Artigo 5º, LVII, LXII e LXXV:
A Justiça Criminal reflete grande parte das ansiedades da sociedade em relação ao que deve o Judiciário fazer.
Ocorre que a máquina judiciária, porque constituída por Homens, não pode furtar-se ao erro, e tanto assim é que a própria Constituição prevê um sistema recursal e Cortes de Justiça que decidem por maioria, a denotar que a certeza do Direito não se firma com a decisão de um único ser, e às vezes nem mesmo de um único colegiado.
É certo que há questões, notadamente no campo patrimonial, que não pode ensejar a tentativa do acerto absoluto, eis que muitas vezes a utilização indevida da máquina judiciária acaba inibindo a própria valoração do direito perseguido. Neste sentido, a instituição de Juizados e a definição de que o duplo grau de jurisdição não se encontra previsto constitucionalmente permitem ampliar o campo da atuação do Judiciário, ao inibir causas de menor valor econômico que, por outra via, teriam dificultada a solução no prazo razoável.
No entanto, quando se questiona a liberdade dos indivíduos, toda a discussão deve desviar do campo da celeridade para o campo da perseguição maior da verdade real, aquela que nem sempre é localizada no processo e que, por isso mesmo, ao não ser definida jurisdicionalmente, pode permitir a ocorrência do erro no julgamento, afetando a vida da pessoa naquilo que mais há de importante: a liberdade de ir e vir.
Por conta disso, deve ser minimizada a inaceitabilidade da prova ilícita, porque inadmissível, mais ainda, que alguém apenas pudesse provar sua inocência valendo-se de uma terceira prova que fosse desprezada judicialmente qual o Juiz teria tranqüilidade em sua consciência ao condenar alguém sabidamente inocente, apenas porque a prova que isto demonstraria fora recolhida de forma irregular. Não se trata de justificar o crime decorrente do recolhimento da prova por meio ilícito, mas permitir que o acusado responda por esse crime, muitas vezes menor em face da liberdade em discussão por crime que aquela prova permitiria desconstituir ou ao menos evidenciar inocência.
Também é necessário dispor melhor as vias de admissibilidade da ação de revisão criminal, que, diferentemente da ação rescisória, não tem tempo para propositura e decorre unicamente da apresentação de prova suficiente a demonstrar a inocência do condenado, ou ainda de nova regulamentação legal que caracterizaria inibição à permanência do mesmo preso.
Há que se evidenciar, ainda, que não apenas os juízos e tribunais criminais detém competência para declarar a prisão de alguém, eis que vários delitos, notadamente os vinculados à administração da Justiça, ocorrem perante juízos e tribunais não criminais, que não podem ter inibida a resposta pronta, como integrantes do Poder do Estado, efetivando o flagrante, como aliás qualquer pessoa do povo poderia fazer, desde, logicamente, que perdurem as garantias de julgamento criminal perante a autoridade competente para tanto, a qual deve ser imediatamente comunicada da prisão efetivada, inclusive a decorrente de prisão por juízo criminalmente incompetente, assim como comunicada deve ser a família do preso, ou a pessoa por este indicada.
Por fim, após tais filigranas que procuram efetivar o campo da segurança e da celeridade jurisdicional no campo criminal, cabe melhor discriminar as hipóteses de indenização por erro judiciário, estabelecendo a desnecessidade de processo judicial, de modo a permitir que a própria Administração, observados os parâmetros legais, corrija o erro, e resguardado, de todo modo, a perseguição pelo indevidamente preso ou detido da reparação de erro material ou moral decorrente da detenção ou condenação irregular.
Artigo 5º, LXVII e LXVIII:
Igualmente cabe melhor ser disciplinada a questão da prisão civil.
Atualmente, muitos magistrados se vêm inibidos de decretar a prisão civil de depositários infiéis e de inadimplentes alimentícios, dado o problema da lotação penitenciária e o risco de misturar-se pessoas em débito pecuniário, mas sem potencial ofensivo, com pessoas criminalmente perigosas.
Ao invés disso, deve ser permitido que o responsável por dívida civil inadimplida deva poder, ao invés de ser recolhido à prisão, prestar a obrigação por meio equivalente, conforme fixar o juiz, inibindo, assim, detenções que apenas acarretam ainda maior prejuízo à sociedade. Neste sentido, a possibilidade do devedor responder em benefício do credor e assim inibir a prisão, ainda que não diretamente pela via do pagamento pecuniário, acarretaria o imediato recolhimento de milhares de mandados de prisão que ou não são cumpridos pela Polícia, ou quando o são acabam por prejudicar ainda mais a satisfação da dívida, porque muitas vezes o devedor não consegue, na prisão, responder pecuniariamente, por inibido ao trabalho produtivo.
De todo modo, do mesmo modo, acreditamos que deva ser alargado o conceito de inadimplemento alimentício, para alcançar assim também a obrigação trabalhista, eis que o não pagamento voluntário de salários acarreta igual prejuízo na cadeia social, ao prejudicar a alimentação pelo trabalhador dos membros de sua família, pelo que o empregador que assim age deve ser responsabilizado a todo modo, inclusive com a ameaça de prisão civil se não cumprir a obrigação por modo equivalente.
Doutro lado, de modo a impedir ações indevidas neste campo, e de forma a descaracterizar o cunho criminal imprimido indevidamente à ação constitucional do habeas corpus, eis que o fato de sua regulamentação restar colocada no Código de Processo Penal não o inibe para situações de prisão de cunho civil, entendemos necessária a qualificação da amplitude da mesma e a normatização, a nível constitucional, da jurisprudência que entende a possibilidade de concedê-lo de ofício, de modo a alcançar-se, assim, também os alcançados por prisões de cunho civil.
Artigo 5º, LXXI:
A Constituição de 1988 instituiu o mandado de injunção, no intuito primeiro de viabilizar todos os preceitos constitucionais que dependem de produção normativa secundária. No entanto, no exame de cada Comissão Temática da Assembléia Constituinte, a redação original foi sendo modificada, ocasionando o atual dispositivo contido no item LXXI do artigo 5º da Constituição, o qual, envolvendo dificuldades pelo próprio caráter programático inserido em norma que deveria exatamente evitar isto, acabou sofrendo, no Supremo Tribunal Federal, interpretação que o caracterizou em similitude à ação direta de inconstitucionalidade por omissão, extraída esta do Direito Constitucional Português, apenas denotando a diferenciação quanto à legitimação ativa e os interesse de agir subjetivo.
Em monografia da nossa tese de pós-graduação em Direito Constitucional, "Mandado de Injunção", defendíamos então, quando ainda não sedimentado o entendimento do Excelso Pretório, as seguintes conclusões:
"(...) A sentença proferida em mandado de injunção pelo Tribunal competente consagra elementos próprios das sentenças normativas proferidas pelos Tribunais do Trabalho, muito embora com aspectos peculiares àquelas. O constituinte pátrio previu a omissão normativa e contra ela criou dois novos institutos no ordenamento jurídico brasileiro: o mandado de injunção, previsto no artigo 5º, inciso LXXI, e a ação direta de inconstitucionalidade por omissão, prevista no artigo 102, inciso I, alínea "a" c/c o artigo 103, parágrafo 2º, todos da Carta Maior. Nesta última, o efeito da decisão é declaratória e "erga omnes". Como a Constituição não admite institutos diversos para o mesmo fim, configura-se que o mandado de injunção ultrapassa o efeito meramente declaratório, passando a constitutivo, suprindo a omissão normativa, suprimento este que perdura até que o Poder competente se reinvista no papel que lhe cabe e edite a norma que faltava, sem, portanto, a eficácia da decisão judicial em mandado de injunção ultrapassar os limites do processo. Tal é o que se depara da interpretação sistemática do Texto Constitucional e da análise do artigo 4º da Lei de Introdução ao Código Civil, que, em suma, traduz o entendimento pátrio consubstanciado ao longo de décadas no sentido de que em havendo lacuna legal o Juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de Direito. De igual modo, o Tribunal provocado a julgar o mandado de injunção deve, ao configurar a existência da lacuna normativa que impede o Império da Constituição, decidir de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de Direito, além de autorizado o juízo de eqüidade, auferíveis sobretudo pelo próprio Texto Constitucional. (...) Suprindo a omissão normativa, o Judiciário não está usurpando atribuição constitucional do Legislativo, pelo simples fato de que não está a editar lei, mas suprindo lacuna em decorrência do poder expresso que lhe é conferido pela Carta Política. Do mesmo modo, em relação às decisões normativas expedidas pelas Casas Parlamentares, Tribunais e Administração Pública. A decisão judicial em mandado de injunção não alcança efeito "erga omnes", e, tendo restringido-se ao âmbito do processo, o alcance da decisão em muito diferirá do conseguido pela lei ou por ato normativo expedido pelo Poder Público. É lógico que a reiteração de decisões judiciais podem determinar a observação à jurisprudência firmada, mas, inclusive, tal observação pode ser sufragada ou corrigida nos pontos que forem julgados inconvenientes pelo Poder competente, ou pelo próprio Judiciário, como lhe faculta o art. 1.111 do Código de Processo Civil, aplicável à espécie. No caso particular da lei federal, o Legislativo é soberano na sua edição, tanto que para preservar a sua competência legislativa em face das atribuições normativas dos outros Poderes, neste caso especificamente o poder normativo do Judiciário em mandado de injunção, a própria Constituição estabeleceu o inciso XI do artigo 49, que fixa a competência exclusiva do Congresso Nacional para zelar pela preservação de sua competência legislativa. Deste modo, o poder normativo do Judiciário em mandado de injunção decorre de autorização constitucional, fiscalizada, no âmbito federal, pelo Congresso Nacional. O Texto Constitucional, inclusive, assim dispondo plenificou o artigo 2º ao evitar confrontos indesejáveis que se poderiam perfazer em se considerando meramente declaratório o mandado de injunção, pela simples verificação de que a negativa de cumprimento da decisão judicial apenas perpetuaria o descumprimento da garantia que se quer ver protegia, e os Poderes de harmônicos se travestiriam-se em beligerantes. Optaram, pois, sabiamente os nobres constituintes, preferindo conferir poder normativo ao Poder Judiciário em questão de mandado de injunção, por suprimentos que, portanto, apenas possuem efeitos no âmbito do processo, podendo ser observados, mas não valendo como norma formalmente considerada, de âmbito geral. Injunção é imposição, como nos ensina CALDAS AULETE. E, pelo mandado de injunção, como determina a Constituição, o Judiciário impõe a norma regulamentadora para tornar viável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à cidadania e à soberania, restringindo seus efeitos aos atos praticados sob seu amparo pelo Impetrante, ou pela coletividade representada. (...) É de ser notado o peculiar efeito produzido pela decisão judicial injuntória, cujas lições estão no processo gracioso (ou voluntário): a decisão surte efeito apenas "inter partes", no âmbito da relação jurídica processual, mas, em se tratando de sentenças constitutivas, repercutem "erga omnes", em virtude de sua própria natureza. (...) No mandado de injunção, a impetração decorre da resistência legítima de alguém face à inexistência da norma regulamentadora, por omissão da autoridade, entidade ou órgão próprio, que é substituído pelo Judiciário, momentaneamente, enquanto não se redime e edita a lei ou ato normativo exigido, compelindo, assim, a insurgir-se o Impetrante para ver suprida a falta da norma regulamentadora, não a composição da lide, porque esta resguarda-se na legitimidade da resistência de quem se negue a fazer ou deixar de fazer algo. Não há, quanto à autoridade, entidade ou órgão responsável pela edição da norma regulamentadora, propriamente resistência, mas falta; a mesma falta verificada na ação direta de inconstitucionalidade por omissão, cujo exame se faz em tese, e, portanto, sem configuração de lide, mas de controvérsia. Assim, o mandado de injunção traz ao Judiciário o conhecimento de questão controvertida incidente em relações fáticas que não carecem vir provadas, mas indicadas de forma a possibilitar ao Tribunal a formulação do suprimento referente à impetração. Com a sentença, a resistência perde sua legitimidade, possibilitando, em sendo frustrada a pretensão do antes impetrante, acionar o Judiciário agora com base em título judicial, tornado público com a publicação oficial ou o registro, contra quem resista. (...)"
(ALEXANDRE NERY DE OLIVEIRA, "Mandado de Injunção", tese de pós-gradução em Direito Constitucional pelo CEUB, Brasília-DF, 1990, pp. 38, 41/43, 52 e 54)
Ocorre que o Excelso Pretório, identificando o mandado de injunção com a ação direta de inconstitucionalidade por omissão, e em verdade cometendo o grave equívoco de por tal via interpretativa na verdade acarretar o alargamento da legitimidade ativa para a ação direta, eis que o mandado de injunção nada mais passou a ser que a ação direta de inconstitucionalidade por omissão permitida a outros que não os elencados no artigo 103 da Constituição Federal, inibiu, por sua vez, a aplicabilidade concreta de dispositivos constitucionais que ensejavam regulamentação legislativa. É verdade que o Supremo Tribunal, ao assim decidir, o fez por maioria de votos, mas a reiteração de pronunciamentos idênticos dificulta a alteração do entendimento pretoriano, exceto se a correção da redação, efetivamente vaga no Texto Constitucional vigente, resultar de emenda constitucional.
Com isto, o Judiciário passaria a ter a regulamentação do juízo de eqüidade em nível constitucional, trazendo ao cidadão maior efetividade do Direito postulado, eis que a omissão legislativa poderia ser celeremente suprida pelo Judiciário, para o caso concreto e para o interesse particular do impetrante, efetivando por completo as diretrizes da Constituição Federal, que, a par de já tão emendada, após pouco mais de uma década de sua vigência, ainda contém inúmeros dispositivos não regulamentados.
Ou seja, temos uma Constituição ainda carente de entendimento de seu alcance.
É bem verdade que preferiríamos ter a interpretar uma Constituição mais curta, que inclusive assim se permitisse ser entendida pelo Povo em geral, mas, certos de que tal demandaria uma nova Assembléia Constituinte, por todas as críticas que seriam impostas a uma emenda que aplicasse a revogação de capítulos constitucionalmente impróprios, há a necessidade de ser aprimorada a forma de validação da Carta Constitucional vigente, através da efetivação dos dispositivos ainda não regulamentados, neste caso, então, devendo o Judiciário ser suprido com os meios próprios a efetivar tal eficácia para casos concretos que lhe sejam submetidos.
Por conta disso, e porque nenhuma mácula acarreta ao artigo 2º da Constituição (veja-se o exemplo do poder normativo da Justiça do Trabalho, que serve de modelo ao defendido poder normativo supletivo em caso de mandado de injunção), propomos a melhor redação do inciso LXXI do artigo 5º da Carta Federal, de modo a permitir a devida efetivação dos dispositivos sem regulamentação, alargando o alcance da própria Constituição, eis que, atualmente, o mandado de injunção apenas preenche prateleiras de Tribunais, notadamente o Supremo Tribunal Federal, sem que se saiba muito ao certo qual a eficácia das decisões judiciais pronunciadas em relação aos mesmos, o que é inadmissível, notadamente ante a razão do constituinte para a inserção de tal ação no rol das garantias constitucionais.