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A necessidade de uma visão interseccionista no direito de grupos minoritários a partir de um caso concreto.

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Agenda 13/04/2012 às 10:36

6. Conclusão

O processo de diferenciação e especialização sistêmica elencado por Luhmann como característica da modernidade representa, no campo da estatal, a separação efetiva entre religião e Estado. O que não significa que o Estado deva proibir a religião de auxiliar na construção dos argumentos públicos, mas que no exercício de sua função, não pode haver proselitismo religioso, tampouco, opressão a uma religião. Assim, não é possível que haja uma proibição maciça das práticas que aqui foram tratadas, tampouco, é possível autorizá-las sem qualquer precaução.

O caso que aqui se discute é bastante peculiar por tratar de questões não somente relacionadas a uma possível intervenção e opressão entre Estado e minoria, mas também da opressão de uma minoria dentro de um grupo minoritário pelo próprio grupo. Visualizar essa questão é compreender o contexto que envolve todos os sujeitos do caso que aqui foi trabalhado.

De maneira concisa e de acordo com os argumentos apontados, entende-se que a condenação dos pais e de Hawa Gréou é justa. Já em relação a uma possível condenação do Estado, nada se pode afirmar sem uma análise mais profunda sobre as possibilidades do governo efetivamente conseguir garantir autonomia corporal para as crianças desses grupos – deve-se analisar a reserva do possível.

Como visto, dentro do âmago do liberalismo, não se pode legitimar a prática de imposição da cultura estatal sobre a de uma minoria comunitária. Neste mesmo sentido, ao relatar o caso da ONG Tostan, Melching e Gillespie nos mostram que, de certa forma, o fluxo unidirecional – seja ele no sentido ONG-indivíduos, seja no público-indivíduos -, por reprimir a autodeterminação do indivíduo, porta-se como um meio pouco eficiente de legitimação de condutas e, também, de resolução de litígios do grupo. Assim, diante de uma sociedade multicultural, em se tratando de direitos de um grupo minoritário, adotar uma visão interseccionista do caso é se aproximar do conhecimento necessário para legitimar eventuais intervenções e, consequentemente, para aplicar adequadamente os princípios dos Direitos Humanos.


Referências Bibliográficas

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TALBOTT, William J.. Which rights should be universal. Oxford University Press, USA. 2005.


Notas

1 O termo utilizado no processo foi “exciseuse”, que significa literalmente circuncisão. Como veremos mais adiante, não é o termo mais adequado para denominar a prática que realmente foi realizada.

2 SHELL-DUNCAN, 2008, p. 226.

3 CHANGEUX apud RAWLS, 1999, p. 11.

4 Em um de seus relatos à polícia, disse que não só cortava o clitóris, mas também colocava terra limpa e transformava a genitália da criança em um amuleto.

5 Disponível em: <https://news.bbc.co.uk/2/hi/europe/281026.stm>. Acessado em: 27/10/11. Tradução livre.

6 LOIS, 2005, p. 15.

7 Admitir que os pais tem esse poder de marcar fisicamente os filhos com as visões de mundo que não necessariamente eles aceitarão pelo resto de suas vidas é ir contra princípios consolidados de Direitos das crianças e dos menores de idade.

8 Nesse contexto, atingir a fase adulta significa ter discernimento completo dos significados da tradição do grupo e do espaço que ela ocupa no âmbito multicultural.

9 HABERMAS, 2002

10 KYMLICKA, 2005, p. 259.

11 KYMLICKA, 2005, p. 254.

12 HABERMAS, 2002, p. 159.

13 É ilustrativo o caso italiano, no qual o Estado tipificou penalmente a conduta de clitoridectomia sob o argumento de tal prática representar opressão à mulher. Contudo, os casos que deram ensejo a esta tipificação não somente ocorriam mediante esterilização dos instrumentos, mas também com o consentimento de mulheres adultas. Assim, pode-se entender tal postura como xenofóbica, que tem como objetivo reprimir um grupo específico

14 HABERMAS, 2002, p. 248.

15 KYMLICKA, 2005, p. 259-260.

16 Disponível em: <https://www.legifrance.gouv.fr/affichCodeArticle.do;jsessionid=1A669370ABD7A65B5DFFF7CA08FEFDA1.tpdjo15v_2?idArticle=LEGIARTI[000]006417637&cidTexte=LEGITEXT[000]006070719&categorieLien=id&dateTexte=19960722>. Acessado em: 14/11/11.

17 É claro que existem argumentos bastante consistentes para a defesa do Estado, como por exemplo o estabelecimento do limite da reserva do possível: como poderia o Estado cuidar para que todas as imigrantes não tenham sua integridade física violada por essas práticas?

18 HABERMAS, 2002, p. 258.

19 GILLESPIE & MELCHING, 2010.

20 MACINTYRE, 2001, p. 397.

21 DERRIDA & RUDINESCO, 2004, p. 34.

22 ROSENFELD, 2009, p. 2363.

23 SACHAR, 1998, p. 289.

Sobre o autor
Felipe Fernandes de Carvalho

Graduando pela Universidade de Brasília. Estagiário da Subchefia de Assuntos Jurídicos da Casa Civil da Presidência da República.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CARVALHO, Felipe Fernandes. A necessidade de uma visão interseccionista no direito de grupos minoritários a partir de um caso concreto.: Mutilação genital feminina. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3208, 13 abr. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/21497. Acesso em: 22 nov. 2024.

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