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O Código de Defesa do Consumidor como primado de regramento acerca da coisa julgada no processo coletivo

Agenda 17/03/2012 às 15:58

A regra, em termos de coisa julgada nos processos coletivos, é beneficiar todos os titulares de direitos ou interesses em caso de acolhimento da demanda.

1 Breve Histórico das Ações Coletivas: O Modelo Norte-Americano das Ações de Classe (Class Actions For Damage)

Em nossa tradição jurídica atual o processo é concebido como um veículo para ajustar disputas entre partes privadas a respeito de interesses privados. Por outro lado, os processos coletivos servem à litigação do interesse público, aqueles referentes à preservação da harmonia e à realização dos objetivos constitucionais da sociedade e da comunidade.

O artigo 170, inciso V, da Constituição Federal enuncia que: “a ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar à todos uma existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: defesa do consumidor”. (grifo nosso)

A defesa da ordem econômica tem como razão finalística a proteção dos interesses e direitos dos consumidores, eis que são destinatários finais de tudo que é produzido no mercado. Observa-se, por conseguinte, que tal preocupação é universal, ou seja, uma preocupação supra-estatal, como de resto não poderia deixar de ser, sobretudo diante da perspectiva dos próprios direito humanos, em sua terceira geração.

Todavia, a Constituição Federal foi relativamente tímida ao cuidar da tutela dos consumidores e de forma ponderada, estabeleceu somente em seu artigo 5º, inciso XXXII, que “O Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor”. Conseqüentemente, daí porque surgiu a Lei 8.078, de 11 de setembro de 1.990, para regulamentar os preceitos da Carta Maior e trazendo diversas inovações no que toca à proteção dos consumidores.

Dentre as mencionadas inovações, destaca-se a criação das Ações Coletivas, tratadas pelo Código de Defesa do Consumidor em seus artigos 91 a 100, onde a maior importância reside no fato de que interesses individuais são, às vezes, insuficientes para despertar defesa isolada por parte do seu titular, resultando que em sede de uma Ação Coletiva, com a atuação em Juízo de entes específicos, determinados pela própria lei, tornam-se passíveis de defesa como um todo. Ora, a própria noção de direitos coletivos nasceu visando garantir o acesso à justiça de situações que antes não encontravam guarida no Judiciário.

Revela-se, desta forma o enfoque especial dado pelo CDC à demanda coletiva, ou seja, ao invés da pulverização de demandas individuais, seja ajuizada uma única ação, passando-se depois da condenação obtida à liquidação conforme a extensão de cada dano individualizado, já que é certo que nossa cultura não é dotada de tradição associativa.

As ações coletivas são uma constante na histórica jurídica da humanidade, muito embora, assim como os demais ramos do direito, somente no último século tenham adquirido a configuração constitucional de direitos fundamentais que possuem na atualidade, porque como uma forma de acesso à justiça, trás na acepção participativa populista da administração da justiça, um instrumento de garantia, de controle e de transformação social, correspondendo diretamente à exigência da legitimação democrática no exercício da jurisdição e às instâncias prementes de educação para o bem comum.

A origem próxima das ações coletivas de classes são as class actions norte-americanas e as ações coletivas disciplinadas no CDC, existentes na prática judiciária anglo-saxã há oitocentos anos. A class action do sistema norte-americano, por sua vez baseada da equity, pressupõe a existência de um número elevado de titulares de posições individuais de vantagem no plano substancial, dando a abertura ao tratamento processual unitário e simultâneo de todas, por intermédio da presença, em juízo, de um único expoente da classe, cabendo ao juiz o controle acerca da representatividade adequada.

O critério adotado foi o da representação adequada, pois embora a sentença alcance todos os titulares dos interesses individuais, estes se encontram representados em Juízo por um só indivíduo, desde que todos tenham sido cientificados da existência do processo.

O Brasil se inspirou no sistema das class actions norte-americanas quando da criação e implantação das ações coletivas em nosso país desde o advento da Lei da Ação Civil Pública. Adaptando o esquema norte-americano ao civil law, o legislador obteve inspiração para criar, primeiramente, as ações coletivas em defesa de interesses difusos e coletivos, de natureza indivisível, por intermédio da LACP. Obstante, preferiu não adotar o princípio da adequada representação, preferindo o critério da existência legal e da pré-constituição das associações legitimadas às ações coletivas, como nos informa Ada Pellegrini Grinover.[1]

A motivação da tutela coletiva neste modelo está na necessidade de proteger os indivíduos ou grupo de indivíduos de lesões de massa, que ficariam sem proteção, ou por falta de interesse individual ou por ausência de benefício claro diante de uma tutela custosa, complicada ou onerosa. Contudo, por própria disparidade legal, não permitia que a reparação dos danos pessoalmente sofridos se fizesse por intermédio da ação coletiva, cabendo aos indivíduos prejudicados valer-se das ações pessoais ressarcitórias do processo comum, a qual foi devidamente compensada através da habilitação por intermédio de processos de liquidação, sugerindo a idéia de uma condenação.

A revolução processual provocada pelas tutelas coletivas só foi possível no Brasil em razão das aptidões culturais e do contexto histórico em que estava emergindo o Estado Democrático de Direito de 1.988. Esta breve explanação leva à percepção de que o processo, assim como o direito, tem uma conformação histórica.

1.1 Fundamentos Sociológicos e Políticos da Ação Coletiva e o Conceito de Processo Coletivo no Direito Brasileiro

A dinâmica que cerca o universo das ações coletivas é dotada, em geral, de duas justificativas atuais, uma de ordem sociológica e, outra política, que se revelam, basicamente, nos princípios do acesso à justiça e da economia processual.

No que tange as motivações sociológicas, é certo que “demandas de massa, instigam uma litigiosidade de massa”, as quais prescindem de controle. Ao passo que as motivações políticas permeiam pela redução dos custos materiais e econômicos na prestação jurisdicional, a uniformização dos julgamentos, com a conseqüente harmonização social, o aumento de credibilidade dos órgãos jurisdicionais e o alcance das pretensões constitucionais de uma Justiça mais célere e efetiva.

Contudo, conforme a lição de Márcio Mafra Leal[2], os argumentos do acesso à justiça e da economia processual fundamentam a ação coletiva sob este viés, mas não explicam seu modelo processual, basicamente constituído de um mecanismo de representação de direitos alheios e possibilitador da extensão da coisa julgada a terceiros.

Os processos coletivos servem a “litigação de interesse público”, qualificada para além dos interesses meramente individuais, aqueles referentes à preservação da harmonia e à realização dos objetivos constitucionais da sociedade e da comunidade, de uma parcela constitucionalmente reconhecida, a exemplo dos consumidores.

A nova aspiração aparece dentro do sistema jurídico processual, no momento em que a união popular em torno de certos interesses aspira à tutela jurisdicional como solução para o conflito. Posta essa premissa, é possível identificar os elementos que compõem o conceito de processo coletivo. Nesse sentido, para Antônio Gidi[3], conceitua-se processo coletivo como:

“ [...] aquele instaurado por ou face de um legitimado autônomo, em que se postula um direito coletivo lato sensu ou se postula um direito em face de um titular de um direito coletivo lato sensu, com o fito de obter um provimento jurisdicional que atingirá uma coletividade, um grupo ou um determinado número de pessoas”.


2 Os Direitos Supra-Individuais Lato Sensu: Difusos, Coletivos e Individuais Homogêneos

Atualmente, o direito contemporâneo revelou a necessidade de efetiva proteção de posições jurídicas que fogem à antiga fórmula individual estabelecida pelo CPC, sendo imprescindível a definição de conceitos para os novos direitos. A gênese dessa proteção/garantia coletiva tem origem direta nas class actions for damages, ações de reparação de danos à coletividade do direito norte-americano.

Denominam-se direitos coletivos lato sensu os direitos coletivos entendidos como gênero, dos quais são espécies: os difusos, os coletivos stricto sensu (essencialmente coletivos) e os individuais homogêneos (acidentalmente coletivos). São direitos titularizados ao mesmo tempo por grupos, classes ou categorias de pessoas, ou, em dadas circunstâncias, por titulares indetermináveis. São interesses incindíveis por pertencerem, concomitantemente, a toda coletividade, como o direito à educação, à saúde, meio ambiente saudável, etc.

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Inicialmente, resta que Ações Coletivas são aquelas capazes de promover a defesa de direitos subjetivos difusos, coletivos e individuais homogêneos e a própria legislação consumerista, em seu artigo 81, cuida da definição dos direitos mencionados:

"Art. 81 - A defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das vítimas poderá ser exercida em juízo individualmente, ou a título coletivo.

Parágrafo único. A defesa coletiva será exercida quando se tratar de:

I - interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos deste Código, os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato;

II - interesses ou direitos coletivos, assim entendidos, para efeitos deste Código, os transindividuais de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base;

III - interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos os decorrentes de origem comum”. (grifo nosso)

Os direitos difusos são transindividuais, em seu aspecto subjetivo, e indivisíveis objetivamente, na medida em que não podem ser mensurados individualmente, vale dizer, não podem ser quantificados sob o prisma individual, pois seria impossível individualizar qual a parcela do direito cabível a cada consumidor específico. Quando estes interesses são afetados, toda coletividade se sujeita aos efeitos prejudiciais. Ademais, para caracterizar o direito difuso, é necessário que seus titulares sejam membros da comunidade e ao mesmo tempo, pessoas indeterminadas, pois é a coletividade das pessoas que detém a titularidade dos direitos difusos, sendo indisponíveis, pelo fato de não pertencerem individualmente a cada sujeito, mas ao mesmo tempo, a toda sociedade, genericamente conceituada.

Já os direitos coletivos são aqueles direitos transindividuais, dos quais são titulares grupos de pessoas determinadas, ligadas entre si por uma relação jurídica base. São direitos cuja titularidade não abrange a totalidade dos indivíduos, mas grupos homogêneos tomados em determinado aspecto. O elemento diferenciador aqui, portanto, é a determinabilidade e a decorrente coesão como grupo, categoria ou classe, fenômeno este identificável nos direitos coletivos, mas não nos direitos difusos, pois mesmo permanecendo a noção de indivisibilidade, subsiste um vínculo jurídico entre os interessados quando se fala em sujeitos determináveis.

Por fim, não mais se tratando de direitos transindividuais, o Código destaca os direitos individuais homogêneos, como aqueles quantificáveis e mensuráveis de forma individual, cujos titulares são indivíduos específicos. Estes decorrerem de um fato comum, onde as conseqüências individuais são suportadas por diversos consumidores, tendo cada consumidor sofrido uma espécie de prejuízo singular e mensurável que devido à amplitude das conseqüências, lhes é permitido defendê-los de forma individual ou coletiva. Neste caso, têm-se um direito divisível e suscetível de plena identificação e determinação dos titulares, que cujo grande número de titulares legitima o uso da via coletiva para sua defesa.

Cabe ressaltar, ainda, que as Ações Coletivas destinadas à defesa dos direitos difusos e coletivos têm caráter predominantemente preventivo, enquanto que nas ações coletivas em defesa de interesses individuais homogêneos prevalece o caráter reparatório.

Assim, visto o conceito e a classificação dos direitos metaindividuais, vejamos a mudança legislativa no que tange aos efeitos da sentença.

2.1 O Conceito de Coisa Julgada

Conclusivamente, falar-se em sentença, enseja logicamente o conceito de coisa julgada, a qual se trata de uma técnica de que se vale o legislador para os casos aos quais entenda ser conveniente e oportuna a cristalização, no tempo, de uma determinada decisão, imutabilidade essa que projetará efeitos no processo e erga omnes. Contudo, pela teoria formulada por Liebman, a coisa julgada seria uma qualidade da sentença e não um efeito, que torna imutável a decisão.

 É cediça a lição consagrada no CPC à coisa julgada se caracteriza pela presença dos seguintes elementos: as mesmas partes, a mesma causa de pedir e o mesmo pedido. Assim, tornam-se imutáveis os efeitos gerados na sentença, quando se encontram presentes essa tríplice identidade, inviabilizando dessa forma, a repetição de uma outra ação, que albergue as mesmas características.

Entretanto, é certo que a coisa julgada não atua apenas com o estopo de inviabilizar o ajuizamento de outras ações com essa tríplice identidade, pois a proibição da não discussão do mérito da demanda no processo de liquidação não guarda essa coerência, uma vez que nesse processo não estão presentes aquelas figuras. Tal entendimento se estende a hipótese de relação jurídica prejudicial quando transitada em julgado, impedindo o prosseguimento de outra ação, quando também não estão presentes as três ordens, sem que nestes últimos casos se deva respeitar a coisa julgada.

Resumindo, temos que no processo que alberga direitos individuais, somente fará coisa julgada àqueles objetos que tiverem sido trazidos na inaugural e forem analisados e decididos pelo Juiz, bem como em relação às pessoas que integraram tal processo, não havendo qualquer extensão a terceiros estranhos a tal relação jurídica, conforme se infere da primeira parte do artigo 472, do CPC. 

2.2 Confronto entre o Regime Jurídico da Coisa Julgada em Sede de Tutela Coletiva e Tutela Individual

Partindo-se da premissa de que os interesses e as dimensões dos danos derivativos do consumo não se restringem apenas a consumidores perfeitamente determinados e identificados, o legislador consumerista introduziu um sistema totalmente diferenciado do vigente no Código de Processo Civil no que tange aos efeitos da sentença. Fizemos remissão às alterações legislativas que influíram nos efeitos emanados da sentença. Falar de efeitos da sentença remete à coisa julgada, e, neste tema, as inovações foram substanciais.

O legislador infraconstitucional, cumprindo o ditame constitucional de elaborar mecanismos instrumentais que garantissem a defesa efetiva dos direitos metaindividuais, concebeu a Lei 8078/90 e aperfeiçoou a Lei 7.347/85. Esses dois diplomas cristalizam normas que destoam da processualística tradicional, porquanto as regras do Código de Processo se revelaram inaptas para equacionar satisfatoriamente às exigências da nova ordem social.

O CDC estabeleceu nova disciplina ao dar atenção às garantias individuais, ditando que não serão prejudicadas as ações individuais em razão do insucesso da ação coletiva, sem a anuência do indivíduo, estabilizando a coisa julgada material apenas no âmbito da tutela coletiva, sem implicar em qualquer repercussão no âmbito individual. Ao passo que a procedência da demanda coletiva, torna-se indiscutível pela coisa julgada material, a questão coletiva e, ainda, somente estende seus efeitos para beneficiar os indivíduos em suas ações coletivas, surgindo, assim, a extensão secundum eventum litis: as sentenças somente terão estabilizadas suas eficácias com relação às demandas individuais, quando forem de procedência nas ações coletivas.

Como informa Ada Pellegrini Grinover[4], o artigo 103 contém toda a disciplina da coisa julgada nas ações coletivas, seja definindo seus limites subjetivos (o que equivale a estabelecer quais as entidades e pessoas que serão alcançadas pela autoridade da sentença passada em julgado), seja determinando a ampliação do objeto do processo da ação coletiva, mediante o transporte, in utilibus, do julgado coletivo às ações individuais. É certo que ao tratar da matéria, opinou por adotar o non liquet - que é a possibilidade do julgador rejeitar a pretensão ante a insuficiência probatória, sem que tal sentença produza a coisa julgada material - e do julgado secundum eventum litis – traduzido pela possibilidade de estender subjetivamente os efeitos da sentença.

Ademais, é imprescindível anotar que a incidência de tais regramentos depende da natureza da sentença, do direito litigioso e do resultado da lide coletiva. Se a sentença ser meramente formal, ou seja, quando o processo for extinto sem julgamento do mérito, os efeitos são idênticos ao adotado pelo CPC, conclui-se coisa julgada formal e seus efeitos ficam adstritos ao processo extinto, permanecendo a controvérsia incólume à apreciação judicial, trazendo a faculdade à parte interessada, do ajuizamento de uma nova ação. Mas, se a sentença for definitiva, ou seja, quando o processo é extinto com julgamento do mérito, seus efeitos ficam subordinados ao tratamento estabelecido pela Lei 8.078/90, dependendo da natureza do direito litigioso e do resultado da lide coletiva.

É oportuno destacar, que o non liquet impõe ao órgão jurisdicional a necessidade de explicitar que a improcedência formou-se em razão da insuficiência probatória, sob pena de viciar a sentença de nulidade e dar azo à rescisória, conforme o que preceitua o inciso V, do art. 485, da Lei de Rito.

Para melhor visualização do que foi acima explicitado, sinopticamente, a seguir.

2.3 Coisa Julgada nas Ações Que Envolvem Direitos Difusos

O inciso I, do artigo 103, afirma que a sentença fará coisa julgada erga omnes, exceto se o pedido for julgado improcedente por insuficiência de provas, hipótese em que qualquer legitimado poderá intentar outra ação com idêntico fundamento, valendo-se de nova prova (art. 81, parágrafo único, inciso I). Ora, nos casos de direitos ou interesses difusos, o efeito da coisa julgada será extensivo a toda a coletividade. A propósito, resta que em casos de:

Procedência: Faz coisa julgada material. Seus efeitos são extensíveis a todos titulares individuais (erga omnes). Podendo se socorrer do julgado para viabilizar indenização individual, deixando, pois, expressivamente esculpido o princípio secundum eventum litis.

Improcedência:

a) Por falta de provas = Incide o non liquet, não produzindo a coisa julgada material. Admite-se a repropositura da ação coletiva e o ajuizamento da ação individual;

b) Ausência de lesão = Opera coisa julgada material apenas entre os legitimados coletivos. Não há extensão subjetiva, admitindo-se a propositura da ação individual.

2.4 Coisa Julgada nas Ações Que Envolvem Direitos Coletivos

Proclama o inciso II, do artigo 103, da Lei 8.078/90, que “a sentença fará coisa julgada ultra partes, mas limitadamente ao grupo, categoria ou classe, salvo improcedência por insuficiência de provas, nos termos do inciso II, do parágrafo único, do artigo 81”. (grifo nosso)

 Aqui nos deparamos com o caso de efeito da coisa julgada extensiva somente ao grupo, categoria ou classe, por se tratar de direitos ou interesses coletivos. Todavia, apenas devemos atentar para a circunstância fática de que o efeito ultra partes, da coisa julgada, só alcança o grupo, categoria ou classe não havendo a extensão que vislumbramos nos direitos difusos. Assim, temos que em caso de:

Procedência: Faz coisa julgada material e seus efeitos são extensíveis aos titulares determináveis do grupo ou classe (ultra partes);

Improcedência:

a) Por falta de provas = Incide o non liquet, mas não produz a coisa julgada material. Admite-se a repropositura da ação coletiva, que em nada interfere no ajuizamento da ação individual;

b) Ausência de lesão = Produz coisa julgada material apenas entre os legitimados coletivos. Não há extensão subjetiva. Admite-se a propositura da ação individual;

2.5 Coisa Julgada nas Ações Que Envolvem Direitos Individuais Homogêneos

A prevalência da dimensão coletiva sobre a individual possibilita a tutela coletiva dos interesses individuais quando este se apresentarem dotados de homogeneidade. O inciso III, do artigo 103, do Código do Consumidor, preceitua que a sentença fará coisa julgada erga omnes, apenas no caso de procedência do pedido, para beneficiar todas as vítimas e seus sucessores, na hipótese do inciso III, do parágrafo único, do art. 81.

Trata-se daqueles direitos que decorrem de uma origem comum, sendo que, havendo procedência do pedido, o tratamento é idêntico ao dos interesses ou direitos difusos e coletivos, excepcionando-se a hipótese de improcedência por falta de prova, até porque não haveria de ser diferente, já que os direitos buscados se confundem, não sendo passíveis de sofrer qualquer influência, quando o particular não tivesse participado como litisconsorte do processo coletivo ou não tivesse requerido a suspensão do processo na forma do art. 104, em atendimento ao edital previsto no artigo 94, do Código do Consumidor.

Ao ser excluída a hipótese de alcance da coisa julgada no caso de improcedência da ação, estamos diante de situação que reforça o princípio secundum eventum litis, pois os direitos individuais só estarão alcançados pelo efeito da coisa julgada quando o pedido for atendido, podendo cada indivíduo requerer a liquidação da sentença e conseqüente execução do julgado. A propósito, inclusive, para que não fosse alimentada qualquer dúvida a tal situação, o § 2º, do artigo 103, esclareceu que "em caso de improcedência do pedido, os interessados que não tiverem intervindo no processo como litisconsortes poderão propor ação de indenização a título individual”. (grifo nosso)

Neste ínterim, exemplificamos que nas ações coletivas em que se der a:

Procedência: Faz coisa julgada material e seus efeitos são extensíveis a todos os titulares individuais (erga omnes);

Improcedência:

 a) Por falta de provas = Não incide o non liquet. Faz coisa julgada material, vedando-se a repropositura da ação coletiva. Não há extensão subjetiva. Só quem não participou da lide coletiva poderá ajuizar a ação individual;

 b) Ausência de lesão = Produz coisa julgada material vedando-se a repropositura da lide coletiva. Não há extensão subjetiva. Quem não participou da lide coletiva poderá ajuizar ação individual;

 Contudo, uma eventual intervenção dos consumidores individuais na lide coletiva, porém, torna-os sujeitos aos resultados do processo, quer de procedência, quer de improcedência, cabendo ao autor opinar, entre as vias processuais previstas no ordenamento jurídico, aquela que tutelar satisfatoriamente seu determinado interesse.

Não obstante o repúdio doutrinário à alteração do artigo 16, da Lei 7347/85, os tribunais, ainda que não uniformemente, têm conferido à lei interpretação literal, relegando a um plano secundário não apenas a linha teleológica do sistema protetivo sufragado pela Lei 8078/90, como também as prescrições constitucionais, como o acesso à justiça, a isonomia, dentre outros, como se verifica das ementas infra colacionadas.

Ementa: "PROCESSO CIVIL – AÇÃO CIVIL PÚBLICA – LITISPENDÊNCIA - LIMITES DA COISA JULGADA. 1. A verificação da existência de litispendência enseja indagação antecedente e que diz respeito ao alcance da coisa julgada. Conforme os ditames da Lei 9.494/97, a sentença civil fará coisa julgada erga omnes, nos limites da competência territorial do órgão prolator. 2. As ações que têm objeto idêntico devem ser reunidas, inclusive quando houver uma demanda coletiva e diversas ações individuais, mas a reunião deve observar o limite da competência territorial da jurisdição do magistrado que proferiu a sentença. 3. Hipótese em que se nega a litispendência porque a primeira ação está limitada ao Município de Londrina e a segunda ao Município de Cascavel, ambos no Estado do Paraná".[5] (grifo nosso)

Ementa: "PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. APADECO. EMPRÉSTIMO COMPULSÓRIO DE COMBUSTÍVEIS (DL 2.288/86). EXECUÇÃO DE SENTENÇA. EFICÁCIA DA SENTENÇA DELIMITADA AO ESTADO DO PARANÁ. VIOLAÇÃO DO ART. 2º-A DA LEI Nº 9.494/97. ILEGITIMIDADE DAS PARTES EXEQÜENTES. 1. Impossibilidade de ajuizamento de ação de execução em outros estados da Federação com base na sentença prolatada pelo Juízo Federal do Paraná nos autos da Ação Civil Pública nº 93.0013933-9 pleiteando a restituição de valores recolhidos a título de empréstimo compulsório cobrado sobre a aquisição de álcool e gasolina no período de jul/87 a out./88, em razão de que em seu dispositivo se encontra expressa a delimitação territorial adrede mencionada. 2. A abrangência da ação de execução se restringe a pessoas domiciliadas no Estado do Paraná, caso contrário geraria violação ao art. 2º-A da Lei nº 9.494/97, litteris : "A sentença civil prolatada em ação de caráter coletivo proposta por entidade associativa, na defesa dos interesses e direitos dos seus associados, abrangerá apenas os substituídos que tenham, na data da propositura da ação, domicílio no âmbito da competência territorial do órgão prolator". 3. Recurso especial parcialmente conhecido, e nesse ponto, desprovido".[6] (grifo nosso)

2.6 Transposição In Utilibus da Coisa Julgada

 Reza o § 3º, do artigo 103, que “os efeitos da coisa julgada de que cuida o artigo 16, combinado com o artigo 13, da Lei nº 7.347, não prejudicarão as ações de indenização por danos pessoalmente sofridos, propostas na forma individual, mas, se procedente o pedido, beneficiarão as vítimas e seus sucessores, que poderão proceder à liquidação e à execução, nos termos dos artigos 96 a 99". Destaca-se que a professora Ada Pellegrini Grinover[7] defende entusiasticamente tal dispositivo, afirmando que o mesmo foi inspirado no princípio da economia processual e nos critérios da coisa julgada secundum eventum litis, bem como na ampliação ope legis do objeto do processo, expressamente autoriza o transporte, in utilibus, da coisa julgada resultante de sentença proferida na ação civil pública para as ações individuais de indenização por danos pessoalmente sofridos.

Em razão dessa posição, duas situações podem ocorrer, ou seja, a improcedência do pedido, onde terceiros estarão imunes aos efeitos da decisão dotados com a prerrogativa de poderem ajuizar suas próprias ações reparatórias, ou o caso de acolhimento do pedido, que diante das regras clássicas da coisa julgada não haveria como transportar, sem norma expressa, o julgado da ação civil pública a demandas individuais, não só por tratar-se de ações diversas, pelo seu objeto, como também porque a ampliação do objeto do processo só é cabível por força de lei.

A espécie se enquadraria no exemplo clássico da coisa julgada penal, sendo transposta para o cível, sem que o objeto daquela ação seja o mesmo da reparação do dano.

O eminente processualista Vicente Greco Filho[8], assim não entendeu e afirma que esse parágrafo é desnecessário e, até, impertinente com relação às ações coletivas de direitos difusos ou de direitos coletivos, porque os direitos individuais não se confundem com aqueles e, sendo a norma é de direito material, a hipótese não seria de prejudicar as ações, como refere o parágrafo, mas de, eventualmente, prejudicar as indenizações.

 Parece-nos que a razão está com a professora Ada Pellegrini Grinover. O dispositivo é necessário porque transpõe a coisa julgada de uma ação especial que não se encontra no CDC e o artigo 103, afirma que a coisa julgada ali tratada se refere às ações do Código do Consumidor, havendo pertinência do dispositivo que cuida da parte processual, resguardando o direito material.

Já a hipótese consagrada no § 4º, do artigo 103, que afirma aplicabilidade do dispositivo anterior à sentença penal condenatória, depõe que as observações do parágrafo 3º servem para este parágrafo, por se tratar de autorização legal da coisa julgada no processo penal previsto no CDC ou em outro diploma que cuide da proteção dos direitos difusos e coletivos, ser transposta para o particular se beneficiar e requerer a liquidação e execução por supostas perdas e danos que tenha sofrido, sem necessidade de discussão dos fatos em novo processo de conhecimento.


3. Conclusão

O CDC estabeleceu nova disciplina ao dar atenção às garantias individuais, ditando que não serão prejudicadas as ações individuais, em razão do insucesso da ação coletiva, sem a anuência do próprio indivíduo. Em simples palavras, firma-se a coisa julgada material apenas no âmbito da tutela coletiva, sem implicar em qualquer repercussão no âmbito individual.

Assim, sendo o objeto da lide, direito difuso ou coletivo, a sentença que acolher a pretensão produzirá a coisa julgada material e seus efeitos benéficos alcançarão todos os titulares individualmente considerados, ainda que não tenham participado daquele processo, incidindo, desta forma, o regramento da extensão subjetiva dos limites da coisa julgada material secundum eventum litis. Se, entretanto, o magistrado entender que não houve lesão, rejeitará o pedido. Nesta hipótese, inexiste a extensão benéfica dos efeitos da coisa julgada, porquanto tal julgamento não beneficia os titulares individuais, que apenas interditam os legitimados coletivos de ajuizarem nova demanda coletiva, mas não impedem o ajuizamento de lides individuais.

Conclui-se que a regra, em termos de coisa julgada nos processos coletivos, se finaliza em beneficiar todos os titulares de direitos ou interesses, em caso de acolhimento da demanda, tendo-se, por conseguinte, a consagração do princípio secundum eventum litis de que havendo atendimento do pleito, há extensão dos efeitos da coisa julgada para beneficiar a quem participou e a quem não integrou o processo.


Referências Bibliográficas:

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ARRUDA, T. A. Questões prévias e os limites objetivos da coisa julgada. SP: RT, 1977.

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______. Da coisa julgada no código de defesa do consumidor. Livro de Estudos Jurídicos, nº 1, do IEJ/RN, 1991, p. 381.

______. Código brasileiro de defesa do consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. 7. ed. RJ: Forense Universitária, 2001.

LEAL, Flávio Mafra. Ações coletivas: história, teoria e prática. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 1998.

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OLIVEIRA, Juarez (Coord.). Comentários ao código de proteção do consumidor. SP: Saraiva, 1991.


Notas

[1] GRINOVER, Ada Pellegrini. Da Class actions for damages à ação de classe brasileira: os requisitos de admissibilidade. Revista Forense, v. 352, p. 02-17.

[2] LEAL, Flávio Mafra. Ações coletivas: história, teoria e prática. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 1998, p. 21.

[3] GIDI, Antônio. Coisa julgada e litispendência em ações coletivas. SP: Saraiva, 1995, p. 41.

[4] GRINOVER, Ada Pellegrini. Código brasileiro de defesa do consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. 7. ed. RJ: Forense Universitária, 2001, p. 843.

[5] Cf. TJPR. REsp n. 642462/PR. 2ª Turma, j. 08 de mar. 2005.

[6] Cf. TJPR. REsp n. 665.947-SC, 1ª Turma, j. 02 de dez. 2004.

[7] GRINOVER, op. cit., p. 858-860.

[8] OLIVEIRA, Juarez (Coord.). Comentários ao código de proteção do consumidor. SP: Saraiva, 1991, p. 364.

Sobre a autora
Gabrieli Cristina Capelli Goes Monteiro

Funcionária Pública Estadual - Já atuou como Advogada e Consultora Jurídica. Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito da Alta Paulista - FADAP/FAP. Pós Graduada em Ciências Penais pela Universidade Anhanguera - UNIDERP e Rede de Ensino Luiz Flávio Gomes.Atualmente: Funcionária Pública Estadual - Secretaria de Segurança Pública

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MONTEIRO, Gabrieli Cristina Capelli Goes. O Código de Defesa do Consumidor como primado de regramento acerca da coisa julgada no processo coletivo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3181, 17 mar. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/21309. Acesso em: 22 dez. 2024.

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