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A Defensoria Pública em Santa Catarina

Agenda 26/03/2012 às 17:22

O STF declarou a inconstitucionalidade das normas de Santa Catarina que delegam à OAB a defesa jurídica dos hipossuficientes, sem a participação da Defensoria Pública, que sequer foi criada naquele Estado.

RESUMO: O artigo analisa as decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal nas Ações Diretas de Inconstitucionalidade 3892/SC e 4270/SC.

SUMÁRIO: Introdução 1 A Defensoria Pública. 2 a defesa jurídica dos hipossuficientes em SC. 3 A inconstitucionalidade do modelo catarinense. Conclusões.

Palavras-chave: Defensoria Pública. Defensoria Dativa. OAB/SC. Constituição.


Introdução

Propõe-se a análise das decisões do Supremo Tribunal Federal que reconheceram a inconstitucionalidade das normas do Estado de Santa Catarina que delegam à Ordem dos Advogados do Brasil a defesa jurídica dos hipossuficientes, sem a participação da Defensoria Pública, que sequer foi criada na aludida unidade federativa.


1 A Defensoria Pública.

A Defensoria Pública tem sua origem e previsão no artigo 134 da Constituição:

Art. 134. A Defensoria Pública é instituição essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a orientação jurídica e a defesa, em todos os graus, dos necessitados, na forma do art. 5º, LXXIV.)

§ 1º Lei complementar organizará a Defensoria Pública da União e do Distrito Federal e dos Territórios e prescreverá normas gerais para sua organização nos Estados, em cargos de carreira, providos, na classe inicial, mediante concurso público de provas e títulos, assegurada a seus integrantes a garantia da inamovibilidade e vedado o exercício da advocacia fora das atribuições institucionais. (Renumerado pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)

§ 2º Às Defensorias Públicas Estaduais são asseguradas autonomia funcional e administrativa e a iniciativa de sua proposta orçamentária dentro dos limites estabelecidos na lei de diretrizes orçamentárias e subordinação ao disposto no art. 99, § 2º. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)

Trata-se de instituição, portanto, cuja atuação é a defesa de pessoas que não possuem condições financeiras de custear as despesas de contratação de advogado.

A Constituição de 1988 estabeleceu que as funções essenciais à justiça são formadas no seguinte espectro: Ministério Público, Advocacia Pública, Advocacia Particular e Defensoria Pública. Tal modelo institucional deve ser perseguido pelo Estado com o fim de cumprir os fundamentos estampados no artigo 1º da Constituição, especialmente a cidadania e a dignidade da pessoa humana.


2 a defesa jurídica dos hipossuficientes em SC.

Em Santa Catarina, contudo, o desenho constitucional das funções essenciais à Justiça não está completo, pois inexiste Defensoria Pública.

A defesa dos hipossuficientes, nos termos da Constituição do Estado de Santa Catarina é desempenhada diretamente pelo OAB/SC, que assim estabelece:

Art. 104 — A Defensoria Pública será exercida pela Defensoria Dativa e Assistência Judiciária Gratuita, nos termos de lei complementar.

Em regulamentação ao aludido preceito constitucional, foi editada a Lei Complementar 155/97, que fixou, resumidamente, o seguinte:

Art. 1º Fica instituída, pela presente Lei Complementar, na forma do art. 104 da Constituição do Estado de Santa Catarina, a Defensoria Pública, que será exercida pela Defensoria Dativa e Assistência Judiciária Gratuita, organizada pela Ordem dos Advogados do Brasil, Seção de Santa Catarina – OAB/SC.

§ 1º A OAB/SC obriga-se a organizar, em todas as Comarcas do Estado, diretamente ou pelas Subseções, listas de advogados aptos à prestação dos serviços da Defensoria Pública e Assistência Judiciária Gratuita.

§ 2º Cada subseção da OAB/SC organizará as listas a que se refere o parágrafo anterior, incluindo, mediante requerimento, os advogados que nela tenham sede principal de atividade. Na Comarca da Capital a confecção da lista caberá à Diretoria da OAB/SC.

§ 3º As listas serão organizadas de acordo com a especialidade dos advogados, indicada no requerimento a que se refere o parágrafo anterior, podendo o advogado constar em mais de uma área de atuação profissional.

§ 4º Somente poderão ser incluídos nas listas os advogados que assinarem termo de comprometimento e aceitação das condições estabelecidas na presente Lei Complementar, os quais serão designados pela autoridade judiciária competente.

§ 5º Para efeito de designação de Assistente Judiciário ou Defensor Dativo dever-se-á manter, o quanto possível, sistema de rodízio entre os advogados inscritos e militantes em cada Comarca.

Art. 2º Os serviços da Defensoria Pública e Assistência Judiciária Gratuita serão prestados às pessoas que comprovarem insuficiência de recursos, nos termos da Constituição Federal (art. 5º, LXXIV) e da Constituição do Estado de Santa Catarina (art. 4º, II, “e”).

Art. 3º Institui-se, nesta Lei, o regime de remuneração, pelo Estado de Santa Catarina, em favor dos advogados que, indicados em listas, na forma dos arts. 1º e seus parágrafos, e designados pela autoridade judiciária competente, promovam, no juízo cível, criminal e varas especializadas, a Defensoria Dativa e Assistência Judiciária às pessoas mencionadas no art. 2º.

Art. 4º Para os fins da remuneração de que trata esta Lei, o Poder Executivo consignará, anualmente, no orçamento estadual, dotação específica para atender os encargos decorrente, tomando-se por base as despesas efetuadas no exercício anterior.

§ 1º Caso a designação orçamentária não venha a ser suficiente, o Poder Executivo suplementará a quantia necessária para o adimplemento das despesas, mediante prévia aprovação da Assembléia Legislativa do Estado.

§ 2º Aprovada a matéria pelo Poder Legislativo, fica o Poder Executivo obrigado ao repasse dos valores suplementados.

§ 3º A liberação dos repasses à OAB/SC será feita pela Secretaria de Estado da Fazenda em duodécimos, devendo a entidade dos advogados prestar contas, trimestralmente.

§ 4º Os repasses posteriores ao trimestre ficarão condicionados à prestação de contas pela OAB/SC à Secretaria de Estado da Fazenda, que após análise e aprovação, encaminhará o processo ao Tribunal de Contas do Estado.

§ 5º Os recursos financeiros serão depositados no Banco do Estado de Santa Catarina S/A, em conta específica, vinculada à OAB/SC, vedada a transferência para outra conta ou outro estabelecimento bancário.

Art. 5º A título de indenização pelas despesas decorrentes da execução desta Lei Complementar, cabe à OAB/SC a importância equivalente a 10%(dez por cento) do total dos repasses financeiros.

Como se observa, a Defensoria Dativa era exercida pela OAB/SC e substitutiva da Defensoria Pública.


3. A inconstitucionalidade do modelo catarinense.

No julgamento das ADIs 3892/SC e 4270/SC, o Supremo Tribunal Federal fulminou o modelo de defesa jurídica dos hipossuficientes.

Os argumentos da inconstitucionalidade foram, em resumo, assim apresentados:

(1) a Lei Complementar 155/97 teve iniciativa parlamentar, contrariando a regra estampada no artigo 61, § 1º, II, d, da Constituição da República (Art. 61. A iniciativa das leis complementares e ordinárias cabe ... § 1º São de iniciativa privativa do Presidente da República as leis que: ... II – disponham sobre: ... d) organização do Ministério Público e da Defensoria Pública da União, bem como normas gerais para a organização do Ministério Público e da Defensoria Pública dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios) violando, ainda, o princípio da simetria, que exige o cumprimento, pela unidade federativa estadual, das mesmas regras fixadas para a União. Tais circunstâncias demonstram a existência de inconstitucionalidade formal;

(2) violação frontal e direta aos artigos 5º, LXXIV, e 134, caput, da Constituição. Neste ponto, a Corte entendeu, acertadamente, que o Poder Constituinte Originário (ilimitado, insubordinado, incondicionado) não fez apenas uma exortação genérica – ou um convite – aos Estados da Federação para a criação das Defensorias Públicas;

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(3) houve inconstitucionalidade por omissão – na linha do voto proferido pelo Ministro Celso de Mello –, pois a inércia do Estado de Santa Catarina ficou manifestamente caracterizada diante do transcurso de mais de 22 anos sem a criação da Defensoria Pública.


Conclusões.

Afastado o modelo catarinense de defesa jurídica das pessoas hipossuficientes financeiramente, resta saber, agora, se o Estado de Santa Catarina irá cumprir a decisão proferida pelo STF, que modulou os efeitos, fixando o prazo de doze meses para a criação da Defensoria Pública e o cumprimento da Constituição da República.

É preciso rigor no cumprimento da decisão (e seriedade política), sob pena de violação aos postulados do Estado Constitucional Democrático.

Aliás, alguém imagina um Estado da Federação sem Ministério Público? É inegável que a resposta deve ser negativa. O mesmo entendimento precisa ser aplicado à Defensoria Pública, pois o artigo 134 da Constituição não permite outra compreensão.

Enfim, a posição apresentada pelo STF no julgamento das ADIs 3892/SC e 4270/SC demonstra que as instituições brasileiras precisam ser tratadas com seriedade e, principalmente, com respeito. Trata-se de dever fundamental constitucional e não mera faculdade de agentes públicos.

Sobre o autor
Clenio Jair Schulze

Juiz Federal. Mestre em Ciência Jurídica.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SCHULZE, Clenio Jair. A Defensoria Pública em Santa Catarina. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3190, 26 mar. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/21367. Acesso em: 22 dez. 2024.

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