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Da aplicabilidade atual do princípio da unidade orçamentária

Para além das fronteiras meramente contábeis como peça formal, o orçamento assume agora a função de instrumento de planejamento e, como tal, a unidade orçamentária no sentido maior de planejamento.

RESUMO: O presente artigo busca analisar o princípio da unidade orçamentária, examinando o seu atual contexto diante das inovações do texto constitucional, sobretudo no que tange à previsão de três diferentes leis orçamentárias.

Palavras-chave: princípio da unidade orçamentária; plano plurianual; lei de diretrizes orçamentárias; lei orçamentária anual.

SUMÁRIO: 1. Introdução – 2. Do Sistema Orçamentário Brasileiro – 3. Da Atual Aplicação do Princípio da Unidade Orçamentária –  4. Conclusão.


1. INTRODUÇÃO

O orçamento encontra suas origens na necessidade de autorizar e controlar a aplicação dos recursos públicos, relacionando-se ao desenvolvimento da democracia, como forma de oposição Estado arbitrário antigo, em que o chefe do executivo considerava-se soberano e detentor do patrimônio originário da coletividade. Atualmente, além de cumprir o papel de autorização para o dispêndio de recursos, o orçamento passou, também, a ser instrumento de planejamento das ações do Estado.

Inicialmente, o conceito clássico do orçamento previa uma peça que contemplava apenas a estimativa das receitas e a fixação das despesas, em um documento eminentemente contábil. Ao longo dos anos, a peça orçamentária veio se aprimorando até adquirir característica de instrumento de gestão. Com o desvanecimento da versão clássica, surgiu o conceito moderno de orçamento, que faz as vezes de planejamento. A Constituição Federal de 1988, inclusive, estabelece três diferentes leis orçamentárias: Plano Plurianual, Lei de Diretrizes Orçamentárias e Lei Orçamentária Anual. Diante desse quadro, buscaremos analisar como se insere o clássico princípio da unidade orçamentária dentro desse contemporâneo modelo orçamentário como peça de planejamento do governo.


2. DO SISTEMA ORÇAMENTÁRIO BRASILEIRO

O modelo orçamentário brasileiro previsto pela Constituição Federal de 1988, trouxe a previsão de três leis orçamentárias em nosso ordenamento: o Plano Plurianual (PPA), a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e a Lei Orçamentária Anual (LOA). Vejamos, nesse sentido, o art. 165 da Carta Magna:

"Art. 165. Leis de iniciativa do Poder Executivo estabelecerão:

I - o plano plurianual;

II - as diretrizes orçamentárias;

III - os orçamentos anuais".

A primeira das leis orçamentárias, referente ao Plano Plurianual, está genericamente prevista no art. 165, I, da CF/88, e detalhado no §1° do mesmo art. 165 da CF/88. De acordo com o texto constitucional, o Plano Plurianual terá por objetivo estabelecer, de forma regionalizada, as diretrizes, objetivos e metas da administração pública federal para as despesas de capital e outras delas decorrentes e para as relativas aos programas de duração continuada.

Ou seja, esse macro-planejamento orçamentário irá se preocupar com um tipo bastante específico de despesa: aquelas cuja execução resulta no incremento patrimonial (despesas de capital) e aquelas cuja execução ultrapassa ao exercício financeiro (programas de duração continuada). Não se insere no escopo do Plano Plurianual disciplinar gastos triviais da máquina pública, mas o PPA instrumentaliza as grandes metas e objetivos da administração. Todas as ações e programas devem guardar harmonia com o Plano Plurianual.

Nos termos do art. 35, §2°, I, do ADCT, o Plano Plurianual será encaminhado até quatro meses antes do encerramento do primeiro exercício financeiro do mandato presidencial e devolvido para sanção até o encerramento da sessão legislativa, possuindo validade por período de quatro anos, para vigência até o final do primeiro exercício financeiro do mandato presidencial subseqüente.

A segunda previsão de lei orçamentária refere-se à Lei de Diretrizes Orçamentárias. Uma vez estabelecido o macro-planejamento do governo por meio do Plano Plurianual, faz-se necessário um planejamento de curto prazo que venha dar concretude a essas grandes metas de governo. Trata-se da Lei de Diretrizes Orçamentárias, cuja vigência será apenas de um ano, garantindo a concretização do Plano Plurianual, em estrita harmonia com este, e conferindo às diretrizes ali fixadas a possibilidade de uma realização mais imediata.

A Lei de Diretrizes Orçamentárias está genericamente prevista no art. 165, II, da CF/88, e detalhada no §2° do mesmo art. 165 da CF/88. De acordo com o texto constitucional, a Lei de Diretrizes Orçamentárias compreenderá as metas e prioridades da administração pública federal, incluindo as despesas de capital para o exercício financeiro subseqüente, orientará a elaboração da lei orçamentária anual, disporá sobre as alterações na legislação tributária e estabelecerá a política de aplicação das agências financeiras oficiais de fomento.

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A Lei de Responsabilidade Fiscal também dispõe sobre a Lei de Diretrizes Orçamentárias, inclusive prescrevendo a necessidade de conter um Anexo de Metas Fiscais, bem como um Anexo de Riscos Fiscais. Pelo primeiro, serão estabelecidas metas anuais, relativas a receitas, despesas, resultados nominal e primário e montante da dívida pública, para o exercício a que se referirem e para os dois seguintes. Pelo segundo, serão avaliados os passivos contingentes e outros riscos capazes de afetar as contas públicas, informando as providências a serem tomadas, caso se concretizem.

A rigor, a Lei de Diretrizes Orçamentárias trata-se do principal instrumento orçamentário, porque concretiza o Plano Plurianual priorizando as metas anuais, bem como orienta a elaboração da Lei Orçamentária Anual. Nos termos do art. 35, §2°, II, do ADCT, a Lei de Diretrizes Orçamentárias será encaminhada até oito meses e meio antes do encerramento do exercício financeiro e devolvido para sanção até o encerramento do primeiro período da sessão legislativa, possuindo validade por período de um ano.

Por fim, a terceira das leis orçamentárias, a Lei Orçamentária Anual, trata-se da execução orçamentária. Enquanto o Plano Plurianual e a Lei de Diretrizes Orçamentárias programam, em médio e curto prazo, respectivamente, os programas de governo, a Lei Orçamentária trata de executar as ações planejadas. Encontra-se prevista no art. 165, III, da CF/88, e detalhada no §5° do mesmo art. 165, pelo qual a Lei Orçamentária Anual será dividida em três suborçamentos, in verbis:

§ 5º - A lei orçamentária anual compreenderá:

I - o orçamento fiscal referente aos Poderes da União, seus fundos, órgãos e entidades da administração direta e indireta, inclusive fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público;

II - o orçamento de investimento das empresas em que a União, direta ou indiretamente, detenha a maioria do capital social com direito a voto;

III - o orçamento da seguridade social, abrangendo todas as entidades e órgãos a ela vinculados, da administração direta ou indireta, bem como os fundos e fundações instituídos e mantidos pelo Poder Público.

O Orçamento Fiscal, nos termos do texto constitucional, deverá conter as receitas e despesas de toda a Administração Pública, incluindo todos os Poderes (Legislativa, Executivo, Judiciário), o Ministério Público, o Tribunal de Contas, bem como todos os Órgãos da Administração Direta, e ainda, todas as Entidades da Administração Indireta, incluindo Autarquias, Fundações, Empresas Públicas e Sociedades de Economia Mista. Na verdade, a anáise do Orçamento Fiscal se dá por exclusão: tudo aquilo que faz parte da Administração Pública e não está no Orçamneto de Investimento ou no Orçamento de Seguridade Social, estará no Orçamento Fiscal.

Já o Orçamento de Investimento, conforme art. 165, §5°, II, da CF/88, compreende o investimento das empresas em que a União, direta ou indiretamente, detenha a maioria do capital social com direito a voto. Ou seja, o Orçamento de Investimento refere-se aos investimentos das chamadas empresas estatais (empresas públicas e sociedades de economia mista). Assim, no que se refere às empresas estatais, as receitas e despesas referentes aos seus investimentos devem ficar separadas do Orçamento Fiscal, sendo contempladas no Orçamento de Investimentos.

Por fim, o Orçamento de Seguridade Social (OSS), nos termos do art. 165, §5°, III, da CF/88, abrange todas as entidades e órgãos a ela vinculados, da administração direta ou indireta, bem como os fundos e fundações instituídos e mantidos pelo Poder Público. A razão da separação em suborçamento específico decorre da necessidade de se garantir que os recursos da seguridade social não serão desviados para qualquer fim. Confere-se, assim, maior transparência na gestão da Seguridade Social.


3. DA ATUAL APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA UNIDADE ORÇAMENTÁRIA

Com tantas subdivisões orçamentárias, indaga-se: pode-se dizer que no modelo orçamentário brasileiro ainda vige o princícpio da unidade orçamentária? A repeito, veja-se o art. 2° da Lei n°. 4320/64:

"Art. 2° A Lei do Orçamento conterá a discriminação da receita e despesa de forma a evidenciar a política econômica financeira e o programa de trabalho do Governo, obedecidos os princípios de unidade, universalidade e anualidade".

Expressamente previsto no art. 2º da Lei nº. 4320/64, classicamente o princípio da unidade refletia a necessidade do Estado ter apenas uma única peça de orçamento. Entretanto, a Constituição Federal, no seu art. 165, prevê a existência, como visto acima, de três leis orçamentárias: plano plurianual (PPA), lei de diretrizes orçamentárias (LDO) e lei orçamentária anual (LOA). Portanto, resta concluir que, com as novas disposições da CF/88, o princípio da unidade precisa ser analisado sob novo prisma.

A rigor, o princípio da unidade orçamentária permanece inalterado em relação especificamente à necessidadede de que todas as previsões de receitas e despesas estejam em um único orçamento, sobretudo para fins de verificação quanto ao equilíbrio orçamentário, assim como do ponto de vista contábl. Nesse sentido, é a Lei Orçamentária Anual o instrumento que abrange a totalidade das contas em uma única lei, em respeito ao conceito clássico de unidade orçamentária.

Quer dizer, de fato, o princípio clássico da unidade orçamentária é perfeitamente cumprido pela Lei Orçamentária Anual. E ainda, a previsão constitucional do art. 165, §5º, da CF/88, embora determine a existência de três suborçamentos na Lei Orçamentária (Orçamento Fiscal, Orçamento de Investimentos e Orçamento da Seguridade Social), trata-se tão somente de capítulos de um único documento, que é o Orçamento Anual. Apesar da subdivisão em contas distintas, a totalidade das receitas e despesas, incluindo todos os três suborçamentos, estão inclusos na Lei Orçamentária, em um único documento que abrange todas as contas. Nesse aspecto, portanto, permanece inalterado o princípio da unidade no que diz respeito a todas as contas estarem abrangidas em uma só peça: a Lei Orçamentária Anual.

Contudo, considerando que o orçamento evoluiu para ganhar contornos de instrumento de planejamento, daí se retira que não é tão somente a Lei Orçamentária Anual que encerra todo o orçamento. Como visto, a Constituição estabelece que as leis orçamentárias são compostas pelo Plano Plurianual, Lei de Diretrizes Orçamentárias e Lei Orçamentária Anual, o que significa que, de fato, houve uma divisão das peças orçamentárias, sobretudo porque o orçamento agora é peça de programação do Estado, daí porque também estão inclusas nesse conceito o Plano Plurianual e a Lei de Diretrizes Orçamentárias.

A Lei Orçamentária Anual nada mais é do que a efetivação, ano a ano, do planejamento contido naquelas duas outras leis orçamentárias. Portanto, entendendo-se o orçamento não apenas como Lei Orçamentária Anual, mas, agora, como sendo o conjunto formado também pelo Plano Plurianual e pela Lei de Diretrizes Orçamentárias, é inegável que houve uma modificação do conceito do princípio da unidade orçamentária.

Se antes a unidade do orçamento era vista somente do ponto de vista físico, por estar todo o orçamento contido um documento único, hoje, ao revés, a unidade é observada também em sentido maior, vista do ponto de vista programático, passando-se a inserí-la em um contexto da necessária harmonia e compatibilidade entre as três leis orçamentárias, todas em unidade entre si, seguindo a mesma linha de atução a traduzir o plano de governo. Esta é a verdadeira unidade orçamentária, uma unidade programática e harmônica.

Apesar de haver três leis orçamentárias em nossa ordem jurídica, a unidade do orçamento persiste, porquanto a unidade não é meramente documental, mas sim programática, dentro de uma estrutura integrada do sistema orçamentário, como atual peça de planejamento. Esse portanto, é o autal conceito de unidade orçamentária, que inclui, além da unidade das contas em sua totalidade na Lei Orçamentária Anual, também a necessidade da unidade do orçamento no sentido da harmonia e compatibilização entre as três leis orçamentárias (Plano Plurianual, Lei de Diretrizes Orçamentárias e Lei Orçamentária Anual), todas em conjunto, alinhadas na mesma unidade de planejamento e plano de ação.


4. CONCLUSÃO

Pelo exposto, entendemos que o princípio da unidade orçamentária persiste perfeitamente no atual modelo orçamento brasileiro. Por um lado, a Lei Orçamentária Anual continua a obedecer ao princípio clássico da unidade orçamentária, porque nenhuma receita ou despesa encontra-se fora do orçamento anual, sendo um único documento que encerra a execução orçamentária.

Por outro lado, o princípio da unidade orçamentária deve ser, atualmente, analisado em sentido maior, do ponto de vista programático, passando-se a inserí-la em um contexto da necessária harmonia e compatibilidade entre as três leis orçamentárias: Plano Plurianual, Lei de Diretrizes Orçamentárias, e Lei Orçamentária Anual

Portanto, não há que se falar em mitigação da princípio da unidade orçamentária, mas a análise contemporânea do tema exige a expansão do exame para além das fronteiras meramente contábeis do orçamento como peça formal, assumindo agora a função de instrumento de planejamento e, como tal, a unidade orçamentária no sentido maior de planejamento, continua a ser obedecida pelo ordenamento pátrio.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

HARADA, Kiyoshi. Direito Financeiro e Tributário. 19 ª ed. São Paulo: Atlas, 2010.

OLIVEIRA, Regis Fernandes de. Curso de Direito Financeiro. 4ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011.

PASCOAL, Valdecir. Direito Financeiro e Controle Externo. 7ª ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2009.

PISCITELLI, Tathiane. Direito Financeiro Esquematizado. 1ª ed. São Paulo: Método, 2011.

TORRES, Ricardo Lobo. Curso de Direito Financeiro e Tributário. 18ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2011

Sobre o autor
Francisco Gilney Bezerra de Carvalho Ferreira

Mestrando em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Especialista em Direito Público pela Faculdade Projeção e MBA em Gestão Pública pela Fundação Getúlio Vargas (FGV). Graduado em Direito pela Universidade de Fortaleza (UNIFOR) e Engenharia Civil pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Procurador Federal em exercício pela Advocacia-Geral da União (AGU) e Professor do Curso de Graduação em Direito da Faculdade Luciano Feijão (FLF-Sobral/CE).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FERREIRA, Francisco Gilney Bezerra Carvalho. Da aplicabilidade atual do princípio da unidade orçamentária. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3266, 10 jun. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/21960. Acesso em: 22 nov. 2024.

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