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Senso crítico, senso comum, argumentação jurídica e decisões judiciais

Agenda 16/02/2012 às 10:59

O senso crítico tornou-se uma capacidade rara, sendo substituído pelo senso comum; para complicar, o senso comum está cada vez menos submetido à reflexão (em tempos pretéritos, pelo menos, os mais velhos e experientes ditavam o senso comum, hoje dominado pela mídia e pela moda).

Através do chamado SENSO COMUM, se pode dizer que, como regra, os homens possuem a capacidade de raciocinar com acerto ainda que não logrem fundamentar num esquema lógico-formal a correção dos raciocínios que utilizam para argumentar; daí porque limitam o âmbito de suas proposições a temas que possuam certa aceitação geral, a partir de suposições igualmente aceitas (algumas dogmáticas, outras consideradas sabedoria popular, outras partilhadas apenas em determinado local, outras instituídas midiaticamente) para com isso obter aceitação prévia a suas afirmações[1] e, com ela, a aceitação do auditório (tido como o grupo a que se destina a fala argumentativa).

O SENSO CRÍTICO - que visa ou por à prova a argumentação alheia para extrair conclusões e conhecimento próprios, ou formular uma argumentação própria sustentável cientificamente - exige mais, porque sua função não é a obtenção de mera aceitação das premissas expostas, mas a busca do respectivo acerto. Por isso, exige ponderação e inteligência (raciocínio e não aceitação incondicional e imediata de uma proposição), análise dos prós e dos contras, submissão das premissas à prova, experimentação, ausência de comprometimentos apriorísticos (que, quando presentes, dirigem também as perguntas e comprometem as respostas) e, principalmente, justificação cientificamente sustentável das conclusões.

Enquanto o senso crítico busca o conhecimento (como crença justificada), buscando primeiro convencer quem dele se vale, o senso comum contenta-se com a opinião e sua subjetiva validade, sem preocupar-se com a validade “in genero”, nem com a observância do método científico e suas limitações, que nos faz, muitas vezes, por humildade científica, a reconhecer a incorreção de nossas hipóteses.

É evidente que nos processos judiciais, que são instrumentos para aplicação da lei ao caso concreto, após regular apuração dos fatos que devem ser a ela subsumidos, deve ser utilizado o senso crítico e não o senso comum, exceto em situações especialíssimas, quando é possível a utilização das chamadas presunções hominis[2], que não deixam de ser licença para aplicação do senso comum em um instrumento científico, geralmente com a finalidade de resolver aparentes aporias (do grego, aporia, caminho sem saída – se é que há aporias jurídicas) ou abreviar alguns caminhos pela eliminação de contradições, ou, simplesmente, fazer com que a argumentação expendida na peça processual, comungue da autoridade de uma súmula, jurisprudência ou doutrina.

Porém, assim como há um senso crítico jurídico (que impõe a utilização de instrumentos jurídicos, regras de hermenêutica, observância de procedimentos e regras etc.), há também um senso comum jurídico que não deve ser confundido com o direito natural, nem com institutos jurídicos aceitos universalmente, mas com uma abreviação procedimental, para se aplicar ao caso concreto entendimentos comumente aceitos, enquadramentos e qualificações comumente verificáveis, institutos e constatações preconcebidas, que somente não implicam no obstar probatório para não causar nulidade, não obstante permitam e indiquem o solene ignorar de suas constatações.

Explico: criaram-se determinados “lugares comuns” jurídicos – cada vez mais utilizados e variados, para “aumentar a segurança jurídica” e a “celeridade na prestação jurisdicional que, por alguma razão, são usados na medida e também além da medida, mesmo que para isso seja necessário o ignorar de fatos, ou o aparar determinadas arestas, para que o caso concreto se aplique ao molde e, com isso, permita fazer vicejar a autoridade de uma súmula por exemplo e, com isso, obter a decisão de primeiro grau (e a decisão recursal, com enorme possibilidade de mantê-la) a autoridade própria das Cortes Superiores.

A esta altura se poderia dizer: ora, mas isso não corre, porque se ocorrer o tribunal entenderá que o juiz julgou “extra petita” ou não esgotou a jurisdição (“citra petita”), implicar nulidade pelo indeferimento de provas indispensáveis ou mesmo pelo forçar os limites e o objeto da prova no sentido do enquadramento que se pretende dar. O problema é que a intenção prévia de fazê-lo irá dirigir as decisões interlocutórias, a produção da prova (dirigirá as dúvidas do juiz e as respostas que ele permitirá sejam produzidas no processo) e, o que é pior, tornará alheio ao objeto do processo tudo aquilo que, embora as partes entendam relevantes, o juiz afastou porque tornaria difícil o enquadramento com o molde que elegeu.

Deste modo, se quer outorgar ao senso comum jurídico (ou ao senso comum ordinário juridicamente aplicado), a autoridade que seria própria do senso crítico jurídico, dando autoridade de conhecimento cientificamente obtido a procedimentos e constatações que não passaram pelo cadinho da investigação jurídica que, por ser investigação científica, depende da observância de método e ojeriza tanto a precipitação quanto os conceitos previamente estabelecidos e não admite o preconceito que, em direito, chama-se prejulgamento, mas que hoje pode-se considerar “duração razoável do processo”, celeridade, praticidade jurídica etc.

Entretanto, apesar da aparência de constatação científica, é mero senso comum ou, por vezes, nem isso (apenas senso especial do juiz, tribunal ou corrente doutrinária e jurisprudencial), não detendo qualquer autoridade, porque nada mais é do que opinião estabelecida aprioristicamente, ainda que, com a aparência de conclusão derivada de procedimento científica e racionalmente estabelecido.

Não se está dizendo haver uma disseminação do senso comum e da acientificidade, mas que ocorrem uma e outra em processos judiciais e mais, que a própria exigência de produtividade, a colocação da segurança jurídica como escopo preferencial e a preocupação exagerada com a estatística a está inflando.

A prática fere o caráter científico do direito, distanciando o conhecimento jurídico dos mais comezinhos ditames epistemológicos.

A epistemologia (do grego episteme – conhecimento + logos – discurso) é um ramo da filosofia que faz o estudo da ciência (que é o conhecimento), bem como sua natureza e suas limitações. Para tanto, estuda não apenas a origem, como a estrutura, os métodos e a validade do mesmo conhecimento, avaliando a consistência lógica das teorias e sua sustentação científica, inclusive a possibilidade e os limites do conhecível (o limite entre o cognoscível e o incognoscível).

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Epistemologicamente, o conhecimento é a crença verdadeira e justificada. O que não é verdadeiro (do ponto de vista científico), nem justificado é meramente opinativo, é mera crença. As crenças, inclusive as crenças jurídicas, sem aqui fazer qualquer crítica às suas origens ou objetos, contém elementos alheios à ciência, mesmo que sejam comuns ou universalmente aceitas[3].

O conhecimento jurídico é – ou deveria ser – espécie do gênero conhecimento científico, do que decorre que possui estrutura determinada, método de apreensão, avaliação da consistência lógica das premissas e conclusões, exame exaustivo das possibilidades contrárias, análise teórica (e jurisprudencial – para evitar a reinvenção da roda), fundamentação consistente das conclusões de forma a convencer, sem o uso de falácias (que é imprópria à objetividade da linguagem científica) etc.

O problema é que o senso crítico tornou-se uma mercadoria rara em nossos tempos e está sendo alijado também do processo, em troca de um “senso comum jurídico”. A enorme quantidade de processos vem indicando a adoção de “standards”, tornando tanto a busca das premissas de fato, quanto a submissão dos fatos às normas, quanto o exame e refutação racional das teses contrárias, quanto a própria argumentação jurídica, meros detalhes, mesmo que as peculiaridades do processo sejam tais que possam diferenciá-los totalmente do modelo adotado para sua decisão.

Para tanto, em alguns casos, não há uma preocupação com o refutar argumentos contrários, mormente consistentes, bastando, para tal, o uso de catálogos de enquadramento (este é o caso “x” que versa sobre a matéria “y”, para o qual este tribunal entende “w”), ignorando-se quaisquer peculiaridades que possam implicar no afastamento do modelo, ou que exijam uma maior meditação acerca do tema e, principalmente, o desvencilhar dos véus do preconceito jurisprudencial ou a cegueira da justiça, que não pode ignorar os fatos, senão subsumi-los às normas jurídicas.

Não há nada mais abominável do que a certeza fundada no erro ou a cegueira voluntária que, para resguardar a confiança na correção dos julgamentos, não cede nem diante do óbvio. Por isso é que, mesmo diante da indicação escancarada da disparidade (entre o caso e o modelo), é provável que eventual embargo declaratório também obtenha decisão estandarizada de rejeição (as estatísticas demonstram ser ínfima a possibilidade de sucesso dos embargos declaratórios).

Não são poucas as vozes que consideram essa prática preferível, seja pela celeridade, seja em nome de uma “segurança jurídica” posta como um bem maior e mais concreto do que a própria justiça (considerada abstração inatingível), ao contrário dos números e prazos, que falam por si só. A chance de uma decisão amoldada perfeitamente ao caso concreto assim, depende de sua singularidade e especificidade; o que puder ser enquadrado, mesmo que com algum “esforço” corre o risco de obter uma decisão divorciada do caso concreto e suas peculiaridades.

Como na alegoria da caverna de Platão, os processos possuem cada vez menos luz própria, devendo contentar-se com a sombra das luzes que a jurisprudência vai estabelecendo no mundo jurídico, com todas as distorções que disto possam derivar.

É essa “segurança jurídica” que norteia, em muitos juízos e tribunais, por exemplo, a fixação de indenização por danos morais, sem considerar as peculiaridades do caso concreto, os fins pedagógicos da decisão etc. Em sede trabalhista há ainda um agravante, viceja uma filosofia jurídica que considera mais técnica a decisão judicial quanto mais desfavorável for à pretensão obreira, como se, com isso, o juiz tivesse conseguido sobrepor sua “imparcialidade” aos princípios do direito do trabalho.

Essa estandarização torna-se difícil quando o juiz busca apurar e examinar com profundidade os fatos do processo, porque outorga ao caso concreto uma roupagem diferencial incômoda, primeiro porque traz a lume a superficialidade das análises geralmente realizadas por ele (nos processos que tenham atraído menos sua atenção), seja pelos outros juízes (mais pragmáticos e preocupados com a produtividade), depois porque, uma análise acurada, seguida de uma fundamentação exaustiva, de forma paradoxal deixará a decisão mais exposta à eventual reforma. Decisões genéricas possuem maior possibilidade de manutenção, porque não aguçam o senso crítico dos tribunais e ainda estão confortadas pelo senso comum jurídico (o não concordar com um argumento isolado é o que pode levar, em muitos casos, à formação de uma tendência à reforma).

Quanto mais alto o nível da jurisdição, mais será a possibilidade de estandardização e, o que não puder ser inserido no formato estabelecido “a priori” não será conhecido, será jogado na vala comum das matérias de fato, tratadas como de somenos importância, portanto sujeitas ao crivo cada vez mais solitário do juiz de 1º grau.

Para tanto, utiliza-se também de uma constatação derivada do senso comum e não do senso crítico, qual seja, de que o juiz de 1º grau está sempre mais apto a apreciar a prova cuja colheita presidiu. Esta verdade é apenas parcial, servindo como critério de solução de impasses, ou seja, se a análise da prova estiver absolutamente dividida e se, da decisão recorrida houver fundamentos que levaram a considerar provados determinados fatos e improvados outros, de forma racional e sem generalizações[4], indicando elementos também científicos, mesmo que ainda pouco utilizados pela ciência jurídica[5].

Há uma demanda cada vez mais insuperável de processos e essa demanda vem fazendo com que o caso concreto seja cada vez menos considerado em sua importância ímpar[6]; pede-se cada vez mais produção e valoriza-se cada vez mais a estatística, em detrimento das nuances humanas e das peculiaridades do incômodo caso concreto.

O juiz passa a ser considerado mais técnico quanto mais abstratas, genéricas e compilativas forem suas decisões (há as que se limitam a tratar em uma linha ou duas sobre o que se considerou provado – sem justificar, para a seguir, em nauseantes e longas laudas, transcrever precedentes jurisprudenciais e súmulas, sem preocupação com a similitude real dos objetos) e menos técnico, quanto menos curvar-se ao senso comum jurídico e insistir em examinar todos os argumentos, todas as provas, sopesá-los e só então concluir. Decisões desse naipe, muitas vezes, são reformadas por acórdãos genéricos.

A própria ARGUMENTAÇÃO JURÍDICA passou a ser objeto de enfado e não de convencimento. Invoque-se a súmula e indiquem-se os fatos ou os direitos, usando o mesmo tipo e até os mesmos vocábulos delas, porque isso facilita o trabalho de revisão. A síntese pode ter algum poder de convencer, desde que se limite a associar ou a dissociar de determinada conclusão consagrada, tudo o mais, é considerado inócuo (apesar de a informática e o copia/cola facilitarem petições e decisões quilométricas, com pouco conteúdo substancial).

Nesse quadro, são poucos os advogados e são poucos os juízes que ainda se preocupam em argumentar e em tentar convencer do acerto de suas afirmações; a maioria foi atraída pelo canto da sereia da “praxis”, pelo repetir de súmulas, por uma objetividade que, em verdade, traveste uma subjetividade limitada apenas pela pobreza dos verbetes jurisprudenciais (no sentido de que não podem dar conta da complexidade da realidade, cada vez maior).

Mas a culpa não é só dos juristas, sendo reflexo de uns tempos onde o próprio senso crítico está adormecido.

A personalidade já não é mais ditada pelo pensar, falar ou agir, mas pelo vestir, pelo esporte praticado, pelos ambientes frequentados. A opinião que não marginaliza é aquela que mostra grau alto de comunhão com a “vox populi”, com uma estatística acientífica e também com os “standards” construídos pela mídia e não aquela derivada da reflexão e da discussão sem limitações ideológicas ou interesses mesquinhos.

O senso crítico tornou-se uma capacidade rara, sendo substituído pelo senso comum; para complicar, o senso comum está cada vez menos submetido à reflexão (em tempos pretéritos, pelo menos, os mais velhos e experientes ditavam o senso comum, hoje dominado pela mídia e pela moda).

A causa, como dito no início, é que o senso comum é sempre irrefletido (por isso vago e impreciso, sem preocupação com o amalgamar de aspectos contraditórios), fragmentado (não há qualquer preocupação sistemática, que seria, ademais, incompatível com o caráter ordinário e coletivo), estando sujeito à manipulação e, com ela, à massificação e a ideologização. Nada disto passa pelo cadinho da ciência, que exige que se coloquem à prova de fogo as premissas e as conclusões para validá-las.

O senso crítico nem sempre está presente na atuação dos juristas e dos peritos (também eles cada vez mais preocupados em fornecer laudos estandardizados), que usam o senso comum disfarçado por uma retórica científica, jargões etc., para conferir-lhe autoridade. O juiz não pode se contentar com o conhecimento mediano, como não pode achar que seu cargo lhe autoriza a fazer o mesmo e impor por corretas suas crenças (e as conclusões do juiz, que não se demonstrarem científicas através do método de obtenção e do rigor da exposição são meras crenças), quando cientista que é do direito, não pode se contentar com preconceitos, mesmo que impostos em verbetes sumulares, mormente quando sua aplicação implicar num certo abrogar da prova, num certo ignorar das normas ou dos argumentos suscitados, na adoção de um modelo que implique aparar arestas inalijáveis, encurtando um caminho que só na maturidade logra seu objetivo.

O juiz pode usar o senso comum, apenas quando expressamente autorizado e deve se impor e impor o uso do senso crítico, na atuação das partes, advogados e auxiliares do juízo, inclusive peritos (também contagiados por uma linguagem hermética e pela despreocupação com o método, sucedido por uma despreocupação com a própria formulação fundamentada do laudo), para que séculos de construção da ciência jurídica não sejam obscurecidos por razões meramente pragmáticas, inclusive de índole estatística.

A atuação do juiz – a exemplo do que deve ocorrer em qualquer ato ou termo processual - sempre se deve fazer de maneira crítica, fundamentadamente crítica, e com base em elementos que conhece, e não que finge conhecer ou que insiste em ignorar (e a vala comum dos embargos declaratórios é o melhor meio para fazê-lo sem consequências), como também própria é a ânsia insaciável de submeter os casos ao universo sumular, infinitamente menor que o direito positivo e menor ainda que os princípios que sustentam o próprio direito.

A ausência de senso crítico torna inócua a prova, como torna estéril a argumentação jurídica e contamina o julgamento, como contamina a própria atuação madura de qualquer ser humano adulto em sua vida particular e põe em dúvida sua capacidade de julgar (e fazer os juízos teórico-prático e prático-prático de que nos fala Tomás de Aquino).

Nunca o ser humano precisou tanto da opinião alheia para aceitar-se a si próprio (a redundância aqui é necessária) e também nunca a utilizou tanto para não ter que meditar sobre grandes dilemas que o afastam do repousante ócio intelectual e do indagar sobre os grandes dilemas da humanidade, da febre disseminada pela diversão, da superficialidade das amizades e relacionamentos, cada vez menos permeáveis à crítica e aos valores próprios, substituídos pelo amoldar-se na busca da aceitação do grupo em que está inserido, que o digam os “brothers”.

Queremos amigos leves, que não nos critiquem, não tratem de dilemas, que finjam não ver nossos defeitos, nem nos chateiem com a religião, questões políticas ou sociais pulsantes ou com a moral; queremos amigos que não nos falem de problemas e que se mantenham na superficialidade regada por bons azeviches e bebidas, mantendo-se no senso comum, sem usar o senso crítico (principalmente para nos fazer refletir ou para nos censurar).

A dúvida é se estamos nos tornando comodistas (rótulo que se pode dar em muitos casos à pragmática), insensíveis (por nos afastarmos das consequências reais de nossas operações jurídicas, postas como questões acadêmicas) ou desumanos mesmos (esquecendo que a finalidade do direito é tornar possível e equânimes as relações intersubjetivas e captar, ainda que minimamente os dramas humanos por detrás dos processos judiciais) escondidos atrás de algo que não é mais a técnica (a técnica jurídica, como instrumento da ciência jurídica, exigiria que nos abríssemos às possibilidades infinitas de problematização oferecidas pelo mundo, sem reduzir nem os problemas, nem as soluções, nem os métodos de que fazem as últimas sucedam os primeiros), embora o senso comum diga que não devamos ser comodistas, que devem ser sensíveis e prezar a humanidade.

Concluo dizendo que o senso crítico não pode ficar nas escadarias dos tribunais que, nem pela pressão estatística, nem pela segurança jurídica, nem para buscar aceitação popular, podem se deixar levar pela tentação de usar o senso comum jurídico e, o que é pior, converter senso comum em jurisprudência, em súmulas, em verbetes vinculantes, sob pena de afastar, cada dia mais, o direito da realidade até que, em um determinado momento, a própria realidade comece a ignorar o direito, pela progressiva perda de autoridade das decisões judiciais, que nunca alcançarão o senso comum ordinário, por mais que comunguem de seus métodos (ou da ausência deles).


Notas

[1] - quanto mais comum é um senso, mormente por disseminado, mais ele se confunde com o racional, a ponto de se considerarem inaceitáveis ou irrefletidas as vozes dissonantes, mesmo que, frutos da reflexão, da análise, da experimentação científica.

[2] A presunção hominis, cuja origem se encontra no direito canônico – aliás como grande parte de nossas instituições processuais – é aquela fundada no fato comum, na experiência de vida, sabedoria popular, nas crenças compartilhadas etc. Sua aplicação decorre, inclusive, do disposto no art. 335, do CPC: “Art. 335. Em falta de normas jurídicas particulares, o juiz aplicará as regras de experiência comum subministradas pela observação do que ordinariamente acontece e ainda as regras de experiência técnica, ressalvado, quanto a esta, o exame pericial.”

[3] E, todos os dias, a pesquisa científica mostra o equívoco de determinadas pérolas estabelecidas pelo senso comum que pode ser também, ignorância comum (chupar manga e tomar leite, por exemplo).

[4] não é científica, por não serem logicamente sustentáveis, afirmações genéricas como “o conjunto da prova oral etc.”, onde não há análise crítica de cada elemento probatório e seu cotejo com o conjunto, justificação de escolhas (da versão “x” à versão “y” etc.)

[5] que não examina, por exemplo, as nuanças da linguagem corporal e suas discrepâncias com a linguagem verbal e as próprias discrepâncias nas alegações e admissões) e não preconceitos (maior conhecimento sobre a região ou sobre o tipo de pretensão etc.)

[6] (não basta a generalidade da lei, se as decisões judiciais também pudessem ser genéricas, “ad absurdam” bastaria o processo de execução.

Sobre o autor
José Ernesto Manzi

Desembargador do TRT-SC. Juiz do Trabalho desde 1990, especialista em Direito Administrativo (La Sapienza – Roma), Processos Constitucionais (UCLM – Toledo – España), Processo Civil (Unoesc – Chapecó – SC – Brasil). Mestre em Ciência Jurídica (UNIVALI – Itajaí – SC – Brasil). Doutorando em Direitos Sociais (UCLM – Ciudad Real – España). Bacharel em Filosofia (UFSC – Florianópolis – SC – Brasil), tendo recebido o prêmio Mérito Estudantil (Primeiro da Turma)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MANZI, José Ernesto. Senso crítico, senso comum, argumentação jurídica e decisões judiciais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3151, 16 fev. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/21097. Acesso em: 22 nov. 2024.

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