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O financiamento do agronegócio e a responsabilidade dos agentes financeiros nos impactos ambientais

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Agenda 13/07/2012 às 10:33

4 DO RISCO AMBIENTAL COMO POSSIBILIDADE DE RESPONSABILIZAÇÃO DOS AGENTES FINANCEIROS

4.1 DOS FINANCIAMENTOS AGRÍCOLAS E DANOS AMBIENTAIS

Com base nos números até aqui expostos, impossível não perceber o fabuloso desenvolvimento do agronegócio brasileiro nos últimos 20 ou 30 anos, quer pelos investimentos pesados em novos equipamentos, pelo desenvolvimento de pesquisas e novas técnicas de produção, onde o próprio papel do Estado, via organismos como a Empresa Brasileira de Pesquisas Agropecuárias - EMBRAPA agregam relevantes contribuições.

Evidentemente que um volume financeiro dessa magnitude necessita de apoio governamental e privado para fazer girar toda a cadeia produtiva do agronegócio, justamente onde entram as instituições financeiras, tendo o BNDES e o Banco do Brasil SA, exercido papel relevante no apoio a esse segmento.

Todavia, com o atual estágio de desenvolvimento atingido pelo segmento de agronegócios, também o sistema financeiro privado vem injetando recursos e financiando as atividades agroindustriais brasileiras, quer por empréstimos destinados à comercialização, quer por investimentos de longo prazo, voltados para a modernização do parque de máquinas e melhorias e ampliação das instalações produtivas.

Assim, percebendo as possibilidades de lucro inerentes ao agronegócio, cuja pauta de produção volta-se, em larga escala, ao mercado mundial, bem como a vasta cadeia produtiva característica desse segmento, o sistema financeiro não apenas investiu recursos, mas modernizou as relações negociais dos intervenientes desse negócio.

Uma série de soluções financeiras, como LCA, emissão de Debêntures, ofertas públicas de ações de empresas agroindustriais na bolsa de valores, CPR, além de outras operações mais sofisticadas, como Derivativos[23] e operações de Private Equity[24], destinadas aos mercados mais elaborados e investidores altamente qualificados, alavancaram sobremaneira os negócios da espécie. (GONÇALVES et all, 2005).

Nesse ponto encontramos, pois, uma conexão entre o sistema financeiro e o segmento do agronegócio que merece maior atenção, tanto das autoridades governamentais, quanto, principalmente, da sociedade organizada, passando pelos organismos de controle e proteção do meio-ambiente e órgãos reguladores da economia e finanças.

De um lado temos, então, um segmento que bate seus recordes de produção de forma recorrente, quer pelo aumento da produção de grãos, via ganhos de produtividade e aplicação de novas tecnologias, quer pela ampliação da área plantada, alicerçados por um sistema financeiro cada vez mais ávido por negócios e maiores lucratividades.

Por outro lado, temos uma necessidade cada vez mais crescente de buscarmos saldos positivos na balança comercial brasileira, como forma de ampliarmos nossas reservas internacionais e dar maior estabilidade e credibilidade à nossa economia e, nesse mister, o agronegócio, como já visto, dá significativa parcela de contribuição pela pujança dos seus números.

Há que se considerar, pela relevância atual, a crescente demanda mundial por alimentos, que encontra no Brasil um dos principais fornecedores mundiais, potencializado pelo fato de que muitos outros países importantes na produção de alimentos já terem explorado, quase que na sua totalidade, suas áreas agricultáveis, como é o caso dos EUA, restando para estes países a busca incessante por ganhos de produtividade, os quais apresentam limitadores por exaustão.

Da junção de todos esses fatores, chegamos, então, no dilema do desenvolvimento sustentável, com uma equação que se apresenta com, no mínimo, quatro variáveis complexas, mas que necessitam de solução rápida e harmônica entre si, a saber:

a) o mundo apresenta demandas crescentes por alimentos e o Brasil é considerado um dos fornecedores mais habilitados à suprir tal necessidade, quer pela nossa reconhecida competitividade no setor, quer pela existência de considerável área agricultável ainda por ser explorada; b) temos um sistema financeiro dos mais modernos do mundo, considerado sólido e de boa gestão e controle, o que agrega segurança e, consequentemente, atrai cada vez mais investidores, inclusive estrangeiros, mas que acabam por exigir lucratividades crescentes e o agronegócio se apresenta como uma boa alternativa de ganhos para os Bancos; c) temos um governo que trabalha focado na manutenção da estabilidade econômica do país e, para tanto, uma das fórmulas tem sido ampliar o saldo da balança comercial brasileira e, por isso, tem interesse no crescimento das exportações do segmento agroindustrial brasileiro; d) Por fim, da conjunção dos três interesses anteriores, temos colocado o desafio do chamado desenvolvimento autossustentável, onde o equilíbrio entre o crescimento econômico deve encontrar harmonia com as práticas de proteção do meio-ambiente.

Considerando que o capitalismo moderno, aliado ao processo de globalização, encontra no sistema financeiro o seu maior ponto de apoio, evidentemente que nas questões inerentes ao agronegócio seria lógico e natural esperar uma maior parcela de responsabilidade desses mesmos agentes financeiros no sentido de mitigar os riscos ambientais que tais empreendimentos apresentam.

Constantemente vemos notícias veiculadas dando conta de diversos impactos ambientais provocados pelas atividades afetas ao agronegócio, com danos praticamente irreversíveis ao meio-ambiente. Uso intensivo de agrotóxicos e a consequente contaminação de rios e lençóis freáticos, queimadas sucessivas que degradam o solo, assoreamento dos rios pelo desrespeito à proteção das matas ciliares e o desmatamento desordenado que provoca erosão e desertificação de áreas inteiras, são alguns exemplos conhecidos.

Nesse sentido, tem a mídia investido na divulgação desses danos por larga publicidade, notadamente nos casos de maiores danos, dado que o interesse da sociedade organizada tem sido crescente em relação a esses acontecimentos, mas, curiosamente, em tais reportagens, dificilmente vemos alguma matéria questionando o agente financeiro que injetou recursos naquele empreendimento causador do dano.

Geralmente as matérias buscam explicações com os agentes diretos causadores dos danos e dos órgãos estatais, bem como agregam pareceres de técnicos em matéria ambiental, mas, invariavelmente, nunca do agente financiador que fomentou o respectivo empreendimento danoso.

No sistema financeiro, uma das atividades mais nevrálgicas consiste em manter controlados e mensurados os diversos riscos a que estão sujeitos em suas atividades comerciais. Sabem os bancos que os riscos não podem ser eliminados na sua integralidade, todavia, com sistemas adequados de gestão, tais riscos podem ser mitigados no sentido de que, em se incorrendo neles, seus impactos sejam reduzidos no limite do possível.

Assim, conforme Securato, basicamente os agentes financeiros trabalham quatro grandes grupos de riscos, a saber:

Risco de Mercado: indica a possibilidade de se incorrer em perdas e prejuízos em função da oscilação de preços, índices e taxas em relação às posições adotadas pelos bancos em seus ativos e carteiras;

Risco de Liquidez: um dos principais riscos para sistema financeiro, indica a incapacidade de determinado agente em honrar seus compromissos em função do descasamento entre seus ativos e passivos e pode ser originado por uma falta de liquidez do próprio mercado ou do fluxo de caixa da instituição;

Risco de Crédito: está relacionado com o retorno dos capitais investidos, ou seja, a capacidade apresentada pelos tomadores de crédito em solver seus débitos nas datas avençadas. O risco de crédito também é um fator crítico da operação bancária, pois afeta os demais riscos numa espécie de efeito cascata, além de influenciar, diretamente, o custo do dinheiro numa correlação positiva, ou seja, quanto maior o risco de crédito de uma operação, tanto maior será o custo do dinheiro dessa mesma operação.

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Risco Operacional: como o próprio nome indica, está diretamente relacionado a processos internos, pessoas, sistemas operacionais ou mesmo eventos externos. Pode se desdobrar em Risco Legal, por conta de operações realizadas fora dos quesitos legais vigentes, em Risco de Imagem, em função de perdas ocasionadas por percepções negativas do mercado em relação ao comportamento e práticas da organização e também em Risco Ambiental, decorrentes de impactos causados ao meio-ambiente em função de suas operações diretas ou indiretas (danos causados por mutuários, por exemplo). (SECURATO, 1996).

Neste último risco, o ambiental, é que desejamos centralizar o foco do estudo, ou seja, a responsabilidade do agente financeiro no que diz respeito ao dano ambiental provocado pelos seus clientes financiados, notadamente nos financiamentos ao agronegócio, mediante a aplicabilidade da responsabilidade civil objetiva aos agentes financiadores do agronegócio.

4.2 DAS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS E A GESTÃO AMBIENTAL

Como já visto até o momento, os Bancos se constituem nos grandes fomentadores da economia moderna, quer pela via do financiamento das atividades empresariais, quer pela disponibilização de soluções em serviços bancários, mas, de toda sorte, são hoje, indubitavelmente, o grande motor econômico do mundo.

No que diz respeito aos financiamentos, possuem as instituições financeiras aparatos tecnológicos e recursos humanos altamente capacitados para efetuar análises de crédito no sentido de mitigar seus riscos e, dessa feita, garantir o adequado e tempestivo retorno dos capitais mutuados.

Além disso, na concepção de Fran Martins, os bancos superam a simplória definição de serem meros intermediários financeiros, sendo, na verdade, verdadeiros “mobilizadores de crédito”, visto que são sujeitos das operações e dos contratos que realizam, sendo, pois:

(...) empresas comerciais que têm por finalidade realizar a mobilização do crédito, principalmente mediante o recebimento, em depósito, de capitais de terceiros, e o empréstimo de importâncias, em seu próprio nome, aos que necessitam de capital. (MARTINS, 2007, p.497).

Todavia, dentre os diversos fatores de riscos existentes e que carecem de análise cuidadosa por parte dos agentes financeiros, até a década de 80 os bancos não estavam preocupados com possíveis riscos ambientais a que estariam submetidos ao financiar projetos potencialmente poluidores, visto ter sido realizada, em 1990, uma investigação empírica com bancos europeus, onde se concluiu que estas instituições não estavam interessadas em sua própria situação ambiental, nem da de seus clientes. (Esquivel, 2003).

No Brasil, com o advento da Lei 6.938/81, que discorre sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, inovou o legislador ao sedimentar o conceito de poluidor indireto e, assim o fazendo, trouxe ao agente financiador de atividades consideradas potenciais em dano ambiental, a obrigatoriedade de fiscalizar tais empreendimentos e, consequentemente, impondo-lhe a responsabilidade solidária caso ocorram, de fato, degradações ambientais relacionadas a tais financiamentos.

Sobre a Lei 6.938/81, Humberto Adami pontua que:

[...] O artigo 225 da Constituição Federal do Brasil encerra o dever do Poder Público, de preservar o meio ambiente ecologicamente equilibrado para as presentes e futuras gerações, mas também impõe o mesmo dever à Coletividade. Incluir-se neste conceito constitucional de Coletividade é para os bancos, públicos ou privados , uma prioridade urgente, pois, não se pode admitir que os bancos pretendam estar fora da coletividade. Lei de Política Nacional de Meio Ambiente: artigos 3o, 12o e 14o. A Lei da Política Nacional de Meio Ambiente em seus artigos 3º, 12º e 14º, traz dispositivos que, aplicados às instituições financeiras, em amplo sentido, eleva o financiamento, o crédito, ao nível de instrumento de controle ambiental. [...]os financiamentos, principalmente aqueles de incentivo governamental, deverão incorporar a componente ambiental quando de seu deferimento, a partir da realização de estudos de impacto ambiental prévios à análise dos projetos e ao deferimento do crédito, tal como já vem ocorrendo no âmbito do Banco Mundial. Entidades de financiamento são as instituições que lidam com dinheiro, sem qualquer subterfúgio ou filigrana jurídica, como pretendem alguns, ou outras interpretações destituídas de fundamento. Compreendem-se, neste setor, não só os bancos tradicionais, mas também as cooperativas, autarquias, sociedades de economia mista, bancos múltiplos e de investimento, e até fundos de pensão, enfim, todas aquelas instituições que possam, em sentido amplo, encaixar-se na expressão "entidades ou órgãos de financiamento e incentivo governamental", pois, do contrário, estarão violados o princípio e o espírito do artigo 225, da Carta Magna, no que se refere ao dever de defender e preservar o meio ambiente, a ser cumprido pelo Poder Público e pela coletividade. Assim, os bancos poderiam ficar inseridos nos deveres de indenização de reparar os danos ambientais causados, responsabilidade está qualificada como objetiva, ou sem perquirição da culpa, valendo considerar apenas o nexo de causalidade. (Grifo nosso). (SANTOS JR., 1998).

Em 1992 realizou-se, no Brasil, a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento – CNUMAD, encontro que ficou mundialmente conhecido como Eco-92, onde representantes de mais de 170 países reuniram-se na chamada “Cúpula da Terra” e produziram uma série de documentos e planos de ações a serem perseguidos pelas nações signatárias do encontro.

Muito embora as instituições financeiras privadas não tenham sito citadas, ao menos de maneira expressa, os agentes financeiros internacionais como BID e BIRD tiveram seu papel destacado como agentes importantes para o atingimento do objetivo de se instituir uma nova política ambiental e que para tal, os financiamentos, de qualquer origem, deveriam ser, doravante, direcionados para projetos e empreendimentos que estivessem aderentes aos princípios e diretrizes emanados do referido encontro.

Mais adiante, em novembro de 1995, o então Ministro do Meio Ambiente Carlos Minc Baumfeld, em conjunto com cinco bancos estatais e de economia mista, assinaram a chamada Carta de Princípios para o Desenvolvimento Sustentável, que ficou conhecida como “Protocolo Verde”[25]. O objetivo do protocolo era a incorporação, por parte dos bancos signatários, da dimensão ambiental nos seus sistemas de análise de viabilidade dos projetos financiados, priorizando e apoiando aqueles que apresentassem melhores condições de sustentabilidade. (ALIMONDA e LEÃO, 2005).

Dentre as diretrizes principais previstas no documento, salienta-se:

(...) 2.considerar os impactos e custos socioambientais na gestão de ativos (próprios e de terceiros) e nas análises de risco de clientes e de projetos de investimento, tendo por base a Política Nacional de meio ambiente: a) condicionar o financiamento de empreendimentos e atividades, potencial ou efetivamente poluidores ou que utilizem recursos naturais no processo produtivo, ao Licenciamento Ambiental, conforme legislação ambiental vigente; b) incorporar critérios socioambientais ao processo de análise e concessão de crédito para projetos de investimentos, considerando a magnitude de seus impactos e riscos e a necessidade de medidas mitigadoras e compensatórias; c) efetuar a análise socioambiental de clientes cujas atividades exijam o licenciamento ambiental e/ou que representem significativos impactos sociais adversos; d) considerar nas análises de crédito as recomendações e restrições do zoneamento agroecológico ou, preferencialmente, do zoneamento ecológico-econômico, quando houver; e) desenvolver e aplicar, compartilhadamente, padrões de desempenho socioambiental por setor produtivo para apoiar a avaliação de projetos de médio e alto impacto negativo. (PROTOCOLO VERDE, 1995).

Mais adiante, em julho de 2002, foi criada a Comissão de Responsabilidade Social e Sustentabilidade, pela Federação Brasileira de Bancos - FEBRABAN, tendo como missão precípua disseminar conceitos e práticas ligadas ao desenvolvimento sustentável dentro do sistema financeiro nacional, orientando os bancos no sentido de:

a) estimular a inserção das questões de desenvolvimento sustentável no âmbito da Federação, incluindo as demais comissões; b) contribuir para que a FEBRABAN transmita à sociedade o papel e a atuação do sistema financeiro para o desenvolvimento econômico e socioambiental do país; c) representar a FEBRABAN perante fóruns e entidades que discutem temas de desenvolvimento sustentável, particularmente nos âmbitos social e ambiental; d) promover a troca de experiências relacionadas ao desenvolvimento sustentável entre os associados e desenvolver possíveis ações conjunturais; e) desenvolver e implementar políticas e práticas de investimento social da FEBRABAN.

Um importante passo, no que tange à gestão ambiental e a responsabilidade do sistema financeiro em relação aos financiamentos de projetos sociais e ambientalmente responsáveis, foi o advento, em 2003, dos “Princípios do Equador”, lançado pela International Finance Corporation - IFC[26], também estabelecendo uma série de diretrizes socioambientais que precisam ser utilizadas pelas instituições financeiras quando do financiamento de projetos.

Ainda segundo o IFC, os riscos ambientais a que estão sujeitas as instituições financeiras são caracterizados como:

Risco Direto – são aqueles aos quais os bancos respondem diretamente como poluidores, riscos associados às suas próprias instalações, uso de papéis, equipamentos, energia, etc. Nessa modalidade se aplica diretamente o Princípio do Poluidor Pagador, ou seja, o banco deve internalizar nos seus custos os gastos com controle de poluição;

Risco IndiretoO risco ambiental afetaria a empresa com a qual o banco tem relacionamento como intermediador financeiro, via operações de créditos ou como detentor de ativos financeiros (ações ou títulos de dívida);

Risco de Reputação – os bancos vêm sofrendo pressão do público em geral e dos organismos não governamentais (ONGs) para adotar uma política de financiamento e investimento ambientalmente correta sob pena de terem sua reputação prejudicada diante da sociedade. A imagem dos bancos junto à sociedade é importante para o sucesso conjunto de suas atividades e é considerada como parte de seu patrimônio. (grifo nosso). (MIB[27] 1, 2003).

Também outro evento, realizado em maio de 2008, merece ser mencionado, quer pela representatividade do organizador, quer pela clara demonstração de inquietude dos participantes em relação às questões ambientais. Tratou-se do 6º Congresso de Direito Bancário, organizado pela FEBRABAN, tendo como um dos principais painéis de debates o tema da corresponsabilidade dos bancos em danos ambientais.

Neste congresso ficou evidente a preocupação das instituições em incorporar, nos seus critérios de análise e decisão de crédito, as variáveis socioambientais, bem como melhorar o monitoramento das cláusulas contratuais desses mútuos. Dentre os principais focos de preocupação ambiental dos bancos, os congressistas apontaram para três importantes temas:

a) a imagem institucional e a credibilidade dos bancos no contexto da responsabilidade socioambiental; b) o risco do negócio, em função dos passivos ambientais atribuíveis aos tomadores de empréstimos e financiamentos (capacidade de pagamento); c) a responsabilização jurídica dos bancos.

Desse debate, os congressistas, capitaneados pela FEBRABAN, concluíram pela necessidade de implementação de alguns procedimentos operacionais e gerenciais no sentido de mitigarem seus riscos e, dentre eles, cabe ressaltar:

a) estruturação de auditorias ambientais; b) análise de riscos ambientais; c) proteção contratual para facilitar possíveis ações de regresso por parte dos financiadores em relação aos seus financiados; d) encaminhamento de propostas ao legislativo, no sentido de buscar a delimitação da responsabilidade indireta dos bancos em caso de dano ambiental dos seus clientes mutuários.

Aqui já se pode perceber que as preocupações do sistema financeiro em relação aos seus financiamentos e o nexo causal desses contratos com possíveis danos ambientais, provocados por seus clientes, já atingiu um nível bastante considerável, entrando na pauta recorrente de suas discussões, notadamente no que diz respeito ao limite de sua responsabilização, pois num cenário crescente de preocupações socioambientais, tais responsabilidades tendem a se expandir muito rapidamente.

Nessa esteira crescente de preocupações ambientais, em abril de 2009 a FEBRABAN também passa a ser signatária do “Protocolo Verde”, juntando-se aos bancos públicos no perseguimento dos objetivos daquela Carta e as questões inerentes os impactos ambientais deixaram de ser catalogadas como meras preocupações, passando, definitivamente, a integrar o rol de pontos críticos dos bancos, quando da análise de projetos e financiamentos bancários.

Não obstante tais acordos e protocolos, salvo algumas exceções, tem o sistema financeiro atuado de forma bastante aquém das reais necessidades ambientais naquilo que lhe diz respeito, ou seja, no melhor e mais eficiente gerenciamento ambiental decorrentes dos seus financiamentos.

Pelo número de impactos ambientais de que se tem dado conta, na sua grande maioria alicerçados por financiamentos bancários, percebe-se que o gerenciamento ambiental das instituições financeiras ainda é bastante falho e, quando muito, bastante focado nas questões inerentes às exigibilidades de licenças e certificados, ou seja, na fase pé-liberatória dos recursos.

Nessa linha de raciocínio, sobre as atividades bancárias, esclarecem Santos e Finazzi:

Os bancos têm por função intermediar os recursos dos agentes poupadores com as necessidades de financiamento dos agentes deficitários. Por esse motivo, possuem responsabilidades pelo desenvolvimento sustentável e o meio ambiente (WBCSD, 1997; SCHMIDHEINY e ZORRAQUÍN, 1996; HPFEMBECK, 1993). Suas atividades diretas não produzem resíduos tóxicos poluidores da biosfera. Limitam-se ao consumo de papel, cartuchos de impressão, água, energia elétrica e produção de lixo inorgânico, os quais podem ser reciclados, reutilizados ou economizados. No entanto, os produtos financeiros, especificamente os financiamentos, podem ser utilizados para fomento das indústrias que degradam o meio ambiente, caso o foco seja unicamente as necessidades dos acionistas (COWTON e THOMPSON, 2000; SCHMIDHEINY e ZORRAQUÍN, 1996). Concluem Sarokin e Schulkin (1991, p.7) que “o negócio bancário está inextrincavelmente ligado ao fluxo de matérias-primas, produtos acabados, empregos e à qualidade do nosso ambiente natural”. (SANTOS e FINAZZI, 2008).

Concluem, ainda, citando Jeucken e Bouma, (2009):

(...) dessa forma, torna-se essencial na análise do risco de crédito dos tomadores de empréstimos e financiamentos, os aspectos inerentes à sua gestão ambiental. Quando os bancos financiam empresas ou atividades poluidoras que não manejam adequadamente seus resíduos, o risco de inadimplência é maior. A possibilidade de um desastre ambiental ou de intervenção do poder público envolvendo-as é iminente, paralisando suas atividades, interrompendo o fluxo de receitas e ocasionando a inadimplência. (SANTOS e FINAZZI, 2008).

O gerenciamento ambiental das instituições financeiras ainda foca muito seus próprios interesses corporativos, ou seja, baseiam-se na fase pré-contratual dos seus mútuos e, nessa visão essencialmente orgânica, procuram apenas se protegerem de possíveis ações por não cumprimento da legislação vigente.

Além disso, apesar de adotarmos a responsabilidade objetiva como impulso jurídico nas questões ambientais, a quase que completa ausência de julgados nessa linha doutrinária acaba por arrefecer, em algum grau, a participação mais efetiva dos Bancos na fiscalização de seus mútuos para além da fase de análise, ou seja, na fase de vigência dos referidos contratos, procurando eximirem-se da corresponsabilidade pelos danos eventualmente gerados por seus clientes.

Seria muita ingenuidade assumir que os riscos ambientais pudessem ser percebidos única e exclusivamente na fase de análise dos pleitos, dado que a apresentação dos laudos, documentos, licenças e certificados previstos em lei não têm garantido a correta aplicação dos recursos por parte dos clientes mutuários dos bancos, pois que, evidentemente, ocorre o dano tão logo os efeitos dos financiamentos se fazem perceber no fluxo de caixa das empresas tomadoras de tais créditos.

Em outras palavras, o dano ocorre, de fato, na fase de vigência dos contratos financeiros, ou mesmo após a vigência desses. No primeiro caso, durante a vigência dos empréstimos é que deveria haver, por parte do agente financeiro, uma preocupação mais efetiva, com ações mais pragmáticas e eficientes no sentido de detectar o curso da ação danosa ao ambiente, agindo de forma a evitá-lo ou mitigá-lo.

Este, talvez, seja o verdadeiro escopo do gerenciamento ambiental que se poderia esperar das instituições financeiras, até mesmo porque a tarefa de fiscalização e acompanhamento das operações financeiras sempre foi parte integrante do conceito mais amplo do processo de operações de crédito.

Nesse aspecto, observe-se as normas emanadas do Banco Central do Brasil, especificamente sobre o crédito rural, endereçadas aos agentes financeiros, claramente expostas na página da intranet daquela autarquia.

Na seção denominada FAQ-Crédito Rural, notadamente ao constante das questões de nº 8, 17 e 18, estão contidas orientações:

Quanto às exigências essenciais para a concessão de crédito rural: a) idoneidade do tomador; b) apresentação de orçamento, plano ou projeto, exceto em operações de desconto de Nota Promissória Rural ou de Duplicata Rural; c) oportunidade, suficiência e adequação de recursos; d) observância de cronograma de utilização e de reembolso; e) fiscalização do financiador; f) liberação do crédito diretamente aos agricultores ou por intermédio de suas associações formais ou informais, ou organizações cooperativas; g) observância das recomendações e restrições do zoneamento agroecológico e do Zoneamento Ecológico-Econômico (ZEE);

Quanto à obrigatoriedade de fiscalização dos financiamentos, por parte das instituições financeiras: a instituição financeira deve, obrigatoriamente, fiscalizar, sendo-lhe facultada a realização de fiscalização por amostragem em créditos de até R$170 mil. Essa amostragem consiste na obrigatoriedade de fiscalizar, diretamente, pelo menos 10% dos créditos deferidos em cada agência nos últimos 12 meses;

Quanto ao tempo em que as fiscalizações do crédito rural devam ocorrer: Deve ser efetuada nos seguintes momentos: a) crédito de custeio agrícola: antes da época prevista para a colheita; b) empréstimo do governo federal (EGF): no curso da operação; c) crédito de custeio pecuário: pelo menos uma vez no curso da operação, em época que seja possível verificar sua correta aplicação; d) crédito de investimento para construções, reformas ou ampliações de benfeitorias: até a conclusão do cronograma de execução, previsto no projeto; e) demais financiamentos: até 60 (sessenta) dias após cada utilização, para comprovar a realização das obras, serviços ou aquisições. (grifo nosso). (BACEN, FAQ-Crédito Rural, s/d).

Podemos afirmar, com toda a segurança, que a gestão ambiental, muito antes de ser uma decisão discricionária por parte dos agentes financeiros, é uma obrigatoriedade, pois que sendo norma emanada do BACEN, órgão normatizador e fiscalizador das instituições financeiras, vincula estas ao correto acompanhamento dos recursos financiados.

Ressalte-se que na maioria dos casos é o próprio financiamento bancário vital para a própria existência e continuidade da atividade ou empreendimento potencialmente ou efetivamente poluidor, de onde se vê a imperiosa necessidade da fiscalização do agente financiador no sentido de verificar a regularidade e licitude da aplicação dos recursos de tais mútuos.

De fato, o tema do gerenciamento ambiental, em particular nas instituições financeiras, tornou-se recorrente. Agora, não apenas como uma ferramenta de marketing, destinada a “vender” uma preocupação ambiental para a sociedade, mas como ferramenta de gestão dos créditos pactuados com clientes.

As instituições que avançarem nessa linha de atuação, certamente terão seus riscos mitigados, ainda que não eliminados totalmente, proporcionando o retorno mais tranquilo dos seus capitais, a correta aplicação dos recursos financiados e, adicionalmente, agregando valor à sociedade pela ação subsidiária de fiscalização e proteção ao meio ambiente.

Sobre o autor
Marcos Alex Silva dos Santos

Bancário, bacharel em direito, especialização em marketing.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SANTOS, Marcos Alex Silva. O financiamento do agronegócio e a responsabilidade dos agentes financeiros nos impactos ambientais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3299, 13 jul. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/22207. Acesso em: 22 nov. 2024.

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