrar processos”, sem a mínima preocupação com a qualidade do julgamento promovido, autorizando, inclusive, essa postura ainda nos tribunais locais, quando da realização do primeiro juízo de admissibilidade do recurso especial. Adotou-se uma postura repulsiva em relação aos processos, onde se optou pela eliminação em detrimento da solução dos litígios e da viabilização dos princípios do acesso à ordem jurídica justa e efetiva prestação jurisdicional.

A existência propriamente dita dos “filtros” recursais é legítima, já que assegura o alcance da finalidade precípua para qual o recurso foi criado. O problema consiste na maneira, com que estes filtros têm sido interpretados e aplicados nos casos concretos. A quantidade de trabalho no STJ não pode continuar a condicionar a apreciação de uma demanda judicial e o reconhecimento de um direito.

O formalismo processual é, sem dúvidas, um instrumento que jamais pode ser desprezado, pois proporciona segurança, ordenação e previsibilidade ao procedimento. Porém, essa visão de formalismo não pode ser distorcida e aplicada de maneira exagerada, pois, assim, estará sendo diretamente afrontada a garantia do acesso à justiça.

Foi visto que a exigência de demonstração da efetiva violação à lei federal não pode ser utilizada como fundamento para, em juízo de admissibilidade realizado no tribunal local, inadmitir-se o recurso especial. A efetiva violação à lei federal ou tratado se refere claramente ao objeto do juízo de mérito, o qual deveria ser apreciado somente no Superior Tribunal de Justiça, como pressuposto para a decisão de provimento ou desprovimento do recurso a admissão do recurso. O entendimento do próprio Superior Tribunal de Justiça que autoriza o tribunal recorrido a exercer verdadeiro juízo de provimento do recurso excepcional contraria o aspecto de que o juízo de admissibilidade há de ser preliminar ao juízo de mérito, bem como ofende as regras constitucionais de competência.

Com relação à vedação do exame de matéria fático-probatória na instância especial, entendeu-se que o fato de ser o recurso especial de estrito direito e não se destinar à correção da injustiça do julgado recorrido, mas sim à verificação da correta aplicação do direito federal ao caso concreto, não implica que os fatos devem ser simplesmente ignorados, visto que sua apreciação é indispensável à aplicação do direito e à justa prestação jurisdicional. Concluiu-se, por meio da análise dos entendimentos doutrinários pertinentes ao tema, que o que se veda em sede de recurso especial é a análise de questões predominantemente fáticas e a formação de uma nova convicção acerca destas, sendo proibido, portanto, que seja alterada a versão dos fatos dada pelo acórdão recorrido.

Abordando o requisito do prequestionamento e a enorme controvérsia existente acerca de seu conceito, do momento em que deve surgir, do modo como se dá sua exteriorização e quando ele efetivamente se caracteriza como pressuposto específico de admissibilidade dos recursos excepcionais, acrescentou-se que existem decisões em todos os sentidos, considerando a sua modalidade explícita, implícita e ficta, e que algumas delas demonstram o excesso de formalismo enraizado pelos Tribunais Superiores e a utilização dos pressupostos recursais como simples forma de controlar o número de processos que lhes são dirigidos. Por outro lado, frisou-se que a referida imprecisão, além de causar enorme insegurança jurídica entre os jurisdicionados, que até hoje não sabem ao certo qual o entendimento prevalecente acerca do tema, facilita ainda a utilização do instituto como mero elemento de contenção dos recursos, muitas vezes de forma ilegítima e desarrazoada. De acordo com a vontade do tribunal em julgar ou não o processo, pode ser exigida uma forma de prequestionamento mais rigorosa.

Quanto às questões referentes ao preparo, notou-se que em diversos casos tem-se a deserção dos recursos com base em critérios puramente formais, interpretados com excesso de rigor, os quais, apesar de demandarem meramente a regularização, são utilizados como empecilho à análise do recurso. Concluiu-se que não se pode admitir que a exigência do preparo, apesar de ser condição à interposição do recurso, se sobreponha radicalmente a esse direito.

Por fim, concluiu-se que o volume exagerado de processos não pode servir como justificativa para que os tribunais passem a considerar o formalismo exagerado em detrimento da garantia do acesso à justiça e da isonomia entre os jurisdicionados.

Os referidos requisitos devem ser interpretados com razoabilidade e coerência, com o fim de aferir a capacidade de um recurso em ter seguimento e ter o seu conteúdo apreciado. A previsão legal dos requisitos de admissibilidade dos recursos especiais não pode se tornar uma forma de legitimação da criação de empecilhos motivados por aspectos políticos e alheios à prestação jurisdicional.

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A criação de requisitos de admissibilidade ao arrepio da lei e a interpretação excessivamente formalista dos requisitos existentes com vistas a obstar a maior quantidade possível de recursos não pode ser considerado o caminho certo a ser seguido. Estes devem ser aplicados tendo-se sempre presente o fim pretendido pela norma que os estabeleceu, evitando qualquer excesso formalista que os converta em meros obstáculos processuais e em fonte de incerteza.

Não se defendeu, em nenhum momento, a inobservância das regras processuais, mas apenas chamou-se a atenção para o fato de que se tem dado exacerbado valor ao processo e a determinadas regras, como forma de impedir ao máximo o seguimento dos recursos.

A solução para o enxugamento dos processos no Superior Tribunal de Justiça não está nessa postura repulsiva de intentar a qualquer custo obstar o seguimento dos recursos mediante excesso de formalismo, pois sobrepõe o problema do próprio Tribunal ao atendimento dos preceitos constitucionais.


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Notas

[1] Em contrário a esse entendimento: Araken de Assis, Manual dos recursos, 2011, p. 44.

[2] Para essa classificação, o autor segue a linha de Ada Pellegrini Grinover, Antonio Magalhães Gomes Filho e Antonio Scarance Fernandes, Recursos no Processo Penal, São Paulo:RT, 1996, pp. 73-75.

[3] O recurso de agravo de instrumento difere dos demais, já que é interposto diretamente no tribunal que julgará o mérito do recurso, responsável pela mantença ou reforma da decisão vergastada.

[4] Com exceção do agravo de instrumento, que é interposto diretamente no tribunal competente para o seu julgamento e só nele passará pela aferição da admissibilidade; do agravo retido, que por ficar retido nos autos, será apreciado pelo relator no tribunal competente, quando do seu primeiro contato com os autos e dos Embargos de Declaração que são revistos pelo próprio juízo prolator da decisão.

[5] Seguem essa linha Ovídio Batista, Teoria Geral do Processo Civil, p. 310 e Nelson Nery Jr., Princípios fundamentais – teoria geral dos recursos, p. 238.

[6] A exigência da sucumbência para o interesse de recorrer é criticada por vários autores, tendo em vista que o Ministério Público e o terceiro prejudicado, apesar de não sucumbirem, possuem interesse e legitimidade para recorrer.

[7] Em sentido diverso, Araken de Assis, Manual dos recursos, 3. ed., São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011, p. 173, considera a renúncia e a aquiescência fatos extintivos e o único fato impeditivo seria a desistência.

[8] Com exceção do agravo, que é interposto diretamente no órgão julgador, e dos embargos de declaração, que são julgados pelo próprio prolator da decisão.

[9] Essa terminologia foi firmada doutrinariamente por Rodolfo de Camargo Mancuso, atribuindo-a a Almeida Santos, ao tentar enquadrá-los como recursos não ordinários, com características próprias.

[10] STJ, 1ª Turma, REsp 879.221/RS, rel. Min. Teori Albino Zavaschki, j. un. 18.9.2007, DJ 11.10.2007, p. 306; STJ, 4ª Turma, EDcl no AgRg o Ag 646.526/RS, rel. Min. Hélio Quaglia Barbosa, j. un. 16.10.2007, DJ 206.

[11] A súmula nº 13 do STJ também adverte: “a divergência de julgados do mesmo tribunal

não enseja recurso especial”.

[12] O autor ressalta que em se cuidando de recurso excepcional manejado contra decisão interlocutória, o recurso será processado sob a forma retida nos autos, pois muitas vezes o recurso excepcional dirigido contra decisão interlocutória perde seu sentido diante da decisão resultante do julgamento fina da causa.

[13] O autor se refere ao recurso extraordinário lato sensu, ou seja, recurso extraordinário e especial.

[14] A Súmula nº 7 do STJ estabelece que “a simples pretensão de prova não enseja recurso especial, não seria possível a discussão de matéria fática”

[15] Art. 511. No ato de interposição do recurso, o recorrente comprovará, quando exigido pela legislação pertinente, o respectivo preparo, inclusive porte de remessa e de retorno, sob pena de deserção. 

Sobre a autora
Larissa Lucena de Aguiar

Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Ceará

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

AGUIAR, Larissa Lucena. A prática de contenção dos recursos especiais baseada em uma interpretação restritiva e formalista dos seus requisitos de admissibilidade. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3127, 23 jan. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/20903. Acesso em: 17 nov. 2024.

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