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O princípio da legalidade tributária

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Agenda 10/02/2012 às 08:39

4. Conclusão

A importância do princípio da legalidade tributária para a higidez de todo o sistema constitucional não pode ser negada. Sua relevância, como demonstrado, extrapola o simples fato de se tratar este princípio de uma das limitações ao poder de tributar expressamente contempladas pelo texto constitucional, chegando a tocar - diretamente - alguns dos princípios sobre os quais se fundam nosso ordenamento jurídico: o princípio republicano e o da segurança jurídica.

A antiga idéia da autotributação dos povos permanece acesa, sendo, em verdade, absolutamente insuperável pela perspectiva republicana sob a qual devemos analisar todo o ordenamento jurídico brasileiro. Destaca-se, nesse diapasão, o durante muito tempo esquecido princípio do consentimento, decorrência lógica dos conceitos de "coisa pública" e de outorga constitucional de poderes pelo povo aos governantes.

Sob a ótica do consentimento, e, conseqüentemente, do princípio republicano, afasta-se qualquer tentativa estatal de se debruçar sobre o patrimônio dos cidadãos com base unicamente em sua discricionariedade ou, não seria exagero dizer, arbitrariedade, garantindo-se, assim, a proteção efetiva deste tão fundamental direito.

A perspectiva da segurança jurídica - finalidade maior de muitos dos princípios constitucionais - também se presta a enaltecer o princípio da legalidade tributária, indispensável à meta de se atingir um Estado pautado pela segurança e estabilidade nas relações jurídicas integradas por governantes e governados.

O princípio da legalidade tributária se mostra, assim, como verdadeiro mensageiro dos chamados sobreprincípios constitucionais, representando, em verdade, um dos muitos mecanismos através dos quais estes se realizam no sistema jurídico. Plenamente possível é, pois, fundamentar a legalidade tributária em princípios outros, podendo-se chegar a afirmar que sua enunciação expressa far-se-ia, diante do contexto constitucional que se apresenta, dispensável (ainda que teoricamente).

De qualquer forma, a especialidade com que foi tratado o princípio - disposto no topo do rol das assim denominadas limitações constitucionais ao poder de tributar - apenas reforça sua importância e inafastabilidade, facilitando, assim, sua defesa e aplicação.

Veio, nesse sentido, fortalecer a legalidade tributária a Constituição Federal de 1988, carta que consagrou diversos dispositivos que, não obstante direcionados a outros fins, apenas reforçam os valores existentes por trás da legalidade, facilitando sua aplicação e reduzindo as possibilidades de desvio ou desrespeito ao princípio.

A exaltação constitucional aos direitos e garantias individuais, bem como aos direitos dos contribuintes em face dos entes tributantes, é, sem dúvida, fator que acaba por fortalecer e beneficiar, em muito, os ditames do princípio da legalidade tributária.

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Por tudo o que foi dito, importante é que se mostre clara a necessidade de respeito absoluto aos ditames do princípio da legalidade tributária, como forma de se preservar a própria higidez de nosso sistema constitucional, e, por conseqüência, os ditames e garantias decorrentes da idéia de Estado Democrático de Direito, marcado, como deve ser, pela segurança e lisura das relações. As reiteradas tentativas de se macular o princípio em questão devem, pois, ser prontamente repelidas pela doutrina e, particularmente, pelos órgãos julgadores, responsáveis últimos pela aplicação efetiva dos limites da atuação estatal em matéria de tributação.


5. Referências

ATALIBA, Geraldo. República e Constituição. 2. ed. 2 tir. Atualizado por Rosolea Miranda Folgosi. São Paulo: Malheiros, 2001.

BALEEIRO, Aliomar. Limitações Constitucionais ao Poder de Tributar. 4. ed.rev. Rio de Janeiro: Forense, 1974.

CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário, Linguagem e Método. São Paulo: Noeses, 2008.

COELHO, Sacha Calmon Navarro. O Princípioda Legalidade. O Objeto da Tutela.In PIRES, Adilson R.; TÔRRES, Heleno T. (Org.). Princípios de Direito Financeiro e Tributário: Estudos em Homenagem ao Professor Ricardo Lobo Torres. Rio de Janeiro: Renovar, 2006.

GONÇALVES, José Artur Lima. Imposto sobre a Renda: pressupostos constitucionais.1. ed. 2. tir. São Paulo: Malheiros, 2002.

MACHADO, Hugo de Brito. Princípio da Legalidade Tributária na Constituição de 1988. Revista de Direito Tributário. São Paulo, n. 45, p. 175-187, julho-setembro 1988.

SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 22. ed. rev. atual. São Paulo: Malheiros, 2003.

UCKMAR, Victor. Os Princípios Comuns de Direito Constitucional Tributário. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1976.

XAVIER, Alberto. Os Princípios da Legalidade e da Tipicidade da Tributação. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1978.


Notas

  1. Segundo afirma Victor Uckmar (UCKMAR, Victor. Os Princípios Comuns de Direito Constitucional Tributário. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1976, p. 9-20), as primeiras manifestações do princípio da legalidade tributária seriam do início do século XI, a partir de quando, tanto na Inglaterra quanto na Espanha, há diversos registros da exigência de consentimento - inicialmente individual e, posteriormente, coletivo - dos contribuintes para a instituição e arrecadação de tributos.
  2. Tradução nossa de versão em inglês do artigo (No freeman shall be taken, or imprisoned, or disseized, or outlawed, or exiled, or in any way harmed - nor will we go upon or send upon him - save by the lawful judgment of his peers or by the law of the land).A carta Magna foi, originalmente, escrita em latim.
  3. No scutage or aid shall be imposed on our kingdom, unless by the common counsel of our kingdom except for ransoming our person, for making our eldest son a knight, and for once marrying our eldest daughter, and for these there shall not be levied more than a reasonable aid. Esclarecemos, apenas, que as expressões "scutage" e "aid" têm significados específicos, não exatamente similares à idéia hodierna de tributos. Ambos representam, no entanto, prestações financeiras impostas pelo rei a seus súditos (a primeira delas relacionada ao não cumprimento de serviços militares e a segunda a deveres feudais).
  4. Em artigo sobre o tema, Sacha Calmon Navarro Coêlho adverte que, a despeito da redação de seus artigos 12 e 39, a Magna Carta não teria estabelecido de fato o princípio da legalidade na Inglaterra, uma vez que, "nos quinhentos anos que lhe seguiram, reis, juízes e parlamentos continuaram em sangrentas disputas para fazer prevalecer a vontade do mais forte" (COELHO, Sacha Calmon Navarro. O Princípio da Legalidade. O Objeto da Tutela.In PIRES, Adilson R.; TÔRRES, Heleno T. (Org.). Princípios de Direito Financeiro e Tributário: Estudos em Homenagem ao Professor Ricardo Lobo Torres. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 612).
  5. A importância do princípio da legalidade tributária para a história político-jurídica inglesa é ressaltada por Victor Uckmar no seguinte trecho: "A experiência dos últimos trinta anos foi condensada nas determinações de 1295 de Eduardo, durante cujo reinado se deu a efetiva formação do Parlamento [...]. O Parlamento continuou afirmando-se sempre mais nos anos seguintes e o seu desenvolvimento, como ocorrera com o seu nascimento, está estritamente ligado ao consentimento aos impostos". (UCKMAR, 1976, p. 15)
  6. UCKMAR, 1976, p. 24-25.
  7. Aliomar Baleeiro ressalta que mesmo no período colonial a tributação era, em geral, aprovada pelos Senados das Câmaras, compostos por representantes eleitos pelos contribuintes (BALEEIRO, Aliomar. Limitações Constitucionais ao Poder de Tributar. 4. ed.rev. Rio de Janeiro: Forense, 1974, p. 12)
  8. BALEEIRO, 1974, p. 13.
  9. BALEEIRO, 1974, p. 13-14.
  10. BALEEIRO, 1974, p. 30.
  11. Constituição Federal, artigo 150, inciso I.
  12. MACHADO, Hugo de Brito. Princípio da Legalidade Tributária na Constituição de 1988. Revista de Direito Tributário. São Paulo, n. 45, p. 175-187, julho-setembro de 1988.
  13. De se ressaltar, neste ponto, que o decreto-lei, diferentemente da atual medida provisória, não podia ter seu texto alterado pelo Congresso Nacional e, ainda, estava sujeito ao que se chamava "aprovação tácita", quando da extrapolação do prazo de sua apreciação pelo Poder Legislativo. Não bastasse isso, se fosse rejeitado pelo Congresso Nacional, sofria o decreto-lei efeitos semelhantes ao de uma revogação, de sorte que se mantinham sob sua tutela as relações formadas no período de sua vigência.
  14. COÊLHO, 2006, p. 619.
  15. ATALIBA, Geraldo. República e Constituição. 2. ed. 2 tir. Atualizado por Rosolea Miranda Folgosi. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 13.
  16. ATALIBA, 2001, p. 122.
  17. GONÇALVES, José Artur Lima. Imposto sobre a Renda: pressupostos constitucionais.1. ed. 2. tir. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 87.
  18. "Não se aceita a noção de que o tributo é ato de soberania do Estado. Antes, como advertiu Pontes de Miranda, ‘o princípio a priori é de que o povo se tributa a si mesmo’, juiz supremo, através da representação, das suas vantagens e conveniências em pagar as despesas propostas pelo Executivo". (BALEEIRO, 1976, p. 17-18)
  19. Sobre o tema, afirma Sacha Calmon Navarro Coêlho: "A legalidade da tributação, dizia Pontes de Miranda, significa o povo se tributando a si próprio. Traduz-se como o povo autorizando a tributação através dos seus representantes eleitos para fazer leis, ficando o príncipe, o chefe do Poder Executivo - que cobra os tributos -, a depender do Parlamento". (COÊLHO, 2006, p. 630)
  20. ATALIBA, 2001, p. 125.
  21. Nesse sentido é a advertência de José Artur Lima Gonçalves: "Daí porque não se pode admitir o descumprimento dos princípios da legalidade e da tipicidade. A omissão do legislador e a indevida ação do Executivo podem comprometer este tão básico postulado. É que à margem do Legislativo - foro próprio da representação popular - não há como satisfazer as exigências do princípio do necessário consentimento, assegurado que é pelos princípios da legalidade e da tipicidade taxativa. A república é a coisa do povo. O gasto público tem que ser (i) feito para atender ao interesse do povo, conforme esse venha a indicar, e (ii) custeado pelo povo, quando, e na medida em que, este consentir". (GONÇALVES, 2002, p. 88)
  22. XAVIER, 1978, p. 11.
  23. COÊLHO, 2006, p. 622.
  24. COÊLHO, 2006, p. 621.
  25. MACHADO, 1988, p. 176.
  26. XAVIER, 1978, P. 45-46.
  27. COÊLHO, 2006, p. 626-623.
  28. MACHADO, 1988, p. 179-180.
  29. COÊLHO, 2006, p. 627.
  30. CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário, Linguagem e Método. São Paulo: Noeses, 2008, p. 287.
  31. XAVIER, 1978, p. 59.
  32. XAVIER, Alberto. Os Princípios da Legalidade e da Tipicidade da Tributação. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1978, p. 69-70.
  33. XAVIER, 1978, p. 37-38.
  34. MACHADO, 1988, p. 178.
  35. MACHADO, 1988, p. 178.
  36. MACHADO, 1988, p. 182-183.
  37. ATALIBA, 2001, p. 123-124.
  38. XAVIER, 1978, p. 21.
  39. Com os olhos voltados à Constituição vigente na época (EC nº 1/69), Alberto Xavier acrescenta, ainda, outra razão pela qual se deve entender o vocábulo "lei" em sua acepção mais restrita: "[A proposta de assunção da palavra lei em sentido lato deve ser liminarmente rejeitada] por a expressão ‘lei’, usada na Constituição, se encontrar sistematicamente relacionada com o art. 46 que se refere ao processo legislativo, tipificando os modelos básicos das ‘leis’: ora, a tipificação a que procede o art. 46 não abre as portas às fontes regulamentares, secundárias ou ‘complementares’ que encontram guarida no conceito espúrio de ‘legislação tributária’, em má hora acolhido no Código Tributário Nacional". (XAVIER, 1978, p. 21-22)
  40. MACHADO, 1988, p. 183.
  41. SILVA, 2003, p.421.
  42. XAVIER, 1978, p. 37-38.
  43. SILVA, 2003, p. 691.
  44. COÊLHO, 2006, p. 620.
Sobre a autora
Lucia P. Guimarães

Advogada em São Paulo (SP).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GUIMARÃES, Lucia P.. O princípio da legalidade tributária. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3145, 10 fev. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/21046. Acesso em: 18 dez. 2024.

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