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O garantismo e o abolicionismo penal: características e conflitos

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Agenda 15/02/2012 às 17:03

4  CONCLUSÃO

De toda forma, embora doutrinas antagônicas – já que uma justifica e a outra deslegitima o direito penal –, o diálogo entre o garantismo e o abolicionismo pode render frutos duradouros ao primeiro, na medida em que as críticas abolicionistas gerem aprimoramentos ao segundo, mais palpável e implementável em termos pragmáticos.

O abolicionismo penal é mais do que abolição do direito penal ou da prisão moderna. Ele problematiza a sociabilidade autoritária que funda e atravessa o Ocidente como pedagogia do castigo em que, sob diversas conformações históricas, atribui-se a um superior o mando sobre o outro.[31]

As doutrinas abolicionistas, portanto, não são destituídas de méritos, conforme admitido pelo próprio Ferrajoli:

O ponto de vista abolicionista – exatamente porque se coloca ao lado de quem paga o preço da pena e não do poder punitivo, sendo, portanto, programaticamente externo às instituições penais vigentes – teve o mérito de favorecer a autonomia da criminologia crítica, de solicitar-lhes as pesquisas sobre a origem cultural e social da desviação e sobre a relatividade histórica e política dos interesses penalmente protegidos [...].

Deslegitimando o direito penal de um ponto de vista radicalmente externo e denunciando-lhe a arbitrariedade, bem como os custos e o sofrimento que o mesmo traz, os abolicionistas despejam sobre os justificacionistas o ônus da justificação.[32]

O modelo garantista, enquanto modelo ideal, pode sempre ser aprimorado, na medida em que aumente-se a efetividade e a abrangências das garantias que compõem o sistema SG. Tais garantias, em última instância, são fundamentos de proteção do indivíduo contra o Estado, indivíduo este que o abolicionismo também pretende proteger ao propor a abolição das penas. Neste ponto, ambas as doutrinas convergem – seu fim último é a humanização dos sistemas (formal e institucionalizado para uma, informal e social para a outra) para que as ações danosas eventualmente praticadas por um indivíduo em um grupo social possam ser dimensionadas dentro da própria comunidade (com ou sem a participação do Estado), mantendo-se a unidade do grupo sem a necessidade de segregação do indivíduo “desviante”.


5     REFERÊNCIAS

FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão: Teoria do garantismo penal. 2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006.

PASSETTI, Edson, et al. Curso livre de abolicionismo penal. Rio de Janeiro: Revan, 2004.

ZAFFARONI, Eugenio Raúl. O inimigo no Direito Penal. 2ª ed. Rio de Janeiro: Revan, 2007.


NOTAS

[1] O abolicionismo, na verdade, reúne um conjunto de teorias e correntes bastante heterogêneas. Abolicionistas mais radicais encontram origem em argumentos anarquistas e propõem a total abolição da figura do Estado, não só no campo penal. Outros, mais moderados, sugerem a abolição dos crimes e das penas, devendo os conflitos serem resolvidos por meio da conciliação desestatizada entre as partes, reservando-se ao Estado apenas o papel de administrador público, sem ingerência sobre a liberdade dos indivíduos. De qualquer forma, todas as correntes têm em comum a característica de deslegitimação do direito penal e seus mecanismos punitivos.

[2] FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão: Teoria do garantismo penal. 2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p.232.

[3] FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão: Teoria do garantismo penal. 2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 91.

[4] FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão: Teoria do garantismo penal. 2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p.95

[5] Idem, p.364.

[6] FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão: Teoria do garantismo penal. 2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 381.

[7] Idem, p. 382.

[8] FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão: Teoria do garantismo penal. 2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 385

[9] Idem, p. 355.

[10] FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão: Teoria do garantismo penal. 2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 385.

[11] Idem, p. 368.

[12] Idem, p. 309.

[13] Idem, p. 311.

[14] FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão: Teoria do garantismo penal. 2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 379.

[15] FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão: Teoria do garantismo penal. 2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 349.

[16] PASSETTI, Edson. “A atualidade do abolicionismo penal”. In, PASSETTI, Edson. Curso livre de abolicionismo penal. Rio de Janeiro: Revan, 2004, p. 20.

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[17] Michel Foucault (1926-1984), influente filósofo francês, estudioso da análise do discurso e das estruturas institucionais, tornou-se célebre pela crítica ao sistema penal e às prisões, principalmente em Vigiar e punir (1975), A sociedade punitiva (1973) e Teorias e instituições penais (1972).

[18] HULSMAN, Louk. “Alternativas à justiça criminal”. In, PASSETTI, Edson. Curso livre de abolicionismo penal. Rio de Janeiro: Revan, 2004, p. 43.

[19] PASSETTI, Edson. “A atualidade do abolicionismo penal”. In, PASSETTI, Edson. Curso livre de abolicionismo penal. Rio de Janeiro: Revan, 2004, p. 21.

[20] KARAM, Maria Lúcia. “Pela abolição do sistema penal”. In, PASSETTI, Edson. Curso livre de abolicionismo penal. Rio de Janeiro: Revan, 2004, p. 90.

[21] ZAFFARONI, Eugenio Raúl. O inimigo no Direito Penal. 2ª ed. Rio de Janeiro: Revan, 2007, p. 88

[22] Idem.

[23] PASSETTI, Edson. “A atualidade do abolicionismo penal”. In, PASSETTI, Edson. Curso livre de abolicionismo penal. Rio de Janeiro: Revan, 2004, p. 26.

[24] KARAM, Maria Lúcia. “Pela abolição do sistema penal”. In, PASSETTI, Edson. Curso livre de abolicionismo penal. Rio de Janeiro: Revan, 2004, p. 79.

[25] PASSETTI, Edson. “A atualidade do abolicionismo penal”. In, PASSETTI, Edson. Curso livre de abolicionismo penal. Rio de Janeiro: Revan, 2004, p. 26.

[26] HULSMAN, Louk. “Alternativas à justiça criminal”. In, PASSETTI, Edson. Curso livre de abolicionismo penal. Rio de Janeiro: Revan, 2004, p. 53.

[27] KARAM, Maria Lúcia. “Pela abolição do sistema penal”. In, PASSETTI, Edson. Curso livre de abolicionismo penal. Rio de Janeiro: Revan, 2004, p. 88.

[28] PASSETTI, Edson. “A atualidade do abolicionismo penal”. In, PASSETTI, Edson. Curso livre de abolicionismo penal. Rio de Janeiro: Revan, 2004, p. 32.

[29] PASSETTI, Edson. “A atualidade do abolicionismo penal”. In, PASSETTI, Edson. Curso livre de abolicionismo penal. Rio de Janeiro: Revan, 2004, p. 16

[30] FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão: Teoria do garantismo penal. 2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 233.

[31] PASSETTI, Edson. “A atualidade do abolicionismo penal”. In, PASSETTI, Edson. Curso livre de abolicionismo penal. Rio de Janeiro: Revan, 2004, p. 16.

[32] FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão: Teoria do garantismo penal. 2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 235.

Sobre a autora
Sheyla Cristina da Silva Starling

Delegada da Polícia Civil de Minas Gerais. Professora da Faculdade Batista de Minas Gerais. Mestranda em Direito Penal pela Universidade Federal de Minas Gerais. Ex-professora da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

STARLING, Sheyla Cristina Silva. O garantismo e o abolicionismo penal: características e conflitos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3150, 15 fev. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/21093. Acesso em: 23 dez. 2024.

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