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O financiamento do agronegócio e a responsabilidade dos agentes financeiros nos impactos ambientais

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Agenda 13/07/2012 às 10:33

3 DA PROTEÇÃO AMBIENTAL E AGRONEGÓCIO

3.1 DO PRINCÍPIO DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL

O termo desenvolvimento sustentável foi utilizado, pela primeira vez, por Maurice Strong, em 1973, na sua tentativa em demonstrar e propor uma nova modalidade de desenvolvimento econômico, alicerçado no equilíbrio do meio ambiente, balanceando de forma harmônica os dois interesses.

O conceito de desenvolvimento sustentável, como se vê, vem sendo discutido há um bom tempo, mas o assunto tomou uma dimensão internacional e ganhou corpo a partir da divulgação do Relatório Brundtland, em 1987. A partir desse estudo é que se verificou o desenvolvimento gradativo de uma consciência no sentido de equacionar o desenvolvimento econômico e social às questões ambientais.

Nesse sentido, o Direito Ambiental apropria-se do conceito de desenvolvimento sustentável, tornando-o um princípio norteador e basilar, buscando relacionar as questões ambientais aos interesses do Direito Econômico, dentre os quais, a necessidade de se adotar o chamado consumo sustentável, colocando por terra o entendimento baseado no senso comum de que um seria excludente do outro.

Desse novo olhar o desenvolvimento sustentável apresenta-se como arauto de mudanças e quebra de paradigmas, clamando por um novo senso de justiça no sentido de melhor equacionar os interesses sociais e econômicos, atuando como uma espécie de bússola para os anseios da sociedade, das organizações e do Estado.

Como já vimos nos tópicos anteriores, o Direito Ambiental, longe de apresentar-se de forma antagônica ao Direito Econômico, deu a este uma nova perspectiva, um novo paradigma a ser superado no sentido de atingir o tão desejado desenvolvimento sustentável.

Uma definição esclarecedora para o Direito Econômico pode ser encontrada nas palavras de Cristiane Derani:

Direito Econômico é a normatização da política econômica como meio de dirigir, implementar, organizar e coordenar práticas econômicas, tendo em vista uma finalidade ou várias e procurando compatibilizar fins conflituosos dentro de uma orientação macroeconômica. Em primeiro plano está o funcionamento do todo e não a regulamentação do comportamento individual isolado. (DERANI, 2001, p.61).

Ainda sobre a relação existente sobre o Direito Ambiental e o Direito Econômico, as atividades conexas entre os dois ramos podem ser benéficas, quando o segundo procura realizar-se pela preservação do primeiro, ou totalmente prejudiciais, quando os interesses econômicos sobrepujam os interesses coletivos e difusos das questões ambientais. Sobre tais possibilidades, Derani continua:

A relação entre Direito Econômico e Direito Ambiental é quase simbiótica, derivada da forte interação entre economia e ecologia, sendo que a primeira procura sua sobrevivência na segunda. Tal relacionamento pode ser simbiótico como seria o adequado ou pode ser parasitário, quando a economia ocasiona a perda ou escassez dos recursos ambientais. (DERANI, 2001, p.70).

Muito embora a conceituação do desenvolvimento sustentável seja algo bastante flexível, pois que flutua por entre as diferentes ideologias, visões políticas e nível de desenvolvimento econômico de cada sociedade, uma constante em tais definições reside na clara necessidade de proteção das gerações futuras – direito difuso – bem como na premente necessidade de obter do meio ambiente aquilo que seja o estritamente necessário, evitando ou mitigando, ao máximo, os danos ambientais.

É assim que nos esclarece Ana Camargo:

O desenvolvimento sustentável busca simultaneamente a eficiência econômica, a justiça social e a harmonia ambiental. Mais do que um novo conceito, é um processo de mudança onde a exploração de recursos, a orientação dos investimentos, os rumos do desenvolvimento ecológico e a mudança institucional devem levar em conta as necessidades das gerações futuras. (CAMARGO, 2003, P.72).

Continua, ainda, a mesma autora, quando nos faz lembrar que:

O desenvolvimento sustentável não é tarefa somente para uma geração; é um processo a ser instituído, um projeto global que demandará tempo, compromisso, e esforço de várias gerações. A sugestão de mudança implícita em sua concepção, suas dimensões e seus desafios certamente precisarão de algum tempo para revelar toda a sua complexidade e a sua importância assim como para seu pleno amadurecimento e sua completa aceitação – como tem ocorrido com todas as transformações importantes pelas quais a humanidade já passou. (CAMARGO, 2003, p.96).

Como se pode verificar, as ideias e conceitos que cercam o desenvolvimento sustentável estão em constante mutação, formando um sistema complexo, interdependente e bastante dinâmico, como também o são o desenvolvimento econômico, os avanços científicos e as intermináveis necessidades humanas.

Todavia, alguns pilares sobre desenvolvimento sustentável parecem ser consenso. Alguns deles podem ser encontrados na declaração das Nações Unidas da Educação para o Desenvolvimento Sustentável, da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura – UNESCO, referendados que foram pela Conferência de Johanesburgo[17]:

a) sociedade – a compreensão das instituições sociais e do papel que desempenham na mudança e no desenvolvimento, assim como nos sistemas democráticos e participativos que dão a oportunidade de expressar opiniões, eleger governos, criar consensos e resolver controvérsias; b) meio ambiente – consciência dos recursos e da fragilidade do meio ambiente físico e dos efeitos das atividades e decisões humanas sobre o meio ambiente, com o compromisso de incluir as questões ambientais na elaboração de políticas sociais e econômicas; c) economia – consciência em relação aos limites e ao potencial do crescimento econômico e seus impactos na sociedade e no meio ambiente, com o compromisso de reduzir os níveis de consumo individual e coletivo, em relação à preocupação com o meio ambiente e justiça social.

No que diz respeito às dimensões abrangidas pelo desenvolvimento sustentável, Sachs elege as seguintes:

a) econômica – possibilitar uma alocação e uma gestão mais eficientes dos recursos em um fluxo regular dos investimentos públicos e privados; b) cultural – respeitar as especificidades de cada ecossistema, de cada cultura e de cada local; c) ecológica – intensificar o uso dos recursos potenciais dos vários ecossistemas – com um mínimo de dano a eles – para propósitos socialmente válidos; limitar o consumo de combustíveis fósseis e de outros produtos facilmente esgotáveis ou ambientalmente prejudiciais; reduzir o volume de resíduos e poluição; reciclar e conservar; limitar o consumo material; investir em pesquisa de tecnologias limpas; definir e assegurar o cumprimento de regras para uma adequada proteção ambiental; d) espacial – voltar-se para uma configuração rural-urbana mais equilibrada e uma melhor distribuição territorial de assentamentos humanos e atividades econômicas; e) social – consolidar um processo de desenvolvimento baseado em outro tipo de crescimento e orientado por outra visão do que é uma “boa” sociedade.

No mesmo relatório da UNESCO se pode encontrar uma importante e esclarecedora informação, que põe por terra conceitos distorcidos e baseados no senso comum sobre a relação existente entre pobreza e riqueza das nações e a sua relação com desenvolvimento sustentado:

Processos de desenvolvimento não sustentáveis pressionam os recursos naturais enquanto padrões não sustentáveis de produção e consumo, especialmente nos países desenvolvidos, ameaçam a fragilidade do meio ambiente natural, intensificando a pobreza em outros lugares. Entretanto, devemos ter o cuidado extremo de considerar a pobreza como a causa do desenvolvimento não sustentável, pois são os ricos que têm os maiores níveis de produção e consumo não sustentáveis. Os ricos estão aptos a fazer escolhas, enquanto os pobres, presos em um círculo de privação e vulnerabilidade, não podem fazê-lo. Enquanto os ricos podem adotar padrões de desenvolvimento sustentável e mostram-se relutantes em fazê-lo, os pobres não têm alternativa além de fazer uso do seu entorno imediato.

Como vimos até aqui, há uma ligação inafastável entre os diversos sistemas econômicos e o Direito Ambiental. Dessa relação, já dita simbiótica, surgiu a necessidade do legislador em melhor aparelhar nosso ordenamento jurídico para fazer frente ao desafio de buscar o equilíbrio entre desenvolvimento econômico e preservação ambiental.

Para tanto, esclarece Geraldo Vieira Simões Filho:

A legislação ambiental constitui toda a ordem jurídica nacional brasileira aplicável ao regime regulador do meio ambiente, compreendendo desde (a) as normatizações internacionais (tratados e outros atos jurídicos celebrados na comunidade internacional) trazidas ao nosso sistema constitucional, na conformidade dos procedimentos de estilo neste campo, e (b) as disposições de princípios e normas efetivamente inscritos no texto supremo, até a extensa tipologia normativa infraconstitucional realizadora das estipulações da Lei Fundamental nacional, a saber: (c) constituições estaduais e leis orgânicas municipais, (d) leis complementares e leis ordinárias federais, (e) medidas provisórias, (f) leis delegadas, (g) resoluções o Senado Federal, (h) decretos federais, portarias ministeriais, resoluções de órgãos e instituições ambientais, etc., ao lado, ainda, de (i) leis ordinárias estaduais e competentes regulamentações.

Cabe ressaltar o julgado do Supremo Tribunal Federal – STF, elevando o conceito de desenvolvimento sustentável à condição de princípio constitucional, pois segundo aquela corte suprema:

A questão do desenvolvimento nacional (CF, art. 3º, II) e a necessidade de preservação da integridade do meio ambiente (CF, art.225): O princípio do desenvolvimento sustentável como fator de obtenção do justo equilíbrio entre as exigências da economia e as da ecologia. O princípio do desenvolvimento sustentável, além de impregnado de caráter eminentemente constitucional, encontra suporte legitimador em compromissos internacionais assumidos pelo Estado brasileiro e representa fator de obtenção do justo equilíbrio entre as exigências da economia e as da ecologia, subordinada, no entanto, a invocação desse postulado, quando ocorrente situação de conflito entre valores constitucionais relevantes, a uma condição inafastável, cuja observância não comprometa nem esvazie o conteúdo essencial de um dos mais significativos direitos fundamentais: o direito à preservação do meio ambiente, que traduz bem de uso comum da generalidade das pessoas, a ser resguardado em favor das presentes e futuras gerações. (grifo nosso). (ADI 3.540-MC, Rel. Min. Celso Mello, DJ 03/02/06).

Nossa Carta Magna também se manifesta, em diversos artigos, sobre as questões ambientais, quer de maneira explícita, quer de maneira implícita. Em relação aos comandos explícitos, importante ressaltar dois importantes artigos que demonstram a ligação entre desenvolvimento econômico e os preceitos de sustentabilidade.

Nesse sentido, sobre o art. 170 da CF/88, versando sobre a função social da empresa e o condicionamento à livre iniciativa, leciona José Afonso da Silva:

O art.170, III, ao ter a função social da propriedade como um dos princípios da ordem econômica, reforça essa tese. Mas a principal importância disso está na sua compreensão como um dos instrumentos destinados à realização da existência digna de todos e da justiça social. Correlacionando essa compreensão com a valorização do trabalho humano (art. 170, V), a defesa do meio ambiente (art. 170, VI). (SILVA, 2006, p.712).

Ainda sobre o mesmo artigo 170 da CF/88, continua o doutrinador:

(...) a defesa do meio ambiente merecerá exame mais devagar nos comentários ao art. 225 (infra), mas é importante destacar aqui que, tendo sido elevado ao nível de princípio da ordem econômica, isso tem o efeito de condicionar a atividade produtiva ao respeito do meio ambiente, e possibilita ao Poder Público interferir drasticamente, se necessário, para que a exploração econômica preserve a ecologia, especialmente com o aditamento que a Emenda Constitucional 42/2003 acatou ao dispositivo, de tal sorte que a defesa do meio ambiente pode ser feita inclusive mediante tratamento diferenciado, conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação. É de extrema importância essa adição, porque reforça a possibilidade de intervenção do Poder Público para assegurar a efetividade do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado (art.225). (SILVA, 2006, 714).

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Em contrapartida, em análise do art. 225 da CF/88, no que tange ao direito ao meio ambiente, José Afonso da Silva pontua que:

(...) Veja-se que o objeto do direito de todos não é o meio ambiente em si, não é qualquer meio ambiente. O que é objeto do direito é o meio ambiente qualificado. O direito que todos temos é à qualidade satisfatória, ao equilíbrio ecológico do meio ambiente. Essa qualidade é que se converteu em um bem jurídico. Isso é que a Constituição define como bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida (...) esses atributos do meio ambiente não podem ser de apropriação privada, mesmo quando seus elementos constitutivos pertençam a particulares. Significa que o proprietário, seja pessoa pública ou particular, não pode dispor da qualidade do meio ambiente a seu bel-prazer, porque ela não integra sua disponibilidade (...) são bens de interesse público, dotados de um regime jurídico especial, enquanto essenciais à sadia qualidade de vida e vinculados, assim, a um fim de interesse coletivo. (SILVA, 2006, págs. 835 e 836).

Continuando, ainda sobre o art. 225 da CF/88, porém agora versando sobre a conservação ecológica, o autor nos revela que:

O conceito de conservação ecológica é de fundamental importância, porque compreende a preservação, a manutenção, a utilização sustentada, a restauração e a melhoria do ambiente natural. Define-se como a gestão da utilização da biosfera pelo ser humano, de tal sorte que produza o maior benefício sustentado para as gerações atuais, mas que mantenha sua potencialidade para satisfazer as necessidades e as aspirações das gerações futuras. É nesse sentido que a Constituição prescreve que é dever do Poder Público e da coletividade defender e preservar o meio ambiente ecologicamente equilibrado para as presentes e futuras gerações (art. 225, caput). (SILVA, 2006, págs. 837 e 838).

Do exposto até aqui, sobre as questões que cercam o desenvolvimento sustentável, se pode vislumbrar o tamanho do impacto que as atividades empresariais, em especial aquelas ligadas ao agronegócio e toda a sua cadeia produtiva, trazem ao meio ambiente e o tamanho do esforço, ainda por ser feito, para encontrarmos o melhor equilíbrio possível entre o interesse econômico e a tutela ambiental.

3.2 DO INSTITUTO DA RESPONSABILIDADE CIVIL

Article IV.  No direito Pátrio, a responsabilidade civil alicerçou-se na imperiosa demonstração da existência de três requisitos basilares: o ato ilícito, o dano provocado e o nexo causal, ou, em outras palavras, o pressuposto da culpa para que se estabeleça a obrigação de corrigir ou reparar o dano imposto.

Encontramos uma boa definição de responsabilidade civil nas palavras do doutrinador Carlos Roberto Gonçalves: “Responsabilidade civil é, assim, um dever jurídico sucessivo que surge para recompor o dano decorrente da violação de um dever jurídico originário”. (GONÇAVES, 2003, p.7).

Reforçando esse entendimento, mas no sentido mais amplo de justificar a imperiosa necessidade de se reparar o dano causado pelo agente que o motivou, cabe recordar os ensinamentos de Caio Mário da Silva Pereira:

Como sentimento humano, além de social, a mesma ordem jurídica repugna que o agente reste incólume em face do prejuízo individual. O lesado não se contenta com a punição social do ofensor. Nasce daí a ideia de reparação, com estrutura de princípios de favorecimento à vítima e de instrumentos montados para ressarcir o mal sofrido. Na responsabilidade civil está presente uma finalidade punitiva ao infrator, aliada a uma necessidade que eu designo de pedagógica, a que não é estranha a ideia de garantia para a vítima, e de solidariedade que a sociedade humana deve-lhe prestar. (PEREIRA, 1990, p.15).

Oriundo do projeto de lei 734-B/75, o Código Civil vigente no ordenamento jurídico brasileiro mantém, como regra geral, o instituto da responsabilidade civil subjetiva, em função da exigência de conduta culposa em relação ao dano causado, seja por imprudência ou negligência, estando contemplada, ainda que de maneira implícita, a ocorrência de imperícia do ato, conforme consta do Art.186 daquele diploma legal, In verbis: “Artigo 186 – Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”.

No entanto, diversos doutrinadores já defendem, há tempos, que todo o racional que cerca e caracteriza a responsabilidade civil, moldada na teoria da culpa ou teoria subjetiva, já não mais apresenta a eficácia necessária para a entrega da tutela jurisdicional.

Nesse sentido, pela complexidade das relações sociais do nosso tempo, é pacífico afirmar que já se faz perceber uma clara tendência no sentido da adoção da teoria do risco, ou seja, da responsabilidade objetiva, pois melhor se ajusta aos tempos modernos, ampliando, de forma inegável, as chances de reparação daquele a quem o dano lesou, pois:

A teoria da culpa, resumida com alguma arrogância, por VON IHENG, na fórmula “sem culpa, sem nenhuma reparação”, satisfez por dilatados anos à consciência jurídica, e é, ainda hoje, tão influente que inspira a extrema resistência oposta por autores insignes aos que ousam proclamar a sua insuficiência em face das necessidades criadas pela vida moderna, sem aludir ao defeito da concepção em si mesma. (DIAS, 1983, p.36)

Não obstante ser a responsabilidade civil subjetiva adotada pela doutrina majoritária, o próprio Código Civil, numa clara demonstração do legislador, acabou por ampliar o rol de possibilidades de responsabilização objetiva, notadamente pela adoção da Teoria do Risco[18], claramente apontada no parágrafo único do artigo 927:

Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem. (grifo nosso).

Article V.                  Abarca essa tendência, Rui Stoco, quando proclama:

A insatisfação com a teoria subjetiva, magistralmente posta à calva por Cáio Mário, tornou-se cada vez maior, e evidenciou-se a sua incompatibilidade com o impulso desenvolvimentista de nosso tempo. A multiplicação de oportunidades e das causas de danos evidenciaram que a responsabilidade subjetiva mostrou-se inadequada para cobrir todos os casos de reparação. (STOCO, 1999, p.76).

Conforme se vê, o agronegócio, movido por esse mesmo impulso desenvolvimentista, numa corrida por maiores taxas de crescimento e produtividade, apoiado pelos grandes conglomerados financeiros, vem se transformando num dos maiores agentes agressores do meio ambiente, onde o lucro se sobrepõe à direitos, inclusive fundamentais, como o é da preservação da natureza para as gerações futuras, tutela essa expressamente positivada no caput do artigo 225 da nossa Carta Magna:

Art.225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

Assim, dado o exposto, vislumbra-se a existência de responsabilidade civil objetiva das instituições financeiras, quando da ocorrência de danos ambientais gerados por seus financiados, em especial no agronegócio, ainda que não se possa provar a culpa daquelas, mas, muito principalmente, pela existência do nexo causal, devidamente tangibilizado pelo contrato de empréstimo entre as partes, aplicando-se, para tal fim, a teoria do risco.

Seria coerente afirmar que da responsabilização civil objetiva das instituições financeiras, nos casos em tela, resultaria uma considerável redução dos fatos geradores de danos ambientais por parte dos seus mutuários, pelo fato de que naturalmente se transformariam em verdadeiros fiscais ambientais, senão movidos por um impulso cívico, mas por uma necessidade de protegerem seus capitais investidos.

Parece ser bastante razoável pensar na responsabilidade objetiva dos agentes financeiros no caso de impactos ambientais causados pelos seus clientes financiados e a legislação vigente, apesar de esparsa, nos deixa margem para assim pensarmos e agirmos. Sem pretensão de esgotar o assunto, seguem alguns exemplos:

a) Lei 6.938/81 – Lei da Política Nacional do Meio Ambiente => em seu artigo 12 e parágrafo único determina que devam constar dos projetos a realização de obras e aquisições de equipamentos destinados ao controle de degradação ambiental e a melhoria da qualidade do meio ambiente. Também importante a redação do artigo 14, § 1º que assegura a aplicação das penalidades previstas “...independentemente da existência de culpa...”;

b) Lei 9.605/98 – Lei de Crimes Ambientais => dispõe sobre sanções penais e administrativas oriundas de condutas lesivas ao meio ambiente, como se pode verificar nos seus artigos 2º, 3º e 4º que tratam do concurso de crimes por pessoas jurídicas, bem como a sua desconsideração. No artigo 72, § 8º, inciso IV, que dentre outras sanções restritivas de direitos, determina que seja suspensa a participação das empresas faltosas em financiamentos de estabelecimentos oficiais de crédito;

c) Lei 11.105/05 – Lei de Biossegurança => em seu artigo 20 preconiza a responsabilidade solidária aos responsáveis por danos ao meio ambiente e a terceiros, “por sua indenização ou reparação integral, independentemente da existência de culpa”.

Ao aplicarmos a Teoria do Risco, tomamos por base não mais a culpa, mas sim os riscos que devem ser assumidos por qualquer agente quando do exercício de suas atividades, ou seja, a culpa dá lugar ao risco, pois assumindo determinado curso de ação, deve esse mesmo agente, até mesmo pelo proveito que tirará de seus atos, assumir os riscos inerentes.

Embasado nessa doutrina, Carlos Roberto Gonçalves, a respeito do parágrafo único do artigo 927 do Código Civil, assevera que:

A inovação constante do parágrafo único do art. 927 do Código Civil será significativa e representará, sem dúvida, um avanço, entre nós, em matéria de responsabilidade civil. Pois a admissão da responsabilidade sem culpa pelo exercício de atividade que, por sua natureza, representa risco para os direitos de outrem, da forma genérica como consta do texto, possibilitará ao Judiciário uma ampliação dos casos de dano indenizável. Pode-se antever, verbi gratia, a direção de veículos motorizados ser considerada atividade que envolve grande risco para os direitos de outrem. (GONÇALVES, 2003, p.32).

Reforça esse entendimento, Silvio Rodrigues, quando nos ensina sobre a responsabilidade objetiva:

Na responsabilidade objetiva a atitude culposa ou dolosa do agente causador do dano é de menor relevância, pois, desde que exista relação de causalidade entre o dano experimentado pela vítima e o ato do agente, surge o dever de indenizar, quer tenha este último agido ou não culposamente. A Teoria do Risco é a da responsabilidade objetiva. Segundo essa teoria, aquele que, através de sua atividade, cria risco de dano para terceiros, deve ser obrigado a repará-lo, ainda que sua atividade ou comportamento sejam isentos de culpa. Examina-se a situação e, se for verificada, objetivamente, a relação de causa e efeito entre o comportamento do agente e o dano experimentado pela vítima, esta tem o direito de ser indenizada por aquele. (RODRIGUES, 2002, p.10).

Cabe ressaltar que também a Lei 8.078/90 - Código de Defesa do Consumidor, em seus artigos 12 a 17, se valeu da teoria do risco-proveito para afastar a teoria da culpa, ou seja, não é a culpabilidade, mas sim a relação de causalidade, o nexo entre causa e efeito que são suficientes para a imputação da responsabilidade objetiva.

Nesse sentido, mais uma vez o pensamento de Carlos Roberto Gonçalves nos vem socorrer, quando afirma que:

Uma das teorias que procuram justificar a responsabilidade objetiva é a Teoria do Risco. Para essa teoria, toda pessoa que exerce alguma atividade cria um risco de dano para terceiros. E deve ser obrigada a repará-lo, ainda que sua conduta seja isenta de culpa. A responsabilidade civil desloca-se da noção de culpa para a ideia de risco, ora encarada como ‘risco-proveito’, que se funda no princípio segundo o qual é reparável o dano causado a outrem em consequência de uma atividade realizada em benefício do responsável (ubi emolumentum, ibi onus). (GONÇALVES, 2003, p.29).

Como se pode ver, pela Teoria do Risco-Proveito, o deslocamento da noção de culpa para o conceito de risco determina que aquele que recebe os bônus da atividade alheia também responderá pelo ônus que essa atividade vier a dar causa. É teoria usada no exemplo dos empregados da caldeira: o empregador deve arcar com as desvantagens, já que recebe as vantagens do trabalho.

Nessa linha de raciocínio, ensina Maria Helena Diniz:

A responsabilidade objetiva funda-se num princípio de equidade, existente desde o direito romano: aquele que lucra com uma situação deve responder pelo risco ou pelas desvantagens dela resultantes (ubi emolumentum, ibi onus; ubi commoda, ibi incommoda). (DINIZ, 2004, p.48).

Importante as ponderações de Alvino Lima, apontando as dificuldades da entrega jurisdicional nos casos ambientais:

Dentro do critério da responsabilidade fundada na culpa não era possível resolver um sem-número de casos que a civilização moderna criava ou agravava; imprescindível se tornava, para a solução do problema da responsabilidade extracontratual, afastar-se do elemento moral, da pesquisa psicológica do íntimo do agente, ou da possibilidade de previsão ou de diligência, para colocar a questão sob um ângulo até então não encarado devidamente, isto é, sob o ponto de vista exclusivo da reparação, e não interior, subjetivo, como na imposição da pena. Os problemas da responsabilidade são tão somente os da reparação de perdas. Os danos e a reparação não devem ser aferidos pela medida da culpabilidade, mas devem emergir do fato causador da lesão de um bem jurídico, a fim de se manterem incólumes os interesses em jogo, cujo desequilíbrio é manifesto, se ficarmos dentro dos estreitos limites de uma responsabilidade subjetiva. (LIMA, 1994, p.49)

Outra teoria que embasa o instituto da responsabilidade objetiva é a do Risco-Criado, onde a responsabilidade não é mais a contrapartida de um proveito ou lucro particular, mas sim a consequência inafastável da atividade em geral.

Assim, a pessoa passa a responder pelos danos sofridos por terceiros mesmo que não tenha tido proveito com a situação, ou seja, toda pessoa que, ao exercer alguma atividade, expõe alguém a suportar um risco de dano, deverá repará-lo caso esse dano venha ser efetivado, mesmo que sua conduta não seja culposa.

Para Caio Mário Pereira, a teoria do risco criado é a que melhor se adapta às condições de vida social, fixando-se na ideia de que, se alguém põe em funcionamento qualquer atividade, responde pelos eventos danosos que essa atividade gera para os indivíduos, independentemente de determinar se em cada caso, isoladamente, o dano é devido à imprudência, a um erro de conduta. (PEREIRA, 1990).

Percebe-se, do exposto, a relevância do tema da responsabilidade civil, em especial a objetiva, dos agentes financiadores do agronegócio, como forma de envolver não apenas o agente primário da ação provocadora de danos ambientais, mas também aqueles que fomentam tais atividades, tendo como pano de fundo o seu próprio interesse financeiro na busca pelo lucro.

3.3 DO NEXO CAUSAL E A RESPONSABILIDADE OBJETIVA EM DANO AMBIENTAL

De conformidade com o art.14, § 1º, da Lei 6.938/81, recepcionado pelo art. 225, §§ 2º e 3º, da CF/88, o ordenamento jurídico brasileiro adotou a responsabilidade objetiva em questões relacionadas ao dano ambiental, tomando como base a suposição de atividades que ofereçam riscos à saúde e ao meio ambiente, cabendo, pois, ao empreendedor o cuidado em prevenir tais riscos (Princípio da Prevenção)[19], bem como recepcioná-los em seu processo produtivo (Princípio do Poluidor-Pagador)[20].

Pela doutrina de Noronha (1988), encontramos basicamente três riscos que explicam a responsabilidade objetiva e que são inerentes à certas atividades:

(...) o risco de empresa, o risco administrativo e o risco-perigo. Esses riscos podem ser sintetizados dizendo-se: que quem exerce profissionalmente uma atividade econômica, organizada para a produção ou a circulação de bens ou serviços, deve arcar com todos os ônus resultantes de qualquer evento danoso inerente ao processo produtivo ou distributivo; que a pessoa jurídica pública responsável, na prossecução do bem comum, por uma certa atividade, deve assumir a obrigação de indenizar particulares que porventura venham a ser lesados, para que os danos sofridos por estes sejam redistribuídos pela coletividade beneficiada; que quem se beneficia de uma atividade potencialmente perigosa (para outras pessoas ou para o meio ambiente), deve arcar com eventuais consequências danosas. (NORONHA, 1988, p.37)

Nesse sentido, buscando diferenciar a responsabilidade objetiva da subjetiva, encontramos em Perales (1997), importantes esclarecimentos:

Enquanto que na responsabilidade civil subjetiva a imputação do dano irá ligar-se à ideia de previsibilidade, na responsabilidade objetiva, o requisito da previsibilidade não existe, sendo que o critério de imputação do dano ao agente se amplia, quase aproximando-se de um enfoque puramente material, de tal modo que, com a prova de que a ação ou omissão foi a causa do dano, a imputação é quase automática. (PERALES, 1997, p.157).

Isso nos leva à conclusão de que nosso ordenamento jurídico impõe àqueles que se dedicam ao exercício de atividades classificadas como de responsabilidade objetiva, o encargo de trabalhar com juízo de previsão, aceitando as possibilidades danosas inerentes e tais atividades.

Afastada a culpa, nos casos de responsabilidade objetiva, restam a ação (ou omissão), o dano e o liame que os une, ou seja, o nexo causal. Para Asina (1979), o nexo de causalidade é um elemento objetivo, pois alude a um vínculo externo entre o dano e o fato da pessoa ou da coisa.

Clarificando um pouco mais o conceito de causa, como a principal amálgama entre o ato e o dano, encontramos em Raimundo Barros:

Causa é um acontecimento fático, capaz de produzir um resultado danoso. Situa-se entre a ação ou a omissão do causador do acidente e o próprio dano. Sem a causa o dano inexistiria. Por sua vez, concausas (que podem ser preexistentes ou supervenientes) são outras causas que têm a capacidade de influenciar o processo de relação de causalidade já em andamento. Assim, a concausa superveniente poderá interromper o desencadeamento do nexo causal, assumindo, ela própria o resultado. Já a concausa preexistente não tem o poder de substituir a causa do acidente, embora possa interferir no resultado. (BARROS, 2000, p. 34).

Conforme Perales (1997), a maioria das teorias sobre causalidade percorrem caminhos similares para determinar o conceito de causa, partindo de informações de cunho fático à partir da análise da realidade, distinguindo causalidade jurídica da causalidade científica, pois enquanto esta última, para estabelecer uma relação de causa e efeito, exige um alto grau de prova, no direito a busca por essa resposta passa por encontrar o sujeito agente e à ele atribuir a responsabilidade cabível, residindo tais juízos em probabilidades e não em certezas absolutas.

Em que pesem as diversas teorias existentes e as acaloradas discussões doutrinárias sobre quais seriam os limites e as possibilidades em se atribuir a responsabilidade e riscos aos empreendedores, basicamente nos deparamos com duas principais correntes: Teoria do Risco Integral e a Teoria do risco Criado.

Versando sobre as duas teorias, temos Alonso (2000) apregoando que pela via do risco integral, todo e qualquer risco que esteja ligado à uma atividade empreendedora será absorvido, integralmente, pelo processo produtivo de tal atividade; por outro lado, pela adoção do risco criado, necessário será eleger, dentre todos os fatores considerados de risco, apenas aquele de maior periculosidade e, por isso mesmo, mais adequado e apto à gerar possíveis danos, para, então, imputar-se a responsabilidade.

Assim, a teoria do risco criado apresenta-se como uma doutrina bastante limitadora em face às atuais necessidades ambientais e as já mencionadas complexidades das modernas relações humanas, sejam elas comerciais ou não, pelo fato de incidir unicamente sobre às atividades consideradas perigosas, sendo este perigo, intrinsicamente ligado à tais atividades, o fator de risco a ser evitado e que será o condutor da responsabilização, limitando, pois, que seja a responsabilidade  objetiva aplicada na sua plenitude.

Diversamente, a Teoria do Risco Integral encontra-se plenamente justificada pela outorga que lhe é dada pelo art. 225, caput, da CF/88, no sentido de tutelar, adequadamente, o meio ambiente ecologicamente equilibrado, tendo como resultado a incolumidade dos bens ambientais.

A indenização é devida somente pelo fato de existir a atividade da qual adveio o prejuízo, independentemente da análise de subjetividade do agente, sendo possível responsabilizar todos aqueles aos quais possa, de  com alguma maneira, ser imputado o prejuízo. Esse posicionamento não admite excludentes de responsabilidade, tais como o caso fortuito, a força maior, a ação de terceiros ou da própria vítima. (LUCARELLI, 1994, p.15).

Importante ressaltar que a Teoria do Risco Integral é defendida por diversos doutrinadores e operadores do direito, como Jorge Nunes Athias, Sérgio Cavalieri Filho, Édis Milaré, Nelson Nery Jr, José Afonso da Silva e Sérgio Ferraz. Ainda, segundo Édis Milaré:

O dever de reparar o dano independe da análise da subjetividade do agente e, sobretudo, pelo fato de existir a atividade da qual adveio o prejuízo (...) O poluidor deve assumir integralmente todos os riscos que advém de sua atividade, como se isto fora um começo da socialização do risco e do prejuízo. O interesse público, que é a base do Direito Ambiental, encontra na responsabilidade civil objetiva uma forma de convivência com a atividade particular, voltada, normalmente, para o lucro. (MILARÉ, 1996, p.33).

Ainda na mesma linha de raciocínio, dita Nelson Nery Jr que:

A indenização é devida independentemente de culpa e, mais ainda, pela simples razão de existir a atividade da qual adveio o prejuízo: o titular da atividade assume todos os riscos dela oriundos. Dessa maneira, não se operam como causas excludentes de responsabilidade, o caso fortuito e a força maior. Ainda que a indústria tenha tomado todas as precauções para evitar acidentes danosos ao meio ambiente, se, por exemplo, explode um reator controlador de emissão de agentes químicos poluidores (caso fortuito), subsiste o dever de indenizar. Do mesmo modo, se por um fato da natureza ocorrer o derramamento de substância tóxica existente no depósito de uma indústria (força maior), pelo simples fato de existir a atividade há o dever de indenizar. (NERY JR, 1984, p.172)

Ressalte-se, ainda, o pensamento de Annelise Monteiro Steigleder, quando alerta para a necessidade de uma entrega jurisdicional mais abrangente pelo entendimento extensivo da Lei 6.938/81, bem além do conceito de atividades perigosas, registrando que:

Entendemos que, o fato de a responsabilidade objetiva fundamentar-se no risco da atividade não significa que sua aplicação seja restrita às atividades perigosas, interpretação que conferiria uma aplicabilidade excessivamente limitada ao referido dispositivo da Lei 6.938/81 e que não é compatível com o objetivo posto na Constituição de proteger o meio ambiente e combater a poluição em todas as suas formas. Portanto, aplica-se tanto aos danos gerados por atividades perigosas como àqueles desencadeados por uma atividade profissional qualquer, partindo-se da premissa de quem exerce uma atividade econômica deve arcar com todos os custos atinentes à prevenção e reparação dos danos ambientais, aplicando-se, ainda, o princípio do alterum non laedere[21]. Ademais, as externalidades negativas não são geradas apenas por atividades perigosas, constituindo característica da sociedade de riscos contemporânea, que necessita um sistema eficiente de canalização da responsabilidade, evitando-se a socialização dos riscos [...] Havendo mais de uma causa provável do dano, todas serão reputadas eficientes para produzi-lo, não se distinguindo entre causa principal e causas secundárias, pelo que a própria existência da atividade é reputada causa do evento lesivo. Cuida-se aqui da aplicação, em matéria de nexo de causalidade, da teria da conditio sine qua non[22], cujo mérito é a potencialidade de atenuar o rigorismo do nexo de causalidade, substituindo-se o liame entre uma atividade adequada e o seu resultado lesivo pelo liame entre a existência de riscos inerentes a determinada atividade e o dano ambiental, fundado em juízos de probabilidade [...] na teoria da equivalência das condições, basta que o dano possa estar vinculado à existência do fator de risco, o qual é reputado “causa” do dano, pelo que qualquer evento condicionante é equiparado à causa do prejuízo, sem a exigência de que este seja uma consequência necessária, direta e imediata do evento. Fundamentam a adoção do mero fator risco, em substituição ao requisito de uma causa adequada perfeitamente identificada, vinculada a uma atividade perigosa, a percepção de que a atividade é realizada no interesse da pessoa ou empresa e o princípio do alterum neminem laedere. (STEIGLEDER, 2003, págs. 50,51,53).

Diante do que até aqui foi exposto, seria seguro afirmar que é perfeitamente possível, e mesmo necessário, uma interpretação menos obtusa no que diz respeito ao nexo de causalidade. Nesse sentido, acompanhando o raciocínio de Steigleder:

[...] Atenua-se o nexo de causalidade, que se transforma em mera “conexão” entre a atividade e o dano, falando-se em dano “acontecido” porque, a rigor, não se exigirá um nexo de causalidade adequada entre a atividade e dano. Todos os riscos abrangidos pela atividade deverão ser internalizados no processo produtivo e, se o dano ocorrer, haverá uma presunção de causalidade entre tais riscos e danos.[...] Essa conexão é presumida e extraída dos princípios da precaução e do poluidor-pagador, com o que se redefine os objetivos da responsabilidade civil, que migram de uma perspectiva nitidamente privada e voltada para a proteção individual, para uma perspectiva ampliada de garantia de incolumidade dos bens de titularidade difusa, percebendo-se aqui a funcionalização social da responsabilidade civil. (STEIGLEDER, 2003, p.54).

Na verdade, tal sistemática de apuração de responsabilidade, em matéria ambiental, já se pode encontrar no ordenamento pátrio, por exemplo, na Lei Federal 7.809/89, que versa sobre agrotóxicos e nas Resoluções 257 e 258 do Conselho Nacional do Meio Ambiente – CONAMA, de 30.06.1999 e 26.08.1999, que versam sobre pneus e pilhas/baterias de telefones celulares, respectivamente.

Com base nessa nova racionalidade de apuração dos responsáveis por danos ambientais, o Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, em jurisprudência recente, decidiu, sobre embalagens tipo pet, o que segue:

Ação civil pública – Dano Ambiental – Lixo resultante de embalagens plásticas tipo “pet” (polietileno tereftalato) – empresa engarrafadora de refrigerantes – responsabilidade objetiva pela poluição do meio ambiente – acolhimento do pedido – obrigação de fazer – condenação da requerida sob pena de multa – inteligência do art. 225 da CF, Lei 7.347/85, arts. 1º e 4º, da Lei Estadual 12.943/99, 3 e 14, § 1º, da Lei 6.938/81.

1.Se os avanços tecnológicos induzem o crescente emprego de vasilhames de matéria plástica do tipo “pet” (polietileno tereftalato), propiciando que os fabricantes que delas se utilizam aumentem lucros e reduzam custos, não é justo que a responsabilidade pelo crescimento exponencial do volume do lixo resultante seja transferida apenas para o governo ou a população. 2. A chamada responsabilidade pós-consumo no caso de produtos de alto poder poluente, como as embalagens plásticas, envolve o fabricante de refrigerantes que delas se utiliza, em ação civil pública, pelos danos ambientais decorrentes. Esta responsabilidade é objetiva, nos termos da Lei 7.347/85, artigos 1º e 4º da Lei Estadual 12.943/99, e artigos 3º e 14, § 1º, da Lei 6.938/81, e implica na sua condenação nas obrigações de fazer, a saber: adoção de providências em relação à destinação final e ambientalmente adequada das embalagens plásticas de seus produtos, e destinação de parte dos seus gastos com publicidade em educação ambiental, sob pena de multa. (TJPR, ApCiv 18652100, 8ª Câm. Civ., rel. Des. Ivan Bortoletto, j. 05.08.2002).

Este importante julgado, diferentemente da grande maioria, desvincula-se de maneira importante de preceitos tradicionais e ainda arraigados à máxima de Montesquieu em que “o juiz é a boca da lei”, ainda largamente utilizado por nossos operadores do Direito. Ampliando a análise da responsabilidade objetiva e, por consequência, facilitando a entrega jurisdicional, no que tange aos danos ambientais, o presente julgado encontra-se aderente ao correto cumprimento do comando existente no art.225, caput, da CF/88.

Importante observar que a punição foi imposta não ao agente que de fato causou o dano, ou seja, quem realmente colocou as embalagens do tipo “pet” no rio, causando sérios danos ambientais, mas sim ao fabricante das referidas embalagens, pela simples existência do produto. Em suma, o produto e não o ato de jogá-lo no rio é que se tornou o fator de risco e o fio condutor que levou ao dano ambiental.

Presentes estão no julgado as características peculiares de que se revestem os danos ambientais, notadamente indiretas e difusas e que percorrem causas que muitas das vezes encontram-se veladas, escondidas mesmo.

Desse julgado, percebe-se que descoberta do tal nexo de causalidade é tarefa por demais complexa e difícil, pois que os danos:

Se processam através do Unwelt, num percurso causal muitas vezes oculto. Assim, a prova de um nexo de causalidade entre a atividade poluente e o dano é muitas vezes difícil, senão impossível, pois normalmente não existe uma ligação direta entre ambos. (SENDIM, 1998, p.40).

Assim é que se faz mister a necessária busca no sentido da responsabilização integral pelos riscos ambientais gerados, inclusive valendo-se da substituição dos critérios de certeza pelos critérios de probabilidade na determinação da causa que gerou o dano, em especial nos casos em que o nexo de causalidade encontre-se oculto pelas chamadas contaminações sinérgicas ou múltiplas causas, conectando-se os riscos da atividade ao dano gerado. (NERYJR, 1992)

Sobre o autor
Marcos Alex Silva dos Santos

Bancário, bacharel em direito, especialização em marketing.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SANTOS, Marcos Alex Silva. O financiamento do agronegócio e a responsabilidade dos agentes financeiros nos impactos ambientais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3299, 13 jul. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/22207. Acesso em: 22 nov. 2024.

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